Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03042/12.0BEPRT
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - Atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal a quo, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC.
II - Para que se pondere a admissibilidade deste recurso, impõe-se que o recorrente identifique com clareza a questão sobre a qual pretende que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie, sobretudo se as instâncias decidiram de acordo com a lei e a interpretação que dela é feita uniforme e reiteradamente pela jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P25511
Nº do Documento:SA22020020503042/12
Data de Entrada:02/26/2019
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 3042/12.0BEPRT

1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (fls. 77 a 82 do processo físico) – que, negando provimento ao recurso por ela interposto da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, manteve a sentença que, julgando procedente a excepção de inimpugnabilidade da liquidação adicional de IRS dos anos de 2006 e 2007, se absteve de conhecer do mérito da impugnação judicial deduzida contra esses actos –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).
1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:
«Da relevância jurídica e social:
1- Importância do pleito: se a Recorrente for obrigada a pagar uma dívida fiscal injusta e mal aplicada pela Autoridade Tributária – pois a alegada dívida inicial de 26.800 euros já vai em 150.000 euros, com juros de cerca de 400% e coimas em 6 anos – existe o risco real de insolvência de uma empresa com 18 anos de existência e em plena laboração, pois a Recorrente não tem capacidade para pagar uma dívida tão avultada, além de injusta.
Da relevância jurídica/melhor aplicação do Direito:
2- A Recorrente entende e sempre entendeu que requereu e pediu desde o início, desde a primeira Impugnação à Autoridade Tributária, a aplicação ao IRC e ao IVA de 2006 e 2007 de tributação com base na apresentação dos recibos reais pela agora Recorrente.
3- E tanto assim é que o Tribunal Administrativo de 1ª. Instância convidou a Recorrente, ao abrigo do Princípio de Colaboração Processual, para enquadrar e esclarecer o seu pedido, ao abrigo do n.º 2 do art. 6.º e do n.º 2 do art. 7.º, ambos do Código de Processo Civil, o que a Recorrente fez, remetendo para o art. 91°. L.G.T., sem prescindir de: “... devendo valer os impostos calculados com base nas declarações reais iniciais da Impugnante”.
Da relevância social:
4- Em caso de Insolvência, há perda de um ícone comercial na Foz do Douro, no Porto, estabelecimento comercial que existe desde 1991.
Da relevância económica do Recurso:
5- Risco de desemprego para 10 trabalhadores em caso de Insolvência da Recorrente.
Da nulidade do Acórdão do Tribunal Administrativo Central:
6- A análise e decisão do Recurso para o Tribunal Central Administrativo passou em branco: desde a identificação de um Arguido diferente (........) e respectiva Sentença de 1.ª Instância, a qual nada tem a ver com a Praia................, até à repetição das mesmas palavras do Tribunal Administrativo de 1.ª Instância (ex vi Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte).
7- Termos em que se requer aos Venerandos Juízes Conselheiros a declaração de nulidade do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte.
Das Alegações:
Da violação do Direito de Audição Prévia pela Autoridade Tributária:
8- As Finanças/Autoridade Tributária convidou a agora recorrente a usar do seu Direito de Audição Prévia, ao que a agora recorrente logo nomeou a seguintes testemunhas para serem ouvidas nas Finanças:
- B………..;
e C……… (TOC).
Ambas a apresentar”.
9- Nunca a Autoridade Tributária nem o Tribunal Administrativo e Fiscal de 1.ª Instância quiseram ou permitiram ouvir-se as testemunhas nomeadas, o que é uma clara violação do Princípio da Legalidade.
Reitera-se:
10- O Tribunal Administrativo de 1.ª Instância baseia a sua douta Sentença e o Tribunal Central Administrativo do Norte baseia o seu Acórdão de indeferimento do pedido na falta de pedido de revisão da matéria colectável.
11- Ora, corresponderá este pressuposto à realidade? …
12- Art. 5.º do Código do Processo Civil: às partes cabe alegar os factos. O Direito é dado pelo Tribunal. Ensinado no primeiro ano da Faculdade.
13- Art. 3.º da Impugnação Judicial da agora Recorrente à primeira Instância:
Faz assim a Impugnada uma dedução (irreal) de que se encontram reunidos os pressupostos para aplicação do método indirecto de avaliação fiscal”.
14- Mais, art. 6.º da Impugnação Judicial da agora Recorrente à primeira Instância:
Todas as deduções do Fisco não correspondem à triste realidade do mercado”.
15- Não significa isto que a Recorrente não queria que valesse a avaliação das Finanças, mas sim uma outra avaliação, desta feita real?
16- Ora, a Recorrente deu os factos ao Tribunal de 1.ª Instância, esperando que este aplicasse o Direito.
17- Como se não bastasse, veio o Tribunal “a quo” convidar a Impugnante a esclarecer o seu pedido, ao abrigo do n.º 2 do art. 60.º e do n.º 2 do art. 7.º, ambos do Código de Processo Civil, o que a Recorrente fez, remetendo para o art. 91.º L.G.T., sem prescindir de: “...devendo valer os impostos calculados com base nas declarações reais iniciais da Impugnante”; (vide Doc. 2 junto aos autos).
18- A Impugnada decidiu pela aplicação de métodos indirectos aos impostos devidos pela Impugnante referente ao I.R.C. dos anos 2006 e 2007,
19- Com os seguintes fundamentos:
1- A Impugnante apresentou resultados fiscais negativos desde 2003 até 2007 e também um valor elevado de prestações suplementares;
2- O resultado líquido do exercício foi negativo nos anos de 2006 e 2007, apesar de as vendas declaradas terem aumentado em 2007;
3- Os documentos de suporte das prestações de serviços foram elaborados pela recorrente e não são suportados por qualquer registo informático ou por talões de registos da máquina;
4- Apesar de ter sido notificada para apresentar os talões de venda ou as fitas das máquinas registadoras, nada foi exibido;
5- A recorrente não possuía contas bancárias, daí que também tenha sido notificada para apresentar extractos bancários, mas apenas foram apresentados alguns desses documentos;
6- Nos anos de 2006 e 2007 o sujeito passivo apresenta uma margem bruta de comercialização sobre as vendas, respectivamente, de 72,02% e 69,18%, superiores à margem média para o sector de actividade na unidade orgânica;
7- A recorrente desenvolve a sua actividade numa zona privilegiada da cidade, sendo expectável que fossem praticadas margens superiores à média”.
20- Faz assim a Impugnada uma dedução (irreal) de que se encontram reunidos os pressupostos para aplicação do método indirecto de avaliação fiscal.
21- Ora, a Impugnada apenas alega, nunca tendo conseguido provar todas as alegações, que, como a seguir veremos, quase todas elas sem qualquer fundamento, tendo-se baseado sempre em suposições.
22- Assim, vejamos, em resposta aos itens do art. 2.º, um por um:
1- É perfeitamente normal a aqui impugnante ter apresentado prejuízos desde 2003 até 2007, pois foi feito um investimento comercial inicial na ordem dos 470.000 euros (quatrocentos e setenta mil euros) em obras nas instalações, tendo, como é óbvio e sensato, demorado alguns anos a amortizar esse valor, o qual foi quase todo proveniente de crédito bancário;
2- O mesmo se diga em relação ao item 2, pois só a partir de 2007 a impugnante começou a recuperar o investimento efectuado;
3- Não houve registo informático da actividade comercial da Impugnante, pois o sistema informático existente à data não era fiável, nem imprimia talões e estando sempre a avariar e o pior de tudo é que com cada avaria havia um reset do sistema e não ficava qualquer registo guardado na memória do computador; motivo pelo qual, a Impugnante adquiriu um novo sistema informático de registo das transacções comerciais em 2009 e a partir daí nunca mais teve qualquer problema (Doc. 1 já junto aos autos);
4- A Impugnante não apresentou quaisquer registos ou talões de máquina precisamente porque não os tinha, tendo-se baseado na triste realidade comercial da sua actividade;
5- É verdadeiro que a Impugnante não tinha nem utilizava contas bancárias, mas também a isso não era obrigada;
6 e 7- Ora, a Impugnada, nos seus items 6 e 7, contradiz-se: se por um lado alega que a Recorrente apresenta lucros superiores à média, dando a entender que exagera, por outro lado, diz que está numa zona privilegiada, devendo ter lucros superiores à média; na verdade, os lucros da Impugnante são superiores à média do mercado na cidade do Porto, mas também os custos são muito superiores à média! Situação à qual a impugnada nunca deu qualquer relevo! Por precisamente as instalações comerciais se situarem numa zona privilegiada da cidade, tem custos muito superiores à média, custos com renda do locado, custos com a obrigatoriedade pela A.P.D.L. de manutenção da praia e custos com os nadadores salvadores. É curioso que a Impugnada diz que os lucros da Impugnante devem ser superiores à média e com essa dedução aplica uma tabela de impostos elevada, mas nem sequer põe a questão dos custos também superiores à média; a título de exemplo, a Impugnada pagava de renda em 2006 e 2007 a quantia de 2.000 euros (dois mil euros) por mês! Valores estes efectivamente declarados nas declarações de IRC efectuadas pela Impugnante, mas não consideradas na avaliação indirecta e irreal da Impugnada. Como se não bastasse, a Impugnada também não teve em atenção as Perdas, os cafés que se viram, os consumos de todos os funcionários, com alimentação diária e cafés, ao fim do ano com 10.000 cafés, os quais não são pagos pelos funcionários, mas pagos pela Impugnante!
23- Todas as deduções do Fisco não correspondem à triste realidade do mercado.
24- Não há qualquer burla nem fuga ao fisco pela Impugnante; por um lado, a amortização dos custos com o investimento inicial; por outro lado, os elevados custos com a situação de estar numa zona cara e especial; por outro lado ainda, as perdas e custos com os funcionários.
25- Não estão, assim, reunidos os pressupostos para aplicação pelo Fisco do método de avaliação indirecta, devendo valer as declarações iniciais apresentadas pela aqui Impugnante.
26- Todas as alegações a provar por prova testemunhal, prova essa que a Impugnada nunca quis ouvir, senão vejamos: em 4 de Junho de 2012 a impugnada notificou a contribuinte para deduzir o Direito de Audição, caso assim o desejasse, no prazo de 10 dias; ora, a aqui impugnante assim o fez, conjuntamente com o Recurso Hierárquico, dentro do prazo, requerendo que as testemunhas aqui arroladas fossem ouvidas pela Direcção de Serviços do IVA. Vá-se lá saber porquê, esta instituição indeferiu o pedido por si concedido; pelo que as testemunhas agora arroladas deverão ser ouvidas, porque nunca o foram, nunca se tendo podido fazer prova, tendo as Finanças, deste modo, violado o princípio do contraditório.
Sem prescindir:
27- Apesar de o método real de contagem contabilística ser o ideal para o Fisco apurar os impostos de IVA e IRC em questão nesta Impugnação, verifica-se que a aplicação de avaliação por métodos indirectos a que se refere o art. 91.º LGT também com o fundamento que poderá servir para se chegar a uma avaliação factual da matéria colectável;
28- Por conseguinte, requer-se a V. Ex.ª a aplicação da norma do art. 91.º LGT à presente impugnação, mais precisamente a revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos à contabilidade da Impugnante referente a IVA e IRC dos anos 2006 e 2007;
29- Para tanto, desde já se requer a V. Ex.ª se digne aceitar o perito que representará a Impugnante: C………. (TOC), a apresentar aquando a notificação do Tribunal para data, dia e hora, a efectuar as avaliações em apreço conjuntamente com o perito do Tribunal (n.º 3 art. 91.º LGT).
Nestes termos, sempre contando com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs., deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, com as consequências de Lei».
1.3 O recurso de revista foi admitido por despacho da Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte (fls. 120 do processo físico).
1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.
1.5 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer (fls. 127 do processo físico) no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto com a seguinte fundamentação: «[…]
A recorrente invoca como fundamento do recurso “o risco real de insolvência da empresa”, caso venha a ser obrigada a pagar o valor das liquidações, “a perda de um ícone comercial na Foz do Douro”, e “o risco de desemprego para 10 trabalhadores”.
Invoca igualmente a nulidade do acórdão do TCA.
Atento os requisitos do recurso de revista previstos no artigo 150.º do CPTA e a natureza excepcional do recurso, afigura-se-nos que as alegações da Recorrente não são subsumíveis a qualquer um desses fundamentos, sendo manifesta a falta de aptidão dos fundamentos invocados para preencher os requisitos de “relevância jurídica ou social”, de “importância fundamental” ou a “necessidade de melhor aplicação do direito” à luz da jurisprudência deste tribunal, sendo certo que a Recorrente não logrou sequer identificar a questão jurídica que pretende ver apreciada pelo STA e que reúna tais características».
1.6 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 150.º do CPTA (Após a alteração introduzida no regime de recursos da jurisdição tributária pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, o recurso de revista excepcional passou a ter previsão no art. 285.º do CPPT, que decalca o regime do art. 150.º do CPTA. No entanto, o novo regime apenas será aplicável «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes [leia-se depois] de 1 de Janeiro de 2012», nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei.).
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Nos termos do disposto nos arts. 663.º,n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2.2.1.1 No caso sub judice o Recorrente pretende que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre a nulidade do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte por omissão de pronúncia (cfr. conclusões com os n.ºs 6 a 9), bem como que revogue esse acórdão, que considera ter feito errado julgamento no que respeita à falta de pedido de revisão da matéria tributável (que determinou o julgamento de impugnabilidade das liquidações impugnadas) e que o substitua por decisão que admita a discussão sobre a matéria tributável e considere que esta é a que foi declarada (cfr. conclusões com os n.ºs 10 a 29).
Para sustentar a admissibilidade do recurso invoca: a «relevância jurídica e social», que faz decorrer do risco de insolvência para a sociedade, que tem 18 anos de existência e está em «plena laboração», se for obrigada a pagar os montantes resultantes das liquidações impugnadas, que constituem uma «dívida fiscal injusta» (cfr. conclusão com o n.º 1); a «relevância jurídica/melhor aplicação do direito», que alicerça no facto de em ambas as instâncias não lhe ter sido reconhecido o direito a ser tributado de acordo com o seu rendimento real, «com base na apresentação dos recibos reais», nas suas palavras (cfr. conclusões com os n.ºs 2 e 3); a «relevância social», porque considera que «[e]m caso de insolvência, há perda de um ícone comercial da Foz do Douro, no Porto, estabelecimento comercial que existe desde 1991» (cfr. conclusão com o n.º 4); a «relevância económica», resultante do risco de desemprego para 10 trabalhadores, em caso de insolvência da Recorrente (cfr. conclusão com o n.º 5).
2.2.1.2 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 150.º do CPTA a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2.2.1.3 Tendo presente a alegação da Recorrente e o âmbito do recurso de revista, é manifesto que não estão verificados os pressupostos da admissibilidade do recurso.
Desde logo, porque a Recorrente não identifica suficientemente a questão jurídica que pretende ver apreciada por este Supremo Tribunal em sede de revista ou de que modo a admissão do recurso se revelaria necessária à melhor aplicação do direito.
É certo que da sua longa exposição se retira que a Recorrente não concorda que a AT tenha recorrido a métodos indirectos para a fixação da sua matéria tributável em sede de IRC e relativamente aos anos de 2006 e 2007, mas fica sem se perceber qual a concreta questão que considera ter sido indevidamente decidida pelo Tribunal Central Administrativo Norte ou qual o erro em que este teria incorrido na aplicação do direito.
Salvo o devido respeito, a Recorrente dá mostras de não ter compreendido o âmbito e o alcance nem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto nem do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte ora recorrido. Por isso, convém relembrá-los:
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgando verificada a excepção de inimpugnabilidade das liquidações adicionais de IRC dos anos de 2006 e 2007, absteve-se de conhecer do mérito da impugnação judicial que a ora Recorrente deduziu contra aqueles actos. Isto, porque considerou que o único fundamento de impugnação judicial aduzido na petição inicial era o erro nos pressupostos da utilização dos métodos indirectos e que a Impugnante não deduziu previamente reclamação dos actos de fixação da matéria tributável, prevista nos arts. 91.º a 94.º, como o impunha o n.º 5 do art. 86.º («Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei».), todos da Lei Geral Tributária (LGT).
A Impugnante recorreu dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte. Este, através do acórdão ora recorrido, julgou improcedente o recurso porque considerou que a Impugnante/recorrente, ao invés de atacar o julgamento efectuado em 1.ª instância, se alheou por completo da sentença e se limitou a «reiterar a alegação feita na petição inicial quanto à não verificação dos pressupostos para o recurso aos métodos indirectos», motivo por que o recurso nunca poderia proceder.
Para além disso, o acórdão recorrido deixou ainda registado que a Impugnante/recorrente, em alternativa ao ataque à sentença, que se lhe impunha tivesse feito – e não fez –, veio pedir em sede de recurso jurisdicional a «revisão da matéria tributável», ignorando que o procedimento de revisão não é da competência do tribunal, mas da AT, à qual deve ser requerido, constituindo condição necessária para a abertura da via contenciosa com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável.
Foram esses, em síntese, os motivos por que a impugnação judicial foi julgada improcedente e o recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte não foi provido.
Em sede de revista, a Recorrente incorre em erro idêntico àquele que lhe foi apontado pelo Tribunal Central Administrativo Norte: ao invés de delimitar a questão jurídica que pretende seja apreciada por este Supremo Tribunal ou de referir por que entende que o acórdão recorrido fez errada aplicação da lei, voltou, uma vez mais, a enunciar os motivos por que entende que não estavam verificados os pressupostos para a AT lhe fixar a matéria tributável por métodos indirectos e a pedir a «aplicação da norma do art. 91.º LGT à presente impugnação», insistindo na possibilidade de o procedimento de revisão ser tramitado judicialmente.
Por outro lado, continua a ignorar o que lhe foi dito quer pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quer pelo Tribunal Central Administrativo Norte: que deveria ter pedido oportunamente a revisão da matéria tributável, nos termos previstos no art. 91.º da LGT; que esse pedido era condição necessária e imprescindível para poder impugnar com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, como resulta inequivocamente do art. 86.º, n.ºs 2 («2- A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».) e 5 («5- Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei».), da LGT (e do art. 117.º, n.º 1, do CPPT); que não tendo oportunamente formulado esse pedido, que desencadearia o procedimento previsto nos arts. 91.º a 94.º da LGT, não podia impugnar as liquidações adicionais com fundamento em erro nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável; que, apresentada impugnação judicial sem que se mostra respeitada a referida condição prévia, ocorre uma causa de inimpugnabilidade, a determinar a não apreciação do mérito.
Em suma, a Recorrente, pese embora a sua extensa alegação, não identificou a questão que pretende ver apreciada ou como o Tribunal Central Administrativo Norte errou na aplicação da lei, o que afasta a apreciação dos fundamentos que invocou para a admissibilidade do recurso. Em todo o caso, sempre diremos ser manifesta a inaptidão desses fundamentos, à luz da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Mesmo a admitir-se que a questão jurídica que a Recorrente pretende ver reapreciada em sede de revista é a da inimpugnabilidade, a verdade é que as instâncias decidiram de acordo com a lei e com a interpretação que delas tem vindo a fazer, uniforme e reiteradamente, a jurisprudência (Entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 26 de Março de 2014, proferido no processo com o n.º 1613/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d7bd8c5063ab039580257cad002ebfcc;
- de 17 Junho de 2015, proferido no processo com o n.º 1722/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7eb68ebd4202ed6980257e6d0033f75a;), com o beneplácito do Tribunal Constitucional (Vide o acórdão n.º 376/2009 do Tribunal Constitucional, de 23 de Julho de 2009, proferido no processo com o n.º 770/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090376.html.), o que também dispensaria a intervenção deste Supremo Tribunal em termos de revista.
2.2.1.4 Finalmente, porque a Recorrente também invoca a nulidade do acórdão recorrido, diremos ainda que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4 do CPC (Cfr., entre muitos outros proferidos pela formação a que alude o n.º 6 do art. 150.º do CPTA e por mais recentes, os seguintes acórdãos:
- de 28 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 23/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/30914b349eaa330880258244003b6f55;
- de 7 de Março de 2018, proferido no processo com o n.º 55/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/77eff930ae87754b8025826b00544235;
- de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 815/16.8BEBRG (707/18), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/06715016b2e5f18a802583c100406d85.).
2.2.2 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal a quo, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC.
II - Para que se pondere a admissibilidade deste recurso, impõe-se que o recorrente identifique com clareza a questão sobre a qual pretende que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie, sobretudo se as instâncias decidiram de acordo com a lei e a interpretação que dela é feita uniforme e reiteradamente pela jurisprudência.
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo.
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Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.