Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0461/14
Data do Acordão:11/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
DIVIDENDOS
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
VIOLAÇÃO DE DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:A situação de um residente noutro Estado-Membro, sem estabelecimento estável em Portugal, que aufira rendimentos proveniente da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos. Pelo que é ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrados no art. 63º do TFUE, face à isenção de tributação no País de residência.
Nº Convencional:JSTA000P18200
Nº do Documento:SA2201411120461
Data de Entrada:04/14/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Fazenda Pública, inconformada, recorreu para o TCA Sul, que por decisão de 24 de Fevereiro de 2014, se declarou incompetente em razão da hierarquia, considerando ser este Supremo Tribunal o competente, para onde os autos foram remetidos, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 19 de Setembro de 2012, que julgou a impugnação, que contra si havia intentado A…….., procedente, anulando as retenções na fonte, de imposto impugnadas, condenou a Fazenda Pública à restituição do imposto indevidamente retido e ao pagamento à impugnante de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do indevido, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Alegou, tendo concluído como se segue:
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, 20% e 15% sobre os dividendos distribuídos pela sociedade B…….. à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, haveria uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes.
II - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se haveria ou não diferença de tratamento entre residentes e não residentes, em razão da localização da sede.
III - Relativamente à causa decindendi a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.
IV - O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art.° 4.° da Directiva n.° 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.
V - Na verdade, o Estado-Membro da entidade distribuidora dos dividendos, cumpriu com todos os preceitos legislativos, pelo que não se vislumbra de que modo o mesmo possam violar o direito comunitário.
VI - Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B……….., efectuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos art.°s 90.° n.° al. c), 46.° n.° 1, 80.° n.° 2 al. c), 14.° n.° 3 e 89.° n.° 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.
VII - Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.
VIII - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo” esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos art.°s 90.º n.° al. c), 46.° n.° 1, 80.° n.° 2 al. c), 14.° n.° 3 e 89.° n.° 1, todos do CIRC, bem como da Directiva n.° 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art.° 12°, 46°, 48.° e 56.° do Tratado CE.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

Contra-alegou a recorrida, tendo concluído:
a. O recurso interposto pela FP assenta nos seguintes pontos: (i) a falta de representante fiscal; (ii) inaplicabilidade do artigo 12.° do TCE; (iii) a errada transposição da Directiva Mães-Filhas e (iv) a inexistência de efeito directo da directiva; (v) a inexistência de efeito directo do artigo 56.° do TCE; e (vi) a falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente.
b. Quanto ao primeiro ponto, foi feita prova nos autos da designação de representante fiscal, não obstante tal exigência ser inconstitucional e incompatível com o direito comunitário, conforme bem decidiu o Tribunal a quo.
c. Os argumentos invocados quanto aos pontos (ii), (iii) e (iv), conforme referido, encontram-se totalmente à margem do presente processo, em que não se discute a aplicação do artigo 12.° do TCE, ou a transposição ou efeito directo da Directiva Mães Filhas, mas tão-somente a desconformidade do direito nacional com a liberdade de circulação de capitais estabelecida no artigo 56.° do TCE, actual artigo 63.° do TFUE. Assim, não devem os mesmos ser considerados no presente recurso.
d. Já quanto à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais sobre a matéria, sendo assente que as situações são comparáveis e que o regime é discriminatório, conforme se demonstrou na impugnação judicial e nas conclusões seguintes.
e. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.° 1, c) do artigo n.° 88.°, e n.° 2, c) do artigo n.° 80.° do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.° 3 do artigo n.° 14.° do CIRC a contrario.
f. A mesma obrigação de proceder a retenção na fonte estava prevista para entidades residentes em território nacional, a qual estabelecia a dispensa deste dever bem como não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.° 1 c) e 46.° n.° 1 (nas redacções em vigor à data).
g. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.
h. Sendo residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal.
i. Contudo, caso fosse considerada residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B…….. incluídos na base tributável, seriam deduzidos para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.
j. Em suma, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, verificando-se assim uma desigualdade de tratamento unicamente com base no local de residência, a qual deve ser considerada discriminatória e como tal violadora da liberdade de circulação de capitais.
k. No caso em análise, embora estejamos perante uma sociedade residente e uma sociedade não residente em território Português, as situações são objectivamente comparáveis porquanto as diferenças de tratamento não se justificam por quaisquer diferenças objectivas entre a situação das entidades residentes e daquelas não residentes (acórdãos Schumacker, já referido, n.ºs 36 a 38, e Asscher, já referido, nº 42).” 7.
l. Ora, conforme foi decidido repetidas vezes pelo Tribunal de Justiça (designadamente nos acórdãos proferidos nos processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, Denkavit Internationaal e Denkavit France, Amurta, Secilpar e Amorim Energia BV) e acolhidas pela jurisprudência dos Tribunais nacionais (entre outros, vide Ac. STA de 29.02.2012, proc. 01017/11), as situações, como a da Recorrida são situações comparáveis na medida em que “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.° 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.° 35, e Amurta, n.°38)
m. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis, pelo que estamos verdadeiramente perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a FP.
n. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, já que na Convenção celebrada com a Holanda se estabelece como método de eliminação da dupla tributação jurídica o método da imputação ordinária e não o método da imputação integral, sendo este último o único que permite neutralizar a dupla tributação económica a que a Recorrida foi sujeita, mitigando assim a desvantagem económica causada pela norma doméstica discriminatória (a qual só seria totalmente eliminada se a Holanda concedesse um crédito de imposto integral no exacto momento em que foi retido imposto em Portugal - caso contrário sempre subsistiria um cash-flow disadvantage).
o. Na prática, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito de imposto, porquanto os dividendos recebidos se encontram isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês.
p. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior - correspondente à retenção efectuada - do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.
q. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retorno económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal.
r. Nestes termos, ao impor um esforço fiscal superior a sociedades não residentes - quando comparado com sociedades residentes nas mesmas condições - a legislação nacional criou um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados-Membros, i.e., uma restrição à livre circulação de capitais.
s. Assim, a violação invocada tem, não só, correspondência legal - o actual art. 63.° do TFUE — como apoio em jurisprudência assente e recorrente do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que inclusivamente já se pronunciaram no sentido de as diferenças de tributação sobre os dividendos serem discriminatórias e restritivas da liberdade de circulação de capitais em situações idênticas à da Recorrida nos já citados processos Amurta, Secilpar e Amorim Energia, BV (este último especificamente sobre as normas nacionais).
t. Tal como já foi referido, o Direito da União Europeia tem primazia sobre as normas de direito interno, nos termos do art. 8.°, n.° 4 da CRP, gozando o princípio da liberdade de circulação de capitais, incluído no art. 56.° do TCE (actual art. 63.° e seguintes do TFUE), de aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, impondo uma clara, precisa e incondicional obrigação de abstenção conforme já foi amplamente reconhecido pelo TJUE.
u. Desta forma, estando residentes e não residentes em situações comparáveis, o benefício de uma isenção de tributação deve, igualmente, ser estendido a residentes e não residentes nos mesmos exactos termos.
v. Tal tratamento igual apenas poderia ser preterido mediante uma justificação nos termos estabelecidos pelo direito comunitário e pela sua jurisprudência (e apenas em medida proporcional), justificação essa que, não só não foi alegada ou demonstrada, como não existe.
w. Nestes termos, a retenção na fonte de que a Recorrida foi alvo no âmbito da distribuição de dividendos do B……. ora em crise, é ilegal por violadora da liberdade de circulação de capitais consagrada no art. 56.° e seguintes do TCE (actual art. 63.º do TFUE) porquanto, embora titular de uma participação social representativa de menos de 10% do capital social do B………., a verdade é que o valor de aquisição das mesmas é consideravelmente superior a EUR 20.000.000 (vinte milhões de euros), cumprindo deste modo os requisitos exigidos pela lei interna para isenção de tributação dos lucros distribuídos entre entidades residentes em Portugal.
x. Sobre esta matéria, já se pronunciaram diversas vezes o Tribunal de Justiça e os Tribunais nacionais, dando provimento às pretensões dos particulares, pelo que esteve bem o Tribunal a quo ao considerar que “a Impugnante foi objecto de um tratamento menos favorável tão só pelo facto de se tratar de uma entidade não residência em Portugal, não se verificando qualquer diferença objectiva ou a ocorrência de qualquer “razão imperiosa de interesse geral” no sentido que lhe é dado pela jurisprudência do TJUE supra citada que justifique tal tratamento à luz do Tratado (como é, aliás, reafirmado no acórdão proferido em 3 de junho de 2010, no processo C-487/08, citado por último, num caso que é similar ao presente)”
y. A consagração do direito aos juros indemnizatórios prevista nos artigos 43.° e 100.º da LGT bem como no artigo 61.° do CPPT, mais não é do que a concretização, em matéria fiscal, do direito à indemnização que tem fundamento constitucional no artigo 22.° da Constituição da República Portuguesa.
z. A imputabilidade do erro aos serviços visa excluir unicamente as situações em que o erro seja imputável ao sujeito passivo e a AT não tenha tido oportunidade de o corrigir.
aa. É jurisprudência constante dos tribunais superiores portugueses que “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. (Ac. do STA de 12/12/2001, rec. 26.233)”
bb. No presente caso, a ilegalidade da liquidação não decorre de qualquer erro do sujeito passivo ou do substituto tributário mas antes da aplicação directa das normas de direito interno que inequivocamente impunham o dever de retenção na fonte sobre os dividendos pagos a entidades não residentes;
cc. Ilegalidade essa que foi mantida pela AT em todas as oportunidades que teve para revogar o acto e que continua a ser defendida no presente recurso;
dd. Também quanto a este aspecto esteve bem o Tribunal a quo ao decidir que "tendo-se concluído que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei, daí decorre que as mesmas são consequência de um erro imputável ao serviço nos termos da citada disposição, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a condenação da administração tributária a pagar juros indemnizatórios à impugnante (...) desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito".
ee. Pelo que devem ser pagos juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte, porquanto o referido acto teria sido praticado nos exactos mesmo moldes se houvesse sido praticado ab initio pela AT e não por um substituto tributário.
Em face ao exposto, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se no sentido de que o recurso é de proceder, sendo de anular o decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. A Impugnante é uma sociedade de direito neerlandês denominada “C……………” (BV) (cf. declaração emitida pela administração fiscal de Amesterdão, a fls. 70, e tradução certificada a fls. 68-69 dos autos).
B. Em 17 de Março de 2008 foi certificado pela Administração fiscal de Amesterdão que a ora Impugnante “é sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou isenção” (cf. declaração emitida pela administração fiscal de Amesterdão, a fls. 70, e tradução certificada a fls. 68-69 dos autos).
C. Em 28 de Março de 2003 a Impugnante adquiriu um total de 85.059.078 acções nominativas no capital social do B……….., banco com sede em Portugal (cf. declaração e anexo, a fls. 63-64 e tradução certificada, a fls. 59-61 dos autos).
D. O valor de aquisição pela impugnante à “D…………..Company S.A.” de 19.024.014 das acções referidas no ponto anterior foi de EUR 43.945.472,34 (cf. relatório de auditoria de dados relativos à situação das acções da A……… no B………….., declaração e contrato de compra e venda de acções, respectivamente a fls. 178-179, 180, 181 a 184 e 185, e respectivas traduções certificadas a fls. 167 a 177 dos autos).
E. O valor de aquisição pela impugnante a “D' ……………… Company, S.A.” de 1.217.849 das acções referidas no ponto C foi de EUR 2.813.231,19 (cf. relatório de auditoria de dados relativos à situação das acções da A……. no B………, declaração e contrato de compra e venda de acções, respectivamente a fls. 178-179, 180, 181 a 184 e 185, e respectivas traduções certificadas a fls. 167 a 177 dos autos).
F. Em 31 de Março de 2003, a Impugnante adquiriu mais 36.404.897 acções nominativas no capital social do B……., por subscrição em aumento de capital, pelo valor unitário de EUR 1,00 (cf. declaração e anexo, a fls. 63-64 e tradução certificada, a fls. 59-61 dos autos, e relatório de auditoria, declaração e respectiva traduções certificadas, a fls. 169 a 171 e 178 a 180 dos autos).
G. Entre 4 e 26 de Junho de 2003 a Impugnante alienou 20.000.000 acções nominativas no capital do B………. (cf. relatório de auditoria de dados relativos à situação das acções da A…… no B…………., declaração e contrato de compra e venda de acções, respectivamente a fls. 178-179, 180, 181 a 184 e 185, e respectivas traduções certificadas a fls. 167 a 177 dos autos).
H. Entre 26 de Junho de 2003 e 2 de Abril de 2009 não ocorreram quaisquer outras alienações pela Impugnante de acções nominativas no capital do B…… (cf. relatório de auditoria de dados relativos à situação das acções da A…….. no B…………., declaração e contrato de compra e venda de acções, respectivamente a fls. 178-179, 180, 181 a 184 e 185, e respectivas traduções certificadas a fls. 167 a 177 dos autos).
I. Em 13 de Abril de 2004, o B………. distribuiu dividendos aos seus accionistas relativos às acções identificadas pelo código PT………..OAM0007, no montante bruto de EUR 0,06 por acção (cf. declaração emitida pelo B………….., a fls. 39 e respectiva tradução certificada a fls. 36-37, dos autos).
J. No âmbito da distribuição de dividendos referida no ponto anterior, a Impugnante, enquanto titular de 65.151.938 acções, auferiu o rendimento bruto de EUR 3.909.116,20 (cf. declaração emitida pelo B…………., a fls. 39 e respectiva tradução certificada a fls. 36-37, dos autos).
K. O rendimento bruto identificado no ponto anterior foi objecto de retenção na fonte de imposto à taxa de 25%, no montante de EUR 977.279,07 (cf. declaração emitida pelo B……….., a fls. 39 e respectiva tradução certificada a fls. 36-37, dos autos).
L. Em 26 de Dezembro de 2007 a Impugnante apresentou um pedido de reembolso parcial do imposto retido em Portugal sobre os dividendos de acções distribuídos em 13 de Abril de 2004 e identificados no ponto I, nos termos da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, através da apresentação de modelos 14 RFI, certificados pelas autoridades fiscais holandesas em 20 de Dezembro de 2007, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. modelo 14 RFI - Pedido de reembolso para dividendos de acções a fls. 42-43 dos autos).
M. A Impugnante foi reembolsada no montante de EUR 586.367,44 relativamente ao imposto retido na fonte em Portugal aquando da distribuição de dividendos efectuada em 13 de Abril de 2004 e referida no ponto I (confissão).
N. Em 6 de Abril de 2006, o B…….. procedeu à distribuição de dividendos relativos às acções identificadas pelo código PT………..0AM0007, no montante bruto de EUR 0,037 por acção (cf. declaração emitida pelo B………., a fls. 47 e respectiva tradução certificada a fls. 44-45, dos autos).
O. No âmbito da referida distribuição de dividendos, a Impugnante, titular de 121.346.567 acções, auferiu o rendimento bruto de EUR 4.489.822,98 (cf. declaração emitida pelo B…………, a fls. 47 e respectiva tradução certificada a fls. 44-45, dos autos).
P. O rendimento bruto identificado no ponto anterior foi objecto de retenção na fonte de imposto à taxa de 20%, no montante de EUR 448.982,30 (cf. declaração emitida pelo B………., a fls. 47 e respectiva tradução certificada a fls. 44-45, dos autos).
Q. Em 19 de Março de 2008, a Impugnante apresentou um pedido de reembolso parcial do imposto retido em Portugal sobre os dividendos de acções distribuídos em 6 de Abril de 2006 e identificados no ponto N, nos termos da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, através da apresentação de modelos 14 RFI, certificados pelas autoridades fiscais holandesas em 12 de Fevereiro de 2008, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. modelo 14 RFI - Pedido de reembolso para dividendos de acções, a fls. 50 dos autos).
R. Em 29 de Novembro de 2007, o B…….. procedeu à distribuição antecipada de dividendos aos seus accionistas, relativos às acções identificadas pelo código PT………0AM0007, no montante bruto de EUR 0,037 por acção (cf. declaração emitida pelo B………, a fls. 54 e respectiva tradução certificada a fls. 51-52, dos autos).
S. No âmbito da referida distribuição de dividendos, a Impugnante, titular de 124.235.405 acções, auferiu o rendimento bruto de EUR 4.596.709,99 (cf. declaração emitida pelo B…….., a fls. 54 e respectiva tradução certificada a fls. 51-52, dos autos).
T. Este rendimento bruto foi inicialmente objecto de retenção na fonte de imposto à taxa de 20%, no montante de EUR 919.342,00 (cf. declaração emitida pelo B………., a fls. 54 e respectiva tradução certificada a fls. 51-52, dos autos).
U. Em 10 de Dezembro de 2007, atendendo a que a Impugnante havia apresentado à entidade pagadora o formulário Mod. 8 RFI devidamente certificado pelas autoridades fiscais holandesas em 28 de Novembro de 2007, a taxa de retenção na fonte foi corrigida para 10% ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos (doravante CDT), sendo o montante final retido na fonte de EUR 459.671,00 (cf. declaração emitida pelo B……, a fls. 54 e respectiva tradução certificada a fls. 51-52 e pedido a fls. 57-58, dos autos).
V. Em 27 de Março de 2008 os serviços da Impugnante expediram através de correio registado, reclamação graciosa dirigida ao Director de Finanças do Porto respeitante à retenção na fonte de IRC relativa aos dividendos distribuídos em 29 de Novembro de 2007 (cf. requerimento inicial a fls. 2 a 23 e registo postal aposto no sobrescrito de remessa, a fls. do 180, todas do processo de reclamação graciosa n.º 3085200804002318 apenso, adiante designado PAT RG1).
W. No dia 28 de Março de 2008 foi dada entrada no serviço de finanças do Porto 5 da reclamação graciosa referida no ponto anterior (cf. carimbo de entrada aposto a fls. 2, do processo PAT RG1).
X. Em 7 de Abril de 2008 os serviços da Impugnante expediram através de correio registado, reclamação graciosa dirigida do Director de Finanças do Porto respeitante à retenção na fonte de IRC relativa aos dividendos distribuídos em 6 de Abril de 2006 (cf. requerimento inicial a fls. 2 a 26, registo aposto no sobrescrito de remessa a fls. 153 do processo de reclamação graciosa n.º 3085200804002300 apenso, adiante designado PAT RG2 e talão de aceitação de registo dos CTT a fls. 158 dos autos).
Y. Em 8 de Abril de 2008 a reclamação identificada no ponto anterior deu entrada no serviço de finanças do Porto 5 (cf. carimbo de entrada aposto a fls. 2 do PAT RG2).
Z. Em 19 de Maio de 2008 a reclamação identificada no ponto x respeitante à retenção na fonte de IRC relativa aos dividendos distribuídos em 6 de Abril de 2006, deu entrada no serviço de finanças de Lisboa 3, para onde foi remetida pelo serviço de finanças do Porto 5 através do ofício n.º 7926 de 13 de Maio de 2008, por ser o aquele o “serviço competente para a instrução do processo de reclamação” (cf. ofício e carimbo de entrada aposto no mesmo, a fls. não numeradas do PAT RG2).
AA. Em 14 de Abril de 2008 os serviços da Impugnante expediram através de correio registado, pedido de revisão do acto tributário “por iniciativa da Administração Tributária” dirigido do Director-Geral dos Impostos, respeitante à retenção na fonte de IRC relativa aos dividendos distribuídos em 13 de Abril de 2004 (cf. requerimento inicial a fls. 1 a 23 e registo aposto no sobrescrito de remessa a fls. com numeração ilegível, todas do processo de revisão apenso, adiante designado PAT REV e talão de aceitação do registo dos CTT a fls. 157, dos autos).
BB. Em 15 de Abril de 2008 o pedido de revisão oficiosa do acto tributário identificado no ponto anterior deu entrada no serviço de finanças do Porto 5 (cf. carimbo de entrada aposto a fls. 1 do PAT REV).
CC. Em 18 de Março de 2009 a participação detida pela Impugnante no capital social do B………. correspondia a um valor de aquisição mínimo de EUR 20.000.000,00 (cf. relatório de auditoria de dados relativos à situação das acções da A………. no B…………… e declaração, contrato de compra e venda de acções e declaração, respectivamente a fls. 178-179, 180, 181 a 184 e 185, e respectivas traduções certificadas a fls. 167 a 177 dos autos).
DD. A PI da presente impugnação deu entrada na (então) repartição de finanças do 3.º bairro fiscal de Lisboa em 5 de Janeiro de 2009 (cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos).

III. 1.2 Factos não provados

1. Que até ao momento da interposição da presente impugnação tenha sido proferida decisão pela Administração tributária relativamente ao pedido de revisão oficiosa respeitante à retenção na fonte de IRC pelos dividendos distribuídos em 13 de Abril de 2004 identificado em CC dos factos provados

2. Que até ao momento da interposição da presente impugnação tenha sido proferida decisão pela Administração tributário relativamente à reclamação graciosa respeitante à retenção na fonte de IRC pelos dividendos distribuídos em 6 de Abril de 2006, identificada no ponto Z dos factos provados

Nada mais se levou ao probatório.


Há agora que apreciar este recurso que nos vem dirigido.

Dispõe o artigo 635º do NCPC que, o recorrente no recurso que dirigir contra a sentença pode delimitar a sua discordância relativamente a essa sentença, quer de âmbito objectivo, quer de âmbito subjectivo, sendo que nas conclusões desse mesmo recurso o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso, cfr. n.º 4 daquele artigo 635º e 639º, n.º 1, ambos do NCPC.
E é este objecto do recurso, constituído pelos fundamentos por que o recorrente pede a alteração ou anulação da decisão, cfr. art. 639º, n.º 1, que será conhecido pelo Tribunal de recurso, cfr. arts. 652º, 656º, 657º e 659º, todos do NCPC, estando, portanto, esse conhecimento balizado e limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações.

Face aos fundamentos e sentido do segmento decisório da sentença recorrida, a Fazenda Pública identifica do seguinte modo a questão a tratar no presente recurso:
o thema decidendum, assenta em saber se pelo facto de se ter retido na fonte, à taxa liberatória de 25% e 20%, os dividendos distribuídos pelo B……… à impugnante, violava o princípio da livre circulação de capitais, em razão da localização da sede da impugnante, ou seja, se haveria ou não uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes, sendo o regime mais gravoso para os não residentes em comparação com os residentes.
E, efectivamente, o teor das 8 conclusões do seu recurso prendem-se com este assunto e com esta temática.
Porém, nos artigos 10º a 14º do corpo das suas alegações, a recorrente “revisita” uma questão que se prende com o facto de a impugnante não ter nomeado representante legal, encontrando-se por isso limitada quanto ao exercício dos seus eventuais direitos que se prendem com a dedução de reclamação, recurso ou impugnação.
Esta questão foi julgada improcedente na sentença recorrida, fundamentando-se essa decisão com princípios constitucionais e princípios de direito comunitário. É certo, que nesta sua alegação a recorrente não explica porque razão se decidiu menos bem na decisão recorrida, nem esgrime argumentos que possam afastar o discurso bem fundamentado da sentença recorrida, limitando-se a, de forma muito insipiente, invocar o disposto nos vários números do artigo 19º da LGT, parecendo, mesmo, que nem pretende pôr em causa o que se decidiu a esse respeito no Tribunal a quo.
E, na verdade, percebe-se esta argumentação frouxa e insipiente, sem continuidade nas respectivas conclusões do recurso, porque tem sido entendimento deste Supremo Tribunal e do Tribunal de Justiça da União, precisamente o contrário daquilo que vem alegado pela recorrente, ou seja, mesmo que o interessado impugnante (gracioso ou contencioso) não tenha designado representante em Portugal para efeitos tributários, tal nunca poderá implicar uma restrição ao seu direito de acção em juízo, sob pena de inconstitucionalidade por compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efectiva e violação do disposto no art. 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 29/10/2014, recurso n.º 01502/12 e ainda o acórdão do TJUE proferido no Proc. nº C-267/09, de 5 de Maio de 2011.
E portanto, face a este entendimento uniforme, ainda que tal questão fizesse parte do núcleo cognoscível do objecto deste recurso, que não faz, sempre seria julgada improcedente, por afrontar de forma directa e imediata princípios estruturantes e constitucionais próprios do Estado de Direito.

Feita esta curta chamada de atenção, há agora que conhecer do thema decidendum do presente recurso e que se encontra concretamente identificado nas 8 conclusões propostas pela recorrente Fazenda Pública.

Na sentença recorrida, após se ter feito uma enunciação exaustiva da jurisprudência comunitária sobre a matéria, concluiu-se que se verificava a ilegalidade apontada às liquidações impugnadas, no essencial, com base em diversos fundamentos, entre os quais “…a nossa legislação não sujeita a retenção na fonte à prova de que os rendimentos tributados são deduzidos no país de residência.
Acresce o facto de a legislação holandesa consagrar a “participation exemption”, isentando de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas C………, como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).”.
Tratam-se de argumentos determinantes para a procedência da acção, como mais adiante veremos, que não são verdadeiramente postos em causa nas alegações do recurso que nos vem dirigido.

Sobre a tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente em Território Nacional a sociedade não residente, com sede nos Países Baixos, já este Supremo Tribunal se pronunciou por diversas vezes, estando a questão devidamente identificada no acórdão datado e 09/07/2014, recurso n.º 01435/12, Pleno, que aliás se fundamenta na diversa jurisprudência e doutrina emanada do Tribunal de Justiça da União, sobre esta concreta matéria.

Assim, e porque entendemos que a concreta situação dos autos não diverge de modo substancial daquelas situações já tratadas por este Supremo Tribunal e, em particular, da situação tratada neste acórdão anteriormente referido, seguir-se-á de perto a fundamentação que aí se expendeu.
…sobre tal questão o Tribunal de Justiça, por despacho de 18.06.2012, proferido no processo C-38/11 (In http://eur-lex.europa.eu), depois de ponderar que, no processo principal, o Supremo Tribunal Administrativo não apresentou a convenção destinada a evitar a dupla tributação como fazendo parte do quadro jurídico aplicável ao processo, declarou que:
1) Os artigos 63.º TFUE e 65.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades acionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.
2) Os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades acionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.
Na sequência da decisão do Tribunal de Justiça o acórdão fundamento delimitou a questão controvertida como sendo a de saber «se efectivamente, a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento, ou, (…) por outras palavras (…) se o valor do imposto retido em Portugal poderia vir a ser recuperado nos Países Baixos».
E sobre tal questão, depois de ponderar que, a ser correcta a tese da recorrente e estando o valor retido em Portugal isento nos Países Baixos, não constituía aí «base tributável de imposto sobre o rendimento/capitais, pelo que não haveria lugar a crédito de imposto» e, «assim não haveria possibilidade de recuperar o imposto retido em Portugal» o acórdão fundamento veio a concluir que, para se poder chegar a essa conclusão havia que «apurar factos, nomeadamente, saber se tais dividendos foram ou não declarados nos Países Baixos» e havia «que trazer aos autos as normas legais que a recorrente refere como vigentes nos Países Baixos», decidindo, em consequência «a revogação da decisão recorrida, com a baixa dos autos tendo em vista a aquisição das normas legais aplicáveis e ampliação da matéria de facto pertinente, a fim de se confirmar ou não o alegado pela recorrente.»
…o Acórdão… — em cumprimento, após reenvio prejudicial, da pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia em sede do Despacho Fundamentado proferido no Processo C-38/11 —, considera que o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa — maxime a sua isenção de tributação — é decisivo para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização pelo artigo 24º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos.
(…)
Com efeito, bem pelo contrário, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes…no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.
cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.° do TFUE (ex-artigo 56.° do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.
(…)
…entendemos, de acordo com o que vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac. do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam)
Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pag.313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.
Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.
Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento, “o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (….).
Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).).
Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização (Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pag.313.).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. acórdãos supracitados em 6.3.
Ora no caso em apreço, tal como no caso sobre que versou o acórdão fundamento estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.
O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu nº 2:
«Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no nº 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº 3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.”.

No caso sub judice, tal como na situação concreta relatada no acórdão acabado de citar, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à impugnante, aquando da distribuição de dividendos pelo B………., SA, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).
Já vimos, que um dos fundamentos para a procedência da impugnação foi precisamente o facto de na sentença recorrida se ter tido em consideração a legislação dos Países Baixos sobre esta matéria que consagra “…a “participation exemption”, isentando de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas C………, como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).”.

Como logo de início se fez notar, este é um argumento preponderante para a procedência da impugnação e a recorrente não põe em causa no seu recurso que assim seja, isto é, que a recorrida beneficie de um regime de isenção no tocante a estes rendimentos e que tal regime de isenção resulte dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.
E, portanto, contrariamente ao decidido naquele acórdão anteriormente citado, no presente recurso temos suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação dos dividendos nos Países Baixos e podemos concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, tal como decidido na sentença recorrida.

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
D.N.

Lisboa, 12 de Novembro de 2014. - Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.