Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0609/16
Data do Acordão:02/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
RECURSO JURISDICIONAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
II - O recurso per saltum previsto no art. 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos arts. 32.º e segs., seja superior a € 500.000 ou seja indeterminável (n.º 1 do art. 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do art. 151.º).
III - A tal não obsta o disposto nos arts. 26.º e 38.º do ETAF, pois, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais centrais administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v.g., no art. 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do art. 279.º do CPPT).
Nº Convencional:JSTA00070533
Nº do Documento:SA2201802070609
Data de Entrada:05/16/2016
Recorrente:A......., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:INCOMPETÊNCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO.
DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART2 C ART146 N1 ART278 ART279 N2
CPTA02 ART31 N2 C ART151 N1 ART152.
ETAF02 ART26 B ART38 A.
Jurisprudência Nacional: AC STAPLENO PROC0297/17 DE 2017/06/07.; AC STA PROC0168/14 DE 2017/02/01.; AC STA PROC045/14 DE 2017/02/08.; AC STA PROC0332/15 DE 2017/11/15.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO 3ED ALMEDINA PÁG199.
BAPTISTA MACHADO - INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PÁG166.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida na acção de execução de julgado com o n.º 83/14.6BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………., Lda.” (a seguir Recorrente ou Exequente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, conhecendo do pedido por ela formulado em sede de execução de julgado da sentença proferida pelo então denominado Tribunal Tributário do Porto que anulou a liquidação de IRC do ano de 1992, decidiu «a) Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, na parte respeitante ao peticionado pagamento das impedâncias pagas na pendência dos autos e referidas nos factos provados 6 a 8, aferentes a pagamentos parciais de restituição de imposto e juros indemnizatórios no valor de 6374,799,92; b) Julgar parcialmente procedente a pretensão da Exequente e, em consequência, determinar à Fazenda Pública que, no prazo de 30 dias, efectue o pagamento das importâncias ainda em falta, devidas a título de restituição de imposto e juros indemnizatórios calculados sobre o valor do capital em falta e às taxas legais de 10% entre 02.12.1997 e 16.04.1999, de 7% entre 17.04.1999 e 30.04.2003 e de 4% desde 01.05.2003; c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros de mora», limitando o recurso apenas ao segmento decisório pelo qual foi julgada improcedente a pretensão que deduziu, de pagamento de juros de mora.

1.2 O recurso que foi admitido, para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.):

«A) O presente Recurso tem por objecto a douta Sentença do TAF do Porto, na parte em que julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente quanto à condenação da AT no pagamento de juros de mora sobre o valor do imposto indevidamente pago pela A………, desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença que determinou a anulação do acto tributário que deu causa ao montante de imposto indevidamente suportado pela Recorrente.

B) A aludida decisão, sustentou-se, para negar provimento à pretensão da aqui Recorrente, no entendimento subscrito por alguma jurisprudência sobre a matéria – de que, uma vez que tanto os juros indemnizatórios como os de mora visariam indemnizar o contribuinte pelos prejuízos decorrentes da indisponibilidade do capital do qual se viu, indevidamente, privado, nos casos em que haja lugar ao pagamento dos primeiros não pode haver, cumulativamente, lugar ao pagamento dos segundos, durante o mesmo lapso temporal.

C) No entanto, entende a Recorrente que tal entendimento não pode ser aceite, mormente por esvaziar de conteúdo e utilidade o regime dos juros de mora previsto no n.º 5 do artigo 43.º e no n.º 2 do artigo 102.º, ambos da LGT;

D) Com efeito, segundo essa tese, apenas haveria lugar ao pagamento de juros de mora a uma taxa agravada nos casos em que, por inexistência de erro imputável aos serviços na elaboração da liquidação, não houvesse lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

E) Tal interpretação encontra-se, aliás, em clara oposição, tanto com as disposições legais em apreço na sua redacção actual – segundo a qual já não existe qualquer conflito entre os artigos 100.º e 102.º, n.º 2 da LGT, uma vez que o primeiro apenas se refere ao «pagamento de juros indemnizatórios nos termos e condições previstos na lei», e já não «a partir do termo do prazo da execução da decisão», como acontecia na sua redacção anterior – como com a mais recente doutrina e jurisprudência sobre a matéria em apreço.

F) Acresce que, segundo a doutrina e jurisprudência mais actual acerca da matéria em apreço, juros de mora e indemnizatórios devem, inclusive, cumular-se relativamente ao período que decorre desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença até ao efectivo e integral pagamento da quantia em causa.

G) É precisamente essa a posição de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE L0PES DE SOUSA (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, 2012), justificando-a no facto de, ao contrário daquele que é o entendimento que tem vindo a ser adoptado pelo STA sobre a matéria em causa, estas duas espécies de juros terem naturezas e funções distintas.

H) Na verdade, ao contrário dos juros indemnizatórios, que têm por função indemnizar o contribuinte pelos prejuízos decorrentes da privação da quantia que pagou indevidamente, os juros de mora agravados previstos nos artigos 43.º, n.º 5 e 102.º, n.º 2 da LGT, encontram o seu telos na necessidade de compelir a administração a cumprir atempadamente com as decisões judiciais que lhe sejam desfavoráveis, revestindo uma natureza e equiparável àquela da sanção pecuniária compulsória.

I) Devendo, por isso, correr simultaneamente aos juros indemnizatórios, no lapso temporal que decorre desde o termo do prazo para execução espontânea até ao integral pagamento da quantia em dívida.

J) O mesmo entendimento foi já seguido pelo TCAS no Acórdão proferido em 18 de Fevereiro de 2016, no âmbito do Processo n.º 09163/15 (disponível em www.dgsi.pt) suportando a sua decisão na inexistência de uma identidade teleológica entre as duas espécies de juros aqui em apreço.

K) Assim, na opinião da Recorrente, todos os elementos carreados para os presentes Autos revelam que o entendimento que melhor se coaduna tanto com a letra dos preceitos que importa aqui analisar, como com a finalidade que presidiu à determinação do regime especialmente gravoso dos juros de mora após o termo de execução espontânea das decisões favoráveis aos contribuintes – o de compelir a administração a cumpri-las voluntariamente, o que é reclamado pelo direito a uma tutela jurisdicional efectiva – é o de que após o prazo de cumprimento voluntário da sentença se devem vencer juros de mora, quer se entenda que estes sejam, ou não, cumuláveis com os juros indemnizatórios.

L) Aliás, se assim não se entende e como já se referiu, estar-se-á a circunscrever o direito a juros de mora (a uma taxa mais vantajosa para o Contribuinte) apenas àquelas situações em que o “erro” da AT é, inclusive, menos gravoso, já que não resulta sequer de erro que lhe seja imputável, pois só nestas situações é que, não havendo lugar a juros indemnizatórios, haveria lugar aos juros de mora. Com o devido respeito e pelos motivos expostos, não nos parece que tal tenha sido a intenção do legislador.

M) Como tal, considera a Recorrente que a interpretação sufragada por este mesmo Douto STA no Acórdão proferido em 7 de Março de 2007, no âmbito do Processo n.º 01220/06, no sentido de os regimes dos juros indemnizatórios e de mora se compatibilizam na medida em que os primeiros se vencem desde o pagamento indevido da prestação tributária até ao termo do prazo para execução voluntária da sentença favorável ao contribuinte e, os segundos, desde este último prazo até ao pagamento integral e efectivo do montante em dívida, deve ser mantida nos presentes Autos, tal como foi requerido pela Recorrente na Primeira Instância.

N) Termos em que se solicita a este Venerando Tribunal que reconheça que assim é, determinando, consequentemente, a revogação da Sentença Recorrida na parte em que negou o pagamento à Recorrente dos juros de mora peticionados, a partir do termo do prazo para o cumprimento espontâneo da sentença, e substituindo-a por outra que condene a AT no pagamento de juros de mora desde o término do prazo para a execução espontânea do julgado.

O) No entanto, e uma vez que se trata de uma questão de direito, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, e que decorre inteiramente da Lei, julga a Recorrente possível que, caso o Douto Tribunal considere que juros indemnizatórios e juros de mora se afiguram como cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo – o que decorre desde o termo do prazo para execução da sentença até ao integral pagamento – este possa, inclusive, decidir nesse sentido.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, e a sentença recorrida ser substituída por outra, na parte em que recusou o pagamento à recorrente de juros de mora agravados nos termos dos artigos 43.º, n.º 5 e 102.º, n.º 2 da LGT, desde o termo do prazo para a execução espontânea da sentença e até ao integral e efectivo pagamento do montante do qual a recorrente se viu indevidamente privada».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos no Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, após enunciar os termos em que a Recorrente deduziu o recurso e resumir o decidido na sentença recorrida, com a seguinte fundamentação (As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«[…]
3. A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece de vício de violação de lei, por erro na interpretação e aplicação da lei, ao ter considerado que sendo devidos juros indemnizatórios até à emissão da respectiva nota de crédito não há lugar ao pagamento de juros moratórios após o decurso do prazo de execução espontânea do julgado.
Da matéria assente na sentença recorrida não oferece dúvidas que no caso concreto dos autos a obrigação de pagamento de juros deriva de uma situação de pagamento indevido de prestação tributária decorrente de erro imputável aos Serviços, subsumível na previsão do n.º 1 do artigo 43.º da LGT. E como decorre da sentença do extinto Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, confirmada pelo acórdão do TCA Sul, a Administração Tributária foi condenada a restituir o montante do imposto pago e no pagamento de juros desde 2 de Dezembro de 1997. Tendo a referida decisão judicial transitado em julgado em 29/05/2006, a AT tinha o prazo de 30 dias, que terminou a 28/06/2006, para efectuar o pagamento daquelas quantias, em cumprimento espontâneo da decisão judicial, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPTA.
Com efeito e pese embora o artigo 146.º, n.º 2, do CPPT, estabeleça que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução”, a jurisprudência do STA tem considerado que o cumprimento das decisões judiciais por parte da AT deve ser efectuado ao abrigo do disposto no artigo 100.º da LGT e 170.º do CPTA, ou seja, a partir do respectivo trânsito em julgado – cfr. neste sentido o acórdão do STA de 3 de Dezembro de 2008 (recurso n.º 0570A/08) 1 [1 Ainda que para efeitos de contagem do prazo para apresentação da execução de julgado o STA já tenha considerado que se aplica tal normativo – cfr. a este propósito o acórdão de 12/02/2015, recurso n.º 01169/14.].
Atento que a AT não deu cumprimento espontâneo à decisão do TT do Porto, coloca-se a questão de saber se a partir do termo desse prazo são devidos juros de mora ou juros indemnizatórios.
Dispunha na altura o n.º 2 do artigo 102.º da LGT, que “em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.
Na sentença recorrida considerou-se que, “tendo por assente que não é possível a cumulação de juros indemnizatórios e de mora relativamente ao mesmo período temporal, a única interpretação que permite compatibilizar o conteúdo dos artigos 100.º e 102.º/2, da LGT e o artigo 61.º/3, do CPPT (tendo também em conta o disposto no artigo 43.º da LGT), é a que restringe o âmbito de aplicação do artigo 102.º da LGT apenas aos casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando ocorre tal erro há sempre lugar a juros indemnizatórios por força do artigo 43.º/1 da LGT”.
Afigura-se-nos, contudo, que a compatibilização das citadas normas legais não conduz necessariamente ao resultado que se extrai da decisão recorrida.
Apreciando a aparente incompatibilidade entre os artigos 100.º e 102.º, n.º 2, da LGT, o acórdão do Pleno do STA de 24/10/2007 (proc. 01095/05), afastou na altura a tese de que “aqueles dois incisos normativos apontariam para a obrigação da Administração Tributária pagar ao sujeito passivo, a partir do termo do prazo da execução da decisão e relativamente ao mesmo período temporal, juros indemnizatórios e juros moratórios relativos à mesma dívida tributária, nos casos em que uma decisão anule, ainda que parcialmente, um acto de liquidação”.
Considerou-se no citado aresto do Pleno que «os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumível mente sofridos [sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento –, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade».
É certo que as normas dos artigos 100.º e 102.º da LGT e do art. 61.º do CPPT, não primam pela clareza, nem pelo rigor conceitual, mas as mesmas devem ser interpretadas de modo a que na fixação do sentido e alcance da lei seja respeitada a unidade do sistema jurídico – art. 9.º do C. Civil.
Ora e desde logo, tendo por finalidade a reparação do pagamento indevido da prestação tributária, os juros indemnizatórios devem reportar-se ao período compreendido entre a data desse pagamento e o termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial. E salvo o devido respeito pela opinião contrária, a tal entendimento não obsta o disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT. Por um lado, porque a referida norma é de carácter geral, já que abrange situações em que o pagamento desses juros não está dependente de decisão a reconhecê-los. E por outro sempre a mesma teria que ceder perante o disposto no n.º 2 do artigo 102.º da LGT 2 [2 Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 02/03/2011, proc 0880/12.]. E se é certo que no artigo 100.º da LGT o legislador utiliza a expressão “juros indemnizatórios” num sentido amplo, reportando-os igualmente ao período posterior ao termo do prazo de execução da decisão, afigura-se-nos incorrecta a pretensão de extrair desse normativo a ilação de que a lei prevê o pagamento de apenas esses juros ou da possibilidade de serem pagos juros indemnizatórios e de mora no mesmo período.
Conforme se deixou exarado no acórdão do STA de 17/04/2002 (recurso n.º 10/02), «Destinando-se porém os juros indemnizatórios a ressarcir o mesmo dano que os juros moratórios, embora sujeitos a condicionalismos diferentes, não poderá o contribuinte receber ambos relativamente ao mesmo período temporal, o que constituiria um enriquecimento injustificado que superaria o ressarcimento dos danos sofridos que os juros pretendem satisfazer. Tendo a sentença condenado a administração a pagar juros moratórios a partir do prazo para o cumprimento espontâneo da decisão exequenda, haverá lugar a juros indemnizatórios desde o pagamento da quantia liquidada até essa data às taxas que sucessivamente vigoraram no período indicado. Refira-se porém que os juros moratórios incidirão apenas sobre a quantia liquidada e não sobre os juros indemnizatórios por não estar legalmente previsto o anatocismo dos juros»3 [3 Cfr. no mesmo sentido, o acórdão do STA de 06/11/2002, recurso n.º 1077/02 (Baeta de Queiroz)].
Ou seja, os juros indemnizatórios e moratórios coexistem no tempo, sobrepondo-se, já que quaisquer deles visam, afinal, ressarcir o mesmo dano – a perda do rendimento do capital resultante da sua privação.
Assim e ainda de acordo com o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 24/10/2007 (recurso n.º 1095/05) 4 [4 Cuja jurisprudência foi seguida nos acórdãos de 02/07/2008, rec. n.º 0303/08, de 02/03/2011, rec. n.º 0880/10, e de 08/05/2013, rec. n.º 033/13.] os “Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função. Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo”.
E acrescenta-se no mesmo aresto: «Daí que se deva entender o dito artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária como uma “norma especial sobre a execução de sentenças”, ou seja, um “artigo que completa o disposto no artigo 100.º”, devendo aquela prevalecer sobre esta “quando a decisão a executar é uma decisão judicial”. Consequentemente, nos casos em que sejam simultaneamente aplicáveis aqueles dois artigos, há que interpretar correctivamente o artigo 100.º: em virtude da liquidação ilegal, são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do artigo 102.º, n.º 2».
E é essa mesma interpretação que é veiculada na redacção do n.º 5 do artigo 43.º introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 20 de Dezembro, ao estabelecer uma taxa agravada de juros de mora entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito.
Ainda e neste particular não se acompanha o entendimento sufragado na doutrina e jurisprudência 5 [5 Leite de Campos e outros, in LGT Anotada, 4.ª edição, e acórdão do TCA Sul de 18/02/2016, rec. n.º 09163/15; cfr., aparentemente, em sentido contrário, o acórdão do TCA Sul de 28/04/2016, rec. n.º 09400/16, subscrito pelos mesmos juízes desembargadores.] recentes referenciadas pela Recorrente no sentido de que estes juros de mora configuram uma espécie de “sanção pecuniária compulsória” e que nessa medida, face à sua diversa natureza e finalidade, seriam de aplicar cumulativamente com os juros indemnizatórios.
Com efeito, não parece oferecer dúvidas que a intenção do legislador ao agravar para o dobro a taxa dos juros de mora após o decurso do prazo de execução espontânea tem não só uma finalidade de reparação, como uma finalidade sancionatória compulsória, a qual pode ser atribuída não só ao valor conferido à decisão judicial que põe termo ao litígio, como à necessidade de reintegrar prontamente o património do contribuinte lesado (ou do Estado, no caso do n.º 3 do art. 44.º da LGT), atenta a longa duração, na maior parte das vezes, dos processos.
O que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não resulta do referido normativo, é que o n.º 5 do artigo 43.º da LGT consagra apenas uma sanção pecuniária compulsória. Não só porque não está assim designada pelo legislador, como não resulta de qualquer outro elemento que o intérprete deva atender que tenha sido essa a sua intenção. Até porque, no caso inverso, como decorrendo artigo 44.º, n.º 3, da LGT, que prevê idêntica taxa de juro de mora a favor do credor tributário, a lei é explícita em que, após o decurso do prazo de execução espontânea, há apenas um agravamento da taxa dos juros de mora.
Assim sendo afigura-se-nos que assiste em parte razão à Recorrente, impondo-se a revogação da sentença recorrida, na parte em que não considerou a possibilidade do pagamento de juros de mora após o termo do prazo de execução espontânea do julgado, por violação do disposto nos artigos 43.º, n.º 5, e 100.º, n.º 2, da LGT.
Deste modo tendo o acórdão do TCA transitado em julgado em 29/05/2006, a AT tinha o prazo de 30 dias, que terminou a 28/06/2006, para efectuar o pagamento do montante pago a título de imposto e juros compensatórios à Recorrente, em cumprimento espontâneo da decisão judicial, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPTA. A partir daquela data – 29/06/2006 – a Recorrente tem direito a juros de mora, à taxa de 4%, até 31/12/2016 6 [6 De acordo com a jurisprudência firmada no acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, de 17/6/2009, rec. n.º 0447/07, a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas que é de 1% ao mês ou fracção, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16/3, só se aplica aos juros moratórios a favor da Fazenda Pública, que não do contribuinte, pelo que a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo só pode ser a taxa de juros legal de 4% ao ano, uma vez que não há outra prevista no ordenamento jurídico aplicável. Com efeito, a Lei Geral Tributária não determina qual é a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo e o ordenamento jurídico prevê apenas duas taxas de juro em matéria fiscal a taxa de juros legal de 4% ao ano, prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; e a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas que é de 1% ao mês ou fracção, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.].
A partir de 1 de Janeiro de 2012, data da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE/2012) e das alterações introduzidas à LGT pelo seu artigo 149.º (designadamente ao artigo 43.º), os juros moratórios devidos devem ser calculados ao dobro da taxa definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (DL n.º 73/99, de 16/3) 7 [7 Ainda de acordo com a lei orçamental, mais precisamente os n.ºs 3 e 4 do seu artigo 151.º veio dispor que: 3- A nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e do n.º 3 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata às decisões transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data da entrada em vigor da presente lei. 4- Os juros devidos, ao abrigo da nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e dos e 3 do artigo 44.º da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei.].
Ora, o n.º 1 do artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, que anteriormente estipulava que a taxa de juro era de 1% ao mês, passou, com a redacção introduzida pelo artigo 150.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a ser variável, sendo publicada anualmente até 31 de Dezembro para o ano seguinte 8 [8 Alterações ao Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de Março. O artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 73/99, de 16 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/99, de 9 de Junho, e pelas Leis n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, 55-A/2010, de 31 de Dezembro, 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, passa a ter a seguinte redacção, nos termos do artigo 79.º do Dec.-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro: «Artigo 3.º […] 1- A taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP, I.P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior.].
Para o ano de 2012 o IGCP informou através do Aviso n.º 24866-A/2011, publicado no D.R., II série, n.º 248, de 28/12/2011, que a taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas se fixou em 7,007 % com aplicação a partir de 1 de Janeiro de 2012, inclusive, sendo contada ao dia.
A taxa de juros de mora a aplicar no ano de 2013 às dívidas ao Estado e outras entidades públicas foi fixada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2013, em 6,112 %, pelo Aviso n.º 17289/2012 da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E., publicado no passado dia 28 de Dezembro na II série do Diário da República.
Para o ano de 2014 a taxa dos juros de mora foi fixada em 5,535% (aviso n.º 219/14, de 23/12/2013); Para o ano de 2015 em 5,476% (aviso n.º 130/2015); E para o ano de 2016 em 5,168% (aviso n.º 87/2016).
5. Em conclusão:
a) Pese embora as normas dos artigos 100.º e 102.º da LGT e do art. 61.º do CPPT, não primem pela clareza, nem pelo rigor conceitual, as mesmas devem ser interpretadas no sentido de que no caso de execução de decisão judicial em que tenha sido determinada a restituição de prestação tributária indevidamente paga, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios até ao termo do prazo de execução espontânea da decisão e a partir desta data ao pagamento de juros moratórios;
b) A taxa de juros de mora a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado é de 4% até 31/12/2011 (taxa de juro legal – art. 559.º do C. Civil) 9 [9 Portaria n.º 291/03, de 8/4.] e a partir desta a taxa corresponde ao dobro da taxa definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas (art. 43.º, n.º 5, da LGT), que foi fixada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP, I.P.) para os anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, em 7,007%, 6,112%, 5,535%, 5,476%, e 5,168%, respectivamente;
c) Deve, assim, a sentença recorrida ser revogada nessa parte e ser substituída por decisão que reconheça à Recorrente o direito ao pagamento de juros de mora, nos termos supra enunciados».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1) Em 02.12.1997 a Exequente procedeu ao pagamento do valor de 39.008.424$00, referente a liquidação de IRC do ano de 1992, sendo 33.596.767$00 de imposto e 5.411.657$00 de juros compensatórios – fls. 136 e 137 do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98;

2) Em 05.08.1998 deu entrada, na 1.ª Repartição de Finanças de Matosinhos impugnação judicial deduzida pela ora Exequente, contra a liquidação adicional de IRC n.º 972183100207 65, relativa ao ano de 1992, no montante de Esc. 60.655.051$00, processo que correu termos no Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto com o n.º 43/98 - fls. 2 a 66, e versos, do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98, ao qual os presentes autos de execução se encontram apensos;

3) Em 03.11.2000 foi proferida sentença no âmbito do referido processo, no qual consta o seguinte:
Factos Provados:
(…) f) na sequência das correcções técnicas referidas foi liquidado à impugnante adicionalmente o imposto de IRC, a pagar de esc. 60.655.051$00, o qual foi pago em 2/12/97, tendo beneficiado, ao abrigo DL 124/96 de 10/8, da redução de juros de 80%.
(...) DECISÃO
Por tudo quanto expendido fica, o Tribunal decide julgar a impugnação procedente por provada, e, em consequência, anula-se a liquidação adicional, restituindo, por via disso, à impugnante o montante do imposto pago acrescido de juros, contados à taxa legal, desde 2/12/97 — fls. 140 a 144, e versos, do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98;

4) Da sentença foi interposto recurso o qual foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – fls. 146-155 e 168-174, e versos, do processo físico relativo ao Proc. n.º 43/98;

5) Em 27.12.2006 a Exequente veio intentar a presente acção de execução de julgados – fls. 1 a 33 do processo físico;

6) Em 04.06.2008, a Autoridade Tributária emitiu e remeteu à Exequente o cheque n.º 2440693000, no montante de € 194.233,07 – acordo das partes;

7) Em 04.07.2008, a Autoridade Tributária emitiu e remeteu à Exequente o cheque n.º 6740693879, no montante de € 109.285,37 – acordo das partes;

8) Em 07.07.2008, a Autoridade Tributária emitiu e remeteu à Exequente o cheque n.º 8140693899, no montante de € 11.281,48 – acordo das partes».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa nos presentes autos a execução da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto que anulou a liquidação adicional de IRC que foi efectuada à ora Recorrente com referência ao ano de 1992, designadamente, está em causa saber se são ou não devidos juros de mora, a acrescer aos juros indemnizatórios, a fim de se obter a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, quando a Administração tributária (AT) não procedeu à devolução da quantia indevidamente paga, acrescida dos juros indemnizatórios dentro do prazo legal para o efeito.
Na verdade, na sequência da anulação do referido acto tributário, a ora Recorrente requereu em juízo a execução da sentença anulatória, com a restituição do valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios devidos até ao termo do prazo para cumprimento voluntário da sentença e de juros moratórios, contados desde o termo do prazo para execução espontânea do julgado até ao efectivo e integral pagamento.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo em conta que, entretanto (i.e., entre a instauração da execução de julgado e a data da prolação da respectiva sentença), a AT efectuou alguns pagamentos a título de restituição do imposto pago e juros indemnizatórios, proferiu decisão em que i) julgou extinta a instância por inutilidade superveniente na parte correspondente a esses pagamentos, ii) julgou parcialmente procedente a pretensão no que respeita aos pagamentos ainda em falta respeitantes à restituição do imposto e respectivos juros indemnizatórios e iii) julgou improcedente a pretensão que respeita aos juros de mora.
O presente recurso vem interposto do segmento dessa sentença que julgou improcedente a acção de execução de julgado no que respeita aos juros de mora peticionados.
Invoca a Recorrente, em síntese e louvando-se em doutrina e jurisprudência recente (À qual se seguiu o seguinte acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tirado por unanimidade:
- de 7 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 297/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/963f4ca0a829977b802581470036951b.), que a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto nos arts. 43.º, n.º 5, 100.º e 102.º, n.º 2, da LGT, já que no seu entendimento os juros de mora são devidos após o termo do prazo de cumprimento espontâneo da sentença anulatória do ato de liquidação, os quais são cumulados com os juros indemnizatórios devidos até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Por isso, pede a revogação da sentença no segmento em que decidiu em contrário a essa tese.
Antes do mais, cumpre apreciar a questão da competência em razão da hierarquia – que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida ou suscitada até ao trânsito em julgado da decisão final [cfr. art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) («1- A infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.
2- A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final».) e art. 13.º («O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria».) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)] –, sabido que é que este Supremo Tribunal não está vinculado pelo despacho de admissão do recurso (cfr. art. 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

2.2.2 DA INCOMPETÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM RAZÃO DA HIERARQUIA

A execução de julgados constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária, sendo que os recursos interpostos no âmbito desse meio processual estão sujeitos às regras previstas no CPTA, como resulta do estatuído nos arts. 146.º, n.º 1 («Para além do meio previsto no artigo seguinte, são admitidos no processo judicial tributário os meios processuais acessórios de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais administrativos».), e 279.º, n.º 2, do CPPT («Os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».).
Com efeito, a execução de julgados constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária e do art. 278.º do CPPT resulta inequivocamente que o regime de recursos que nele se encontra previsto só se aplica aos processos regulados nesse mesmo Código. Pelo que, na falta de indicação do regime de recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária há aplicar o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
Neste contexto, importa ter em conta o disposto no art. 151.º, n.º 1, do CPTA, segundo o qual o recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo só pode ocorrer «[q]uando o valor da causa seja superior a 500.000 (euros) ou seja indeterminável e as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito (...)».
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, 3.ª edição, Almedina, 2010, anotação 1 ao art. 151.º, pág. 999.), este recurso per saltum só é admitido desde que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos: «(a) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (b) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a três milhões de euros [hoje, após a redacção do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, € 500.000] ou seja indeterminável (artigo 151.º, n.º 1); (c) incida sobre decisão de mérito; (d) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (artigo 151.º, n.º 2)».
No caso, o valor da acção é de € 194.573,20, que foi o indicado na petição inicial e não foi alterado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Assim sendo, atento o disposto no art. 31.º, n.º 2, alínea c) do CPTA («2- Atende-se ao valor da causa para determinar:
[…]
c) Se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso».) e no já citado n.º 1 do art. 151.º do mesmo código, verifica-se uma circunstância que, desde logo, exclui que o recurso possa assumir-se como uma revista a dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo e impondo-se, consequentemente, observar o disposto no n.º 3 do mesmo art. 151.º do CPTA, que dispõe: «Se, remetido o processo ao Supremo Tribunal Administrativo, o relator entender que as questões suscitadas ultrapassam o âmbito da revista, determina, mediante decisão definitiva, que o processo baixe ao Tribunal Central Administrativo, para que o recurso aí seja julgado como apelação, com aplicação do disposto no artigo 149.º».
Concluímos, portanto, pela incompetência, em razão da hierarquia, desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte.
Nem se diga que ao caso não se aplica o disposto no art. 152.º do CPTA por a distribuição da competência entre o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais centrais administrativos, no que se refere ao contencioso tributário, dever ser a que resulta dos arts. 26.º e 38.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), motivo por que sempre competiria à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito [cfr. art. 26.º, alínea b) do ETAF] e à Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na referida alínea b) do art. 26.º [cfr. art. 38.º, alínea a) do ETAF].
Na verdade, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais centrais administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica (Apesar de o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ter sido aprovado por lei (Lei n.º 13/2002, de 15 de Fevereiro) e o Código de Procedimento e de Processo Tributário o ter sido por decreto-lei (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro), entre a lei e o decreto-lei não existe relação de hierarquia. Para maior desenvolvimento, J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 166 e segs.), regulem de modo que conduza a resultado diverso noutras situações, como sucede, v.g., no art. 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do art. 279.º do CPPT.
Do exposto resulta que o presente recurso jurisdicional deve baixar ao Tribunal Central Administrativo Norte, para aí ser julgado como apelação (Neste sentido, por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 168/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cbdecaa47cd23d77802580bf0051327e;
- de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 45/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4c0350596904062d802580c3003abfe3;
- de 15 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 332/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/38454f0243dff518802581df0039fa71.).

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
II - O recurso per saltum previsto no art. 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos arts. 32.º e segs., seja superior a € 500.000 ou seja indeterminável (n.º 1 do art. 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do art. 151.º).
III - A tal não obsta o disposto nos arts. 26.º e 38.º do ETAF, pois, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais centrais administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v.g., no art. 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do art. 279.º do CPPT).


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em declarar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente para conhecer do presente recurso e ordenar a baixa dos autos ao competente Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário), para que o recurso aí seja julgado como apelação (n.º 3 do art. 151.º do CPTA).

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.