Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0404/13.9BEVIS
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico).
II - Resultando da petição inicial que a causa de pedir invocada sob a denominação “falta de fundamentação” se refere à fundamentação substancial, enferma de erro de julgamento a sentença que a apreciou como se se tratasse de fundamentação formal e, ademais, lhe deu um conteúdo que a impugnante nunca invocou.
Nº Convencional:JSTA000P25193
Nº do Documento:SA2201911210404/13
Data de Entrada:06/18/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 404/13.9BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência aos anos de 2007 e 2008, após a AT ter feito correcções à matéria tributável declarada, com recurso a métodos indirectos.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor e que ora sujeitamos a numeração:

«1- Incide o presente recurso sobre a sentença proferida e circunscreve-se ao segmento decisório que julgou procedente a impugnação na parte que assenta na tributação por métodos indirectos, concretamente, tem por objecto a apreciação do vício da falta de fundamentação da decisão do procedimento de revisão que fora imputado pelo julgador.

2- De forma sucinta, considerou o Juiz do tribunal a quo que, no despacho proferido no procedimento de revisão, o decisor incorreu em vício de omissão da apreciação crítica dos argumentos das partes, limitando-se a fixar a matéria tributária, o que redunda em vício de falta de fundamentação, do que discordamos.

3- Ora, a preterição da formalidade de fundamentação da decisão da comissão de revisão, não foi invocada na argumentação expendida na PI, logo o Juiz excedeu os seus poderes de cognição ao tomar em consideração, factos não alegados e de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente, por violação do princípio do dispositivo, enunciado no art. 5.º do CPC.

4- Do que se conclui que, não tendo a impugnante invocado o vício de falta de fundamentação da decisão do procedimento de revisão e não sendo tal vício de conhecimento oficioso, não podia o tribunal dele conhecer, pelo que, fazendo proceder os presentes autos com fundamento no aludido vício incorreu em erro de julgamento.

5- Sem prescindir, ao contrário do sentenciado, a decisão do procedimento de revisão não incorre do vício de falta de fundamentação que lhe fora imputada pelo decisor, pois que, na decisão do procedimento de revisão é feita remissão expressa para o relatório de inspecção e para os elementos da comissão de revisão.

6- De facto, da leitura da decisão do procedimento de revisão verifica-se que da mesma consta a remissão expressa para “relatório da Inspecção Tributária, posição dos peritos”, ou seja, para o relatório da inspecção e para o debate da comissão de revisão.

7- Atente-se que a fundamentação por remissão é legalmente admitida, resultando expresso na lei que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (cf. art. 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e artigo 125.º n.º 1 do CPA), o que sucede no caso dos autos.

8- Sendo que a remissão feita para a reunião da comissão de revisão, ao incorporar o respectivo conteúdo contém a apreciação crítica a todos os argumentos trazidos pela impugnante para o debate contraditório e que foram devida e justificadamente analisados e valorados pelos peritos intervenientes e rebatidos pelo perito da AT.

9- Ora, reafirma-se que no caso em concreto, cumpriu-se o dever de fundamentação, ainda que por simples remissão, razão porque o acto sindicado (decisão do procedimento de revisão) não incorre do vício de falta de fundamentação que lhe foi imputado pelo decisor.

10- Sem prescindir, ainda que se conceba que há uma preterição de formalidade por falta de fundamentação da decisão da comissão de revisão, há que ter em conta as circunstâncias do caso em concreto, no sentido em que o objectivo do dever legal de fundamentação foi atingido.

11- Certo é que a impugnante tomou conhecimento de todo o percurso cognoscitivo e valorativo que a AT seguiu para a sua prática, o que, de resto, lhe permitiu exercer todos os seus direitos de defesa que a lei lhe confere.

12- Desta forma, essencial é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática, o que na realidade sucede nos autos.

13- A comprová-lo estão as circunstâncias concretas em que tal acto foi praticado: na sequência de acção inspectiva levada a cabo à actividade da impugnante, foi elaborado projecto de relatório inspectivo e notificado à impugnante para o exercício do direito de audição; seguidamente foi notificada do relatório inspectivo definitivo e apresentou reclamação da fixação do lucro tributável, através de procedimento de revisão previsto no artigo 92.º da LGT; posteriormente apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico da liquidação em causa;

14- Do projecto de relatório e relatório final, ambos notificados à impugnante, consta quer a fundamentação sobre os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, quer o critério de quantificação; por outro lado, os argumentos trazidos ao procedimento de revisão foram objecto de análise no debate contraditório pelos peritos intervenientes e tomados em consideração pela AT na decisão desse mesmo procedimento.

15- Finalmente, estando em causa vícios procedimentais geradores de mera anulabilidade, como é o caso da violação do art. 77.º da LGT, admite-se, por força do princípio geral de direito administrativo do aproveitamento do acto, que, por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia processual, o acto administrativo, apesar de ferido de preterição de formalidade, não deve ser anulado quando se comprove, sem margem para dúvidas, que o vício formal não teve qualquer influência no conhecimento cabal da motivação do acto, bem como não coarctou os direitos de defesa do contribuinte, os quais foram exercidos em pleno.

16- Em todos os momentos processuais ao nível do contencioso administrativo e judicial, a impugnante demonstrou de forma absoluta e integral ter apreendido a fundamentação do acto de decisão do procedimento de revisão, o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pela AT na prática do acto.

17- De facto, percorrendo todos os articulados dos presentes autos, denota-se que a impugnante compreendeu perfeitamente o teor e razão de ser das correcções vertidas no relatório da inspecção e na decisão do procedimento de revisão que deram origem às liquidações impugnadas.

18- Desta forma, o fim que a lei pretendia atingir com o dever de fundamentação foi, no caso dos autos, completamente cumprido, ou seja, compreendeu a impugnante todo o seu conteúdo, como aliás se retira de toda a argumentação trazida pela própria aos presentes autos e bem assim, já em sede de pedido de revisão da matéria tributável, reclamação graciosa e recurso hierárquico.

19- Ora, é da mais elementar justiça e tendo em conta a verdade material, que o princípio da formalidade não se pode sobrepor ao princípio da materialidade, sendo que a decisão judicial em apreço suporta-se exclusivamente na verdade formal, sem que tenha tido em conta a verdade material.

20- Contudo, o princípio da verdade formal não é absoluto, o que é o mesmo que dizer que o direito à fundamentação formal não é um direito absoluto, ao contrário do doutamente decidido (cfr. Acórdão do STA de 14.09.2011, Proc. 0255/11 e Acórdão do TCA Norte de 15/10/2010, Proc. 01619/09.0 BEBRG).

21- É inequívoco que a impugnante teve cabal conhecimento da fundamentação do procedimento de revisão, uma vez que, na sequência da emissão da liquidação apresentou reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial, meios processuais de cuja análise se extrai, em função dos argumentos apresentados, que teve conhecimento da fundamentação de facto e de direito da decisão tomada.

22- Ou dito de outro modo, ainda que tenha ocorrido alguma irregularidade formal ao nível da fundamentação da decisão do procedimento de revisão, materialmente teve acesso a todos os fundamentos de facto e de direito e tal irregularidade formal em nada o prejudicou, pois que, usou dos mecanismos de defesa que a lei lhe confere e onde manifestou conhecer perfeitamente a motivação, o percurso cognoscitivo e valorativo para a tomada da decisão do procedimento de revisão.

23- Aqui chegados, é mister que a verdade material deve sobrepor-se à verdade formal, sendo notório que o vício de forma por falta de fundamentação não acarreta necessariamente a anulação do acto, degradando-se em formalidade procedimental não essencial se, apesar dessa irregularidade, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las.

24- Assim sendo, e em jeito de conclusão, considerando que no caso vertente a AT conseguiu demonstrar que a impugnante teve de facto acesso à fundamentação material do acto, deve, no caso em presença, sobrepor-se a verdade material à verdade formal.

25- Em suma, o Meritíssimo Juiz [do Tribunal] a quo incorreu em erro de julgamento ao tomar em consideração, para a resolução da questão colocada pela impugnante, factos não alegados de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente; por violação do princípio do dispositivo, enunciado no art. 5.º do CPC e por errada aplicação dos artigos 125.º n.º 1 do CPA e artigo 77.º da LGT».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor:

«a) Procedem as presentes contra-alegações em RESPOSTA às alegações de recurso oferecidas pela recorrente.

b) Vem a ora recorrente imputar erro de julgamento à douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, por esta concluir pela falta de fundamentação do despacho do Director de Finanças em que se suporta as liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2007 e 2008, na parte em que assentam na tributação por métodos indirectos.

c) O Administrador da Insolvência é claramente parte ilegítima para ser objecto da notificação encetada, na certeza de que, na qualidade de Administrador da Insolvência NÃO É REPRESENTANTE da sociedade insolvente nos termos e para os efeitos consignados no CIVA e CIRC.

d) O art. 65.º, n.º 2 do CIRE, deitando por terra a argumentação da Fazenda Nacional no que diz respeito às PSEUDO-obrigações do Administrador de Insolvência, de forma taxativa, veio dispor que “As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”

De facto,

e) ao Administrador da Insolvência não pode ser imputada qualquer obrigação adveniente dos actos próprios do exercício de qualquer actividade de GERÊNCIA da sociedade. Na realidade,

f) nos termos do art. 447.º do CPC, e ainda por decorrência da lei, mormente da sistemática normativa e tramitacional do CIRE, verifica-se, por força da aludida declaração de insolvência, a INUTILIDADE das presentes Liquidações, dado que o sujeito passivo foi declarado insolvente.

g) Neste contexto, quer a DGImpostos, quer qualquer outro posto da Administração Fiscal, não se pode sobrepor à lei, in casu, o CIRE, tal significando que uma sociedade declarada insolvente entra numa fase de liquidação judicial e não administrativa ou fiscal, razão pela qual não pode a Administração Fiscal exigir o que o CIRE não exige, ou levantar obstáculos ao adequado desempenho das funções da Administradora da Insolvência,

h) não podendo proceder a liquidações ou correcções dirigidas contra a Massa Insolvente e o Administrador da Insolvência!!!

i) Uma das formalidades essenciais alicerçadas ao acto administrativo é a fundamentação do mesmo, nos casos designados no art. 152.º/1 do CPA.

j) Este dever de fundamentação também se encontra parcialmente consagrado no art. 268.º/3 da CRP, que explicita: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”, concretizado, entre outros, no art. 77.º da LGT.

k) A fundamentação, para se considerar efectuada, tem que obedecer aos requisitos previstos no art. 153.º/1 do CPA: ser expressa, expor os fundamentos de facto e de direito da decisão;

l) e no art. 153.º/2 do CPA a contrario: ser clara, coerente e completa.

m) Ora, este dever de fundamentação não foi observado pela ora recorrente no despacho proferido no procedimento de revisão.

n) Antes pelo contrário, tal despacho apresenta uma clara insuficiência de fundamentação, utilizando determinadas premissas/pressupostos sem as precisar, bem como não procedeu à indicação expressa dos elementos concretos tidos em conta e em que sentido, positivo ou negativo, foi efectuado a sua valoração.

o) Deste modo, não se tornou perceptível para a ora recorrida (normal destinatário do acto) a razão pela qual os seus argumentos não eram susceptíveis de demonstrar a incorrecção da aplicação dos métodos indirectos efectuada pela Inspecção Tributária ali controvertida, de modo a, eventualmente, justificar a sua desaplicação ou aplicação em montante diverso do originariamente fixado.

p) E esta falta de fundamentação, in casu, não ficou “sanada”, ao contrário do alegado pela recorrente, pelo facto de o decisor ter remetido explicitamente para o relatório de inspecção e para os elementos da comissão de revisão. Isto porque:

q) Ora, no caso vertente, tendo a ora recorrente remetido explicitamente a fundamentação da decisão da comissão de revisão para o relatório de inspecção, bem como para os elementos da comissão de revisão, e não estando estes devidamente fundamentados pelas razões aduzidas pela ora recorrida, nomeadamente, em sede de impugnação judicial, e acolhidas pelo Tribunal a quo,

r) significa isto que, a decisão da comissão de revisão, tendo absorvido e se apropriado da referida motivação ou fundamentação, fazendo, assim, dela parte integrante, também ela padece de vício de falta de fundamentação.

s) Vem, ainda, a recorrente alegar, mais concretamente nos articulados 16.º a 18.º, que existe erro de julgamento à sentença por parte do Tribunal a quo, alegando para tal que a ora recorrida, na P.I., jamais invocou como causa de pedir a falta de fundamentação da decisão do procedimento de revisão e não sendo tal vício de conhecimento oficioso não podia o tribunal dele conhecer.

t) Tal não corresponde, de todo, à verdade. A recorrida fez expressamente referência à falta de fundamentação do despacho, inclusivamente no articulado 132.º e ss. da P.I.

u) Pelo que não existe, assim, erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.

v) Como tal, nestes termos, bem assim como nos melhores de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente proverão, deve a decisão recorrida manter-se relativamente à anulação das liquidações impugnadas na parte em que assentam na tributação por métodos indirectos; anulando-se as decisões do procedimento de reclamação graciosa e do respectivo recurso hierárquico na parte em que são incompatíveis com tal anulação».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e devolvidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí prosseguirem, com a seguinte fundamentação:

«A sr.ª representante da Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença proferida no TAF de Viseu, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela Massa Insolvente A……………., Lda.
Incidindo o recurso, segundo as conclusões apresentadas, na parte em que assenta na tributação por métodos indirectos, começa por suscitar para apreciação ter o Juiz excedido os seus poderes de cognição, por violação do princípio do dispositivo, enunciado no art. 5.º do CPC, não tendo a impugnante invocado o vício de falta de fundamentação da decisão do procedimento de revisão.
E, analisada a impugnação, no que respeita à falta ou ausência de fundamentação – artigos 257 a 273 –, assim parece ser.
Com efeito, o invocado corresponde à chamada fundamentação substancial, de que se distingue a fundamentação formal, de cuja falta se conheceu, ocorrendo, por isso erro de julgamento, conforme tem decidido a jurisprudência do STA – acórdão de 20-2-2019, proferido no processo 0775/02, citando outros no mesmo sentido.
O recurso merece provimento com as consequências invocadas pela recorrente, de ser de revogar a sentença na parte recorrida e ordenar que os autos regressem ao TAF de Viseu, a fim de serem conhecidas as questões suscitadas na p. i.».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deu como assentes os seguintes factos:

«A) A Impugnante foi objecto de acção inspectiva efectuada a coberto da ordem de serviço n.º OI20100419, com referência aos exercícios de 2007 e 2008 sendo efectuadas correcções à matéria tributável por si declarada em EUR 156.219,45 e EUR 106.338,89 para aqueles dois exercícios fiscais, respectivamente [cfr. emerge do relatório inspectivo de fls. 75 a 124 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos].

B) Aquelas correcções assentaram (parcialmente) na seguinte proposta efectuada no relatório inspectivo e no que respeita a correcções técnicas:
«(…)
III.1 IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
Encargos dedutíveis efeitos fiscais - Custos não devidamente documentados Artigo 42.º do CIRC
No quadro seguinte encontram-se evidenciados os valores contabilizados como custo, na rubrica de Despesas de representação, em cada um dos exercícios de 2007 e 2008:


62221
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
2007
2008
Valores declarados
15.407,55
15.407,55

Após análise aos correspondentes documentos de suporte aos custos contabilizados detectaram-se as seguintes irregularidades:
- Custos registados base em extractos bancários do cartão de crédito sem correspondente documento que titula o custo;
- Custos registados em que o documento de suporte do mesmo não é o SP mas sim o sócio da empresa, como é o caso do recibo de pagamento das quotas do clube de futebol Sport Lisboa e Benfica.
Com efeito, de acordo com o disposto na alínea g) do n.º 1 do Artigo 42.º do CIRC não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício.
O valor dos encargos não devidamente documentados, logo não dedutíveis fiscalmente, em cada um dos exercícios analisados de 2007 e 2008 foram de € 8.900,78 e € 5.858,25, respectivamente, conforme identificação dos documentos e valores em Anexos 01 e 02, sendo os mesmos acrescidos no campo 223 do Q07 M/22 de 2007 e 2008.





Saliente-se que as importâncias contabilizadas a título de despesas de representação foram sujeitas pela empresa a tributação autónoma, às taxas de 5% e 10% respectivamente para os exercícios de 2007 e 2008, tendo sido o valor declarado no campo 365 do Q10 da declaração de rendimentos modelo 22 de cada um dos exercícios. Nesse sentido torna-se necessário corrigir o excesso de imposto declarado pelo sp. nos referidos quadros em virtude da base tributável ser inferior à utilizada pelo mesmo.
Os cálculos serão efectuados no ponto seguinte.

III-1.2 Tributação autónoma - Artigo 81.º do CIRC
O S.P. declarou no campo 365 Q 10 da declaração M/22 dos exercícios de 2007 e 2008 os montantes de € 2.435,02 e € 2.916 57 a título de impostos por tributação autónoma correspondendo a:
- Encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros – Artigo 81.º, n.º 3, alínea a);
- Despesas de representação – Artigo 81.º, n.º 3, alínea a) e n.º 7;
- Despesas com ajudas de custo – Artigo 81.º n.º 9;
Os valores que serviram de base ao cálculo do imposto foram os indicados nos quadros seguintes:




Relativamente aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros foram considerados os custos, conforme n.º 5 do art. 81.º do CIRC.
A empresa possui as seguintes viaturas ligeiras de passageiros registadas no seu activo imobilizado:

Analisados os documentos de suporte aos custos registados, conclui-se que não foi sujeito a tributação autónoma no exercício de 2007, a totalidade dos encargos suportados com as viaturas ligeiras de passageiros, designadamente os combustíveis.
Após levantamento dos valores contabilizados – valores evidenciados no Anexo 03 – constatou-se que o total de encargos suportados com combustíveis de viaturas ligeiras de passageiros no exercício de 2007 foi de € 7.306,34 e não € 2.066,20: conforme declarado. Nesse sentido tem que se proceder ao apuramento adicional do imposto a favor do Estado sobre a diferença encontrada.
Por outro lado e em consequência do relatado no título anterior terá que ser restituído imposto ao sobre o valor das despesas de representação que não estão devidamente documentadas,
Nos quadros seguintes encontram-se evidenciados esses cálculos:



Conforme se pode constatar nos quadros supra, resulta imposto a favor do sp nos montantes de € 89,23 e € 152,50 nos exercícios de 2007 e 2008, respectivamente. (…)» [cfr. emerge do relatório inspectivo de fls. 75 a 124 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos]

C) Aquelas correcções também assentaram na seguinte proposta efectuada no relatório inspectivo e no que respeita a correcções por aplicação de métodos indirectos:
«(…)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
INTRODUÇÃO
O n.º 1 do art. 75.º da LGT dispõe que se presumem verdadeiros e de boa fé os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos contribuintes, desde que estejam organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. E, a contabilidade, para ser credível, tem que obedecer a determinadas regras na sua organização, de modo a permitir a quantificação e comprovação do lucro real e efectivo, pelo que a lei exige que os valores constantes da mesma sejam apoiados por documentos individualizados de todas as operações efectuadas.
Ora nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT a presunção do n.º 1 do mesmo artigo não se verifica quando a contabilidade ou a escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou não permitem o controlo da matéria tributável real do sujeito passivo.
O recurso a métodos indirectos para determinação do Imposto em falta é uma faculdade que assiste à Administração Tributária quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, e assume um carácter excepcional.
Assim, estabelece o n.º 3 do artigo 17.º do CIRC que, de modo a permitir o apuramento da matéria colectável, a contabilidade deve:
- Estar organizada dar acordo com as disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;
- Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
Já o artigo 115.º do mesmo código, que respeita às obrigações contabilísticas das empresas, refere que as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, com sede ou direcção efectiva em território português, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.
(…)
Relativamente ao em questão constatou-se que a contabilidade não permite o controlo do lucro tributável nem está organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto. Essa conclusão resulta dos factos e fundamentos de seguida descritos.

IV.2 FACTURAÇÃO NÃO PERMITE O CONTROLO INEQUÍVOCO DOS MATERIAIS INCORPORADOS NOS SERVIÇOS PRESTADOS DECLARADOS
A facturação da empresa é efectuada por meios informáticos. Após análise à facturação emitida pela recolha do ficheiro SAF-T bem como respectivas facturas arquivadas na contabilidade constatou-se que, relativamente aos serviços prestados facturados e declarados, uma parte significativa dos mesmos não cumpre com os requisitos exigidos previstos no 36.º do Código do IVA pelo facto dessas facturas não mencionarem os materiais incorporados nos serviços prestados. Alguns desses documentos contabilizados fazem referência a orçamentos ou peritagens anexas mas que não foram arquivadas juntos às mesmas.
Foram apenas apresentados alguns orçamentos efectuados para as seguradoras onde é feita referência às facturas a que deram origem. Nesses orçamentos é efectuada a descrição dos materiais aplicados, quantidades e valores.
Após análise desses documentos, concluiu-se que, alguns dos valores constantes dos orçamentos arquivados, cujas obras foram executadas, não correspondem aos valores facturados.
Apresentam-se de seguida as divergências encontradas:






- O valor do orçamento é de € 12.592,14, acrescido de IVA à taxa legal em vigor – Anexo 04,
- O valor da factura é de € 9.500 no acrescido de IVA a taxa de 21%, conforme contabilização efectuada e evidenciada nos quadros anteriores.
Nos quadros seguintes encontram-se resumidas outras divergências encontradas em 2007 e 2008 resultantes dos valores retirados dos orçamentos e facturas correspondentes. Saliente-se o facto de não existirem notas de débito ou vendas a dinheiro das diferenças encontradas.






Desconhece-se se as diferenças apuradas resultam apenas dos valores ou se incluem materiais que eventualmente não terão sido incluídos na reparação. Este procedimento impede a realização de testes de coerência designadamente através do controlo de quantidades dos materiais incorporados nos serviços facturados.

IV.3 PROGRAMA DE FACTURAÇÃO PERMITE ALTERAR CONTEÚDO DAS FACTURAS
A empresa contabilizou a factura 889, de 06-06-2007, para a seguradora B………. – Companhia de Seguros, SPA, contribuinte ………… – Anexo 05. De acordo com os elementos recolhidos, a factura corresponde sinistro ocorrido com o semi-reboque, matrícula ………., pertencente ao cliente C……….., SA.
Junto ao referindo orçamento encontrava-se o original da factura com o mesmo número – FT 889, Anexo 06 – devolvida pelo cliente C…………….., S.A. Conforme se pode comprovar no documento anexo, a mesma factura foi emitida para clientes diferentes e ainda com valores diferentes, o que denota a vulnerabilidade do sistema informático na alteração do conteúdo dos seus documentos, designadamente nas facturas de venda.

IV.4 ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS RESULTADOS
No quadro seguinte encontra-se evidenciada e evolução da demonstração dos resultados declarados pelo s.p. nos últimos exercícios:

Da análise dos valores inscritos no quadro anterior conclui-se que a rentabilidade fiscal é muito reduzida desde 2005 a 2008, acabando por ser praticamente nula em 2008:

No que respeita às margens de lucro bruto sobre o preço de custo constata-se, de acordo com valores evidenciados no quadro seguinte, uma oscilação ao longo dos diversos exercícios sendo que a margem de lucro obtida em 2008 é significativamente maior do que a obtida para 2007. Verifica-se ainda que, relativamente aos exercícios agora analisados, as margens obtidas são inferiores aos valores nacionais:

Tal como já foi mencionado, a actividade tem sido desenvolvida em Mangualde, na sede da empresa, onde possui, não só os escritórios mas também a unidade fabril. É nessa unidade que são fabricados os reboques agrícolas e basculantes vendidos com a marca “………….”.
A empresa comercializa também semi-reboques para camiões TIR, com a marca D…………….. Parte da matéria-prima base, mais concretamente o chassis – composto pelo estrado, pneus e travão – é comprado à empresa E…………………, S.A., contribuinte …………….., que procede à aquisição intracomunitária dos mesmos à empresa espanhola D……………, S.A., contribuinte ………………
É a venda dos semi-reboques que mais contribui para a formação do volume de negócios declarado, representando estes cerca de 73% em 2007 e 71% em 2008.



Conforme se pode verificar no quadro anterior, o preço médio de venda dos semi-reboques novos aumenta ligeiramente em 2008, apesar da diminuição acentuada nas unidades vendidas.
Ao nível do custo das mercadorias e matérias consumidas constata-se que registaram uma diminuição, acompanhando o decréscimo nas vendas, passando de € 7.742.058,61 em 2007, para € 5.152.608,67 em 2008. No entanto, a quebra registada ao nível dos custos acaba por ser superior à quebra nas vendas e serviços prestados.
Pode-se assim concluir, numa primeira análise, que o aumento da margem de lucro em 2008 resultará da diminuição no custo das mercadorias vendidas e de um maior ganho por unidade nos produtos vendidos.
No sentido de validar esta primeira conclusão, procedeu-se a realização de testes às margens de lucro bruto declaradas, acompanhado de testes de quantidades a alguns materiais. Os procedimentos e conclusões encontram-se descritos no ponto seguinte.

IV.5 TESTES ÀS MARGENS DE LUCRO BRUTO SOBRE O PREÇO DE CUSTO CONTROLO DE QUANTIDADES
As margens de lucro bruto globais sobre o preço de custo, que se obtêm através dos elementos de contabilidade, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, são de 12% e 13%, respectivamente. As margens sem os valores dos serviços prestados e para os mesmos exercícios passam para 7,58% e 14,16%, conforme valores declarados pelo s.p. e evidenciados no quadro infra:





No quadro seguinte encontram-se evidenciadas as margens de lucro da unidade orgânica e nacionais:




Conforme se pode verificar, as margens de bruto, apuradas através dos elementos de contabilidade do S.P. são bastante inferiores aos valores da unidade orgânica e dos valores nacionais. Por outro lado, a margem que se apura através dos elementos de contabilidade do contribuinte em 2008, também é significativamente superior à de 2007.
Os procedimentos de análise da produção incluíram a realização de testes de coerência visando identificar indícios de existência de venda de produtos ou de serviços não facturados, designadamente através da comparação das margens de lucro obtidas através dos elementos de contabilidade com as testadas, e controlo de quantidades, aplicando-se as técnicas de auditoria prevista para este sector.
Esta análise mostrou-se bastante complexa e dificultada em resultado dos seguintes factos:
- A empresa não possui contabilidade analítica nem contabilidade de custos;
- Não possui inventário permanente, ao qual estava obrigada sendo que a sua ausência impede o conhecimento das quantidades e custos incorporados na produção dos produtos comercializados;
- Possui um programa de facturação e gestão de stocks que não está a ser aproveitado na sua totalidade.
Por exemplo, ao nível da gestão de stocks, as compras são, na maioria das vezes, lançadas pelo global da factura e não por artigo. Nesse sentido, a extracção de base de dados, que ocorreu no dia 06-04-2011, acabou por se mostrar pouco útil na medida em que a informação extraída não permite obter os dados de uma forma espontânea implicando quase sempre a consulta dos documentos de compra. Nesse sentido, os materiais seleccionados para controlo foram extraídos directamente dos documentos de compra.
- Devido ao elevado volume de operações existentes ao nível das compras de matérias-primas, esta tarefa tornou-se bastante demorada, associada ao facto de grande parte dos materiais serem adquiridos em outros países, nomeadamente Espanha, em que a designação dos mesmos não tem correspondência directa com o nome utilizado pela empresa e esta não possuir uma tabela de equivalências entre as referências das facturas dos fornecedores e as criadas pela própria;
- Ainda relacionada com esta situação está o facto de que alguns artigos não são sequer lançados no programa de gestão de stocks, designadamente aqueles que são específicos para um determinado cliente.
De acordo com informações recolhidas junto dos colaboradores da empresa, este procedimento é efectuado para não estar a criar mais uma referência. Apesar de não estar lançado no programa de stocks, a factura correspondente é relevada contabilisticamente.
- Para além da venda de produtos, a empresa também presta serviços. Após análise dos valores registados constatou-se que a maioria dos valores facturados não separa o montante de materiais do montante de mão-de-obra sendo esta separação fundamental para análise e comparação das margens que se pretendem testar.
Assim, e apesar das limitações existentes foram utilizadas as seguintes metodologias.

V.5.1 Âmbito do Procedimento: Validação dos valores contabilizados e que influenciam a margem de lucro
Ø Ao nível dos custos,
As irregularidades detectadas – essencialmente no exercício de 2007 – estão relacionadas com o facto de haverem sido contabilizadas nas contas de conservação e reparação, publicidade e propaganda e trabalhos especializados, custos que deveriam estar reflectidos na conta 31.
No quadro seguinte estão evidenciados os valores contabilizados pelo S.P. a título de conservação e reparação, publicidade e propaganda e trabalhos especializados passando a descrever-se, logo de seguida, o que, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, deve ser contabilizado em cada conta:



Conta 62232 – Conservação e reparação – Nesta conta devem ser registados os bens e serviços destinados à manutenção dos elementos do activo imobilizado e que não provoquem um aumento do seu custo ou da sua duração (POC).
Conta 62233 – Publicidade e propaganda – Nesta conta devem ser registadas as compras de materiais que se destinam a fazer publicidade ou propaganda à empresa.
Conta 62236 – Trabalhos especializados – De acordo com o POC, estes revestem um carácter de assistência técnica ou de prestação de serviços ligados ao funcionamento corrente da empresa. Corresponde a serviços técnicos prestados por outras empresas que a própria empresa não pode superar pelos seus. Caso estejam relacionados com custos directos de produção, estes deveriam ser regularizados por contrapartida da conta 31.
Nas situações concretas da empresa, constatou-se que foram contabilizados nas três contas anteriormente referidas, custos directamente relacionados com a produção, reparação dos produtos comercializados pela empresa.
Trata-se da impressão publicitária nos toldos de correr que são aplicados nos semi-reboques novos e ainda em reparações que são facturadas aos clientes. Estes serviços são executados por dois fornecedores:
F…………., Lda. e G………., Lda. Ambos fornecem para além da pintura publicitária, os toldos de correr onde essa mesma pintura é aplicada. De um modo geral, sempre que há uma factura com compras de toldos de correr, são também debitados pelo fornecedor a pintura com a publicidade requerida. No entanto, em termos contabilísticos nem sempre é adoptado o mesmo procedimento. Por exemplo
Os documentos internos 1000178 e 3000078 incluem, para além de matérias-primas, impressão de pintura publicitária. Em termos contabilísticos, as facturas foram lançadas na sua totalidade na conta 316114, conforme se pode constatar nos quadros seguintes:




Perante o que foi exposto nos parágrafos anteriores conclui-se que a impressão publicitária nos toldos de correr deveria ter sido contabilizada na conta 31. Para fazer a imputação daqueles valores ao custo das mercadorias consumidas, teve que se proceder à validação do conteúdo das contas classe 6. Para tal foi elaborado o mapa em Anexo 07 que contém o levantamento dos custos de 2007 que deveriam estar a afectar a conta 31 mas foram classificados na classe 6 nas contas já referidas.
Conforme se pode constatar apura-se o valor de € 20.427,11 que deverá ser considerado no custo das mercadorias consumidas e que, consequentemente vai afectar a análise da margem de lucro bruto.
Quanto ao exercício de 2008 e após validação dos valores contabilizados, constatou-se que a empresa contabilizou correctamente a impressão de pintura publicitária na conta 31.
Ø Ao nível das existências finais de 2008
No quadro seguinte encontram-se evidenciados os valores declarados pelo s. p. para as existências de matérias-primas

De acordo com os valores indicados constata-se que as existências declaradas têm vindo a aumentar em cada um dos exercícios.
Após análise dos inventários apresentados detectou-se que, relativamente ao valor das existências finais de 2008 encontra-se empolado em € 20.000,00, devido ao facto de ter sido considerado em duplicado um semi-reboque usado, com a matrícula ………...





Nesse sentido aquela importância terá que ser deduzida ao valor das existências finais de 2008, aumentando, assim, o custo das matérias consumidas declarado, em € 20.000,00
Ø Ao nível do volume de negócios
Relativamente a venda de produtos e prestação de serviços também se detectou que não existe rigor na classificação contabilística e na separação do que são serviços prestados e matérias-primas. Foram detectadas situações em que a pintura e soldaduras diversas foram contabilizadas na conta 71 – Vendas de produtos e outras na conta 72 – Serviços prestados.
Por exemplo, a Factura 230, de 14-02-2007, no total de € 235,96 foi contabilizada conforme indicado no quadro seguinte:



Outras situações idênticas foram identificadas. O motivo subjacente a este tipo de irregularidades prende-se com o facto de não existir, por parte do sector de contabilidade, conferência dos documentos de venda, que são elaboradas pelo sector comercial / vendas.
Nos escritórios é efectuada a integração da facturação na contabilidade. O critério para a classificação na conta 71 ou na 72 tem a ver com o código do artigo:
§ código NSF3C corresponde a mão de obra;
§ código NSF80 corresponde a materiais,
Caso o sector comercial vá buscar o código do artigo/serviço errado, a factura é lançada erradamente pois contabilidade não faz a sua conferência.
Também aqui esta irregularidade tem implicações com a análise das margens de lucro.
Para além desta situação e ainda relacionado com o volume de negócio verifica-se a não separação dos serviços prestados e dos materiais incorporados nesses mesmos serviços.
Tal como já referido, a empresa também presta serviços. Após análise dos valores registados constatou-se que a maioria dos valores facturados não separa o montante de materiais do montante de mão-de-obra sendo esta separação fundamental para análise e comparação das margens que se pretendem testar.
Nesse sentido, foram solicitados ao s. p. os orçamentos de reparação referidos nessas facturas que não estavam arquivados junto às mesmas. Relativamente às pastas apresentadas, foi possível efectuar essa separação, se bem que com a limitação já anteriormente referenciada no presente relatório – Divergências detectadas entre os valores dos orçamentos e o valor das facturas – No entanto, uma parte bastante significativa não tem orçamentos pelo que se desconhece quais os materiais incorporados no valor dos serviços prestados.
Como tal foi elaborada uma base de dados onde foram incluídas as facturas correspondentes aos serviços prestados facturados em cada um dos exercícios analisados e remetida ao S.P. para que indicasse, para cada uma das facturas, quais os montantes de mão-de-obra e quais os montantes de materiais aplicados. O s. p. respondeu prontamente ao solicitado indicando, para cada factura, o montante de mão-de-obra e de materiais aplicados. Os resultados obtidos encontram-se evidenciados nos Anexo 08 e 09.
Entretanto havia sido solicitado ao s. p., por escrito – notificação de 03-06-2011 em Anexo 10 – que apresentasse os restantes orçamentos, livros de obras ou outros documentos de suporte aos serviços prestados facturados em 2007 e 2008, conforme listagens anexas à notificação. Em alternativa e caso apresentasse justificação fundamentada para inexistência dos documentos solicitados, indicação, da metodologia utilizada para a repartição do valor dos materiais e da mão-de-obra facturados e evidenciados nos referidos anexos que lhe foram remetidos em conjunto com a notificação.
Em resposta este ponto da notificação – Anexo 11 – o S. P. veio informar que a repartição realizada e evidenciada nos anexos da notificação, foi feita com base na memória e experiencia invocando que, nas facturas em causa, foram utilizados pelo menos os materiais referidos. Ou seja, não existe qualquer evidência contabilística da repartição realizada. Quanto à inexistência dos orçamentos solicitados, nada foi referido por escrito, tendo sido invocado verbalmente pelo colaborador da empresa – Sr. ………….. – que estes provavelmente não existiam pois não os conseguia localizar. Declarou ainda verbalmente que existiam e ainda existem situações em que o cliente pede um orçamento de reparação no momento. Com base na experiência adquirida ao longo dos anos, olham para o veículo sinistrado e dão um valor para a reparação.
No caso de o cliente aceitar o preço que lhe foi transmitido, é efectuada a reparação, não existindo qualquer folha de obra de suporte.
Trabalhando com os valores remetidos pelo contribuinte, com os orçamentos de reparação que originaram facturas e com a mão-de-obra das facturas correctamente emitidas, elaboraram-se as bases de dados constantes nos anexos 12 e 13 que contêm o levantamento da mão-de-obra incluída na facturação emitida.
Resulta da repartição efectuada, que, do total do volume de negócios declarado, € 230.062,46 e 304.592,22, corresponde aproximadamente a mão-de-obra facturada em 2007 e 2008, respectivamente.
Perante o exposto neste ponto e feita a imputação de valores ao custo das matérias consumidas e a separação possível do valor mão-de-obra facturada, obtêm-se as seguintes margens de lucro bruto sobre o preço de custo:



Conforme se pode concluir dos valores evidenciados no quadro anterior, o total de vendas de produtos / materiais, sem mão-de-obra é de € 8.440 70364 para 2007 e de € 5.776.975 35 para 2008 sendo estes os valores que serviram de base para o cálculo da nova margem de lucro bruto.
As novas margens de lucro dos produtos vendidos que agora se obtêm, são de 9,02% e 11,68% respectivamente para cada um dos exercícios de 2007 e 2008.
Os resultados dos testes realizados às margens de lucro bruto dos produtos fabricados irão ser comparados com as margens agora obtidas.

IV.5.2 Âmbito do Procedimento: Resultado da Análise da produção
Tal como já referido, a empresa não possui nem é obrigada a possuir contabilidade analítica nem contabilidade de custos. Contudo, para se poder testar as margens de lucro dos produtos comercializados, é necessário conhecer os custos de produção que influenciam o custo das mercadorias vendidas.
Nesse sentido foram solicitados ao s.p. elementos que permitissem realizar esse controlo tendo sido apresentadas folhas de produção conforme tipologia indicada no Anexo 10.
A metodologia de selecção da amostra foi a seguinte:
1. Análise dos produtos comercializados com maior peso nas vendas que correspondem aos semi-reboques novos pois, tal como já mencionado, representam cerca de 73% em 2007 e 71% em 2008 do volume de negócios declarado – Ver Listagens de clientes 2007 e 2008 – Anexos 14 e 15



II. Dentro das vendas deste produto foram seleccionados, inicialmente, os maiores clientes da empresa em cada um dos exercícios analisados, sendo estes: A …………, S.A. com 90 semi-reboques facturados em 2007:
A Empresa de …………………., S.A. com 30 semi-reboques facturados em 2008;
III. Os testes das margens incidiram sobre exercício de 2007, tendo sido ulteriormente alargados ao exercício de 2008, sempre centrados nos semi-reboques novos.
Análise dos custos de produção dos semi-reboques facturados para o cliente ………….. S.A. – 2007
Relativamente ao exercício de 2007 e de acordo com as facturas emitidas foram facturados 90 semi-reboques novos para a …………, S.A. sendo o preço de venda unitário de cada um deles de € 24.200,00 sem IVA.
De acordo com as folhas de produção apresentadas para este cliente – Folhas n.ºs 3, 9, 16, 20 e 25 – Anexo 10 – foram produzidos 116 semi-reboques, nas datas indicadas no quadro seguinte.




Como a empresa não declara produção em curso inicial e final, constata-se, numa primeira abordagem que faltam facturar 26 semi-reboques (116 - 90).
Por outro lado, de acordo com os preços e quantidades apresentadas nas referidas folhas, mão-de-obra expurgada, obtém-se um custo de produção unitário de 24.638,29 sendo que o preço de venda unitário é de apenas € 24.200,00. Apura-se assim uma margem de lucro negativa, conforme valores do quadro seguinte:



Perante este cenário, tentou-se validar os preços de custo dos materiais indicados nos orçamentos, pois quanto às quantidades, só o próprio contribuinte é que pode fornecer essa informação. Para tal procedeu-se à recolha dos preços de custo dos materiais tendo-se iniciado com os de maior valor, designadamente -
Anexo 16 e 17
ð Semi-Reboque D………….., Modelo LTP-3E, Normal, Travão, referência MEGA385.1;
ð Caixa Tavares Tipo 1 C/ Elevação, referência JT06028;
ð Toldo de correr, referência JT07002.
No entanto constatou-se que existem diversos preços para a mesma referência que influencia significativamente a determinação do custo, sendo necessário conhecer, de forma inequívoca, qual o componente específico para cada produto e cliente, não sendo possível com as folhas de produção apresentadas. Somente quanto aos chassis é que é possível conhecer qual o cliente pois os mesmos são matriculados e pôde ser feita a correspondência entre o n.º de chassis e a matrícula atribuída pelo IMTT.
Assim, notificou-se o S.P. por escrito – notificação de 03-06-2011 em Anexo 10 – que apresentasse, entre outros, os seguintes elementos e esclarecimentos:
ð Confirmação de que quantidades indicadas nas folhas de produção já apresentadas foram as necessárias para a produção dos produtos vendidos;
ð Relativamente às folhas de produção dos semi-reboques vendidos para a …………….., S.A, em 2007, e devido à impossibilidade de validação dos referidos preços constantes das folhas de produção com os das facturas de compra, solicitou-se a confirmação da origem dos preços aí mencionados, designadamente qual o documento de compra e qual o fornecedor das matérias-primas correspondentes.
ð Ainda relativamente ao cliente …………. SA e ao exercício de 2007, por ter sido constatado que: - foram facturados 90 semi-reboques; - Foram produzidos – de acordo com as folhas de produção apresentadas no dia 27-04-2011 – 116 semi-reboques; não foi declarado qualquer valor a título de produção em vias de fabrico; solicitou-se justificação para a divergência encontrada de 26 semi-reboques.
ð Apresentação das folhas de produção dos produtos comercializados em 2008, em formato digital – PDF
Em resposta ao solicitado veio a administradora da empresa referir o seguinte — Anexo 11
I. Que os reboques são matriculados e têm um forte controlo por parte das Entidades oficiais, não podendo ser vendidos à margem da escrita;
II. Que se se pegar nos custos standard e nos preços de venda obtém-se uma margem de lucro aproximada entre a declarada e a testada;
III. Que as folhas de produção de 2007 que lhe foram remetidas conjuntamente com a notificação, são standard, atendendo ao tipo de ciente nos reboques com as mesmas características e que em regra têm os mesmos elementos
IV. Apresenta em anexo os preços e indicação do fornecedor
V. Quanto às diferenças encontradas no cliente ………… e em 2007, refere que existem folhas de produção standard no ano de 2006 com 75 semi-reboques (junta as referidas folhas); - foram facturados 96 semi-reboques para o cliente (junta facturação emitida); Relativamente ao exercício de 2008 não existem folhas de produção e foram facturados 6 semi-reboques. Feitas as contas nos três anos obtém-se 192 semi-reboques vendidos 191 reboques nas folhas de produção. Como tal obtém-se menos um semi-reboque nas folhas de produção que poderá estar descarregado noutro nome por lapso.
Analisada toda a informação assim como os elementos apresentados pelo contribuinte, retiram-se as seguintes conclusões:
I. Quanto a eventuais vendas à margem da escrita o que resulta das folhas de produção apresentadas é efectivamente omissão de vendas uma vez que, de acordo com as mesmas foram produzidos em 2007 116 semi-reboques, foram facturados 90 e o s.p. não declarou qualquer valor a título de produção em vias de fabrico;
II. O S.P. refere ainda que, se se pegar nos custos standard e nos preços de venda obtém-se uma margem de lucro aproximada entre a declarada e a testada, não apresentando evidência do invocado. No entanto, se este se refere aos custos standard retirados das folhas de produção apresentadas, constata-se, tal como evidenciado anteriormente que, para o maior cliente de 2007, a margem de lucro que se obtém é negativa, ou seja, bastante longe da declarada, mesmo considerando a margem de lucro bruto sobre o preço de custo sem inclusão da mão-de-obra dos serviços prestados e os custos corrigidos das matérias consumidas;
III. Refere que as folhas são standard, para cada tipo de cliente. Na resposta a notificação não é feita qualquer referência relativamente à validação das quantidades indicadas nas folhas de produção apresentadas. O contribuinte não o faz porque alega que as mesmas são standard, ou seja, nem sequer são específicas para cada cliente conforme se irá seguidamente demonstrar:
IV. As folhas de produção não são standard. Não está demonstrado para que fim é que as mesmas foram efectuadas. Tanto mas que entre estas e a facturação emitida ocorre uma diferença de 26 semi-reboques;
V. Também não o são para cada cliente pois, conforme se pode constatar pela análise das mesmas, junto ao anexo 10, e para os restantes cientes de 2007 (ver quadro resumo na página seguinte):
a. Também não existe correspondência entre as quantidades constantes das folhas de produção e as facturadas;
b. As folhas de produção com os números 17 18 e 19, correspondentes a 3 semi-reboques, não identificam o cliente;
c. Outras folhas de produção identificam como cliente a Instituição Financeira que terá efectuado o financiamento de leasing, não sendo possível relacionar com o efectivo adquirente do semi-reboque pois tal só é possível se existir um elemento identificativo que seria o número de chassis, ao invés da referência genérica do mesmo;
d. Por último, existe facturação de semi-reboques que não têm folhas de produção.






VI. Apresentou os preços de custo e quantidades para a folha de produção n.º 3.
Analisados os elementos nela contidos, conclui-se o seguinte:
a. O custo que se obtém para a produção de semi-reboques para o cliente ……….. é de € 817.533,72, a que corresponde um custo de produção unitário de € 22.709,27. Não foram considerados os custos com legalização (vão à classe 6) nem mão-de-obra porque estes não estão a afectar o custo das matérias;
b. Foram validados os preços de custo com os documentos de suporte concluindo-se o seguinte:
Relativamente aos chassis indicados na folha de produção – 125201 as 125301 – constata-se que 26 foram facturados em 2006. Os chassis também foram contabilizados em 2006 pois não foram detectadas divergências entre as unidades compradas e vendidas;
Não existem variações significativas nos preços de custo. Desde 2006 até 2008 os preços são mais ou menos constantes, sobretudo nos materiais que têm maior peso;
Relativamente aos toldos de correr aplicados, e que são adquiridos aos fornecedores F………… Lda. ou G……………., Lda., constata-se que o valor indicado de € 650,00 corresponde apenas ao toldo, faltando o valor da impressão de pintura publicitária, que normalmente ronda os € 149,00. Questionados os colaboradores da empresa foi referido que a pintura publicitária é oferta do próprio fornecedor pelo que não tem que ser acrescido ao valor do toldo.
c. Com o preço de venda unitário de 24.200,00 e para aquele custo de produção – de € 22.709,27 – obtém-se uma margem de lucro bruto sobre preço de custo de 6,56%;

VII. Como se apura uma margem inferior à declarada, mesmo considerando a margem de lucro bruto sobre o preço de custo sem inclusão de mão-de-obra dos serviços prestados e os custos corrigidos das matérias consumíveis, que é de a amostra no sentido de aferir qual a tendência das margens testadas.
Assim, foram determinados os custos de produção para os semi-reboques vendidos aos maiores clientes, tanto no exercício de 2007 como no exercício de 2008.
No Anexo 18 e 19 encontram-se as vendas de semi-reboques novos, em 2007 e 2008 por cliente e por ordem descendente. No Anexo 20 encontra-se o apuramento dos custos de produção para os maiores clientes de 2007. A metodologia seguida para o apuramento dos custos de produção foi a seguinte:
a. Foram utilizadas as quantidades das folhas de produção standard;
b. Quanto aos preços de custo, os valores foram retirados dos documentos de suporte às compras atendendo a cada cliente e aos semi-reboques facturados para cada um deles. Foi ainda incluída e impressão de pintura publicitária nos toldos de correr de acordo o facturado pelos fornecedores pelo facto de não constar das folhas de produção. Foram expurgados os custos que não afectam o custo das matérias consumidas declarado pelo s.p.;
c. Clientes C……….. e ………… 2007 – Utilizaram-se as folhas de produção 25, de 08-07-2008 e 48, de 10-09-2008 pois não constam das apresentadas para 2007 e, de acordo com informações recolhidas junto de um dos colaboradores da empresa, estas seriam standard para aquelas vendas àqueles clientes, em 2007;
d. Ciente ………… 2007 – Utilizou-se a folha de produção 6, de 29-03-2007;
e. Cliente ………. 2007 – Relativamente a este cliente, constata-se que foram emitidas as folhas de produção 10, 11, 13 e 14 que apresentam características semelhantes aos dos restantes semi-reboques.
No entanto, verificadas as ventas para em 2007 – ver quadro seguinte – conclui-se que foram facturados 3 semi-reboques a um preço de € 58.000,00, ou seja, bastante superior/ à média.



Foram pedidos esclarecimentos aos colaboradores da empresa sendo referido que aqueles semi-reboques tinham características diferentes pois levavam caixas frigoríficas. Apresentou os componentes para aqueles 3 semi-reboques – constante no anexo 21, resultando um custo de produção unitário de € 53.230,00.
Perante todos os constrangimentos referidos, e após alargamento da amostra, resulta uma margem de lucro bruto sobre o preço de custo para 2007, de 6,84%, conforme resumo indicado no quadro seguinte, ou seja, pouco maior do que a testada para o cliente ……….., continuando esta inferior à declarada.






Relativamente ao exercício de 2008 foi utilizada a mesma metodologia seguida para 2007.
Assim, no Anexo 22 encontra-se o apuramento dos custos de produção para os maiores clientes de 2008. Resulta dos testes realizados, com base nas folhas de produção apresentadas, uma margem de lucro bruto sobre o preço de custo para 2008, de 6,80%, conforme resumo no quadro seguinte:





Conforme se pode constatar, as margens de lucro bruto sobre o preço de custo testadas são de 6,84% e 6,80% em cada um dos exercícios de 2007 e 2008 para uma amostra que representa 38,5% e 31.4% das vendas totais, respectivamente. Significa assim que, as margens dos restantes 68,6% e 61,52% terão que ser superiores. No entanto, não se consegue apurar as margens de lucro bruto das restantes vendas e serviços facturados de forma representativa, pelos seguintes motivos:
Para o teste das margens de lucro dos produtos vendidos são necessárias fichas de produção que não estão arquivadas junto aos elementos de contabilidade tendo as mesmas sido solicitadas. Foram apresentadas folhas de produção standard quando a especificidade de cada produto que o contribuinte vende é diferente. Como tal as fichas de produção apresentadas não são as correspondentes às quantidades e aos preços das matérias-primas incorporadas nos produtos vendidos.
Também as fichas de produção dos semi-reboques não são standard para cada cliente pois, conforme se pode constatar peia análise das mesmas:
f. Não existe correspondência entre as quantidades constantes das folhas de produção e as facturadas;
g. As folhas de produção com os números 17, 18 e 19, correspondentes a 3 semi-reboques, não identificam o cliente;
h. Outras folhas de produção identificam como cliente a Instituição Financeira que terá efectuado o financiamento de leasing, não sendo possível relacionar com o efectuado adquirente do semi-reboque pois tal só é possível se existir um elemento identificativo que seria o número de chassis, ao invés da referência genérica do mesmo;
i. Existe facturação de semi-reboques que não têm folhas de produção.
O mesmo tipo de insuficiências ocorre com as folhas de produção dos reboques agrícolas impossibilitando conhecer de forma inequívoca a margem de lucro bruto praticada;
Também a realização de testes aos serviços prestados declarados ficou impossibilitada dada a insuficiência de elementos das próprias facturas emitidas, em que, na maioria dos casos, não é possível conhecer os materiais incorporados nos serviços facturados, para além de que, mesmo nos orçamentos de reparação apresentados não é possível conhecer de forma inequívoca que o custo dos materiais por ausência de referências naqueles.

IV.5.3 Âmbito do Procedimento: Controlo de quantidades
Tal como já referido, o s.p. não possui sistema de inventário permanente – ao qual está obrigado – utilizando, conforme lançamentos contabilísticos, o sistema de inventário intermitente, em que o valor dos stocks e dos resultados apurados só se determina através de inventariações directas dos valores em armazém, efectuadas periodicamente.
Se a empresa tivesse inventário permanente, este permitira saber, em cada momento, qual o custo das matérias imputadas à produção, permitindo realizar o controlo de quantidades.
Perante a ausência desse inventário, e através dos testes realizados e descritos anteriormente, procedeu-se à análise das quantidades de algumas matérias-primas. A selecção dos materiais a controlar teve em linha de conta os constrangimentos já referidos, designadamente quanto à insuficiência de folhas de produção ou outros elementos de controlo do processo produtivo por parte da empresa e a falta de inventário permanente.
Nesse sentido, o ponto de partida para o controlo de quantidades foi os semi-reboques facturados.
Seguidamente foram seleccionadas as matérias-primas cujas quantidades consumidas não ofereciam dúvidas quanto às quantidades incorporadas nos produtos, por unidade vendida. Foram tidos em conta os materiais constantes das folhas de reparação que deram origem a facturas de prestação de serviços onde os materiais incorporados não foram discriminados. Foram consideradas as quantidades de materiais das facturas de reparação que evidenciavam os materiais aplicados.
Após recolha das quantidades das referências seleccionadas conclui-se que existem desvios de quantidades entre os consumos e as saídas sendo que, algumas referências revelam consumos superiores aos incluídos nos produtos vendidos e outras revelam consumos inferiores.
De seguida procede-se à análise dos mesmos, referência a referência:
APURAMENTO DE DESVIO DE QUANTIDADES – 2007
JT06013 – Coluna com afinação – Anexo 23


A Os fornecedores desta matéria-prima, o S.P. Português …………… e o s.p. Espanhol ………….., S.L, As colunas com afinação são aplicadas nos semi-reboques resultando na estrutura superior do mesmo, que servirá de suporte aos toldos de correr e portas traseira e frente. Por norma, cada semi-reboque leva 6 colunas com afinação. Existe, no entanto, alguns deles que levaram 8 colunas (de acordo com Folhas de produção Standard e indagação do s.p.).
Assim, relativamente ao exercício de 2007, os semi-reboques que levaram 8 colunas foram os facturados para os clientes: …………, S.A.; ………..; …………, ……………….
Os restantes levaram teoricamente, 6 colunas.



Perante os elementos recolhidos apura-se um consumo [dado pela diferença entre as existências iniciais + compras - existências finais] de 1782 colunas. Foram aplicadas 1674 colunas nos semi-reboques novos facturados em 2007. Foram facturadas 36 colunas, incorporadas em reparações. Foram ainda consideradas 28 colunas retiradas das folhas de reparação que originaram facturas em que não são descritos os componentes incorporados. Conclui-se assim que faltam aplicar 44 colunas com afinação que não têm evidência de haver sido facturadas.
Ainda relacionada com esta matéria-prima e conforme se pode constatar no quadro seguinte, de acordo com os registos de contabilidade, a empresa adquiriu em 23/10/2007 84 unidades, em 9/11/2007 30 unidades e em 30/12/2007 foram adquiridas 54, totalizando 168 colunas com afinação registadas nas entradas.





No que respeita às vendas, registam-se saídas de 4 unidades facturadas em 23/11/2007 e 6 unidades em 10/12/2007. Resulta ainda do levantamento dos orçamentos de reparação – vide quadro infra – que nesse intervalo de tempo, foi emitida a factura 9850, de 19/1212007, que inclui 8 colunas.







Já no inventário final de 2007 constam 32 unidades, valorizadas ao preço unitário de € 72,33.

Resulta do controlo supra referido que a última entrada/compra de 54 colunas, ocorreu em 30-12-2007, e não foram registadas vendas após essa data. Sendo as existências finais de 32 colunas, constata-se que existe aqui uma diferença de facturação dessas colunas com afinação.
Perante as divergências referidas questionou-se o S.P. acerca do destino dos materiais mencionados no documento TX697, cuja cópia se encontra em anexo 30, tendo sido informado pelo mesmo que, aquelas colunas foram aplicadas em 8 semi-reboques vendidos para o cliente Empresa ………………, S.A. Porém, de acordo com os elementos de escrita, constata-se que, no exercício de 2007 não existe facturação para aquele cliente, somente no exercício de 2008, onde foram facturadas 30 unidades, nos meses de Janeiro a Março.


As divergências detectadas permitem reforçar a existência de omissão de vendas em 2007.
JT06001 – Kit Jumbo; JT06002 – Kit Mega – Anexo 24



Esta matéria-prima é aplicada nos semi-reboques e corresponde ao chão / piso dos mesmos. De acordo com esclarecimentos do colaborador da empresa – Sr. …………. – cada semi-reboque leva 1 Kit, com excepção dos semi-reboques que transportam pedra, rolaria ou os frigoríficos.
Foi solicitado a esse colaborador que indicasse – relativamente aos semi-reboques facturados em 2007 – quais aqueles que não levaram aqueles Kits. Em resposta ao solicitado informou que dos 244 semi-reboques facturados em 2007, 28 não levaram os referidos Kits jumbo ou mega sendo as seguintes as facturas: 58, 187 (3 semis), 305, 412, 342, 528, 834, 1119, 349, 579, 580, 523, 976, 820, 727, 947, 1707, 1618, 1564, 1647 1654, 1798, 1873, 1905, 1302, 1906.
Relativamente a estes materiais, que foram analisados em conjunto, em virtude de não ser possível saber, de forma inequívoca em que reboques foram os mesmos aplicados, obtém-se um consumo de 134 kits.
Foram incorporados 216 kits, ou seja, mais 82 Kits do que o consumo apurado.
Ainda relacionado com esta matéria-prima e analisando o comportamento desta no inicio de 2007, constata-se o seguinte:
1. As existências iniciais em 2007 são de 39 unidades;
2. Na ficha de stocks destes dois componentes – vide quadro seguinte – constam saídas para produção, no dia 05-02-2007, de 36 mais 3 Kits, ficando assim o stock nulo.






3. No entanto, o S.P. continuou a dar saída para a produção, sem ter stock para tal!
4. Mesmo com a primeira compra de 31 kits, que ocorre no dia 02-05-2007, o stock continua negativo;
5. Note-se que, as saídas com a designação de “consumo interno” correspondem às folhas de produção já mencionadas no presente relatório, onde foi possível concluir que os componentes nelas constantes não foram os que saíram efectivamente para a produção dos semi-reboques facturados;
6. Como tal, para controlar as saídas, foram tidos em conta os semi-reboques facturados nesse intervalo de tempo – isto é, até 02-05-2007, excluindo as facturas que o S.P. indicou como não tendo levado estes dois componentes. A conclusão retirada é de que, desde o início de Janeiro de 2007 até a data da primeira compra, foram facturados 87 semi-reboques em que foram aplicados 87 Kits quando o s.p. apenas tem em stock inicial 39:









Está assim reforçada a conclusão de que existe um desvio de, pelo menos, 82 Kits que estão a influenciar negativamente o custo das matérias consumidas. Valorizando aquelas quantidades ao preço médio de custo, de € 677,71, conforme valores apurados no quadro seguinte, resulta uma omissão nos custos de € 55.572,14 (82 x € 677,71) valor este que se propõe acrescer ao custo das matérias consumidas declarado em 2007.



A JT07001; JT07002 – Toldos de correr – Anexo 25


Os toldos de correr são aplicados sobre a estrutura superior dos semi-reboques. Os fornecedores desta matéria-prima são os S.P.. F……….., Lda. e G…….. Lda.
De acordo com os valores apurados, tem-se um consumo de 300 toldos de correr e saídas de apenas 256, faltando facturação correspondente a 44 toldos. Mesmo retirando 3 toldos que não terão sido aplicados em 3 semi-reboques para o cliente ………. – Frigoríficos – as divergências continuam a subsistir concluindo uma vez mais acerca da existência de vendas omitidas.
JT06036 – Pára ciclista completo para semi-reboque – Anexo 26




Trata-se de um conjunto, composto por duas peças, que é aplicado em todos os semi-reboques vendidos.
Foi informado por um dos colaboradores da empresa que, mesmo que numa reparação o semi-reboque só necessite de levar uma face, o Kit é facturado na totalidade mesmo que seja aplicado – nas reparações efectuadas – apenas uma parte.
Perante as quantidades controladas para esta referência apura-se um consumo de 227 pára ciclistas e saídas de 256, ou seja, menos 29 do que o facturado concluindo-se neste caso que os custos estão influenciados negativamente por aquelas quantidades.
Valorizando aquelas 29 unidades omitidas ao preço médio de custo, de € 109,17 conforme valores apurados no quadro seguinte, resulta uma omissão de custos de € 3.165 93 (29 x €109,17), valor este que se propõe acrescer ao custo das matérias consumidas, declarado em 2007.



A Caixas de frio ………………
De acordo com o que foi possível averiguar, não foi criada referência para este tipo de caixa de frio.
Tal como já descrito no teste as margens de lucro e relativamente ao cliente ………… constatou-se, na análise às vendas para este crente em 2007 que, foram facturados 3 semi-reboques a um preço de € 58.000,00, ou seja, bastante superior à média. Dada a ausência de folhas de produção identificativas dos componentes daqueles semi-reboques facturados, foram pedidos esclarecimentos aos colaboradores da empresa, sendo referido que aqueles semi-reboques tinham características diferentes pois levavam caixas frigoríficas.
Apresentou os componentes para aqueles 3 semi-reboques – constante no já referido anexo 21.
Analisado o mapa de produção apresentado, relativamente àqueles 3 semi-reboques, conclui-se o seguinte
1. As facturas foram emitidas em Fevereiro de 2007,
2. As facturas de compra dos chassis também constam no mês de Fevereiro de 2007,
3. As Caixas de frio, cujo fornecedor indicado é o …………., foram adquiridas em 20-12-2006 (FT 678, 679 e 680). Estas não constam das existências finais de 2006. Tal como já mencionado no presente relatório, a empresa não declara produção em curso. Por outro lado, a produção destes semi-reboques só pode acontecer tendo o chassis que é a peça base onde se vai realizar a construção. No entanto, os chassis são controlados pela empresa, havendo o cuidado de fazer corresponder a compra e a venda destes no mesmo exercício económico. O fornecedor é a empresa E…………., S.A., que tem sócios comuns.
Perante o indicado no ponto anterior, conclui-se que não foram aquelas as caixas de frio, aplicadas nos 3 semi-reboques vendidos. Por outro lado não existe registo de compras destas caixas em 2007, até à facturação dos semi-reboques o que leva a concluir que as mesmas foram omitidas aos custos de 2007.
Nesse sentido propõe-se valorizar aquelas 3 caixas de frio ao preço de custo indicado pelo contribuinte, isto é, de 35.570,00, resultando assim omissão de compras em 2007 de € 106.710,00 (3 x € 35.570,00 )
APURAMENTO DE DESVIO DE QUANTIDADES – 2008
JT06013 – Coluna com afinação – Anexo 27

Relativamente ao controlo efectuado às colunas com afinação, em 2008, apura-se um consumo superior às quantidades facturadas ou incorporadas nos produtos vendidos, de 92 unidades o que leva a concluir que também neste exercício existe omissão de vendas.
JT07001; JT002 – Toldos de correr – Anexo 28



No que respeita aos toldos de correr e após o controlo de quantidades constata-se que existe omissão de compras/custos de 73 toldos de correr.
Analisado o comportamento desta matéria-prima constata-se que, as compras declaradas ao longo do ano teriam ficado quase todas em stock situação que não pode ter aderência à realidade, uma vez que os toldos são específicos e personalizados para cada semi-reboque para além de que o próprio contribuinte declarada não ter variação da produção, produzindo por encomenda. Fica assim reforçado, o facto de existir omissão de compras, em 2008, de pelo menos 73 toldos.
Aplicando o preço médio de custo das compras registadas para os toldos de correr, que é de € 864,72, conforme quadro seguinte, às quantidades omitidas, determina-se uma omissão de custos de toldos de correr de € 63.124,56 (€ 864,72 x 73).
JT06036 – Pára ciclista completo para semi-reboque – Anexo 29




Quanto ao desvio de compras apurado na referência JT06036 – Pára ciclista completo para semi-reboques, salientam-se os seguintes factos:
ð As quantidades constantes do inventário inicial de 2008 são de 41 unidades;
ð As quantidades compradas foram apenas de 30 unidades e, de acordo com os documentos de compra contabilizados, foi feita uma única compra em 04-11-2008 ao fornecedor …………… ,Lda.
ð Do que foi possível averiguar, esta matéria-prima também é comprada ao fornecedor ……………., S.L., com a denominação " Kit Antipotramiento”, referência do fornecedor 303170.
ð No entanto, nos elementos de contabilidade não constam compras desta matéria-prima, em 2008, a este fornecedor.
ð Como tal, as quantidades em stock no início do ano mostraram-se Insuficientes para os semi-reboques facturados. Acresce a esta situação o facto de o SP declarar em 31-12-2008, 294 pára-ciclista, resultando num consumo negativo. Facturou ainda 15 unidades, derivadas de reparações efectuadas. Considerou-se que foram aplicados somente pára-cicilista em 137 semi-reboques – atendendo às folhas de reparação apesar do S.P. ter referido que todos os semi-reboques levavam aquela matéria-prima. A situação seria anómala mesmo que se considerassem os 157 semi-reboques facturados em 2008.
ð No inventário físico apresentado, com data de 31-12-2008 constam 294 unidades, ao preço de custo de € 103,03, não sendo o da factura de compra contabilizada.
Perante as quantidades controladas para esta referência conclui-se que existe omissão de compras/custo: tal como relativamente ao exercício de 2007.
Valorizando aquelas 375 unidades omitidas ao preço médio de custo de € 99,927, obtido pela soma da única factura de compra contabilizada em 2008 – FT 54498, de 04-11-2008 – de € 69,52, e do preço de custo que serviu de base à valorização das quantidades em inventário final – ver quadro seguinte – resulta uma omissão de custos de € 37.472,62 (375 x € 99,927), valor este que se propõe acrescer ao custo das matérias consumidas, declarado em 2008.



IV.5.4 Âmbito do procedimento: correcção às existências
No quadro seguinte encontram-se evidenciados os valores declarados pelo s.p. para as existências finais de matérias-primas:



De acordo com o relatório de gestão e contas, a empresa valoriza as existências ao custo de aquisição. Não declara existências iniciais ou finais de produção em curso. Foi referido pelo S.P. que não tem variação da produção em virtude de trabalhar por encomenda.
Tal como já referido, após análise dos inventários apresentados detectou-se que, relativamente ao valor das existências finais de 2008, encontra-se empolado em € 20.000,00, devido ao facto de ter sido considerado em duplicado um semi-reboque usado com a matrícula ………….. Nesse sentido aquela impotência terá que ser deduzida ao valor das existências finais de 2008, aumentando, assim, o custo das matérias consumidas declarado, em € 20.000,00.

IV – 6 RESUMO DOS MOTIVOS PARA APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRECTOS
A insuficiência dos elementos da contabilidade impossibilitam comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e é motivo para a realização da avaliação indirecta da matéria tributável de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 88.º e alínea b) do artigo 87.º ambos da Lei Geral Tributária, por remissão dos artigos 52.º e 54.º do CIRC.
Essas insuficiências foram pormenorizadamente descritas ao longo do presente relatório.
Foram identificados diversos aspectos técnicos relacionados com o processo produtivo que evidenciam que os resultados declarados pelo s. p. não correspondem à realidade e que os elementos de controlo do processo de fabrico, apresentado pelo contribuinte, não permitem o controlo do lucro tributável resultando em omissões que não são possíveis de quantificar com base nos elementos contabilísticos ou extra contabilísticos, pelos seguintes motivos:
ð Falta de inventário permanente que impossibilita conhecer em cada momento, qual o custo das matérias consumidas na produção bem como efectuar o controlo das quantidades das matérias-primas incorporadas nos produtos vendidos;
ð Falta de folhas de produção ou outros elementos extra contabilísticos que permitam o controlo do custo e das quantidades das matérias-primas consumidas;
ð A Facturação não permite o controlo inequívoco dos materiais incorporados nos serviços prestados declarados,
ð Nas matérias-primas, cujo controlo é inequívoco, constatou-se a existência de desvios de quantidades, que indicia omissão de vendas / prestação de serviços, por um lado, e omissão de quantidades que influenciam negativamente o custo das matérias-primas consumidas,
ð Detectou-se anda que o programa de facturação permite alterar conteúdo das facturas, colocando em causa, uma vez mais, a credibilidade dos resultados declarados;
ð As faltas descritas, nomeadamente, a falta de inventário permanente, folhas de produção ou outros elementos extra contabilísticos que permitam o controlo das quantidades e custo da matérias consumidas e ainda a não discriminação nas facturas dos serviços prestados das matérias-primas aplicadas, impossibilita o controlo de quantidades, o controlo da margem de lucro e, consequentemente do lucro tributável.

V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
As insuficiências da escrita que impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, no momento em que a mesma deva ser efectuada, foram descritas capítulo anterior, pelo que a determinação do resultado fiscal para IRC, será efectuado com recurso a métodos indirectos, conforme determina e alínea b) do Artigo 87.º e alínea e) do Artigo 88.º, ambos da LGT, ambos por remissão dos artigo 52.º e 54.º do CIRC, com base nas critérios e cálculos, descritos e fundamentados nos pontos seguintes.

V.1 CRITÉRIOS
Os critérios para apuramento da matéria tributável através de Métodos Indirectos encontram-se enumerados no art. 90.º da LGT, embora esta enumeração não seja taxativa, conforme se pode aferir da própria redacção da citada norma “poderá ter em conta os seguintes elementos”.
Como tal, não existindo nenhum critério ideal para o apuramento do lucro tributável, através do recurso a métodos indirectos, propõe-se utilizar o descrito no ponto seguinte.

V.1.1 IRC – Determinação da matéria tributável por métodos indirectos
A nova matéria tributável será determinada através aplicação de métodos indirectos na determinação dos proveitos e na valorização das quantidades encontradas em falta e que influenciam negativamente o custo das matérias-primas consumidas.
Para determinar o volume de negócios dos exercícios em análise propõe-se aplicar a mediana do rácio R04 (Rentabilidade Fiscal) nacional, da actividade de Fabricação de carroçarias, Reboques e semi-reboques CAE 29200.
A utilização deste rácio tem subjacente a ponderação dos seguintes fundamentos:
ð A actividade efectivamente exercida pelo s.p. corresponde ao CAE utilizado;
ð O rácio resulta do tratamento fiscal de todas as declarações apresentadas pelos sujeitos passivos que se encontram inseridos no mesmo CAE;
ð O S.P. exerce e sempre exerceu com regularidade a referida actividade não tendo sido detectada nenhuma situação extraordinária;
ð A utilização da rentabilidade fiscal do sector – rácio R04 [Rendibilidade fiscal das vendas] – porque tem em conta a mão-de-obra, que é um componente importante no processo produtivo, especialmente nos serviços prestados;
ð A utilização da mediana nacional, em detrimento da unidade orgânica deve-se ao facto desta englobar todos os contribuintes deste sector de actividade pois a empresa concorre, a nível nacional com outras do mesmo ramo. A utilização do valor da mediana, em desfavor da utilização do valor da média, deve-se ao facto de esta ser pouco sensível aos valores extremos, isto é, não considera os valores mínimos nem os máximos;
ð Assim, o rácio R04 [Rendibilidade fiscal das vendas] apresenta como mediana os valores que constam evidenciados no quadro seguinte:




ð Desenvolvendo o rácio supra referido e sendo o volume de negócios o valor que se pretende determinar, tem-se que o volume de negócios será igual a:
· Volume de Negócios = [custos – outros proveitos] / [1-R04].

V.2 Cálculos
V.2.1 IRC – Determinação do custo das matérias-primas consumidas corrigido
Em resultado do exposto no capítulo anterior, no ponto IV.5.3 – controlo de quantidades e após realizado o controlo de quantidades das matérias-primas cujo controlo é inequívoco identificou-se a existência de desvios que indicia omissão de quantidades que influenciam negativamente o custo das matérias consumidas. Foram valorizadas as quantidades de compras omitidas e para as matérias-primas controladas em cada um dos exercícios concluindo-se que, pelo menos aqueles montantes, foram sonegados ao custo das matérias consumidas declarado em cada um dos exercícios analisados.


No quadro seguinte encontram-se evidenciados os valores a acrescer aos custos das matérias consumidas, correspondendo a € 165.448,15 em 2007 e a € 100.597,19 em 2008:





Relativamente ao valor das existências finais de 2008, encontra-se empolado em € 20.000,00, devido ao facto de ter sido considerado em duplicado um semi-reboque usado, com a matrícula ……... Nesse sentido aquela importância terá que ser deduzida ao valor das existências finais de 2008, aumentando, assim, o custo das matérias consumidas declarado, em € 20.000,00.
Para efeitos de determinação do novo custo corrigido será ainda imputado o valor de € 20.427,77 correspondente à impressão publicitária. No entanto, este será diminuído nos FSE no mesmo montante, não tendo reflexo ao nível do resultado final, mas apenas para apuramento do custo das matérias consumidas corrigido.
Assim, em consequência das correcções anteriormente referidas, o custo das matérias-primas consumidas, em cada um dos exercícios passa e ser o indicado no quadro seguinte:


V.2.1 IRC — Determinação do volume de negócios corrigido
No seguimento da metodologia seguida e descrita e em face dos cálculos efectuados e evidenciados no quadro seguinte propõe-se uma correcção ao volume de negócios, determinada com recurso a métodos indirectos de € 328.714,17 em 2007 e de € 218.537,04 em 2008.


Notas:
b) Os custos corrigidos tiveram em conta as seguintes correcções:



V.2.2 IRC – determinação do resultado fiscal corrigido
Após os cálculos efectuados obtém-se um resultado fiscal corrigido de € 185.389,29 para o exercício de 2007 e de € 108.361,50 para o exercício de 2008, conforme valores indicados no quadro seguinte:


Derrama
Sobre os novos resultados fiscais apurados incidirá derrama cujas taxas foram de 1,5% para 2007 e de 1%
para 2008.
(…)»
[cfr. emerge do relatório inspectivo de fls. 75 a 124 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos]

D) Em 11 de Agosto de 2011 foi fixada a matéria colectável proposta no relatório inspectivo por despacho proferido pelo Director de finanças adjunto [cfr. emerge do despacho aposto no relatório inspectivo de fls. 75 a 124 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos].

E) Em 20 de Setembro de 2011 foi apresentado pela Impugnante pedido de revisão da matéria colectável onde esgrime os seguintes argumentos: (i) o controlo das vendas encontra-se facilitado por se tratar de bens sujeitos a registo; (ii) as facturas por si emitidas cumprem com os requisitos do art. 36.º do CIVA; (iii) é normal os serviços prestados não coincidirem com os orçamentos que não têm relevância fiscal; (iv) a AT não imputa qualquer divergência nos cruzamentos de dados com os adquirentes constantes das facturas; (v) a alteração do nome do cliente corresponde a erro na factura que não foi contabilizada; (vi) não se encontra demonstrada a necessidade de aplicação de métodos indirectos porquanto as divergências de margens de lucro não é fundamento admissível; (vii) as limitações de controlo são da AT e não da peticionária; (viii) os erros de contabilização a ocorrerem apenas dariam lugar à correcção e não a métodos indirectos e não afectam o lucro bruto, a duplicação do semi-reboque apenas justifica a sua desconsideração, nada impede a contabilização dos materiais aplicados separadamente dos serviços prestados; (ix) a inexistência de inventário permanente não pode sustentar a aplicação de métodos indirectos; (x) as divergências apontadas podem ser explicadas por lapsos na especialização dos exercícios e não constituem indícios de qualquer omissão; (xi) não se encontra fundamentada a escolha da mediana porquanto com a mesma motivação poderia ser escolhido qualquer outro indicador estatístico e a redução de 25% do volume de negócios deve ser considerado elemento extraordinário [cfr. emerge da petição que faz fls. 488 a 498 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos];

F) Em 10 de Outubro de 2011 foi elaborada ata respeitante à reunião dos peritos no procedimento de revisão referido no facto precedente com o seguinte teor:
«1. Aberta a reunião os peritos debruçaram-se sobre o relatório da inspecção bem como o conteúdo da reclamação interposta pela reclamante, apresentando as suas posições relativamente a ambos.
2. O perito nomeado pelo contribuinte dá por integralmente transcrito todo o exposto no pedido de revisão requerendo a manutenção da presunção da verdade do declarado e da escrita comercial, salientando os seguintes aspectos:
• Não existirem omissões de vendas e de serviços prestados;
• As margens de lucro são bastante reduzidas atendendo a que a maior parte da concorrência vende directamente dos países de origem dos equipamentos;
• Os custos da empresa (encargos financeiros e outros) são elevados daí a empresa apresentar rentabilidades fiscais bastante baixas.
Pelo que, entende não haver lugar à aplicação de métodos indirectos.
3. Por sua vez o perito da Administração tributária reafirma o exposto no relatório de Inspecção, com os fundamentos nele constantes.
4. Quanto aos métodos indirectos: Ao longo do relatório de inspecção foram identificados diversos aspectos técnicos relacionados com o processo produtivo que evidenciam que os resultados declarados pelo sujeito passivo não correspondem à realidade e que, os elementos de controlo do processo de fabrico, apresentado pelo contribuinte, não permitem o controlo do lucro tributável resultando em omissões que não são possíveis de quantificar com base nos elementos contabilísticos ou extra contabilísticos, pelos seguintes motivos:
• Falta de inventário permanente, ao qual estava obrigada, por força do disposto no Decreto-Lei 44/99, de 12 de Fevereiro, sendo que a sua ausência impossibilita conhecer em cada momento, qual o custo das matérias consumidas na produção bem como efectuar o controlo das quantidades das matérias-primas incorporadas nos produtos vendidos;
• Falta de folhas de produção ou outros elementos extra contabilísticos que permitam o controlo do custo e das quantidades das matérias-primas consumidas;
• A facturação não permite o controlo inequívoco dos materiais incorporados nos serviços prestados declarados;
• Nas matérias-primas, cujo controlo é inequívoco, constatou-se a existência de desvio de quantidades, que indicia omissão de vendas/prestação de serviços, por um lado, e omissão de quantidades que influenciam negativamente o custo das matérias-primas
• Detectou-se ainda que o programa de facturação permite alterar o conteúdo das facturas, colocando em causa, a credibilidade dos resultados declarados;
• As faltas descritas, nomeadamente, a falta de inventário permanente, folhas de produção ou outros elementos extra contabilísticos que permitam o controlo das quantidades e custo das matérias consumidas e ainda a não discriminação nas facturas dos serviços prestados das matérias-primas aplicadas, impossibilita o controlo de quantidades, o controlo da margem de lucro e, consequentemente do lucro tributável.
5. O n.º 1 do artigo 75.º da LGT dispõe que se presumem verdadeiros e de boa fé os dados apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos contribuintes, desde que estejam organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. E, a contabilidade, para ser credível, tem que obedecer a determinadas regras na sua organização, de modo a permitir a quantificação e comprovação do lucro real e efectivo, pelo que a lei exige que os valores constantes da mesma sejam apoiados por documentos individualizados de todas as operações efectuadas.
6. Ora nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT a presunção do n.º 1 do mesmo artigo não se verifica quando a contabilidade ou a escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou não permitem o controlo da matéria real do sujeito passivo.
7. Relativamente ao sujeito passivo em questão constatou-se que a contabilidade não permite o controlo do lucro tributável nem está organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto. Esta conclusão resulta dos factos e fundamentos já descritos no ponto 4 desta acta e devidamente discriminados ao longo do relatório de inspecção tributária.
8. O recurso a métodos indirectos para determinação do imposto em falta é uma faculdade que assiste à Administração Tributária quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável.
9. Assim, não tendo havido acordo entre os peritos, são de manter as correcções fixadas com recurso a métodos indirectos, e nada mas havendo a tratar, foi lavrada a presente acta que vai ser assinada pelos intervenientes (…)» [cfr. acta que faz fls. 500 e 501 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos]

G) Em 10 de Outubro de 2011 foi proferida decisão de fixação da matéria tributável com o seguinte teor:
«Nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Analisada a respectiva acta verifica-se, entre outros, o seguinte:
1- O Perito do Sujeito Passivo mantém os argumentos constantes na reclamação apresentada nos termos do art. 91.º da LGT.
2- O Perito da Administração Tributária reafirma o exposto no relatório de inspecção, com os fundamentos nele constantes, referindo que foram identificados diversos aspectos técnicos relacionados com o processo produtivo, nomeadamente, a falta de inventário permanente, a falta de folhas de produção ou outros elementos extra contabilísticos que permitam o controlo das quantidades e custo das matérias consumidas e ainda a não discriminação nas facturas dos serviços prestados das matérias-primas aplicadas, que impossibilitam o controlo de quantidades, o controlo da margem de lucro e, consequentemente, do tributável. Assim, considerando todos os elementos existentes, relatório da inspecção tributária, posição dos peritos, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa e nos termos do n.º 6 do art. 92.º da LGT, atendendo à posição/defesa do Perito da Administração Tributária, manter os valores fixados em sede de IRC e IVA, nos exercícios de 2007 e 2008 (…)» [cfr. despacho que faz fls. 499 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos].

H) Com fundamento naquela fixação foram emitidas em 17 de Outubro de 2011 as seguintes liquidações de IRC:
(i) n.º 2011 8310025668 respeitante ao exercício de 2007 onde foi apurado o valor de EUR 36.579,70 (incluindo EUR 4.334,19 de juros compensatórios)
(ii) n.º 2011 8310025699 respeitante ao exercício de 2008 onde foi apurado o valor de EUR 13.409,23 (incluindo EUR 1.223,06 de juros compensatórios)
[cfr. liquidações de fls. 98 a 103 dos presentes autos]

I) As liquidações referidas no facto procedente deram origem à emissão dos seguintes documentos de cobrança:
(iii) n.º 2011 00001652803 respeitante ao exercício de 2008 no montante de EUR 38.342,42
(iv) n.º 2011 00001653270 respeitante ao exercício de 2008 no montante de EUR 15.360,90
[cfr. notas de cobrança de fls. 98 a 103 dos presentes autos].

J) Em 15 de Fevereiro de 2012 foi autuada no SF de Mangualde sob o n.º 2550201204000030 a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante contra as liquidações anteriormente referidas onde peticionava a sua anulação [cfr. capa e PI de fls. 2 a 13 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos].

K) Em 8 de Junho de 2012 foi proferido despacho de indeferimento no procedimento de reclamação graciosa 2550201204000030 [cfr. despacho ínsito de fls. 555 do processo de reclamação graciosa 2550201204000030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos].

L) Em 9 de Julho de 2012 foi autuado no SF de Mangualde sob o n.º 2550201210000030 o recurso hierárquico interposto contra o indeferimento anteriormente referido [cfr. capa e PI de fls. 3 a 20 do processo de recurso hierárquico 25502012100030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos].

M) Em 17 de Abril de 2013 foi proferido despacho de indeferimento no procedimento de recurso hierárquico n.º 255020121000030103 [cfr. despacho ínsito de fls. 103 do processo de recurso hierárquico 25502012100030 integrante do processo administrativo apenso aos presentes autos]

N) A Impugnante montava semi-reboques da marca D………. que eram adquiridos em kit à E…………..SA [cfr. prova testemunhal e emerge do relatório inspectivo].

O) A Impugnante não montava semi-reboques para stock mas apenas por encomenda [cfr. prova testemunhal]

P) A Impugnante facturava aos clientes semi-reboques antes destes serem entregues e por concluir [cfr. prova testemunhal].

Não se provaram outros factos com interesse para os presentes autos».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu que a contabilidade da ora Recorrida, com referência aos exercícios de 2007 e 2008, não reflectia a sua verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos, motivo por que procedeu à correcção do lucro tributável declarado, com recurso a métodos indirectos e, após ser decidido o pedido de revisão formulado por aquela sociedade ao abrigo do disposto no art. 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), às consequentes liquidações adicionais do IRC.
A Recorrente apresentou reclamação graciosa e, na sequência do indeferimento desta, apresentou recurso hierárquico, que também foi indeferido. Depois, deduziu a presente impugnação judicial.
A sentença recorrida, depois de tecer alguns considerandos em torno da ordem por que devem ser conhecidos os vícios do acto impugnado em sede de impugnação judicial, analisando o disposto no art. 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e salientando que todos os vícios invocados na petição inicial terão como consequência a anulabilidade do acto impugnado, referiu que, na ausência de ordem indicada pela Impugnante, dever ser dada prioridade à apreciação dos vícios «cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» (n.º 1 do referido art. 124.º); no entanto, realçou que «sempre que é arguida a falta de fundamentação de um acto esta regra tem, necessariamente, de comportar excepções quando os vícios de violação de lei dependem dos fundamentos da decisão, o que sucede quando sem se conhecer a motivação da decisão não é possível conhecer a legalidade do acto».
Depois de expor esta doutrina, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu concluiu: «Cumpre, assim, apreciar a suficiência e adequação da fundamentação dos actos em crise».
De seguida, após explanar o enquadramento legal e jurisprudencial do vício de falta de fundamentação, e considerando que no caso, porque houve fixação da matéria tributável por métodos indirectos, «a sua fundamentação é a constante do acto que determinou a sua aplicação e quantificação (a decisão do procedimento de revisão a que se refere o art. 91.º da LGT) e, eventualmente, caso este faço apelo às posições dos peritos ou ao relatório inspectivo, do teor daquelas pronúncias» concluiu, em face do teor da decisão do procedimento de revisão da matéria tributável [cf. alínea G) dos factos provados] e louvando-se em jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, que indicou, pela «insuficiência da fundamentação na medida em que não é perceptível para o normal destinatário do acto a razão pela qual os argumentos do peticionante não eram susceptíveis de demonstrar a incorrecção dos métodos indirectos efectuada pela Inspecção Tributária ali controvertida de modo a, eventualmente, justificar a sua desaplicação ou aplicação em montante diverso do originariamente fixado».
Assim, em consequência do julgamento efectuado relativamente ao vício de falta de fundamentação, considerou prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados na petição inicial e, concedendo parcial procedência à impugnação judicial, anulou as liquidações impugnadas «na parte em que assentam na tributação por métodos indirectos, subsistindo na parte em que se estribam em correcções técnicas».
O Representante da Fazenda Pública não se conforma com a sentença. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende que não podia o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu ter decidido com fundamento num vício, qual seja a preterição de formalidade legal por insuficiência da fundamentação legalmente exigível, que não foi invocado ou, pelo menos, não foi invocado com o sentido e a conformação que o Juiz lhe conferiu. Assim, considerou que, não tendo sido invocada a falta de fundamentação como preterição de formalidade na decisão do procedimento de revisão da matéria tributável, «o Juiz excedeu os seus poderes de cognição ao tomar em consideração factos não alegados e de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente, por violação do princípio do dispositivo, enunciado no art. 5.º do CPC» e que «não sendo tal vício de conhecimento oficioso, não podia o tribunal dele conhecer»; no entanto, nunca invocou expressamente a nulidade por excesso de pronúncia e, ao invés, afirma que «fazendo proceder os presentes autos com fundamento no aludido vício incorreu em erro de julgamento». Sem prescindir, considerou ainda que a decisão do procedimento de revisão está suficientemente fundamentada por remissão para o relatório da Inspecção Tributária e para as posições dos peritos, tudo como permitido pelo art. 77.º, n.º 1, da LGT e pelo art. 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) (A Recorrente refere o CPA na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, em vigor à data. Hoje, corresponde-lhe o art.153.º, n.º 1.). Ainda sem prescindir, sustentou que, mesmo a considerar-se ter existido a falta de fundamentação em que a sentença alicerçou a decisão, sempre haveria de considerar-se sanada, pois não só a Impugnante revelou perfeito conhecimento dessa fundamentação em todos os meios de reacção que usou contra a liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial), em nada ficando comprometido o seu direito, motivo por que deveria ter-se por sanado esse vício, por degradação da formalidade em não essencial.
A Recorrente faz alusão – quer no art. 15.º das alegações quer na conclusão a que atribuímos o n.º 4 – a um erro de julgamento por violação do princípio do dispositivo, consagrado no art. 5.º do CPC, em que teria incorrido a sentença «ao tomar em consideração, para a resolução da questão colocada pela impugnante, factos não alegados de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente».
Sucede, porém, que não encontramos na motivação do recurso alegação alguma que suporte a invocação desse erro de julgamento. Na verdade, a Recorrente não diz quais os factos que a sentença usou para resolver a acção e que não foram alegados nem eram do conhecimento oficioso. Em face dessa omissão, e porque também não descortinamos onde e como possa a sentença ter incorrido numa eventual violação do princípio do dispositivo relativamente a matéria de facto, afigura-se-nos como plausível que a Recorrente tenha invocado o art. 5.º do CPC em defesa da sua posição de que a sentença não podia ter decidido a impugnação judicial com uma causa de pedir que não foi invocada pela Recorrente e que também não é do conhecimento oficioso, qual seja a da falta de fundamentação formal.
É essa a primeira questão que cumpre apreciar e decidir: a de saber se a sentença recorrida incorreu, ou não, em erro de julgamento ao apreciar se a decisão da utilização dos métodos indirectos na avaliação da matéria tributável enferma de falta de fundamentação.
Por seu turno, a Recorrida defende a correcção da sentença, sustentando: que a fundamentação expendida no despacho por que foi decidido o pedido de revisão da matéria tributável «não […] tornou perceptível para a ora recorrida (normal destinatário do acto) a razão pela qual os seus argumentos não eram susceptíveis de demonstrar a incorrecção da aplicação dos métodos indirectos efectuada pela Inspecção Tributária ali controvertida, de modo a, eventualmente, justificar a sua desaplicação ou aplicação em montante diverso do originariamente fixado»; que a falta de fundamentação «não ficou sanada […] pelo facto de o decisor ter remetido explicitamente para o relatório de inspecção e para os elementos da comissão de revisão», os quais também não estavam devidamente fundamentados, motivo por que «a decisão da comissão de revisão, tendo absorvido e se apropriado da referida motivação ou fundamentação, fazendo, assim, dela parte integrante, também ela padece de vício de falta de fundamentação»; que, contrariamente ao que alega a Recorrente, «a recorrida fez expressamente referência à falta de fundamentação do despacho, inclusivamente no articulado 132.º e ss da P.I.».
Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber:
i) se a sentença podia conhecer da questão da falta de fundamentação; na afirmativa,
ii) se ocorre ou não o vício de falta de fundamentação enquanto preterição de formalidade legal; na afirmativa,
iii) se essa preterição de formalidade legal tem, ou não efeitos invalidantes do acto, ou seja, se o vício pode considerar-se sanado.
Cumpre ainda referir que a Recorrida nas contra-alegações suscita uma questão sobre a legalidade das liquidações por terem sido «dirigidas contra a Massa Insolvente e o Administrador da Insolvência», questão de que ora não nos ocuparemos porque não se inclui no âmbito do recurso, uma vez que nem a sentença dela não conheceu nem a Recorrida dela interpôs recurso.

2.2.2 DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO FORMAL VERSUS FUNDAMENTAÇÃO MATERIAL

Antes do mais, podemos questionar se o vício assacado à sentença pela Recorrente integra erro de julgamento, tal como o qualificou a Recorrente, ou nulidade da sentença por excesso de pronúncia, como parece decorrer da alegação por ela produzida, de que «a preterição da formalidade de fundamentação da decisão da comissão da revisão não foi invocada na argumentação expendida na PI, logo o Juiz excedeu os seus poderes de cognição» e de que «não tendo a impugnante invocado o vício de falta de fundamentação da decisão do procedimento de revisão e não sendo tal vício de conhecimento oficioso, não podia o tribunal dele conhecer». No entanto, não nos deteremos nesse problema, uma vez a questão da qualificação da irregularidade da sentença, como erro de julgamento ou como nulidade não assume relevância para efeitos da sua apreciação. Na verdade, mesmo a considerar-se que o vício assacado à sentença integra nulidade por excesso de pronúncia, ao invés do invocado erro de julgamento, não será por isso que o Tribunal ad quem pode dispensar-se de dele conhecer, pois, como afirma a doutrina e este Supremo Tribunal tem vindo a dizer repetidamente (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 20 ao art. 125.º, pág. 375, com indicação de jurisprudência.
Vide também, entre muitos outros e por mais recente, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 11 de Julho de 2019, proferido no processo n.º 557/07.5BECBR, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/802b06b302ee312980258446003717fa.), não está impedido de apreciar como nulidade o vício que é apresentado pelo recorrente como erro de julgamento e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC). Não seria, pois, o eventual erro na qualificação a obstar ao conhecimento por este Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de recurso, da questão de saber se a o Tribunal a quo procedeu correctamente ao julgar a impugnação judicial com base na falta de fundamentação.
Passemos, pois, a apreciar e decidir essa questão.
Da leitura da petição inicial resulta que a Impugnante, entre os diversos fundamentos que invocou como fundamentos para pedir a anulação das liquidações, nomeou a falta de fundamentação (cf., designadamente, arts. 13.º, 119.º, 125.º, 131.º a 134.º, 153.º a 165.º, 168.º a 173.º, 190.º, 193.º, 204.º, 212.º, 223.º, 224.º, 235.º e 257. a 273.º); resulta também que a Impugnante – se bem ou mal, é questão de que por agora nos não ocuparemos – invocou o disposto no art. 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, no art. 77.º da LGT e no art. 123.º do CPA (na redacção em vigor à data) e até no art. 1.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º n.º256-A/77 de 17 de Junho, que todos se referem ao dever de fundamentação dos actos da Administração, designadamente no que respeita aos actos tributários. O que, sem prejuízo do que supra deixámos dito, nos leva à conclusão de que a Recorrente andou bem ao invocar o erro de julgamento ao invés do excesso de pronúncia no que se refere a esta questão da falta de fundamentação.
Interessa-nos agora considerar este vício, pois foi com fundamento em falta de fundamentação que a sentença recorrida anulou o acto impugnado.
Desde logo, há que ter presente que a Impugnante refere a verificação desse vício ao relatório da inspecção e à decisão do recurso hierárquico, mas nunca à decisão da comissão de revisão. O que, sem mais, é motivo suficiente para considerar que a sentença incorreu em erro de julgamento ao “deslocalizar” o âmbito da alegação para a decisão da comissão de revisão – apesar de, como bem salientou o Juiz do Tribunal a quo, ser esta decisão, proferida ao abrigo do art. 91.º da LGT, que determinou a aplicação dos métodos indirectos (Note-se que a comissão de revisão, apesar de visar uma apreciação de carácter técnico e não jurídico (de questões de facto e não de direito), não tem a sua competência limitada à fixação da matéria tributável, podendo também pronunciar-se sobre a verificação dos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável (cfr. n.º 14 do art. 91.º da LGT). Esta solução legal, cujo mérito não cumpre apreciar, poderá ser explicada pela justificação avançada por DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, na Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 4 ao art. 91.º, pág. 400: «A excepção relativa às questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização de métodos indirectos justifica-se por a sua resolução assentar essencialmente numa decisão de facto, que envolve também uma apreciação de carácter técnico, que é a suficiência ou não dos elementos existentes para determinar com exactidão a matéria colectável (art. 88.º desta Lei)».) –, relativamente à qual a Impugnante nunca manifestou qualquer dificuldade de conhecimento das razões que a motivaram.
Mesmo admitindo que essas dificuldades de conhecimento possam referir-se ao relatório da fiscalização, para o qual aquela decisão remeteu expressamente [cf. alínea G) dos factos provados], afigura-se-nos que nunca poderia dar-se por verificado o vício de falta de fundamentação. Vejamos:
Apesar de invocada a falta de fundamentação e de referidas as normas legais que se referem e modelam o correspectivo dever de fundamentação, a Impugnante revela ao longo de toda a petição inicial um perfeito e detalhado conhecimento dos motivos por que os serviços da Fiscalização Tributária lançaram mão dos métodos indirectos para a avaliação da matéria tributável e do critério utilizado na fixação dessa matéria.
A alegação aduzida pela sociedade Impugnante na petição inicial permite concluir, por um lado, que ela compreendeu os motivos ou fundamentos por que a AT entendeu afastar a presunção de veracidade da escrita e recorrer aos métodos indirectos na avaliação da matéria tributável e, por outro lado, que a Impugnante discorda desses fundamentos, porque, a seu ver, os factos em que se suportam ou não correspondem à realidade ou foram seleccionados de entre outros que não foram tidos em conta ou deles foram extraídas conclusões erradas e, por isso, não autorizam o recurso à tributação por métodos indirectos na avaliação da matéria tributável.
Ou seja, na leitura que fazemos da petição inicial, a Impugnante não questionou a dimensão formal da fundamentação, mas antes a sua dimensão material ou substancial, pois, como este Supremo Tribunal tem vindo a salientar numerosas vezes (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 406/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/56c3a90d7f2ae6b080257ee70050254e;
- de 14 de Março de 2018, proferido no processo n.º 512/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b023601187fbbbb980258255004cd684;
- de 9 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 572/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3907daa7722dd4448025828a0038a19a ), uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cf. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).
Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)
Ora, a Impugnante não alegou dificuldade alguma em compreender os motivos por que a AT entendeu lançar mão dos métodos indirectos na determinação da matéria tributável, deles revelando, aliás, perfeito conhecimento; alegou, sim, que os mesmos não legitimam aquela decisão. O que a Impugnante sustentou foi que a AT não conseguiu ilidir a presunção de veracidade da sua escrita e que os elementos que recolheu em sede de inspecção não lhe permitiam que considerasse, como considerou, outros valores senão os declarados nessas escrituras; ou seja, considerou a Impugnante que não se verificam os pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos. Foi essa a causa de pedir invocada – se bem que, salvo o devido respeito, de modo tecnicamente pouco correcto – como suporte do pedido de anulação das liquidações adicionais impugnadas por “falta de fundamentação”.
Foi também com este sentido que o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal interpretou a petição inicial.
Assim o não entendeu o Tribunal a quo, que não só apreciou o vício de falta de fundamentação na sua dimensão formal, como também o considerou referido à decisão do procedimento de revisão do art. 91.º da LGT e à falta de ponderação expressa dos argumentos por ela invocados perante a comissão de revisão, nunca alegada pela Impugnante. Ora, sem prejuízo do que ficou dito e salvo o devido respeito, o Tribunal nunca poderia levar o âmbito da falta de fundamentação para domínios que extravasam nitidamente aquele com que o sujeito passivo o configurou.
Em conclusão, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico). Assim, resultando da petição inicial que a causa de pedir invocada sob a denominação “falta de fundamentação” se refere à fundamentação substancial, enferma de erro de julgamento a sentença que a apreciou como se se tratasse de fundamentação formal e, ademais, lhe deu um conteúdo que a impugnante nunca invocou.
Em consequência, entendemos ser de conceder provimento ao recurso, uma vez que o Tribunal a quo, ao invés de conhecer a verdadeira questão suscitada mediante a invocação da “falta de fundamentação”, conheceu de questão que a Impugnante não suscitou e não é do conhecimento oficioso, qual seja a da fundamentação formal.
Revogada a sentença, na parte impugnada, deverão os autos voltar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí serem apreciadas as demais questões suscitadas na petição inicial.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial.


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Custas pela Recorrida, que ficou vencida (cf. art. 527.º do CPC).

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Lisboa, 21 de Novembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Suzana Tavares da Silva – Nuno Bastos.