Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01071/20.9BELRA
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INVESTIMENTO
ARRENDAMENTO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - A isenção fiscal do n.º 7 do art. 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), deve ser interpretada no sentido de que está sujeita à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aquele benefício fiscal sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação.
II - O ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre o contribuinte beneficiário (cfr. art. 14.º, n.º 2, do EBF).
III - Aos FIIAH, que têm um regime tributário especial e privativo, é inaplicável o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário.
Nº Convencional:JSTA000P30983
Nº do Documento:SA22023051001071/20
Data de Entrada:01/21/2022
Recorrente:BANCO 1... ARRENDAMENTO - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1071/20.9BELRA

RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima referida recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra as liquidações de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), efectuadas com referência à aquisição de dois prédios por ela efectuada antes de 31 de Dezembro de 2013 e por perda da isenção de que beneficiara ao abrigo do disposto no art. 8.º, n.º 7, do regime tributário especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional SIIAH, aprovado pelos arts. 102.º e 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, uma vez que vendeu esses prédios em 2018, sem que nunca os tenha destinado a arrendamento habitacional.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1. A Recorrente vem, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.ºs 1 e 2 e 282.º, n.º 1 do CPPT, interpor recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo, contra a decisão que decidiu julgar totalmente improcedente a impugnação judicial intentada contra as decisões de indeferimento às reclamações graciosas apresentadas, e, consequentemente, em manter as liquidações de IMT n.ºs ...34 e ...36, emitidas em 2018, pelo valor total de € 5.933,45 (cinco mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e cinco cêntimos);

2. A Recorrente delimita o seu objecto de recurso à apreciação de 3 questões fundamentais, nomeadamente, a de saber se a decisão em apreço padece de erro de julgamento, na aplicação do direito:
(a) Ao não apreciar a legalidade das liquidações à luz da norma ínsita no artigo 236.º, n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12;
(b) Ao determinar a aplicação analógica do artigo 14.º, n.º 3 do EBF e consequentemente, a caducidade da isenção do IMT;
(c) Ao determinar que a Impugnante não cumpriu o ónus de demonstrar que os pressupostos previstos no artigo 8.º, n.º 7, da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, à data em que os imóveis foram adquiridos e alienados estavam preenchidos, violando, assim, normas processuais adjectivas em matéria de distribuição de ónus.

3. Com relevância para a apreciação do presente recurso, a Recorrente chama à colação os pontos 1), 3) e 5) da matéria de facto dada como assente que determinou que:
(a) os imóveis foram adquiridos em data anterior a 31 de Dezembro de 2013;
(b) os imóveis foram alienados em Fevereiro de 2018; e,
(c) as liquidações em litígio foram solicitadas pelo sujeito passivo, “nos termos do n.º 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º e 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, com a redacção dada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, aplicável por força do artigo 236.º da Lei n.º 83-C, de 31/12”.

4. Invoca a Recorrente que a decisão do tribunal em não apreciar a legalidade das liquidações à luz da norma ínsita no artigo 236.º, n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, padece de erro de julgamento, porquanto as liquidações foram emitidas, precisamente, com base na obrigação decorrente do n.º 16 do artigo 8.º do RE, aditada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, como, aliás, decorre da factualidade dada como assente (cf. ponto 5) da fundamentação de facto).

5. Arredar a apreciação da legalidade das liquidações à luz do disposto no artigo 236.º, n.º 2 da Lei n.º 83-C/2013 é, pois, desvirtuar a principal linha argumentativa em que assentou a impugnação da Recorrente.

6. A Recorrente solicitou as liquidações com base no disposto no n.º 16 do artigo 8.º do RE, aditado pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013 e aplicável ex vi do artigo 236.º, n.º 2 aos imóveis adquiridos antes de 01.01.2014, pese embora considerando que a obrigação que se lhe impunha era ilegal, não só porque a mesma não existia à data que os imóveis foram adquiridos, mas sobretudo porque essa obrigação só passou a existir quando articulada com os novos pressupostos aditados pela Lei n.º 83-C/2013, que, no caso concreto, fazia depender a caducidade da isenção se os imóveis fossem alienados antes de decorridos 3 anos contados a partir de 01.01.2014. (cf. artigo 8.º, n.º 14 do RE).

7. Este pressuposto foi julgado inconstitucional, em pelo menos 4 acórdãos do TC, por violação do princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, quando aplicado a imóveis adquiridos até 31.12.2013.

8. Sendo de inferir que, se o requisito de que depende a obrigação de solicitar à AT a liquidação de IMT padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da protecção da confiança, quando aplicável a prédios adquiridos antes de 01.01.2014, então a própria obrigação de solicitar a liquidação, quando o prédio seja alienado antes de decorridos 3 anos contados de 01.01.2014, será necessariamente ilegal naquelas mesmas circunstâncias.

9. Termos em que andou mal o tribunal a quo ao decidir que a apreciação da inconstitucionalidade não tem qualquer relevância para o caso dos autos, porquanto é a questão jurídica basilar suscitada pela Recorrente para impugnar a legalidade das liquidações em crise.

10. Quanto à aplicação analógica do artigo 14.º, n.º 3 do EBF, entende a Recorrente que a mesma não é admissível na medida em que faz depender a caducidade da isenção da alienação do imóvel, independentemente dos imóveis terem estado afectos por determinado período, maior ou menor, ao fim extrafiscal que justificou o benefício.

11. Este pressuposto não foi pensado pelo legislador e a ser aplicado, por via de aplicação analógica, ao caso concreto viola o disposto no artigo 10.º do citado diploma.

12. Por outro lado, o artigo 14.º, n.º 3 do EBF prevê na sua letra que outros regimes (estabelecidos por lei) sejam aplicáveis em derrogação do princípio geral.

13. O regime tributário dos FIIAH apresenta-se como um conjunto de benefícios fiscais aplicáveis àquelas entidades, estabelecendo de forma integrada os termos e condições da sua aplicação e funcionamento, com sede perfeitamente autonomizada na lei do Orçamento do Estado que o consagrou, justificando-se em função do objecto exclusivo das entidades a que se aplicam – objecto esse determinado na lei e sujeito a supervisão da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários –, pelo que é, claramente, um regime diferente estabelecido por lei e com um propósito específico.

14. O Regime Tributário dos FIIAH nada dispôs quanto à caducidade do benefício até à alteração prevista na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, devido a uma opção clara do legislador aquando da criação daquele regime especial.

15. Fazendo operar a aplicação analógica do artigo 14.º, n.º 3 do EBF, a decisão do tribunal a quo padece de erro de julgamento ao fundamentar que a isenção só teve lugar “[p]or se tratar de um benefício automático e de a liquidação ter sido efectuada com base numa declaração, apresentada pelo Impugnante, nos termos do artigo 59.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, declaração essa que não terá sido correctamente preenchida no que toca aos requisitos necessários para beneficiar da referida isenção, devendo por isso concluir-se pela caducidade do benefício, nos termos do n.º 3 do art. 14.º do EBF.

16. A Recorrente discorda desta leitura dos factos e da aplicação do direito! Não houve qualquer erro no preenchimento das declarações quanto aos requisitos necessários para beneficiar da isenção, aquando da aquisição dos imóveis, porquanto os únicos requisitos de que dependia, à data, a isenção era que os prédios adquiridos pelos FIIAH se destinassem ao arrendamento para habitação permanente.

17. Nos termos do disposto no artigo 4.º (Composição do património) do regime tributário aplicável aos FIIAH, pelo menos, “75% do seu activo total deve[ria] ser constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente.” [negrito nosso]

18. Deste modo, os imóveis que integravam o património dos FIIAH (dentro dos limites fixados na lei) deveriam, pois, estar destinados a arrendamento para habitação permanente.

19. A integração dos imóveis no património do fundo destinado ao arrendamento determinava, desde logo, a eficácia constitutiva do benefício – que operava de forma automática –, não fazendo a lei depender a isenção de qualquer outro requisito, designadamente, do efectivo arrendamento ou quaisquer outras restrições à sua alienação – ficando assim cristalizada na ordem jurídica.

20. Concretizando à isenção em apreço, entende a Recorrente (e todos os sujeitos passivos que confiaram no regime fiscal criado em 2008 aplicável aos FIIAH) que para a mencionada isenção bastava que os imóveis integrassem o activo do fundo, destinado ao arrendamento.

21. Após uma leitura cuidada da fundamentação expendida pelo tribunal a quo, parece resultar que este não só faz depender a caducidade da isenção da alienação do imóvel, mas também do facto de a Recorrente não ter alegado nem feito prova de que os imóveis foram destinados ao arrendamento.

22. Sucede que, a fazer este raciocínio o tribunal a quo subverteu as regras do ónus impostas no artigo 74.º da LGT e 342.º do Código Civil (ex vi artigo 2.º, al. d) da LGT).

23. A declaração que consumou a atribuição da isenção foi a declaração que a Recorrente teve de entregar aquando da aquisição do imóvel; essa declaração foi correctamente preenchida, porquanto os pressupostos previstos no artigo 8.º, n.º 7 do regime tributário à data dos factos encontravam-se preenchidos;

24. Ou seja, os prédios adquiridos pelo FIIAH destinavam-se ao arrendamento para habitação permanente, sem que fosse exigido arrendamento efectivo em determinado prazo; o pressuposto verificava-se assim que integrava o activo do fundo (cf. artigo 4.º e 8.º, n.º 7 do regime tributário), informação esta que é pública e pode ser consultada no site da CMVM 2 [2 https://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/app/rc.cfm?num_fun=%24%23%24S%5F%220%20%20%0A].

25. Até 01.01.2014, a aquisição pelos FIIAH de imóveis destinados ao arrendamento constituía condição, simultaneamente, necessária e suficiente para atribuição das isenções concedidas no âmbito do IMT e IS.

26. Nenhum destes requisitos foi colocado em crise pela Autoridade Tributária à data da aquisição e nenhuma liquidação oficiosa posterior foi levada avante com base na não verificação dos pressupostos.

27. Foi com o cumprimento da obrigação ad hoc, ínsita no n.º 16 do artigo, aditada pela Lei n.º 83-C/2013, que a Autoridade Tributária veio determinar que a isenção foi mal concedida.

28. O único facto que a Recorrida se limitou a alegar como extintivo do direito à isenção é a própria alienação do imóvel, que não é mais do que o novo pressuposto, trazido pela Lei n.º 83-C/2013, que como já se viu é inconstitucional quando aplicada a imóveis adquiridos até 31.12.2013.

29. Mas esta mera alegação também não pode valer para se concluir pela caducidade da isenção. Com efeito, se a alienação implica uma impossibilidade futura de destinar um imóvel ao arrendamento, tal não significa que apesar da alienação, o imóvel não tenha sido destinado no passado, ou disponibilizado de modo efectivo ao arrendamento.

30. Era, pois, à Recorrida que cabia o ónus de alegar e provar o facto impeditivo da isenção concedida, ou seja, de vir demonstrar que apesar do imóvel integrar o activo do fundo, não foi disponibilizado para arrendamento, ao abrigo do disposto nos artigos 342.º, n.º 2 do Código Civil e 74.º da LGT.

31. Por todo o exposto, impõe-se concluir que, também neste segmento, a decisão padece de erro de julgamento ao considerar que cabia à Recorrente o ónus de demonstrar o preenchimento dos pressupostos de que dependia a isenção, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.

32. Admitindo-se, por mero dever de patrocínio, que operou a caducidade da isenção, pelos fundamentos apontados pelo tribunal a quo, entende-se, ainda assim, que a decisão enferma de erro na aplicação do direito ao não aplicar o disposto no artigo 49.º, n.º 2, do EBF, vigente à data dos factos.

33. Com efeito, concluindo pela caducidade da isenção, o que não se concede e só por mero dever de patrocínio se equaciona, é de aplicar a tributação-regra (cf. artigo 14.º, n.º 1 do EBF), que previa que os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário, mistos ou fechados de subscrição particular, beneficiavam de isenção de IMT em 50% (cf. artigo 49.º, n.º 2 do EBF), o que per si perpetua a ilegalidade das liquidações existentes.

34. A decisão do tribunal a quo foi completamente omissa no que a esta parte concerne, pese embora a Recorrente tenha feito referência a esta matéria (cf. artigo 53.º a 55.º da petição inicial), pelo que neste segmento a decisão padece de erro de julgamento por omissão de pronúncia, que desde já se invoca.

Pelo exposto, e com o douto suprimento do tribunal, que desde já se invoca, deve ser dado provimento ao presente recurso, tudo conforme requerido na presente alegação».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto começou por promover a devolução dos autos à 1.ª instância, para os fins previstos nos n.ºs 1 e 5 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), o que foi deferido.

1.5 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferiu despacho no qual sustentou que a sentença não enferma da invocada nulidade por omissão de pronúncia.

1.6 Regressados os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com extensa fundamentação, que nos permitimos resumir às linhas gerais: a perda da isenção fiscal não resultou da aplicação retroactiva do disposto no n.º 2 do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), mas antes do incumprimento de um requisito do regime fiscal dos FIIAH desde o início do regime, qual seja a afectação a arrendamento para habitação permanente, previsto no n.º 7 do art. 8.º do regime fiscal especial criado pelos arts. 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu como provados os seguintes factos:

«1) Banco 1... Arrendamento - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, ora impugnante, adquiriu, em data anterior a 31 de Dezembro de 2013 e beneficiando da isenção de IMT conferida pelo artigo 8.º, n.º 7, do Regime Especial dos FIIAH (aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro), os seguintes prédios:
a) Prédio urbano, sito na Freguesia ..., concelho ..., inscrito sob o artigo matricial ...03;
b) Prédio urbano sito na União de Freguesias ... (...), ... e ..., concelho ..., inscrito sob o artigo matricial ...39;
– facto não controvertido;

2) Em 2018, o impugnante procedeu à venda dos imóveis referidos em 1) – facto não controvertido e cfr. informação constante nas decisões das reclamações graciosas constantes de fls. 352 da paginação electrónica;

3) Nos dias 7 e 12 de Fevereiro de 2018, o impugnante solicitou junto da Administração Tributária a liquidação de IMT relativamente à alienação dos imóveis referidos em 1) – facto não controvertido e cfr. liquidações juntas como documento ... da p.i., de fls. 18 a 20 do suporte físico dos autos;

4) Na sequência da solicitação referida em 3), a Administração Tributária emitiu as liquidações de IMT com os n.ºs ...34 e ...36, com os montantes de € 5.136,88 e € 796,57, respectivamente – cfr. documento ... junto com a p.i., de fls. 18 a 20 do suporte físico dos autos;

5) Nas liquidações de IMT consta a seguinte descrição:
Em (…), o sujeito passivo solicitou a liquidação de IMT, nos termos do n.º 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, com a redacção dada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, aplicável por força do artigo 236.º da Lei n.º 83-C, de 31/12-IMT Inicial (…), com o benefício Código 92 FIIAH/SIIAH (artigo 87.º do OE/09), pelo preço de (…)” – cfr. documento ... da p.i. de fls. 18 a 20 do suporte físico dos autos;

6) No dia 15 de Fevereiro de 2018, o impugnante procedeu ao pagamento dos montantes objecto das indicadas liquidações de IMT – cfr. documento ... da p.i., de fls. 21 do suporte físico dos autos;

7) No dia 7 de Junho de 2018, o impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas em 4) – cfr. documento de fls. 122 e seguintes da paginação electrónica;

8) No dia 14 de Setembro de 2019, o ora impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida em 7) – cfr. documento de fls. 92 a 97 da paginação electrónica».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A sociedade ora Recorrente, que é um FIIAH constituído ao abrigo do disposto no respectivo regime jurídico, adquiriu, antes de 31 de Dezembro de 2013, dois prédios com isenção de IMT ao abrigo do disposto no art. 8.º, n.º 7, do Regime Especial dos FIIAH (adiante também referido, abreviadamente, por RE) criado pelo art. 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009.
Em Fevereiro de 2018 vendeu esses prédios e solicitou a liquidação do IMT devido.
Na sequência desse pedido de liquidação, a AT considerou que, uma vez que a ora Recorrente vendeu esses prédios em 2018 sem que nunca os tenha destinado a arrendamento habitacional, as isenções fiscais de que a ora Recorrente havia beneficiado quando da aquisição tinham caducado, motivo por que procedeu às consequentes liquidações de IMT e respectivos juros compensatórios.
A ora Recorrente reclamou graciosamente e, na sequência do indeferimento da reclamação, apresentou a presente impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. Considerou, em síntese, que as liquidações foram efectuadas nos termos dos n.ºs 14 a 16, aditados ao art. 8.º do RE pelo art. 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) e do n.º 2 do art. 236.º deste mesma Lei, sendo que à situação é inaplicável o regime geral do n.º 3 do art. 14.º do EBF, pois está sujeita a um regime especial, qual seja o já referido Regime Especial dos FIIAH; que, no âmbito deste RE, a isenção de IMT de que beneficiavam os FIIAH no momento da aquisição, bastava-se a destinação do prédio a arrendamento habitacional permanente, não dependendo da consumação do arrendamento efectivo num determinado prazo nem se previa qualquer consequência para a alienação do prédio nesse mesmo prazo, não tendo o legislador feito correr por conta dos ditos fundos o risco da não realização do arrendamento; que os n.ºs 14 a 16, aditados ao art. 8.º do RE pelo art. 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), vieram estabelecer um novo requisito para as referidas isenções – designadamente, que a afectação a arrendamento para habitação permanente ocorra no período de três anos após a entrada do imóvel no fundo, sob pena de este ter que pedir a liquidação do IMT devido pela aquisição –, requisito esses que, nos termos da norma transitória contida no n.º 2 do mesmo art. 236.º, também seriam aplicáveis aos prédios que tivessem sido adquiridos antes de 1 de Janeiro de 2014; que essa norma transitória é inconstitucional por violação do princípio da tutela da confiança decorrente do art. 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inconstitucionalidade que foi já declarada pelo Tribunal Constitucional em diversas decisões, é inaplicável à situação sub judice, motivo por que as liquidações devem ter-se por inválidas e ser anuladas.

2.2.1.2 A sentença julgou improcedente a impugnação judicial. Considerou, em síntese, que a ora Recorrente beneficiou da isenção de IMT quando da aquisição dos prédios ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 8.º do RE e «é à luz do disposto no citado n.º 7 que a apreciação da questão agora em apreço tem de ser resolvida»; nos termos dessa norma legal, a isenção dependia de os prédios serem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente; que a Impugnante não alegou factualidade que permite concluir por essa destinação, como lhe competia ao abrigo do disposto no art. 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT); que a Impugnante beneficiou da isenção em face da declaração por ela apresentada quando da aquisição dos prédios, por se tratar de um benefício automático, e que o benefício ficou sem efeito (caducou), nos termos do n.º 3 do art. 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), norma cuja aplicação não pode ser afastada com o argumento de que estamos perante um regime especial, na medida em que o RE em causa «é omisso no que toca ao regime de caducidade dos benefícios fiscais no mesmo concedidos, sendo, por isso, de aplicar, nesta matéria, o regime geral da legislação tributária»; que a inconstitucionalidade do n.º 2 do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, «não tem qualquer relevância para o caso dos autos, uma vez que, conforme acima referimos, a isenção de IMT dependia do preenchimento dos requisitos vertidos no n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, mas relativamente aos referidos requisitos nada foi alegado nem dado como provado»; que «o facto de o regime jurídico dos FIIAH não ter estabelecido, ab initio, um prazo limite para a celebração efectiva daqueles contratos de arrendamento, em nada obsta à conclusão de que a não afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente implicava o incumprimento dos pressupostos em que assentou a concessão da isenção do IMT, isto é, de que a destinação dos imóveis a um fim que não o arrendamento para habitação própria permanente determinava a caducidade da isenção».

2.2.1.3 Inconformada com a sentença, a Impugnante dela recorreu para este Supremo Tribunal.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, que acima ficaram transcritas, as questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na medida em que confirmou a caducidade da isenção de IMT relativamente a dois prédios adquiridos pela ora Recorrente antes de 31 de Dezembro de 2013,

i) quer por não ter apreciado a questão à luz do n.º 2 do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, norma que é inconstitucional por violação do princípio da confiança (cfr. conclusões 2. e 4. a 9.),

ii) quer por ter considerado aplicável à situação sub judice o disposto art. 14.º, n.º 3, do EBF (cfr. conclusões 2. e 10. a 20.),

iii) quer, finalmente, por ter feito errada aplicação das regras da distribuição do ónus da prova (cfr. conclusões 2. e 21. a 31.).

Subsidiariamente, i.e., para a eventualidade de todas aquelas questões serem respondidas negativamente,

iv) se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade, in casu, do disposto no art. 49.º, n.º 2, do EBF, vigente à data dos factos (cfr. conclusões 32. a 34.).

2.2.2 DA (IR)RELEVÂNCIA DA APRECIAÇÃO DA CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL DO N.º 2 DO ART. 235.º DA LEI N.º 83-C/2013, DE 31 DE DEZEMBRO (ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2014)

Pretende a Recorrente que a questão deveria ter sido analisada à luz do n.º 2 do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, conjugado com o n.º 16 do art. 8.º do referido RE e que, porque o Tribunal Constitucional, por diversas vezes (A Recorrente refere os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- de 5 de Abril de 2018, acórdão com n.º 175/2018, proferido no processo com o n.º 175/2017 e 246/2017, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180175.html;
- de 9 de Outubro de 2018, acórdão com n.º 489/2018, proferido no processo com o n.º 1014/16, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180489.html;
- de 23 de Outubro de 2019, acórdão com n.º 622/2019, proferido no processo com o n.º 915/2018, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190622.html.
Para além desses acórdãos, vide também as seguintes decisões sumárias do Tribunal Constitucional:
- de 10 de Julho de 2018, decisão sumária n.º 485/2018, proferida no processo com o n.º 865/17, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20180485.html;
- de 3 de Fevereiro de 2022, decisão sumária n.º 93/2022, proferida no processo n.º 45/2022, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20220093.html;
- de 19 de Abril de 2022, decisão sumária n.º 307/2022, proferida no processo com o n.º 403/2022, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20220307.html.), julgou inconstitucional «[…] por violação do princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH consagrado no artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na redacção da referida Lei n.º 83-C/2013, com o sentido de que há lugar à liquidação de IMT e de Imposto de Selo (por caducidade das respectivas isenções respectivas previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º) relativamente a imóveis que, tendo sido adquiridos por fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, em momento anterior a 1 de Janeiro de 2014, sejam vendidos antes de decorrido o prazo de 3 anos (previsto naquele primeiro preceito) contados a partir de 1 de Janeiro de 2014, sem que tenham sido objecto de contrato de arrendamento habitacional», as liquidações ora sob apreciação deveriam ter sido anuladas. Isto, porque a Recorrente parte do pressuposto de que «a liquidação foi realizada, precisamente, com base na obrigação decorrente do n.º 16 do artigo 8.º do RE, aditada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013 e aplicável aos imóveis adquiridos antes de 31.12.2013, por força do disposto no artigo 236.º, n.º 2 da citada Lei – como, aliás, decorre da factualidade dada como assente (cf. ponto 5) da fundamentação de facto».
O pressuposto em que a Recorrente assenta esta argumentação é errado: as liquidações foram efectuadas porque a AT, em face da verificação de que os prédios foram vendidos sem que tenham sido arrendados para habitação permanente, concluiu que caducou a isenção de IMT de que a ora Recorrente beneficiara, ao abrigo do n.º 7 do art. 8.º do RE, aquando da aquisição dos mesmos.
Mas, contrariamente, ao que sustenta a Recorrente, nada permite concluir que a caducidade dessa isenção tenha operado por efeito da aplicação do n.º 16 aditado ao art. 8.º do RE pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) – designadamente, não o permite a invocada alínea 5) dos factos provados, onde apenas ficou registado que a ora Recorrente pediu a liquidação ao abrigo dessa norma legal – e, em consequência, da aplicação retroactiva dos novos pressupostos aí fixados, designadamente por força norma do n.º 2 do art. 236.º da Lei n.º 83 C/2013; a caducidade da isenção resultou, apenas, da verificação do incumprimento das condições prescritas pelo n.º 7 do art. 8.º do RE, ou seja, da verificação de que a ora Recorrente não destinou os prédios a arrendamento para habitação permanente. Dito de outro modo, o que determinou a caducidade da isenção não foi o facto de a ora Recorrente não ter arrendado os prédios para habitação permanente num determinado prazo após a sua aquisição; foi, isso sim, o facto de não ter destinado os prédios para habitação permanente, ou seja, de lhes ter dado destino diferente daquele que constituía o pressuposto para a concessão do benefício fiscal, facto verificado aquando da venda dos mesmos.
Foi isso que ficou dito (e bem) na sentença recorrida, que concluiu pela irrelevância da apreciação da conformidade constitucional do n.º 2 do art. 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) para a solução a dar ao caso sub judice.

2.2.3 DOS PRESSUPOSTOS NORMATIVOS DO BENEFÍCIO FISCAL PREVISTO NO N.º 7 DO ART. 8.º DO REGIME JURÍDICO DOS FIIAH (NA SUA REDACÇÃO INICIAL), DA CADUCIDADE DO BENEFÍCIO POR INCUMPRIMENTO DO PRESSUPOSTO RESPEITANTE AO DESTINO DO PRÉDIO E DO ÓNUS DA PROVA

Como decidiu a sentença recorrida, a caducidade do benefício concedido à ora Recorrente, previsto no n.º 7 do art. 8.º do regime jurídico dos FIIAH (na sua redacção inicial) resultou da verificação do incumprimento da condição (resolutiva) de que aquele preceito faz, desde a redacção inicial daquele artigo, depender o benefício, qual seja a efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente e, por isso, da aplicação do art. 14.º, n.º 3, do EBF (que dispõe: «Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei»).
A Recorrente discorda da aplicação à situação sub judice do disposto no art. 14.º, n.º 3, do EBF, uma vez que sustenta que a natureza especial do regime jurídico dos FIIAH afasta a aplicação do preceito, como resulta da parte final do mesmo.
A questão da “correcta interpretação dos pressupostos normativos do benefício fiscal previsto no art. 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original” e da caducidade desse benefício foi objecto de pronúncia unânime pela totalidade dos Conselheiros em funções nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão do Pleno proferido em 24 de Novembro de 2021 no processo n.º 23/21.6BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/3039ee1e35f4e9978025879c00454cb3.), onde se concluiu que as isenções fiscais dos n.ºs 6 (IMI), 7 (IMT) e 8 (IS) do art. 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, que é a do Orçamento do Estado para 2009, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação. É essa interpretação que também aqui acolhemos (art. 8.º, n.º 3, do Código Civil), assim como a fundamentação que a suportou. Aí ficou dito:

«A questão que cumpre apreciar é, afinal, a de saber se é ou não correcta a interpretação formulada pela AT e acolhida pela decisão […] recorrida, de que dos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH (ou seja, na sua redacção original deste artigo 8.º dos FIIAH) já resulta a caducidade dos benefícios fiscais aí previstos (isenção de IMT, IMI e IS) caso os imóveis adquiridos ao abrigo daquele regime jurídico venham a ser alienados sem nunca terem sido arrendados.
No essencial, o que há a interpretar é a expressão “destinados ao arrendamento para habitação permanente”, que é aquela que se repete nas três normas e que assegura a isenção de IMT e de IS no momento do facto tributário aquisitivo, bem como a isenção de IMI pelo período em que estes imóveis “se mantiverem na carteira do FIIAH”.
Para a AT “destinados” significa neste caso que esse tem de ser um fim alcançado por aqueles imóveis antes da respectiva alienação, sob pena de caducidade do benefício. A AT defende […], com fundamento no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, que a alienação dos imóveis sem que os mesmos tenham sido objecto de arrendamento determina a caducidade do benefício fiscal. E os FIIAH entendem que o disposto neste artigo do EBF só poderia aplicar-se ao caso se expressamente se tivesse previsto essa condição no regime jurídico em causa, em especial no referido artigo 8.º aqui em análise.
Porém, carece de fundamento jurídico a tese de que estamos perante um “benefício fiscal incondicionado”, pois tudo aponta para que este seja um benefício fiscal condicionado, do tipo previsto no n.º 2 do artigo 14.º do EBF (i.e., condicionado ao cumprimento do fim para o qual este benefício fiscal foi criado e que, segundo o relatório do OE/2009, era o de apoiar as famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação) e que sem a verificação dessa condição, que tem natureza resolutiva, o benefício fiscal caduque, impondo-se a recuperação dos montantes da despesa fiscal indevidamente suportada pelo Estado.
Para os Representantes dos FIIAH aquele benefício fiscal tinha aposta uma condição que teria de reconduzir-se a uma obrigação de meios e não de resultados, ou seja, para cumprir a condição bastaria que os imóveis do Fundo fossem disponibilizados para arrendamento, mas não podia exigir-se que fossem efectivamente arrendados, pois a condição nesse caso deixaria de depender apenas de obrigações que pudessem ser impostas ao beneficiário e ficaria na dependência de condições de mercado, o que não tem sentido no âmbito da construção de um benefício fiscal. E por essa razão, esse nunca poderia ter sido o sentido original da norma, pois ela nunca poderia ser interpretada assim por um “destinatário normal”.
E acrescentam ainda que a imposição de uma autorização prévia do Ministro das Finanças para a alienação, sob cominação de caducidade do benefício fiscal constitui um “aditamento ao tipo normativo legal”, por via interpretativa administrativa que viola o princípio da legalidade fiscal, na dimensão do princípio da tipicidade, ou seja, a AT impôs uma condição que só o legislador poderia exigir, atento o facto de este ser um domínio de reserva de competência legislativa (artigo 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i da CRP).
Vejamos o sentido que se pode extrair da norma a partir dos elementos da interpretação jurídica.
[…] O elemento literal diz-nos que estamos efectivamente perante um benefício fiscal condicionado. É isso que se infere, claramente, dos pressupostos normativos em causa:
«[…]
Artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12
(…)
6- Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
7- Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8- Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.
[…]».
Só se podem considerar isentos de IMI os imóveis integrados na carteira do FIIAH enquanto estejam destinados ao arrendamento para habitação permanente, assim como só podem considerar-se isentos de IMT as aquisições de prédios efectuadas por estes FIIAH destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente e só podem considerar-se isentos de IS os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos.
O elemento literal da interpretação jurídica parece apontar já para o sentido que veio a ser acolhido na decisão arbitral recorrida, sobretudo a partir da letra do n.º 8 do artigo 8.º onde expressamente se faz referência à substancialidade do negócio que se pretendeu isentar, identificando-o com a “conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento”.
[…] E o elemento histórico aponta no mesmo sentido, como resulta do texto que serve de base à proposta do Orçamento do Estado para 2009 e, por isso, à criação do regime jurídico em questão e que aqui passamos a transcrever:
«[…]
Criação dos Fundos de Investimento Imobiliário Arrendamento Habitacional
Merece igualmente referência a iniciativa em matéria de criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário especificamente vocacionados para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento habitacional. Com esta iniciativa pretende-se criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de Dezembro de 2020. O presente regime é aplicável a fundos e sociedades constituídas nos cinco anos subsequentes à entrada em vigor da lei e aos imóveis por aqueles adquiridos nesse período.
No essencial, vem prever-se a criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário cujo activo total seja constituído, numa percentagem não inferior a 75%, por imóveis situados em Portugal destinados ao arrendamento para habitação permanente. Deste modo, pretende-se criar as condições necessárias, à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, alienar o respectivo imóvel ao fundo ou à sociedade, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel que arrendem ao fundo.
Propõe-se que o regime fiscal destes fundos contemple:
Isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) sobre os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2014.
Isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC sobre os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.
Isenção de IRS sobre as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, desde que a relação de arrendamento se mantenha e venha a ser exercida a opção de compra no final.
Dedução à colecta em IRS das importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.
Isenção de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, para os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente.
Isenção de IMT nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente ou de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.
Isenção de Imposto do Selo em todos os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, bem como com o exercício da opção de compra.
Isenção de taxas de supervisão para as entidades gestoras de FIIAH no que respeita à gestão de fundos desta natureza.
[…]»
Daqui resulta que a finalidade deste benefício fiscal não era a criação de fundos de investimento imobiliário e sim a colocação de imóveis no mercado de arrendamento, bem como o apoio transitório às famílias oneradas com os empréstimos, permitindo-lhes “converter” o crédito à habitação em arrendamento para habitação permanente com condições mais favoráveis.
E tanto assim é que o benefício foi estruturado sob uma “dupla despesa fiscal”: a despesa decorrente das isenções de IMT, IS e IMI em benefício dos fundos e a despesa decorrente da “conversão do empréstimo em arrendamento” em benefício das pessoas singulares que passariam a arrendatárias dos imóveis transmitidos a esses fundos e para, para esse efeito, beneficiariam de isenção de mais-valias no momento da transmissão e de uma dedução à colecta de IRS correspondente a uma parte do valor das rendas.
Trata-se, por conseguinte, de um benefício fiscal complexo, que se tem de interpretar e analisar de forma conjunta e estruturada e não segmentária, como propõe o Recorrente, bem como de um benefício fiscal dinâmico, que pressupõe operações de conversão de empréstimos em arrendamentos e não um benefício fiscal estático a favor dos FIIAH, em razão da sua mera constituição associada a uma atitude passiva no respeitante à afectação dos imóveis ao arrendamento.
Ainda no âmbito do elemento histórico veja-se:
- o que disse o Primeiro Ministro por ocasião do debate na generalidade ao apresentar esta medida: “(…) Em terceiro lugar, as famílias com habitação própria vêem diminuídos os seus encargos com o IMI e substancialmente aumentada a dedução, em sede de IRS, das despesas com juros. Para os contribuintes de mais baixos rendimentos, isto significa o aumento em 50% desta dedução fiscal. E o Estado incentiva, por via fiscal, o desenvolvimento dos fundos de arrendamento, que representam mais um instrumento a que as famílias podem recorrer para protegerem o seu património e rendimento numa época de maior dificuldade económica (…)” [in Diário da AR, n.º 16, de 6 de Novembro de 2008, pp. 61];
- o diálogo parlamentar quando se questionou especificamente a finalidade da medida e os beneficiários da mesma segundo a intencionalidade da norma: “(…) A Sr.ª AA (...): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, na verdade, as questões que tenho para lhe colocar têm a ver com uma matéria que o Sr. Primeiro-Ministro tem procurado fazer passar em silêncio ao longo de todo este debate, tendo já sido questionado sobre ela duas, três vezes — trata-se dos fundos de investimento imobiliário para o arrendamento —, mas as perguntas caiem no silêncio. Ora, isso é a demonstração de como as respostas do Governo para responder às necessidades desta emergência social, para responder à crise não estão à altura das necessidades sociais das pessoas que se colocam hoje em dia. A minha primeira questão tem a ver com a injustiça que está subjacente a estes fundos. Isto é, pessoas que compraram casa numa altura de especulação, de alta de preço das habitações, em que o valor do crédito que contraíram com o banco subiu, vão agora entregá-las ao Fundo, numa altura em que as casas são avaliadas por baixo, porque estão desvalorizadas.
Sr. Primeiro-Ministro, o que lhe quero perguntar é o seguinte: admite que estas pessoas, que já foram prejudicadas pelas flutuações do valor da sua habitação e pela desvalorização do investimento que fizeram, paguem uma renda ao mesmo banco para o qual têm estado a pagar juros ao longo de todos estes anos e cheguem ao final do processo a pagar para habitar uma casa em relação à qual mantêm um endividamento com esse banco no final das contas? Esta medida é da sua responsabilidade, Sr. Primeiro-Ministro!! Porque se cria uma figura que, segundo o Sr. Primeiro-Ministro, é para resolver um dos problemas centrais de hoje, tem de dizer qual é a medida da sua responsabilidade e da sua garantia em relação a estes proprietários.
A segunda questão que lhe quero colocar tem a ver a justificação da criação deste verdadeiro paraíso fiscal. Porque estes fundos de investimento imobiliário beneficiam de isenções de IRC, de IMI, de IRS sobre a distribuição das receitas dos fundos. Ora, Sr. Primeiro-Ministro, na verdade este é um bom negócio para a banca! É um negócio tão bom que todos os promotores imobiliários começam já a «pôr-se em bicos de pés» para entrarem também neste negócio.
Sr. Primeiro-Ministro, tem de explicar este paraíso fiscal que o senhor e o seu Governo estão a criar com estes fundos, porque ele é um acréscimo de todos os benefícios que os contribuintes já estão a pagar à banca para a sustentabilidade do sistema financeiro.
(…)
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, começo pelos fundos de arrendamento. Os fundos de arrendamento são uma iniciativa do Governo para criar um incentivo fiscal a que esses fundos constituam mais uma alternativa para as pessoas com dificuldades no pagamento das prestações mensais na habitação. Não é uma medida que vise dar casas às pessoas, porque isso é impossível, mas é uma medida à qual as pessoas podem, se quiserem, recorrer. É mais uma possibilidade. Ora, estamos a falar de pessoas que, sem esta alternativa, possivelmente ficariam sem as casas. Esta alternativa é uma alternativa boa para as pessoas porque naquele momento as pessoas têm a hipótese»
(….)
O Sr. Primeiro-Ministro: — Naquele momento as pessoas têm mais uma possibilidade. Esta alternativa destina-se só a quem quiser. É mais uma possibilidade e ninguém é obrigado a fazê-lo.
Em muitos casos as alternativas são ou entregar a casa e ficar sem casa ou negociar com o banco. Ou seja, naquele momento a casa é avaliada pelo valor do mercado. O banco paga pelo valor do mercado»
O Sr. BB (...): — Em baixa!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Em baixa, neste momento» Não, desculpem, mas o valor do arrendamento também será em função do mercado naquele momento. Claro está que, no futuro, as pessoas terão a opção de comprar a casa»
O Sr. CC (...): — Em alta!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Em alta?! Como é que sabemos se é em alta ou se é em baixa? Os senhores acham. Qual é a alternativa? A alternativa que os senhores estão a sugerir é a seguinte: «Bom, quem não pode pagar não paga e ficará na casa a pagar uma renda. E o banco fica prejudicado com essa situação.»
O Sr. BB (...): — Não, não!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas isso não pode ser. Ó Sr. Deputado, esta é mais uma possibilidade, que os senhores não querem reconhecer, a que muitas pessoas recorrerão e ficarão satisfeitas com isso porque lhes permitirá viver na mesma casa e ter mais uma possibilidade de, vivendo na mesma casa, pagar uma renda que está de acordo com as suas possibilidades.
Mais tarde, se o quiserem fazer, ficam de novo com a casa. Julgo que esta solução é benéfica.
O que fazemos é criar um sistema fiscal atractivo justamente para beneficiar as pessoas, para que essas pessoas não tenham ainda o encargo do pagamento de impostos que teriam de pagar caso tivessem de fazer o arrendamento de outra forma.» [in Diário da AR, n.º 16, de 6 de Novembro de 2008, pp. 98-100].
- e o que disse, na mesma ocasião, o Ministro das Finanças: “(…) Ao mesmo tempo, com a verificação do agravamento dos encargos das famílias com a habitação, o Governo actuou prontamente para atenuar esses efeitos, especialmente sobre as famílias mais carenciadas, tendo aprovado a redução da taxa máxima do IMI e o alargamento do prazo de isenção desse imposto; a isenção regressiva nos valores de dedução à colecta com os encargos com a habitação, que pode chegar aos 50% para os escalões mais baixos de IRS, beneficiando quase um milhão de famílias. Eliminamos também barreiras económicas ou legais, quer à renegociação das condições dos empréstimos quer à respectiva mobilidade entre instituições. A própria proposta de criação dos fundos de arrendamento habitacional, beneficiando de um regime fiscal mais favorável, garantirá o acesso à habitação em condições mais vantajosas que as actualmente existentes. Todas estas medidas ajudam a economia, pois apoiam um número muito significativo de empresas e de famílias. (…)» [in Diário da AR, n.º 17, de 7 de Novembro de 2008, pp. 26].
E cabe ainda sublinhar que a Portaria n.º 1553-A/2008, que veio tornar operativas algumas normas do regime jurídico dos FIIAH dispunha no seu preâmbulo o seguinte: “A Lei do Orçamento do Estado para 2009 veio introduzir a figura dos fundos de investimento imobiliário especificamente vocacionados para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento habitacional, tendo em vista, por um lado, contribuir para o desagravamento dos encargos das famílias no actual contexto dos mercados financeiros e, por outro, criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal. No essencial, veio prever-se a criação de fundos de investimento imobiliário cujo activo total é constituído, numa percentagem não inferior a 75 %, por imóveis situados em Portugal destinados ao arrendamento para habitação permanente, sendo-lhes consagrado um regime tributário especialmente favorável. Deste modo, pretende criar-se as condições necessárias à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, alienar o respectivo imóvel ao fundo, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel alienado”.
Dúvidas não restam de que a medida foi apresentada no parlamento e regulamentada como uma despesa fiscal a favor das famílias e do direito à habitação destas e não como uma medida dinamizadora do mercado de capitais e do apoio aos fundos de investimento imobiliário. O estímulo a estas entidades tinha uma natureza funcional relativamente ao objectivo primeiro daquele regime jurídico. E não pode admitir-se que destinatários da medida colocados na posição real de investidores neste tipo de instrumentos financeiros, com a capacidade efectiva que têm de acesso à informação, objectivamente, ignorassem o teor do debate parlamentar e do sentido que foi dado às normas que instituíram o benefício fiscal aqui em apreço no momento da sua aprovação e regulamentação.
[…] O elemento teleológico da interpretação normativa não terá aqui um valor determinante para a fixação do sentido das normas em apreço, mas dele podemos, ainda assim retirar alguns contributos válidos. Com efeito, o enquadramento deste regime jurídico no respectivo contexto socioeconómico de 2008-2009 permite compreender que, tal como resultou do elemento histórico, a finalidade de interesse público a prosseguir com este regime fiscal mais favorável era a de assegurar a continuidade do acesso à habitação das famílias que se viram em situação económica difícil no contexto da crise financeira internacional, originária da crise do subprime, que tinha tido início em 2007, nos EUA.
O objectivo do regime jurídico era – como já explicámos antes – apoiar estas famílias através de um regime de benefícios fiscais por via do IRS e por via da conversão dos empréstimos em arrendamentos graças ao incentivo instituído a favor dos FIIAH. Ora, se estes fundos não chegassem a arrendar os imóveis ficaria frustrado o objectivo desta política económica e fiscal e, mais do que isso, no que no aqui releva em termos jurídicos, tornar-se-ia injustificada a despesa fiscal a favor de certas entidades. Também por essa razão este seria um resultado interpretativo inadmissível à luz do disposto no n.º 3 do artigo 14.º da LGT, que impõe uma definição clara dos objectivos dos benefícios fiscais.
E não podemos deixar de concluir que, a admitir-se que as isenções de IMI, IMT e IS pudessem não caducar nos casos em que os imóveis adquiridos pelos FIIAH viessem a ser alienados sem nunca terem sido arrendados, o mais provável é que se produzisse um resultado inverso àquele que era visado pelo benefício fiscal, permitindo que fundos imobiliários utilizassem a crise e o benefício fiscal para obter rendimentos decorrentes de uma valorização dos imóveis no mercado à custa do sacrifício do direito à habitação dos titulares originários desses bens onerados com os respectivos empréstimos.
[…]
Assim, pelos fundamentos antes enunciados, cumpre concluir que as normas dos artigos 8.º, n.ºs 6, 7 e 8 do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, devem ser interpretadas no sentido de que instituíram um benefício fiscal cuja finalidade primeira era a garantia do direito à habitação e que visava apoiar os titulares de empréstimos à habitação na conversão destes encargos em regimes de arrendamento, para o que instituiu um benefício fiscal complexo, do qual faziam parte, como estímulo à dinamização daquele mercado de arrendamento, as isenções de IMI, IMT e IS a favor dos FIIAH. Estas isenções fiscais, contudo, estavam condicionadas à destinação dos imóveis integrados naqueles fundos ao regime do arrendamento. Daqui decorria a caducidade daqueles benefícios – leia-se isenções fiscais –, ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 14.º do EBF, sempre que os imóveis viessem a ser alienados sem terem sido efectivamente afectos a arrendamento para habitação permanente.
A referência que a AT faz à necessidade de autorização do Ministro das Finanças para efeitos de obstar àquele efeito de caducidade do benefício é apenas uma forma de mostrar um meio ao dispor do sujeito passivo para tentar evitar os efeitos da caducidade do benefício, explicando, por exemplo, a razão pela qual apesar de ter envidado todos os esforços, não foi possível destinar o imóvel ao arrendamento antes da sua alienação.
Esta faculdade/direito de comunicação prévia ao Ministro das Finanças com o intuito de obter uma autorização que obstasse ao efeito da caducidade afigura-se uma faculdade do sujeito passivo e não a criação de um pressuposto normativo novo, como alega o Recorrente. Como já explicámos, o benefício fiscal tinha em si uma natureza condicionada (funcionalizada à realização dos fins do arrendamento) e uma eficácia resolutiva em caso de não cumprimento da condição. É por isso que, como também se explica no acórdão recorrido, a necessidade de cumprimento da condição (i.e., o arrendamento prévio do imóvel) já decorria do disposto no segmento normativo interpretativo resultante da conjugação dos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 8.º do FIIAH com o n.º 2 do artigo 14.º da LGT, porquanto aí se dispõe expressamente que os titulares de benefícios fiscais são sempre obrigados a revelar à AT os pressupostos em que repousa o benefício ou a cumprir as obrigações previstas na lei, sob pena de esses benefícios ficarem sem efeito.
Assim, tendo o benefício como pressuposto legal a destinação do imóvel a arrendamento habitacional permanente, o FIIAH teria sempre que fazer prova junto da AT do cumprimento daquele pressuposto (da condição legal) ou, em caso de “justo impedimento” (por exemplo, por não ter tido resposta do mercado, ou seja, por nenhum interessado ter apresentado proposta para arrendar o imóvel), de solicitar uma autorização para promover a alienação do bem apesar de não estar cumprida a condição. Caso contrário, a ter lugar a alienação do imóvel sem se ter preenchido a condição (sem o bem ter sido arrendado) e sem se ter obtido a autorização, os benefícios fiscais (ou seja, as isenções de IMT, IS e IMI) teriam de considerar-se sem efeito, o mesmo é dizer que aqueles benefícios fiscais caducariam».

É esta interpretação que também aqui subscrevemos (Adoptando a mesma interpretação, o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de 9 de Dezembro de 2021, proferido no processo com o n.º 289/18.9BELLE, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c3f6a50730eb3c97802587a7006dffae.) e, por isso, concluímos, com a sentença recorrida, que a isenção de IMI de que beneficiou a ora Recorrente quando da aquisição dos prédios caducou pela não verificação do pressuposto originariamente previsto para a concessão do benefício, qual seja a destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
Sustenta ainda a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento por errada aplicação das regras da distribuição do ónus da prova, na medida em que a sentença considerou que era sobre ela que recaía o ónus de alegar e provar os factos que permitiram concluir pela verificação desse pressuposto, ou seja, que os prédios tinham sido arrendados para habitação permanente. Na tese da Recorrente, «[e]ra, pois, à Recorrida que cabia o ónus de alegar e provar o facto impeditivo da isenção concedida, ou seja, de vir demonstrar que apesar do imóvel integrar o activo do fundo, não foi disponibilizado para arrendamento, ao abrigo do disposto nos artigos 342.º, n.º 2 do Código Civil e 74.º da LGT».
Salvo o devido respeito, a Recorrente não tem razão. Realce-se que não estamos perante liquidações oficiosas ou adicionais – em que o ónus da verificação do facto tributário recairia sobre a AT (cfr. art. 74.º da LGT) –, mas perante a caducidade de um benefício fiscal. Ora, não podemos perder de vista a natureza dos benefícios fiscais que, não obstante serem medidas em matéria tributária, prosseguem fins distintos dos assinalados ao sistema fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da CRP e art. 2.º, n.º 1, do EBF). Assim, o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre o contribuinte beneficiário (cfr. art. 14.º, n.º 2, do EBF).
É o que também ficou dito no acórdão do Pleno que vimos de citar, de que resulta que a ora Recorrente «teria sempre que fazer prova junto da AT do cumprimento daquele pressuposto (da condição legal) ou, em caso de “justo impedimento” (por exemplo, por não ter tido resposta do mercado, ou seja, por nenhum interessado ter apresentado proposta para arrendar o imóvel), de solicitar uma autorização para promover a alienação do bem apesar de não estar cumprida a condição. Caso contrário, a ter lugar a alienação do imóvel sem se ter preenchido a condição (sem o bem ter sido arrendado) e sem se ter obtido a autorização, os benefícios fiscais (ou seja, as isenções de IMT, IS e IMI) teriam de considerar-se sem efeito, o mesmo é dizer que aqueles benefícios fiscais caducariam».

2.2.4 DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA - DA ISENÇÃO AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART. 49.º, N.º 2, DO EBF

Sustenta a Recorrente, a título subsidiário (ou seja, prevenindo a possibilidade – que se concretizou – de vir a ser judicialmente confirmada a caducidade da isenção), que a sentença omitiu pronúncia sobre a questão do «erro na aplicação do direito ao não aplicar o disposto no artigo 49.º, n.º 2, do EBF, vigente à data dos factos», sendo que a sentença recorrida «foi completamente omissa no que a esta parte concerne, pese embora a Recorrente tenha feito referência a esta matéria (cf. artigo 53.º a 55.º da petição inicial), pelo que neste segmento a decisão padece de erro de julgamento por omissão de pronúncia».
Antes do mais, quanto à invocada omissão de pronúncia, diremos que, em face dos termos em que a sentença configurou a questão da isenção de IMT em causa nos autos, não pode considerar-se que tenha omitido pronúncia sobre uma questão que lhe cumprisse dirimir (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT), designadamente, sobre a aplicação à situação sub judice do n.º 2 do art. 49.º do EBF, na redacção anterior à sua revogação pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, que dispunha o seguinte: «Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário, mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis reduzidas para metade».
Na verdade, como salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no despacho proferido ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 617.º do CPC, considerou-se na sentença, após ter citado o n.º 7 do art. 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH, que «[p]ara além da isenção referida no transcrito n.º 7, o artigo 8.º não prevê qualquer outra situação de isenção em sede do IMT e, por via disso, é à luz do disposto no citado n.º 7 que a apreciação da questão agora em apreço tem de ser resolvida». Ou seja, a sentença considerou que não havia que apreciar a isenção de IMT senão à luz do n.º 7 do art. 8.º do RE.
Ora, como tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência, não há omissão de pronúncia quando o tribunal – correcta ou incorrectamente, não releva para o efeito –, consciente e fundamentadamente, não toma conhecimento de qualquer questão; neste caso, poderá haver erro de julgamento, se for errado o pressuposto em que se baseia esse não conhecimento, mas não omissão de pronúncia, nulidade que só ocorrerá nos casos em que o tribunal não tome posição sobre questão de que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
Seja como for, abordaremos a alegação da Recorrente sob a perspectiva do erro de julgamento pois o tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença (e vice-versa), já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664.º do CPC).
Desde logo, não ficou estabelecida nos autos a data em que a ora Recorrente adquiriu os prédios em causa – mas apenas que os «adquiriu, em data anterior a 31 de Dezembro de 2013 e beneficiando da isenção de IMT conferida pelo artigo 8.º, n.º 7, do Regime Especial dos FIIAH (aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro)» –, motivo por que, estando fixado o limite superior da janela temporal em que ocorreu a aquisição, quanto ao limite inferior apenas é possível inferir que os prédios foram adquiridos após 1 de Janeiro de 2009, data em que entrou em vigor o RE dos FIIAH.
Ora, apenas se os prédios tiverem sido adquiridos entre 1 de Janeiro de 2009 e 29 de Abril de 2010 – data em que, com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2010, foi revogado o n.º 2 do art. 49.º do EBF, como decorre dos arts. 109.º e 176.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – se poderá ponderar a aplicabilidade do invocado n.º 2 do art. 49.º do EBF.
Não é caso, porém, de condicionar a decisão ao estabelecimento da data precisa em que a ora Recorrente adquiriu os prédios, porque essa factualidade se revela irrelevante: ainda que a aquisição se situe dentro da referida janela de tempo, nunca o n.º 2 do art. 49.º do EBF lograria aplicação à situação sub judice. Procurando demonstrar:
O regime jurídico dos FIIAH consiste num regime jurídico autónomo, transitório e especial, sendo que a remissão operada pelo art. 104.º, n.º 1, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, para o regime geral dos fundos de investimento imobiliário apenas abrange as regras relativas à constituição, ao funcionamento e à comercialização dos FIIAH e já não as normas que regulam o regime fiscal destes fundos, pelo que as mesmas não seriam aplicáveis aos FIIAH. O legislador, ao definir no art. 8.º um regime tributário especial e privativo dos FIIAH, excluiu este tipo de fundos do regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário.
Improcede, pois, a pretendida aplicação do disposto no art. 49.º, n.º 2, do EBF.

2.2.5 CONCLUSÕES

O recurso não pode, pois, ser provido e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, sendo a primeira decalcada do sumário do referido acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I - A isenção fiscal do n.º 7 do art. 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), deve ser interpretada no sentido de que está sujeita à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aquele benefício fiscal sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação.
II - O ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre o contribuinte beneficiário (cfr. art. 14.º, n.º 2, do EBF).
III - Aos FIIAH, que têm um regime tributário especial e privativo, é inaplicável o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [cfr. art. 527.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT].
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Lisboa, 10 de Maio de 2023. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.