Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0753/18
Data do Acordão:08/22/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
REQUERIMENTO
DISPENSA
REQUISITOS
Sumário:I - A dispensa de prestação de garantia deve ser pedida mediante requerimento apresentado no e dirigido ao órgão da execução fiscal, a quem a lei confere a competência exclusiva para decidir o pedido (cfr. art. 103.º, n.º 2, da LGT e arts. 150.º e 170.º do CPPT), sem prejuízo da possibilidade de o executado fazer sindicar judicialmente essa decisão (cfr. art. 276.º e segs. do CPPT).
II - Ainda que do plano de regularização apresentado em sede de processo especial de revitalização conste (sob o ponto 1.8) a proposta de «Dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT: na inexistência de bens que reúnam as condições exigidas pela Fazenda Pública para constituição de garantia, desde já se requer a dispensa de garantia» e esse plano tenha sido homologado judicialmente, não pode considerar-se que essa declaração ínsita no plano constitua um requerimento de dispensa de prestação de garantia validamente formulado, com a consequente obrigação do órgão da execução fiscal se pronunciar sobre o mesmo e, muito menos, se pode considerar que a putativa falta de resposta a esse requerimento obsta ao prosseguimento da execução.
Nº Convencional:JSTA000P23551
Nº do Documento:SA2201808220753
Data de Entrada:07/25/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2470/17.9BEBRG

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por A…………., anulou o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Caminha, que indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor:

«I - A douta sentença aqui em apreço, a nosso ver, e salvaguardado o devido e merecido respeito, que a mesma nos merece, que é muito, incorreu numa errada interpretação e aplicação do Direito aos factos dados como provados, nomeadamente das normas dos artigos 52.º, n.º 4 e 74.º, n.º 1, da LGT, e dos artigos 169.º e 170.º do CPPT (em especial este último).

II - Na realidade, foi entendido na douta sentença aqui posta em crise acolher a pretensão da reclamante com base na seguinte fundamentação:
Não obstante, compulsado o “plano de recuperação” a que se alude em E) e F) dos factos provados, extrai-se aí ter sido expressamente requerida a “dispensa de garantia nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT”, em face da “inexistência de bens”.
Ora perscrutada a factualidade provada não se extrai ter tal pedido (o qual, porque inserto no próprio “plano de recuperação” que veio a ser homologado por sentença, não pôde a Autoridade Tributária deixar de conhecer), formulado pelo administrador judicial provisório em representação da executada (na sequência de ofício do qual lhe foi dado conhecimento [conforme alínea C) do probatório]), sido apreciado pelo órgão de execução fiscal, termos em que, sem que antes seja apreciada a requerida dispensa de garantia, não pode este Tribunal julgar válida a consideração vertida na decisão reclamada da “falta de sustentação legal” do pedido de suspensão da execução formulado pela Reclamante, termos em que, nesta medida, procede a pretensão da mesma”.

III - Ao que depreendemos da douta sentença aqui em apreço, foi entendido que os dizeres constantes do item 1.8 do ponto “1 - ESTADO - Fazenda Nacional” do “Plano de Recuperação” a que se alude no ponto E) do probatório apresentado no âmbito do processo judicial a que se alude no ponto B) do probatório configuram um (verdadeiro) requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo administrador judicial provisório em representação da reclamante, e que, sendo do conhecimento da Autoridade Tributária, carecia de apreciação e decisão expressa por parte desta, o que não sucedeu.

IV - Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não nos parece que tal entendimento tenha o devido e necessário suporte legal, desde logo por ser de duvidosa legalidade o entendimento vertido na douta sentença aqui em apreço segundo o qual o administrador judicial provisório possui legitimidade para, em representação da executada, requerer a aludida dispensa de prestação de garantia, pois que tal acto terá uma natureza estritamente pessoal, atendendo a que a lei (em especial os artigos 54.º n.º 2 da LGT e 170.º do CPPT) refere-se, invariavelmente, ao “executado”.

V - Não obstante, mesmo que assim não seja entendido, parece-nos decorrer inequivocamente das normas do artigo 170.º do CPPT que o pedido de dispensa de prestação de garantia, além de dever ser requerido ao órgão de execução fiscal, deve ser neste apresentado, em virtude de a competência para a sua apreciação e decisão caber, inequivocamente, e tal como decorre da antes referida norma legal (apenas) ao órgão de execução fiscal.

VI - Ora tal como resulta do probatório, não foi assim que sucedeu, posto que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado no âmbito do Processo Especial de Revitalização a que se alude na alínea B) do probatório, ou seja, numa sede que não é a própria, dado que o Processo Especial de Revitalização (PER) identificado na alínea B) do probatório é distinto do processo de execução fiscal identificado na alínea A) do probatório.

VII - E, além disso, não foi dirigido ao órgão da execução fiscal competente – entidade essa que, tal como decorre inequivocamente do disposto no artigo 170.º do CPPT, possui competência exclusiva para apreciação e decisão de tal pedido.

VIII - Assim, ao contrário do que foi entendido na douta sentença aqui em apreço, parece-nos inexistir qualquer dever legal que obrigue o órgão de execução fiscal competente a apreciar e decidir a aludida “requerida dispensa de garantia”, posto que a mesma não cumpre, desde logo, os requisitos legais de natureza procedimental, previstos no artigo 170.º do CPPT.

IX - Sem prescindir do antes alegado, diremos ainda que, a entender-se, numa perspectiva menos formalista (ou melhor dito: nada formalista), que os dizeres constantes do item 1.8 do ponto “1 - ESTADO - Fazenda Nacional” do “Plano de Recuperação” a que se alude no ponto E) do probatório apresentado no âmbito do processo judicial a que se alude no ponto B) do probatório, configuram um (verdadeiro) requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo administrador judicial provisório em representação da reclamante, e que, sendo do conhecimento do órgão de execução fiscal, impendia sobre este o dever legal de decisão expressa – o que não se concede e só por mera hipótese se admite – então dever-se-á entender, igualmente numa perspectiva menos formalista (ou melhor dito: nada formalista), face aos factos elencados nas alíneas C), D), G) e J) do probatório, que tal requerimento de dispensa de prestação de garantia foi tacitamente indeferido pelo órgão de execução fiscal.

X - Na verdade, a nosso ver, decorre inequivocamente do teor das alíneas C) e D), G) e J) do probatório que a AT sempre manteve o entendimento segundo o qual a executada deveria efectuar o pedido de dispensa de prestação de garantia nos moldes consignados no artigo 170.º do CPPT (aliás, dada a natureza imperativa de tal norma legal não poderia ser de outra forma) e que, a assim não suceder, seria o mesmo indeferido, tal como veio a tacitamente suceder.

XI - Assim, também por esta via (subsidiária), se nos afigura que a decisão do órgão de execução fiscal materializada no ofício identificado na alínea J) do probatório, tendo subjacente uma decisão tácita de indeferimento da aludida “requerida dispensa de garantia”, não merece qualquer censura no plano jurídico, devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica, com todas as legais consequências.

XII - Assim, e para concluir, diremos que tendo a douta sentença aqui em apreço por errónea interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis – nomeadamente das normas dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT, e dos artigos 169.º e 170.º do CPPT (em especial deste último) – efectuando uma errada aplicação do Direito aos factos dados como provados no probatório, deverá a mesma ser revogada e, em sequência, ser a presente reclamação de actos do órgão da execução fiscal julgada totalmente improcedente, por não provada, com todas as legais consequências – o que, respeitosamente, se requer a V. Ex.as».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Executada contra-alegou o recurso, pugnando pela improcedência do recurso.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

«A Requerente apresentou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal nos termos dos arts. 276.º e segs. do C.P.P.T. que lhe indeferiu o pedido da suspensão da execução a correr termos no serviço de Finanças de Caminha.
No essencial, alega que no Processo Especial de Revitalização (PER) ficou estabelecido que as dívidas tributárias ficariam dependentes da eventual procedência da impugnação deduzida pela reclamante incidindo, precisamente, na liquidação donde emergiu a sobredita execução fiscal.
A sentença proferida no TAF de Braga concedeu provimento à reclamação apresentada.
Entendeu o Meritíssimo Juiz e passamos a citar: (… compulsado o “plano de recuperação” a que se alude em E e F dos factos provados, extrai-se aí ter sido expressamente requerida a “dispensa de garantia nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT” em face da “inexistência de bens”) vide pág. 129.
Mais entendeu que o pedido, formulado pelo Administrador Judicial provisório, no âmbito no processo de recuperação (PER) e homologado por sentença foi do conhecimento da Autoridade Tributária.
Deste modo, considerou que o crédito desta Autoridade se encontrava, à luz do Plano Especial de Revitalização, condicionado à eventual improcedência da impugnação judicial apresentada contra as liquidações do IRS dos anos de 2008, 2009 e 2010 a correr termos no TAF de Braga sob o n.º 1537/1 2.4BEBRG (vide pontos L e M do probatório, pág. 127 v).
O Ministério Público junto do TAF de Braga pugnou, também, pela procedência da reclamação.
Deste modo, e em consonância com esta posição entendemos que deve ser deferida a reclamação, negando-se provimento ao recurso».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se o Tribunal a quo fez correcto julgamento quando considerou que o órgão da execução fiscal não podia indeferir o pedido de suspensão da execução fiscal formulado pela Executada porque não tinha ainda decidido o pedido de dispensa de prestação de garantia, o que passa por saber se este pedido foi, ou não, validamente formulado.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 29.08.2012 foi instaurado contra a Reclamante o processo de execução fiscal n.º 2275201201012673 do Serviço de Finanças de Caminha, para cobrança de dívida no valor de 5.394,04 euros – conforme documentos a folhas 13 e 67 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

B) A Reclamante figura como devedora no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER) a que corresponde o processo n.º 699/16.6T8VCT, do J1 da Secção de Competência Genérica da Instância Local de Monção – conforme documento a folhas 14 a 16 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C) A Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários remeteu à Reclamante ofício datado de 17.03.2016. do qual consta a menção “c/c Dr. ……….., Administrador judicial Provisório, SF Monção, DF Viana do Castelo”, sob o assunto “Processo Especial de Revitalização (PER) - PROC. N.º 699/16.6T8VCT”, do qual consta conforme segue:
«(…)
A Autoridade Tributária e Aduaneira notificada da vossa carta, datada de 2016/03/01, vem pelo presente, manifestar nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art. 17.º-D do CIRE, a sua intenção de participar nas negociações em curso, sendo certo porém que, por imperativo legal, face ao regime legal aplicável aos créditos tributários a regularização dos mesmos deve obedecer, cumulativamente:
* Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja:
a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE.
b) Número máximo de prestações:
i. Até ao máximo de 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 1 unidade de conta (actualmente € 102)
ii. Até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (actualmente € 102);
* A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de Março, aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir;
* Não haver lugar à redução de coimas e custas;
* Não haver lugar a qualquer moratória.
Importa ainda referir, dentro do princípio da colaboração, que a constituição de garantia é condição para a suspensão dos processos de execução fiscal relacionados com a dívida incluída no plano.
(…)
* Caso estejam reunidos os pressupostos de isenção de prestação de garantia (n.º 4 do artigo 52.º da LGT), deve efectuar o respectivo pedido, no prazo para prestação de garantia acima referido, junto do serviço de finanças da sede do devedor, o qual será aferido nos termos das disposições legais (nomeadamente, n.º 4 do artigo 52.º da LGT e artigo 170.º do CPPT);
* A falta de prestação de garantia idónea e suficiente, ou o não reconhecimento do pedido de isenção, origina, nos termos do n.º 3 do artigo 198.º e do n.º 8 do artigo 199.º, ambos do CPPT, e do DL 73/99, de 16/03:
a) a prossecução dos termos normais dos processos de execução fiscal, deixando, como tal, de estar suspensos;
b) a impossibilidade de redução dos créditos fiscais por juros de mora vencidos e vincendos (aceitando-se, se reunidos os pressupostos para a redução, as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores e as garantias constituídas e/ou a constituir);
c) a emissão de certidão de situação fiscal não regularizada.
(...)» – conforme documento a folhas 111 e 112 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

D) A Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários remeteu ao Magistrado do Ministério Público, no âmbito do processo a que se alude em B), ofício datado de 24.06.2016, do qual consta conforme segue:
«(…)
Comunica-se que a posição da Administração Fiscal é, face ao teor do plano de revitalização, remetido através do documento à margem referenciado, de votação favorável do mesmo, visto prever o pagamento do crédito reclamado pela Fazenda segundo o regime jurídico definido para a regularização das dívidas fiscais.
Refira-se que a redução dos créditos, só se dará por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de Março, aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir.
Importa ainda referir, dentro do princípio da colaboração, que a garantia terá que ser prestada, junto do órgão de execução fiscal (OEF), no prazo de 15 dias a contar do terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, pelo devedor ou por terceiro, a qual será aferida nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 197.º e n.º 9 do artigo 199.º do CPPT.
Caso estejam reunidos os pressupostos de isenção da prestação de garantia (n.º 4 do artigo 52.º da LGT), deverá ser efectuado o respectivo pedido no prazo para prestação de garantia acima referido, junto do serviço de finanças da sede do devedor, o qual será aferido nos termos das disposições legais (nomeadamente, n.º 4 do art. 52.º da LGT e artigo 170.º do CPPT):
A falta de prestação da garantia idónea e suficiente ou o não reconhecimento do pedido de isenção nos termos acima referidos, origina, nos termos do n.º 3 do artigo 198.º e do n.º 8 do art. 199.º, ambos do CPPT, e do DL n.º 73/99, de 16/03:
a) a prossecução dos termos normais dos processos de execução fiscal deixando, como tal de estar suspensos;
b) a impossibilidade de redução dos créditos fiscais por juros de mora vencidos e vincendos (aceitando-se, se reunidos os pressupostos para a redução, as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores e as garantias constituídas e/ou a constituir);
c) a emissão de certidões de situação fiscal não regularizada.
(…) – conforme documento a folhas 51 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

E) No âmbito do processo a que se alude em B), foi apresentado “Plano de Recuperação”, datado de Junho de 2016, do qual consta conforme segue:
«(…)
1 – ESTADO – Fazenda Nacional
Plano de Regularização:
Este crédito encontra-se condicionado pela decisão do Tribunal Administrativo Fiscal de Braga no proc. 1537/12.4BEBRG.
Caso a Devedora venha a ser condenada ao pagamento deste crédito, por sentença transitada em julgado, propõe-se que o mesmo seja feito nos seguintes termos:
1.1 - Pagamento da totalidade da dívida em regime prestacional, com os termos e fundamentos previstos no artigo 196.º, n.º 4, do CPPT pelo facto de que a devedora “... pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez …”, até 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE;
1.2 - A situação económica da devedora não lhes permitem solver a dívida de uma só vez, o que se dá como provado pelas razões já enumeradas na petição inicial de apresentação ao Processo Especial de Revitalização, que se dão aqui por transcritas.
1.3 - A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99 de 16/03, aceitando-se as taxas que vierem a ser acordadas para o conjunto dos restantes credores, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir.
1.4 - Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
1.5 - Assim, considera-se notificada a Administração Fiscal do requerimento a que alude o artigo 196.º, n.º 1 do CPPT.
1.6 - A taxa de juros vincendos a aplicar será a que for aceite pela Fazenda Nacional e que se propõe seja de 4%.
1.7 - Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará, nos termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas.
1.8 - Dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT: na inexistência de bens que reúnam as condições exigidas pela Fazenda Pública para constituição de garantia, desde já se requer a dispensa de garantia.
(…)» – conforme documento a folhas 17 a 50 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

F) Em 03.08.2016 foi proferida decisão no âmbito do processo a que se alude em B), da qual consta conforme segue:
«(…)
De relevante para a decisão da causa há que ter em conta que:
• Os votos favoráveis à aprovação do plano constituem 67,68%, tendo como base de cálculo o valor dos créditos reconhecidos.
• Contra a aprovação do plano manifestou-se o credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ………, CRL, que detém 32,32% do valor total dos créditos reconhecidos.
• Todos os credores com créditos reconhecidos participaram nas negociações.
(…)
Decisão
Pelo exposto, decide o tribunal homologar o plano de pagamentos apresentado.
(…)» – conforme documento a folhas 14 a 16 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

G) O Serviço de Finanças de Monção remeteu à Reclamante ofício datado de 09.08.2016, sob o assunto “PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO N.º 699/16.6T8VCT”, do qual consta conforme segue:
«(…)
Fica V.ª Ex.ª, por este meio notificada que, conforme plano de recuperação aprovado no âmbito do PER em referência, foi autorizado o pagamento das dívidas à Autoridade Tributária que se encontram em fase executiva, em 36 prestações, sendo o valor de cada uma de € 144,27.
O pagamento das prestações é mensal, devendo a primeira ser efectuada até ao final do mês seguinte ao do despacho homologatório do respectivo plano de recuperação – Setembro.
Ao valor de cada prestação acrescem juros de mora vencidos até à data do pagamento.
As custas processuais serão pagas na primeira e na última prestação.
Mais fica notificado para, no prazo de 15 dias a contar do terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, prestar, garantia idónea e suficiente no valor de € 8.404,58, valor este calculado pelo valor da quantia exequenda, juros de mora e custas, acrescido de 25% da soma daqueles valores, conforme n.ºs 1 e 2 do artigo 197.º e n.º 9 do artigo 199.º do CPPT.
Na falta de apresentação de garantia os processos não ficarão suspensos, seguindo a sua normal tramitação, nos termos do n.º 8 do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Caso entenda que estão reunidos os pressupostos para beneficiar da isenção da prestação de garantia, poderá requerê-lo, devendo invocar e provar aqueles pressupostos, nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária e n.º 3 do artigo 199.º do CPPT.
(…)» – conforme documentos a fls. 115 e 116 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

H) A Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Monção carta datada de 23.08.2016, sob o assunto “Processo Especial de Revitalização n.º 699/16.6T8VCT – Comarca de Viana do Castelo – Instância Local – Secção de Competência Genérica de Monção – J1» da qual consta conforme segue:
«(…)
Acuso a recepção da carta remetida por esse Serviço de Finanças datada de 9 de Agosto de 2016 e cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção.
No seguimento de tal carta, relembro a V. Exa. que, conforme decorre do plano de revitalização apresentado no supra identificado PER, o crédito da Fazenda Nacional encontra-se condicionado por decisão que venha a ser tomada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal Braga, no processo n.º 1537/12.4BEBRG.
Ora, sendo o crédito da Fazenda Nacional um crédito sob condição do que vier a ser decidido pelo TAF de Braga, e não se encontrando ainda vencido, temos que os pagamentos não terão o seu início até que seja proferida decisão condenatória, transitada em julgado.
Nesta conformidade, e uma vez transitada em julgado a decisão que venha a ser proferida pelo TAF de Braga e caso seja condenada ao pagamento do crédito em apreço, por sentença transitada em julgado, darei início ao seu pagamento.
(…)» – conforme documentos a folhas 52 e 53 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

I) Em 23.06.2017 foi recebido no Serviço de Finanças de Monção, carta da Reclamante sob o assunto “Processo especial de revitalização n.º 699/16.6T8VCT”, da qual consta conforme segue:
«(…)
Tendo enviado no passado dia 23 de Agosto de 2016 carta a V. Ex.ª comunicando de que não poderia iniciar o pagamento prestacional constante do V/ Ofício de 09 de Agosto do mesmo ano, pelo facto do plano de recuperação que apresentei no processo supra mencionado e que foi aprovado e judicialmente homologado o impedir, a verdade é que até à presente data não recebi qualquer resposta desse Serviço de Finanças, para além de que constato que a execução fiscal não se encontra suspensa.
Face ao exposto, venho novamente requerer a V. Exa. se digne ordenar que a execução fiscal contra a minha pessoa instaurada seja suspensa dado que o início de tal pagamento se encontra dependente e condicionado a decisão judicial ainda pendente.
Mais requeiro a V. Exa. que ordene que esses Serviços me notifiquem de tal suspensão.
(…)» – conforme documento a folhas 109 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

J) O Serviço de Finanças de Monção remeteu à Reclamante ofício datado de 12.07.2017, subscrito pelo chefe do serviço, sob o assunto “Processo Especial de Revitalização (PER) – Proc. N.º 699/16.6T8VCT”, do qual consta conforme segue:
«(…)
Reporto-me ao seu requerimento de 23/06/2017, que remete para a sua comunicação de 26/08/2016, para informar V.ª Ex.ª o seguinte:
No âmbito do supra citado processo foi V.ª Ex.ª notificada, em 17.03.2016, pelo ofício 1210 da Direcção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários, da disponibilidade e condições da AT para as negociações no referido processo (cópia anexa);
Em 04/08/2016, foi este Serviço de Finanças notificado da posição final da AT, com as consequências daí decorrentes (cópia anexa);
Consequentemente, foi V.ª Exa notificada pelo nosso ofício 652, de 2016.08.09 do respectivo plano de prestações (doc. anexo);
O referido plano foi interrompido, por incumprimento, em 2017.02.15;
Sendo certo que a suspensão da execução decorreu de 2016.03.05 a 2016.08.04, data do encerramento do PER;
Relativamente ao facto destas dívidas estarem pendentes de decisão judicial (Proc. 2275.201203000028/ TAF 1537/12.4BEBRG) a respectiva suspensão só opera nos termos do art. 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) o que, e não obstante as referidas execuções tramitarem pelo Serviço de Finanças de Caminha (Órgão de Execução Fiscal competente), não se verifica.
Nestes termos e por falta de sustentação legal fica V.ª Ex.ª, por este meio, notificada do indeferimento da petição.
(…)» – conforme documento a folhas 13 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

K) Em 06 11 2017 foi proferido despacho pela chefe do Serviço de Finanças de Caminha do qual consta conforme segue:
« DESPACHO
Vem a executada supra identificada reclamar, nos termos do artigo 276.º do CPPT, “… contra o Despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Monção, de 12.07.2017, e recepcionado a 17.07.2017, ofício 886, relativo ao processo especial de revitalização n.º 699/16.6T8VCT. …”
1. Nos termos do artigo 164.º do CPA ratifico os actos praticados pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Monção.
(...)» – conforme documento a folhas 54 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

L) A Reclamante deduziu impugnação contra as liquidações de IRS respeitantes aos anos de 2008, 2009 e 2010, emitidas em 23.06.2012, pelo valor global de 5.394,04 euros – conforme consulta do SITAF;

M) A impugnação a que se alude em L) corresponde ao processo n.º 1537/12.4BEBRG, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – conforme consulta do SITAF;

N) A petição inicial da presente reclamação foi recebida no Serviço de Finanças de Monção em 25.07.2017 – conforme carimbo aposto a folhas 4 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Em 2012, foi instaurado contra a ora Recorrida um processo de execução fiscal para cobrança de dívidas por IRS. A legalidade das liquidações que deram origem a essas dívidas encontra-se a ser discutida judicialmente no processo de impugnação judicial com o n.º 1537/12.4BEBRG. Entretanto, a ora Recorrida apresentou-se à recuperação mediante processo especial de revitalização (PER), no âmbito do qual foi aprovado e homologado judicialmente um plano de recuperação. Esse plano integrou o pagamento daquelas dívidas tributárias, a efectuar em prestações (segundo o regime jurídico previsto para a regularização das dívidas fiscais), sendo que, nos termos dele constantes, o pagamento ficaria condicionado a um eventual insucesso da ora Recorrida na referida impugnação judicial e que o pagamento seria feito com dispensa de garantia, que «desde já se requer» (Ficou escrito no referido plano de recuperação, relativamente aos créditos fiscais em cobrança coerciva na execução fiscal, que «Este crédito encontra-se condicionado pela decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no proc. 1537/12.4BEBRG. Caso a Devedora venha a ser condenada ao pagamento deste crédito, por sentença transitada em julgado, propõe-se que o mesmo seja feito nos seguintes termos: (…) 1.8 – Dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT: na inexistência de bens que reúnam as condições exigidas pela Fazenda Pública para constituição de garantia, desde já se requer a dispensa de garantia».).
Logo que foi notificado da homologação do plano de pagamentos, o Serviço de Finanças de Monção notificou a Executada para prestar garantia, indicando-lhe o prazo para o efeito e o montante a garantir, e advertindo-a de que, caso não prestasse garantia, a execução fiscal não ficaria suspensa, atento o disposto no n.º 8 do art. 199.º do CPPT («A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4».); mais a notificou, do mesmo passo, de que, caso entendesse estarem reunidas as condições para ser dispensada da prestação da garantia, deveria requerer essa dispensa, alegando e provando os respectivos pressupostos, nos termos do n.º 4 do art. 53.º da LGT e do n.º 3 do art. 199.º do CPPT.
A Executada, não concordando com a posição que lhe foi comunicada pelo órgão da execução fiscal, remeteu ao órgão da execução fiscal uma exposição, salientando que, nos termos do plano de recuperação judicialmente aprovado, o pagamento da dívida exequenda não se faria senão após o trânsito da decisão judicial a proferir no processo de impugnação judicial acima referido. Ulteriormente, requereu que o órgão da execução fiscal se pronunciasse sobre a questão e suspendesse expressamente a execução fiscal, notificando-a da respectiva decisão.
O órgão da execução fiscal, conhecendo esse requerimento, indeferiu-o com o fundamento de que a execução fiscal – que admitiu ter estado suspensa até ao encerramento do PER – só poderia ser suspensa até à decisão da impugnação judicial caso tivesse sido prestada garantia (ou sido dispensada a sua prestação), o que não se verificou.
É deste despacho que foi interposta a presente reclamação judicial. Em síntese, sustentou a Reclamante, ora Recorrida, que não pode o órgão da execução fiscal fazer prosseguir a execução fiscal em desrespeito pela condição que consta do plano de pagamento homologado judicialmente por sentença no âmbito do referido PER, qual seja a de que a impugnação judicial tenha sido julgada improcedente por decisão transitada em julgado.
Ou seja, a divergência entre a ora Recorrida e o órgão da execução fiscal referia-se à relevância a conferir, para efeitos de suspensão da execução fiscal, à condição ínsita no plano de recuperação para o pagamento da dívida tributária exequenda: enquanto aquela entendia que essa condição, porque constante de plano homologado por sentença judicial transitada em julgado no âmbito do PER, se impõe a todos os credores, o órgão da execução fiscal entendia que essa condição não derroga o regime geral da execução fiscal.
A sentença pronunciou-se pela irrelevância da condição aposta no plano de recuperação e insusceptibilidade da mesma suspender a execução fiscal (E fê-lo com base no entendimento de que a posição assumida pela Administração tributária (AT) no âmbito do PER não permite «extrair, sem margem para dúvida, que o externado no “plano” em crise, assim como na subsequente decisão homologatória, pretendeu afastar o sobredito regime legal» da suspensão da execução fiscal.
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a considerar, independentemente da intenção subjacente ao plano de recuperação, que o PER não autoriza a AT a conceder qualquer moratória na cobrança das dívidas tributárias para além das já previstas na lei. São exemplos dessa jurisprudência os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário:
- de 25 de Março de 2015, proferido no processo n.º 278/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fd3edbc16b69387a80257e19003b8ae5;
- de 15 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 302/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/23c107456dc0cdf880257e2a0033fa61;
- de 22 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 371/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/455fcf10296eebe380257e3100457761;
- de 27 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 473/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e89d0f16a6979d7e80257e57002fce07.).
No entanto, quando o discurso até ao penúltimo parágrafo da parte da sentença submetida à epígrafe “DO DIREITO” apontava no sentido de que a reclamação judicial fosse julgada improcedente, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos dois últimos parágrafos, adiantou um motivo que, na sua perspectiva, determinava a procedência da reclamação judicial, a saber: a Executada teria formulado um pedido de dispensa de prestação da garantia, pedido esse que o órgão da execução fiscal ainda não tinha decidido e, nessa medida, não podia recusar a requerida suspensão (pelo menos, até que decidisse esse pedido, subentendemos). Por isso, julgou procedente a reclamação judicial «com as consequências legais», que não especificou quais sejam, mas que pensamos se reconduzam à anulação da decisão reclamada.
A Fazenda Pública discorda da sentença e, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, com a seguinte argumentação, que procuraremos resumir: i) o administrador judicial – que foi quem apresentou o plano de recuperação – não representa a Executada, carecendo de legitimidade para apresentar pedido de dispensa de prestação de garantia em nome desta; sem prejuízo, ii) o pedido de dispensa de prestação de garantia tem de ser formulado no processo de execução fiscal, não podendo sê-lo no PER, que não é a sede própria para o efeito, tanto mais que a competência para apreciar e decidir o pedido é exclusiva do órgão da execução fiscal; ainda sem prejuízo, iii) caso se pudesse entender que foi formulado pedido de dispensa de prestação de garantia – o que não concede –, sempre haveria de considerar-se que esse pedido foi indeferido tacitamente pelo órgão da execução fiscal, atenta a posição repetidamente assumida pelo órgão da execução fiscal, que sempre deu a conhecer à Executada que a suspensão da execução fiscal estava dependente da garantia a prestar ou da dispensa dessa prestação.
Tendo bem presente este enquadramento, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu correctamente quando considerou que o órgão da execução fiscal não podia indeferir o pedido de suspensão da execução fiscal formulado pela Executada porque não tinha ainda decidido o pedido (prejudicial) de dispensa de prestação de garantia.
Podemos, desde logo, questionar se a Juíza do Tribunal a quo podia, ou não, apreciar a legalidade da decisão do órgão da execução fiscal à luz de uma causa de pedir distinta da invocada pela Reclamante. Na verdade, como resulta do que deixámos exposto, a Reclamante imputou à decisão administrativa uma única ilegalidade: o desrespeito pelo plano de recuperação que foi homologado judicialmente no PER; foi com essa causa de pedir que pediu a anulação da decisão administrativa que recusou a suspensão da execução fiscal. Ora, se é certo que a sentença apreciou essa causa de pedir, que julgou improcedente, apreciou também uma outra, que a Reclamante não invocou na petição inicial e que não é de conhecimento oficioso, qual seja a da alegada pendência de um pedido de dispensa de prestação da garantia, motivo por que incorreu em excesso de pronúncia (Tenha-se presente que ainda que o tribunal se limite a apreciar o pedido que lhe foi formulado – que no caso era de anulação do despacho que indeferiu a requerida suspensão do processo de execução fiscal –, se o faz com base num vício não invocado, excedendo os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir. Neste sentido, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 12 ao art. 125.º, pág. 366.), nulidade prevista no art. 125.º do CPPT.
Sucede, no entanto, que esse excesso de pronúncia não foi invocado pela Recorrente, motivo por que não podemos conhecer da respectiva nulidade, como resulta do disposto no n.º 4 do art. 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Resta-nos, pois, averiguar da correcção do julgamento quanto à invocada pendência de pedido de dispensa de prestação de garantia.

2.2.2 DO PEDIDO DE DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA

A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art. 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do art. 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos arts. 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal.
O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do art. 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do art. 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação administrativa no âmbito desse pedido (cfr. arts. 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT).
Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo (Com interesse sobre a questão e dando conta da melhor jurisprudência, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao art. 52.º, págs. 428/429.). Esse procedimento da iniciativa do executado (cfr. art. n.º 4 do art. 52.º da LGT, que diz «a requerimento do executado» e o art. 170.º do CPPT, que diz «deve o executado requerer») é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cfr. n.º 3 do art. 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cfr. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cfr. n.º 3 do art. 170.º do CPPT). Deverá também o requerente mencionar o número de identificação fiscal (cfr. n.º 1 do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro) e ainda, no caso de o procedimento respeitar a um processo de execução fiscal, indicar o número desse processo.
No caso sub judice, como bem salientou a Recorrente, é inquestionável que não foi apresentado junto do órgão da execução fiscal pedido algum de dispensa de prestação de garantia. A questão que se coloca, dissemo-lo já, é a de saber se o texto incluído no ponto 1.8 do plano de recuperação, que foi homologado judicialmente no âmbito do PER a que foi submetida a Executada, pode considerar-se como um pedido de dispensa de garantia validamente formulado e, em consequência, se a AT estava obrigada a pronunciar-se sobre o mesmo e, eventualmente, decidi-lo. Tenha-se presente que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 56.º da LGT – que constitui uma adaptação ao procedimento tributário da regra do art. 13.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) –, a AT «está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo» (sublinhados nossos).
Diremos, desde já, que afirmação inserida no plano de recuperação – «Dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT: na inexistência de bens que reúnam as condições exigidas pela Fazenda Pública para constituição de garantia, desde já se requer a dispensa de garantia» –, não pode considerar-se como um requerimento de dispensa de prestação de garantia validamente formulado, porque não respeita os requisitos acima enumerados. Ou seja, o pedido de “dispensa de garantia” a que alude no ponto 1.8 do plano de recuperação não pode valer como um pedido de dispensa de prestação de garantia que imponha ao órgão da execução fiscal qualquer pronúncia.
Não podemos concordar com o argumento da falta de legitimidade para formular o pedido de dispensa de prestação de garantia, tal enunciado pela Recorrente. Isto porque a apresentação do plano de recuperação não é da responsabilidade do administrador provisório da insolvência, mas da própria empresa a revitalizar, como resulta inequivocamente do disposto na alínea c) do n.º 3 do art. 17.º-C do CIRE, quanto à proposta, e do n.º 1 do art. 17.º-F do mesmo diploma, quanto ao plano.
No entanto, como deixámos dito, o requerimento deve ser apresentado ao órgão da execução fiscal e deve respeitar os requisitos legais.
A sentença assim o não considerou, na medida em que parece ter entendido como suficiente para obrigar a AT à pronúncia, que esta «não pôde […] deixar de conhecer» o referido pedido. Salvo o devido respeito, esse conhecimento não releva, na medida em que o pedido não foi endereçado à AT nem foi formulado pelo modo legalmente prescrito.
Nem pode sequer esgrimir-se com uma deficiente compreensão do regime legal por parte da Executada – o qual nunca relevaria (cfr. art. 6.º do Código Civil) –, pois o órgão da execução fiscal, dando pleno cumprimento ao dever de colaboração que sobre ele impende (cfr. n.º 1 do art. 59.º da LGT), alertou-a por várias vezes, quer antes quer depois da homologação judicial do plano de recuperação, de que deveria prestar garantia ou pedir a dispensa da sua prestação [cfr. factos provados sob as alíneas C) e G)].
Sem prejuízo de quanto ficou dito, não podemos também deixar de observar, como judiciosamente realçou a Recorrente, que, a entender-se que tinha sido formulado pedido de dispensa de prestação de garantia, haveria também, por paridade de argumentação, de admitir-se que o mesmo fora indeferido, pois o órgão da execução fiscal, mesmo depois da homologação do plano de recuperação, notificou a Executada para prestar garantia.
Por tudo quanto ficou dito, concluímos que inexistia pedido de dispensa de prestação da garantia validamente formulado a demandar a pronúncia do órgão da execução fiscal sobre o mesmo. A sentença recorrida, que entendeu em sentido diverso, não pode manter-se.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Em consequência do princípio da indisponibilidade do crédito tributário, a suspensão da execução fiscal em que o mesmo esteja a ser cobrado coercivamente, só é possível nas condições estabelecidas na lei e, em regra, demanda que seja prestada garantia ou que seja dispensada a prestação da mesma.

II - A dispensa de prestação de garantia deve ser pedida mediante requerimento apresentado no e dirigido ao órgão da execução fiscal, a quem a lei confere a competência exclusiva para decidir o pedido (cfr. art. 103.º, n.º 2, da LGT e arts. 150.º e 170.º do CPPT), sem prejuízo da possibilidade de o executado fazer sindicar judicialmente essa decisão (cfr. art. 276.º e segs. do CPPT).

III - Ainda que do plano de regularização apresentado em sede de processo especial de revitalização conste (sob o ponto 1.8) a proposta de «Dispensa de garantia, nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT: na inexistência de bens que reúnam as condições exigidas pela Fazenda Pública para constituição de garantia, desde já se requer a dispensa de garantia» e esse plano tenha sido homologado judicialmente, não pode considerar-se que essa declaração ínsita no plano constitua um requerimento de dispensa de prestação de garantia validamente formulado, com a consequente obrigação do órgão da execução fiscal se pronunciar sobre o mesmo e, muito menos, se pode considerar que a putativa falta de resposta a esse requerimento obsta ao prosseguimento da execução.

IV - Não pode sequer argumentar-se com uma deficiente compreensão do regime da dispensa de prestação de garantia (que sempre irrelevaria), tanto mais que o órgão da execução fiscal, quer antes quer depois da homologação daquele plano, notificou a executada de que, em ordem à suspensão da execução fiscal, se impunha a prestação de garantia ou o pedido de dispensa de prestação da mesma, esta a requerer junto daquele órgão.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação judicial.

Custas pela Recorrida, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal.

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Lisboa, 22 de Agosto de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Carlos Carvalho – Fonseca da Paz.