Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02866/14.8BELRS
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
JUSTO VALOR
INSTRUMENTOS FINANCEIROS
Sumário:O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.
Nº Convencional:JSTA000P31905
Nº do Documento:SA22024020702866/14
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2866/14.8BELRS
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A..., S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 A AT recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que a esta foi efectuada com referência ao ano de 2011, na sequência da correcção efectuada após inspecção tributária e relativa a desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de acções detidas pela ora Recorrida, tendo a AT desconsiderado fiscalmente metade do valor das perdas por reduções do justo valor dessas acções.

A Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor:

«a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, em consequência, anulou, parcialmente, o acto de liquidação adicional de IRC, do período de tributação de 2011, relativamente às correções efectuadas quanto a ajustamentos por perdas por redução no justo valor em instrumentos financeiros.

b. O tribunal a quo considerou que as perdas por reduções do justo valor em instrumentos financeiros relevam na totalidade para a formação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC, não sendo o caso dos autos subsumível ao preceituado no artigo 45.º, n.º 3 do CIRC.

c. Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter procedido a uma interpretação correcta da norma prevista no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC

d. A partir de 2010, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC permite que os rendimentos ou gastos ainda não realizados possam concorrer para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social.

e. O artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC esclarece que não se consideram mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos ou perdas sofridas mediante transmissão onerosa de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor nos termos da alínea a), do n.º 9, do artigo 18.º, do CIRC.

f. No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45.º, n.º 3, parte final, do Código do IRC (encargos não dedutíveis para efeitos fiscais) estabelece que “… outras perdas… relativas a partes de capital, …, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

g. O que implica que na linha 737 do quadro 07 da declaração modelo 22 sejam inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio.

h. Em resumo, sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas, deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, em 50% do seu valor, já que quando estão em causa outras perdas que não sejam decorrentes de transmissões onerosas de partes de capital, como na situação em apreço, as decorrentes da mensuração ao justo valor através de resultados de instrumentos financeiros, apenas estas são dedutíveis em 50%.

i. Assim, o entendimento da AT e na esteira do já determinado na ficha doutrinária emitida no âmbito do processo n.º 39/2011, com despacho de 24/02/2011, do Sr. Director-Geral dos Impostos, é o de que as reduções do justo valor das partes de capital em causa são qualificadas como perdas fiscalmente relevantes, devendo, como tal, ser consideradas em apenas metade do seu valor, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º, do CIRC.

j. Isto porque resulta expressamente do mencionado preceito legal que as perdas ou variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

k. Atente-se que o legislador fez uma clara opção no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e, não obstante, as sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, não foi estabelecido em tal preceito qualquer exceção relativa às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados.

l. No mesmo sentido do defendido pela AT decidiu o CAAD, na decisão arbitral proferida no processo n.º 25/2015-T, para o qual remetemos e damos aqui por reproduzida a sua fundamentação por concordarmos com a mesma.

m. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes e aqui em causa, na sua redacção à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do CIRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor.

n. Face a todo o acabado de expor e salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que deveria o Tribunal a quo ter decidido que a correção efectuada pela inspecção tributária é legal.

o. Entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de vício de violação de lei – norma prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação relativamente às correcções efectuadas quanto a ajustamentos por perdas por redução no justo valor em instrumentos financeiros.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial improcedente.

Porém V. Ex.as decidindo farão a costumada Justiça».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença. Isto, com a seguinte fundamentação: «[…]

A recorrida, sociedade anónima, no ano de 2011, era detentora de acções representativas do capital social da B..., S.A., correspondentes a percentagem inferior a 5%.
Aquelas acções encontravam-se cotadas em bolsa.
Em 2011, a recorrida registou, na conta “6611-Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros- B...”, uma variação negativa no justo valor de € 866.750,50, por contrapartida da conta “14310001-Acções B...”.
A recorrente, como fundamento do recurso, invoca erro de julgamento, por a sentença recorrida não ter aplicado o disposto no n.º 3, do art. 45.º, do CIRC, na redacção então em vigor, que estatuía no caso de ter sido apurada uma perda por redução do justo valor, tal perda” concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.
Por sua vez, a sentença recorrida considerou que as perdas por reduções do justo valor em instrumentos financeiros relevam na totalidade para a formação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC, não sendo o caso dos autos subsumível ao preceituado no artigo 45.º, n.º 3 do CIRC.
A questão em discussão não é nova.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) já se pronunciou sobre a mesma, de modo uniforme e reiterado, através dos seguintes arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
- Ac. do STA de 10/11/2021, proc. nº 02410/14.7BELRS
- Ac. do STA de 16/12/2020, proc. nº 01760/15.0BELRS
- Ac. do STA de 6/6/2018, proc. nº 0582/17.
A jurisprudência firme do STA, pode sintetizar-se, nos termos do sumário elaborado no proc. n.º 02410/14.7BELRS.
I - O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC”.
Tal entendimento foi seguido no posterior acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7/4/2022, proc. nº 1799/13.0BELRS, igualmente, disponível em www.dgsi.pt.
O Ministério Público não encontra qualquer razão válida que lhe permita divergir de tal douto entendimento jurisprudencial.
Como nota final, de referir, como salientado no Ac. do STA de 10/11/2021, proc. n.º 02410/14.7BELRS, “O art. 45.º do CIRC foi, entretanto, revogado pelo art. 13.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (…), que republicou o CIRC.
Esta alteração legislativa veio colocar um ponto final na questão a que ora procuramos dar resposta, tendo o legislador fiscal optado claramente pela prossecução da aproximação da contabilidade à fiscalidade e consequentemente mantido o regime do art. 18.º, n.º 9, do CIRC, em detrimento da restrição de dedução de apenas 50% das perdas de justo valor em instrumentos financeiros.), i.e., se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade ou em apenas em metade do seu valor».
1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida fez correcto julgamento quanto à aplicabilidade do art. 45.º, n.º 3, do Código do IRC (CIRC) aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor a participações sociais detidas pela Impugnante, ou seja, se às perdas de justo valor previstas na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC se aplica, ou não, a limitação da dedutibilidade em 50% prevista no n.º 3 do art. 45.º do mesmo Código, na redacção aplicável (O art. 45.º do CIRC foi, entretanto, revogado pelo art. 13.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/2/2014/01/16/p/dre/pt/html), que republicou o CIRC.
Esta alteração legislativa veio colocar um ponto final na questão a que ora procuramos dar resposta, tendo o legislador fiscal optado claramente pela prossecução da aproximação da contabilidade à fiscalidade e consequentemente mantido o regime do art. 18.º, n.º 9, do CIRC, em detrimento da restrição de dedução de apenas 50% das perdas de justo valor em instrumentos financeiros.), i.e., se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade, como entendeu a ora Recorrida e a sentença ora sob recurso, ou em apenas em metade do seu valor, como sustenta a AT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto e deu como provada a seguinte factualidade:

«A) A Impugnante é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste em “[a]ctividades de fornecimento e montagem de instalações eléctricas e mecânicas, infra-estruturas diversas, indústria de engenharia eléctrica, metalomecânica, galvanização e representações, fabrico, construção e instalação de equipamentos industriais hidromecânicos, assim como actividades relacionadas com a respectiva concepção, gestão e exploração. Construção” (facto não controvertido - cf. certidão comercial permanente, junta como documento n.º 2 da petição inicial e documento constante de fls. 35 a 42 do processo administrativo tributário apenso);

B) Em 2011, a Impugnante era detentora de ações representativas do capital social da B..., S.A., correspondentes a percentagem inferior a 5% (facto não controvertido - cf. artigo 23.º da petição inicial e Relatório de Inspecção Tributária a fls. 23 a 33 do processo administrativo tributário apenso);

C) Em 2011, a Impugnante registou, na conta “6611-Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros- B...”, uma variação negativa no justo valor de € 866.750,50, por contrapartida da conta “14310001-Acções B...” (cf. documento do Anexo 8 do Relatório de Inspecção Tributária, constante de fls. 23 a 33 do processo administrativo tributário apenso);

D) Em 30-05-2012, a Impugnante entregou a declaração de IRC (Modelo 22), referente ao exercício de 2011, declarando o valor de € 0,00 na linha 737 do Quadro 07, referente a “50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art. 45.º, n.º 3, parte final)” -(facto não controvertido - cf. declaração de IRC do exercício de 2011, constante de fls. 50 a 52 do processo administrativo tributário apenso);

E) Ao abrigo da ordem de serviço n.º ...42, foi realizada pelos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa uma acção de inspecção interna à Impugnante em sede de IRC, ao período de tributação de 2011 (cf. Relatório de Inspecção Tributária, constante de fls. 23 a 33 do processo administrativo tributário apenso);

F) Em 04-08-2014, foi elaborado pela Divisão I do Departamento C de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, o relatório de inspecção tributária referente à acção de inspecção interna referida na alínea E) antecedente, do qual se extrai, designadamente, o seguinte teor:
III.1.2 Ajustamentos de transição reflectidos como variações patrimoniais (Regime Transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1,5 e 6 do DL 159/2009, de 13/7)
(…)
ii. Justo valor em activos financeiros - Ações B...
Verificámos ainda que os ajustamentos de transição efectuados pela A... contemplam a variação negativa das acções da B... de que o sujeito passivo detém uma percentagem de participação inferior a 5%.
No caso em apreço, verificou-se que as demonstrações financeiras da A... foram preparadas de acordo com o novo normativo da contabilidade - o SNC.
Verificou-se que em sede de investimentos financeiros o sujeito passivo detém apenas instrumentos financeiros detidos para negociação (conta 143 SNC). Sendo estes instrumentos financeiros acções cotadas em bolsa.
No que diz respeito à caracterização e mensuração destes instrumentos financeiros, o sujeito passivo em 2009 tinha-os registado na conta “15 Títulos negociáveis” (POC) ao custo de aquisição, conforme a valorimetria prevista no POC. Sendo este custo, à data de abertura em 01/00/2010, ajustado, através da conta “569 Resultados Transitados – Transposição”, com base no justo valor dos títulos em causa, comprovado pelo extracto bancário e o extracto da conta 569 - Resultados Transitados - Transposição SNC (Anexo 7), conforme se verifica no quadro a seguir:

Justo valor - ações B... (2008 e 2009)
Descrição
Justo valor (1)
Valor contabilidade (2)
Ajustamento (1) - (2)
B... - cotação 2003
4.669.924,50
5.553 350.56
-833.425.06
B... - cotação 2009
5.532.450,00
6.134.916 00
-602.463.00
B... - cotação 2010
4.757.907,00
5.532.450.00
-774.543.00

Com a transição do POC para o SNC os investimentos financeiros em causa passaram a encontrar-se registados na conta “instrumentos financeiros detidos para negociação” (conta 143 SNC).
(…)
Com a aplicação dos novos critérios de contabilização e mensuração em conformidade com o SNC e concordantemente com o regime transitório no artigo 5.º do Decreto Lei 159/2009 de 13/7, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor relevantes fiscalmente respeitantes a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação, 2010, e dos quatro períodos de tributação seguintes (2011, 2012, 2013 e 2014).
Relativamente a ajustamentos decorrentes da introdução do SNC, ou seja, devido à transição de 31/12/2009 para 01/01/2010, no âmbito do regime transitório definido no artigo 5.º do Decreto – Lei n.º 159/2009, de 13/7, estes verificaram-se no âmbito dos investimentos financeiros. Isto porque: no final de 2009 os investimentos financeiros ainda não se encontravam valorados ao justo valor.
Da análise dos elementos, em concreto relativamente às acções da B..., de acordo com os elementos recolhidos no procedimento inspectivo ao exercício de 2010, a participação é inferior a 5%. Como tal, e conforme determina o artigo 45.º n.º 3 do CIRC apenas será dedutível 50% da variação de justo valor. O sujeito passivo usou o regime transitório previsto no art. 5.º n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009 de 13/7.
(…)

Informação retirada dos extratos bancários (Banco 1...)
Data
Designação do valor
Quantidade
Cotação
Valorização
31-12-2010
B... - Ações
1.844.150,00
2,58
4.757.907,00
30-09-2011
B... - Ações
1.844.150,00
2,11
3.891,156,50
29-06-2012
B... - Ações
1.844.150,00
2,09
3.848.741,05
31-12-2012
B... - Ações
1.844.150,00
2,06
3.789.728,25

III.1.3 Ajustamentos por perdas por redução no justo valor
Através da análise dos balancetes/extratos da contabilidade relativamente aos anos de 2011 e 2012, foi possível verificar que o s.p continua a deter instrumentos financeiros detidos para negociação (acções B... cotadas em bolsa) e a percentagem de participação inferior a 5%. Os investimentos financeiros em causa nos exercícios em análise foram registados na contabilidade com base no justo valor dos títulos em causa, comprovado pelos extractos bancários, conforme se verifica nos quadros seguintes:

Data
01-01-2011
30-09-2011
01-08-2012
01-12-2012
Descrição
Saldos iniciais
B... 30/09
B... 29/06
JVALOR
Débito (1)
4.757.907,00
Crédito (2)
866.750,50
42.415,45
59.012,80
Saldo (1)-(2) 4.757.907,00 3.891.156,50 3.848.741,05 3.789.728,25


III.1.3.1 Ano 2011
Da análise da conta 5511 - Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros - B... à data de 31/12/2011, verificou-se que o s.p. registou uma variação negativa no justo valor, de 866.750.50 euros, por contrapartida da conta 14310001 - Acções B.... (Anexo 8)
No que diz respeito aos instrumentos financeiros em causa a variação negativa no justo valor em 31/12/2011, de 865.750,50 euros, não é aceite fiscalmente metade do seu valor. Isto porque, embora as participações financeiras em causa digam respeito a acções cuja cotação é regulamentada e a percentagem de participação do sujeito passivo é inferior a 5%, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, dado tratar-se de perdas por reduções no justo valor, contabilizadas na conta 6611, concorrem apenas por metade à formação do lucro tributável, em consonância com o estipulado n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC. Verificou-se que o sujeito passivo não procedeu em conformidade, pelo que esta situação terá de ser corrigida. Deste modo, na linha 737 do quadro 07 da declaração Mod. 22 terá de ser acrescido o equivalente a 433.375,25 euros, que corresponde a 50% do montante da perda per redução no justo valor não dedutível para efeitos fiscais.
(…)
IIl.1.4. Resumo das correcções
De todo o exposto, as correções propostas para os exercícios de 2011 e 2012 resumem-se aos valores discriminados nos quadros seguintes:

Q07 /Mod.22 IRC - Exercícios de 2011
Valor declarado Correcção
Valor corrigido
Item do relatório
L705 - V. patrimoniais negativas
322 364,83
217.833,24
104.531,59
III.1.2
1737 - 50% de outras perdas relativas a partes de capital
0,00
433.375,25
433.375,25
III.1.3.1
Total
322.334,83
651.208,49
537.906.84
(…)
Lucro Tributável
Descrição
2011
(1) Lucro Tributável declarado
10.882.407,43
(2) Correções aritméticas
651208,49
(3) Lucro Tributável corrigido (1) + (2)
11.533.615,92
(cf. relatório de inspeção tributária de fls. 23 a 33 do processo administrativo apenso);

G) Em 06-08-2014, foi proferido despacho pela Chefe da Divisão II do Departamento C de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, relativamente ao relatório de inspecção tributária referido na alínea F) antecedente e do qual se extrai, designadamente, o seguinte teor: “Concordo com o parecer da Chefe de Equipa e com o relatório da acção inspectiva, em anexo” (cf. relatório de inspeção tributária de fls. 23 a 33 do processo administrativo tributário apenso);

H) Em 04-08-2014, foi emitido o documento de correcção único de IRC da Impugnante, referente ao exercício de 2011, dele constando na linha 737 do Quadro 07 o valor de € 433.375,25 (cf. documento constante de fls. 14 a 17 do processo administrativo tributário apenso);

I) Em 19-08-2014, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ...58, referente ao exercício de 2011, que apurou um valor a pagar de € 218.068,57, na sequência das correções efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção tributária identificado na alínea E) antecedente (cf. documento de liquidação adicional de IRC de fls. 77 do processo administrativo tributário apenso).».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT verificou que a ora Recorrida detinha uma participação numa empresa cotada em Bolsa, inferior a 5% do respectivo capital social, e relativamente à qual, no exercício de 2011, apurou contabilisticamente uma desvalorização, apurada ao justo valor, de € 866.750,50, que declarou como perda pela totalidade no apuramento do lucro tributável desse exercício.
A AT entendeu que a norma que acolheu parcialmente o critério do justo valor como critério de mensuração de determinados títulos – a alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC 9- Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social; […]».), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho – deve ser aplicada em conjugação com a pré-existente norma do art. 45.º, n.º 3, do CIRC 3- A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».), no sentido de que as variações negativas de justo valor apenas são relevadas em metade do seu valor.
Consequentemente, procedeu a correcções técnicas ao lucro tributável declarado pela ora Recorrente relativamente ao exercício de 2011 e à consequente liquidação adicional de IRC, ora impugnada.

2.2.1.2 A sociedade ora Recorrida deduziu a presente impugnação judicial, invocando que aquele acto tributário enferma de dois vícios: i) a ilegalidade decorrente do vício de violação de lei por a mencionada perda correspondente à variação negativa do justo valor apurada no exercício, relativa à referida participação social dever concorrer na totalidade, e não em apenas 50%, para a formação do lucro tributável e ii) a inconstitucionalidade da interpretação efectuada pela AT na prática do acto impugnado relativamente à norma do art. 45.º, n.º 3, do CIRC, na medida em que restringe a 50% a dedutibilidade da desvalorização de justo valor dos instrumentos financeiros previstos no art. 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo Código, por violação dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da legalidade tributária, consagrados, respectivamente, nos arts. 104.º, n.º 2 e 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Quanto àquele primeiro vício – o único que a sentença apreciou e decidiu (Atenta a resposta dada à questão, a sentença deu como prejudicado o conhecimento da questão da conformidade constitucional da interpretação sustentada pela AT.) – a Impugnante considerou que, por efeito da excepção contida na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem na íntegra para a formação do lucro tributável, desde que se verifiquem os pressupostos definidos nessa norma (ou seja, quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados e, tratando-se de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respectivo capital social) estão excluídos da limitação constante do n.º 3 do art. 45.º do CIRC.

2.2.1.3 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial com o primeiro dos referidos fundamentos e anulou a liquidação impugnada.
Após tecer diversos considerandos em torno do regime jurídico aplicável, louvando-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal (A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa cita os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 582/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f8935340afb3921e802582b300325274;
- de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1760/15.0BELRS (819/17), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f07690fb3c5ece8e802586460043e57a;
- de 10 de Novembro de 2021, proferido no processo com o n.º 2410/14.7BELRS, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c9588aa9e6e193ef8025878b0062a962.), adoptou o entendimento de que na previsão do art. 45.º, n.º 3, do CIRC não são de incluir os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo Código, não sendo, por conseguinte, de restringir a sua dedutibilidade a 50% do valor verificado.
Por isso, julgando procedente a impugnação judicial, anulou a liquidação adicional impugnada.

2.2.1.4 Inconformada com essa sentença, a AT dela recorreu. Discorda do julgamento efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa e mantém que, não obstante um determinado ajustamento pelo justo valor em resultados fosse enquadrável na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, se o ajustamento fosse negativo, ainda que aceite nos termos da citada disposição, só seria dedutível em 50% do seu valor, em aplicação do disposto no art. 45.º, n.º 3, do mesmo Código, que, sendo uma norma de carácter geral, se aplica a todas as variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

2.2.1.5 Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se as perdas contabilísticas decorrentes da aplicação do critério do justo valor aos instrumentos de capital previstos na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, devem concorrer na totalidade no apuramento do lucro tributável, como decidiu a sentença recorrida, ou se, como sustenta a Recorrente, apenas em 50%, por aplicação do n.º 3 do art. 45.º do CIRC.

2.2.2 DA APLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO DA DEDUTIBILIDADE PREVISTA NO N.º 3 DO ART. 45.º DO CIRC ÀS VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS RESULTANTES DA APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DO JUSTO VALOR APURADAS NO EXERCÍCIO, AO ABRIGO DO ART. 18.º, N.º 9, ALÍNEA A), DO CIRC

A questão não é nova e este Supremo Tribunal já sobre ela se pronunciara antes da data em que foi proferida a sentença – como bem deu conta a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa (Vide a nota anterior.), que para ela remeteu – e continuou a pronunciar-se após essa data (Cf. o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Janeiro de 2023, proferido no processo com o n.º 1761/15.8BELRS, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/4e78faeb7db34eba802589390033e664.), sempre no mesmo sentido.
Seguindo na esteira dessa jurisprudência, recordemos, em síntese, a fundamentação que a suporta:
A determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC faz-se nos termos do n.º 1 do art. 17.º do respectivo Código: «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
De acordo com o disposto no art. 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, «[c]onsideram-se rendimentos [antes, proveitos e ganhos] os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente (…) h) Mais-valias realizadas; (…)»
No art. 23.º, n.º 1, do mesmo Código, especificam-se quais os gastos [antes, custos ou perdas] que a lei releva. Após uma definição ampla do conceito de gastos fiscais – «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» –, o preceito faz uma enumeração meramente exemplificativa, na qual inclui as «menos-valias realizadas» [cf. alínea l)].
Quanto às variações patrimoniais positivas, diz o n.º 1 do art. 21.º do CIRC: «Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no período de tributação, excepto (…) b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal».
Paralelamente, quanto às variações patrimoniais negativas, dispõe o art. 24.º, n.º 1, do mesmo Código: «Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto (…) b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade».
O n.º 1 do art. 46.º do CIRC dá-nos a definição de mais e menos-valias: «Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: a) Activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda; b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º».
O n.º 2 do mesmo artigo indica o método para o respectivo cálculo: «As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correcções de valor previstas no artigo 35.º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.º 5 do artigo 30.º». O valor de realização é definido no n.º 3 do mesmo artigo.
Ou seja, em princípio (Desde que respeitem os requisitos do art. 23.º do CIRC.), as menos-valias e as perdas realizadas por uma sociedade com uma determinada operação comercial concorrem, negativamente, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício.
Mas existem algumas limitações, entre as quais ora nos interessa considerar a do art. 45.º do CIRC, com a epígrafe «Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», que no seu n.º 3 estabelecia: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Esta norma restritiva do montante de menos-valia susceptível de dedução não existia na versão original do CIRC (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro.). Designadamente, no art. 42.º (que correspondia ao referido art. 45.º) nenhuma restrição havia relativamente à dedução das menos-valias. Como deixámos já dito, apenas se afirmava, na alínea l) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que se consideravam gastos «as menos-valias realizadas».
A referida norma foi aditada (sob o n.º 3) ao então art. 42.º do CIRC (depois 45.º) pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado ara 2003), com a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 (Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2003&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.), após referir «[n]o que respeita às receitas, estabelecem-se desde logo duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável» (pág. 34), enquadrou a medida de «exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas» no âmbito das alterações em sede de IRC em ordem ao «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade» (pág. 53).
Ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o referido n.º 3 do então art. 42.º do CIRC recebeu a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para este Orçamento (Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2006&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.) enquadrou esta alteração no âmbito do «combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental» (pág. 31).
Ou seja, o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, após a republicação do CIRC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável. Sob essa óptica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.
Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».
A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.
No caso, não se suscitando dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos do art. 18º, n.º 9, alínea a), do CIRC, há apenas que saber se é aplicável a limitação que consta do art. 45.º, n.º 3, do mesmo Código.
O acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 582/17 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f8935340afb3921e802582b300325274.), responde a esta questão nos seguintes termos:
«O conceito de Justo Valor resultante das regras contabilísticas, quer nacionais (Sistema de Normalização Contabilística – SNC, Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho), quer internacionais (NIC), quando incorporado no sistema fiscal, consubstancia-se, no essencial, na “quantia pela qual um activo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não existe relacionamento entre as partes”.
Refere José de Campos Amorim que, “As IAS/IFRS [International Accounting Standard / International Financial Reporting Standards] e o SNC [Sistema de Normação Contabilística] com as alterações das normas de relato financeiro, introduziram uma maior justiça na valorização dos bens da sociedade com vista aos utentes da situação económica, financeira e patrimonial da sociedade. Esta abertura da contabilidade ao justo valor vai ao encontro dos investidores que desejam obter uma informação real e fidedigna antes de decidir investir na empresa. // Não é uma informação que pode condicionar determinadas operações económicas ou financeiras, como, por exemplo, o aumento ou a diminuição de capital, mas que é de uma grande relevância para o investidor que pretende ter uma noção real e actual dos activos da empresa. É por esse motivo que a contabilidade está orientada não para o custo histórico mas para o valor actual dos activos.”, cfr. O justo valor e as suas implicações fiscais, IV Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pág. 168. Portanto, a consideração do Justo Valor, no que aqui nos interessa (a introdução do modelo do Justo Valor no âmbito do IRC quando estejam em causa instrumentos financeiros, operou-se pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho) e para efeitos fiscais (que, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código de IRC se encontra directamente ligado com a própria contabilidade da empresa), tem uma ligação imediata à cotação oficial dos títulos, e no caso dos autos encontra-se sujeita a um mercado regulado por entidades oficiais, deixando o facto tributário de se associar à venda dos títulos – realização das mais ou menos valias – passando a estar associada à oscilação da cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação, cfr. Tomás Castro Tavares, Justo valor e tributação de mais-valias de acções de sociedades cotadas, Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. IV, págs. 1137 e 1138.
Estas “mais-valias ou menos-valias” assim determinadas pelo Justo Valor são meramente potenciais ou provisórias – o valor dos activos consubstancia-se numa posição financeira – porque não há uma efectiva entrada de capital ou perda de capital face ao custo histórico, tal como é reconhecido pelo próprio legislador nacional no artigo 32.º, n.º 2 do CSC.
Não há, assim, qualquer dúvida de que (…) à posição financeira negativa resultante do Justo Valor, não lhe “... subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte… A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos-valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim, uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho – pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo” (cfr. Tomás Castro Tavares, idem, págs. 1143 e 1144).
Portanto, o legislador com a norma do artigo 18.º, n.º 9, al. a), para casos como o dos autos, afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC.
Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo».
Entendemos, pois, em conformidade com a já referida jurisprudência deste Supremo Tribunal, que a diferença negativa releva na totalidade para a formação do lucro tributável, e não apenas em metade do seu valor, concluindo pela ilegalidade da correcção efectuada em IRC pela AT e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação adicional impugnada.
A sentença, que decidiu neste sentido, não merece censura.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

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Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.