Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5247/20.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
Nº do Documento: RP202403075247/20.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).
II - O juiz não é nem pode ser um recetáculo acrítico das declarações prestadas pelas testemunhas em julgamento, nem a decisão do tribunal quanto à reconstituição da realidade a partir dos depoimentos é uma soma ou contagem do n.º de testemunhas que disse isto ou aquilo.
III - Da necessidade de observância do princípio da boa-fé, e da lealdade e retidão contratuais que vigoram na relação contratual entre uma empresa e um Banco não se pode retirar, sem mais, a existência de uma obrigação, a cargo do Banco, de financiar o cliente com vista a permitir a este o cumprimento de obrigações dessa empresa que são alheias à relação contratual objeto do financiamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 5247/20.0T8VNG.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2
Recorrente(s) AA
Recorrido(a/s) Banco 1...

Sumário
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra Banco 1..., pedindo a condenação desta:
a) no pagamento ao autor de uma indemnização no montante de € 3.777.700,00, correspondente à vantagem patrimonial indevidamente obtida, através da sua conduta ilícita, resultante da aquisição do património da sociedade A...;
b) Caso assim se não entenda, no pagamento ao autor de uma compensação de €3.500.000,00, correspondente à mais-valia que o autor esperava obter com os empreendimentos, investimentos e património existente há data;
Independentemente e em qualquer dos casos;
c) No pagamento ao autor de uma compensação que se fixa em €10.000.000,00, correspondente à expectativa de lucros que o autor esperava obter da sociedade A..., resultante da atividade comercial desta;
d) No pagamento ao autor de uma indemnização no montante de €3.500.000,00, por danos não patrimoniais;
e) Na hipótese de improceder a especifica quantificação dos danos que antecedem, que seja a fixação de qualquer um dos montantes indemnizatórios a liquidar em sede de instrução da presente causa ou em liquidação de sentença, nos termos conjugados do disposto no artigo 569º do CC e artigos 556º, nº1, al. b) e 609º, nº2, do CPC;
f) Cumulativamente e em qualquer dos casos, deve declarar-se o manifesto abuso de direito na conduta da ré e dos créditos por si reclamados, assim enquadrado, enquanto exceção impeditiva, oponível à ré e com fundamento e em cominação desse abuso de direito;
g) A imediata extinção de todas as obrigações e dívidas do autor, para com a ré – nomeadamente, aquelas que se encontram a ser reclamadas por esta, no âmbito do processo de insolvência movido contra o aqui autor, que corre termos com o nº10176/19.8T8VNG – seja a título de capital, seja a título de juros, encargos, despesas ou impostos.
Para o efeito, alegou, em síntese, que tendo em 2006 celebrado com a ré contratos de financiamento à construção da sociedade A..., da qual o autor era o único administrador – para um empreendimento em ... e outro em ... –, mediante a celebração de dois contratos de abertura de crédito em conta-corrente, para cada um dos empreendimentos – a ré veio a atuar, no desenvolvimento desse relacionamento como principal parceiro no financiamento, de forma deliberada com o intuito de impedir que quer a sociedade, quer o próprio autor pudessem concretizar os seus negócios e gerar substancial mais-valia e proceder à liquidação dos seus compromissos, quer com a própria ré, quer com o Estado, quer com fornecedores, quer com outros bancos, com o objetivo de se apoderar dos negócios, dos imóveis e dos lucros que aqueles gerariam, numa atuação premedita e delineada pela ré, que levou à insolvência da sociedade e gerou danos ao autor cujo ressarcimento pretende obter através da ação.
Quanto ao empreendimento em ..., alegou que, tendo o autor e a sociedade solicitado à ré, em meados de 2009, novo reforço para a conclusão do empreendimento, esta, de forma ardilosa e como parte de estratégia para a insolvência da sociedade e do autor, depois de moroso processo de aprovação, aprovou reforço de financiamento para aquele empreendimento, por um valor muito superior ao pretendido (1.730.000 euros), mediante 1) Abertura de crédito, com hipoteca e fiança prestada pelo autor, no valor de € 1.500.000,00, titulada por escritura celebrada em 30-10-2009, e 2) Abertura de crédito, com hipoteca e fiança prestada pelo autor, no valor de € 230.000,00, titulada através de escritura celebrada em 7-12-2009.
Fê-lo para, com as hipotecas constituídas sobre as frações do empreendimento de ..., garantir para si o património da sociedade e impedir o recurso a crédito junto de outras instituições bancárias, não tendo em seguida disponibilizado à sociedade a totalidade do reforço de crédito contratado, impedindo a utilização da quantia de € 950.000,00 relativa ao reforço de 30.10.2009, e a totalidade dos € 230.000,00 respeitantes ao reforço de 7.12.2009, o que fez com o intuito de estrangular a sociedade e o autor, impedindo-a de honrar os seus compromissos perante fornecedores, clientes e Autoridade Tributária, para se apropriar do empreendimento a valores reduzidos, como fez, e realizar as mais valias que pertenciam à sociedade e ao autor.
Quanto ao empreendimento de ..., para o qual havia sido celebrado em 03.10.2006 um contrato de abertura de crédito no valor de € 1.500.000,00, garantido por hipotecas e fiança prestada pelo autor, quando foi solicitado à ré um reforço de financiamento àquela construção, no valor de € 700.000,00, esta, em 30.11.2009 concedeu, sem aviso prévio, um reforço inferior, no montante de € 640.000,00, titulado por escritura pública de abertura de crédito com constituição de hipoteca e prestação de fiança pelo autor, sendo que o gerente da agência dos ... da ré, nessa altura, garantia a todos os empreiteiros e fornecedores que os pagamentos por parte da sociedade A..., S.A. estavam assegurados e que poderiam continuar a trabalhar, com o intuito de enganar a sociedade, o autor e os próprios fornecedores, incentivando-os a valorizar aquele empreendimento para, de seguida, dele se apoderar, uma vez que do valor de financiamento contratado, sem qualquer motivo que o justificasse, a ré apenas libertou durante os três meses seguintes € 180.000,00, com o intuito de estrangular a sociedade e o autor, impedindo a sociedade de proceder ao pagamento a fornecedores clientes e autoridade tributária, para se apropriar desse empreendimento por baixo valor.
Alegou ainda que, existindo sobre o terreno em ... onde se iria efetuar a construção um ónus de não fracionamento imposto pela Câmara Municipal ..., que se extinguiria no início de 2010, a ré, contrariamente ao que havia sido acordado, não fez constar da escritura de abertura de crédito à construção em conta corrente, outorgada em 03.10.2006, que autorizaria o destaque de uma parcela com 6.500 m2 que não ia ser usada na construção e a extinção da hipoteca constituída sobre tal parcela a destacar, mas os representantes da ré assumiram que, não obstante não constar da escritura, tal seria feito assim que solicitado, o que a ré não fez, apesar de tal lhe ter sido pedido várias vezes pelo autor e pela sociedade.
Mais alegou que entre os pedidos de reforço e a sua aprovação decorreram meses, apesar das insistências do autor, sendo que as necessidades de tesouraria da sociedade A..., S.A. eram enormes, o que era do conhecimento da ré.
Cumulativamente, alegou que em meados de 2009, a sociedade A..., S.A. viu-se a braços com uma liquidação adicional de IMT e juros moratórios, resultante de vendas realizadas noutros empreendimentos em anos anteriores, no valor total de € 84.050,00, à qual deduziu oposição no âmbito da execução fiscal, tendo solicitado à ré uma garantia bancária a fim de prestar caução e suspender o processo executivo, que a Autoridade Tributária exigiu que fosse no valor de € 126.825,26. A ré, para além de ter demorado meses a conceder a garantia, quando afinal acedeu impôs como condição que a sociedade A..., S.A. realizasse um depósito em dinheiro no valor de € 135.000,00, que ficaria a garantir a própria garantia, o que foi aceite, tendo a garantia sido emitida e o depósito realizado no dia 14.10.2009.
No início de 2010, a Autoridade Tributária acabaria por reconhecer que o valor devido era de valor inferior e, perante essas circunstâncias, o Serviço de Finanças de S. João da Madeira entendeu que poderia ser substituída aquela garantia por outra, de valor inferior (€ 65.354,75), restituindo-se à sociedade A..., S.A. a garantia originária, no valor de €126.825,26.
Tal situação foi explicada à ré, tendo ficado acordado que a garantia originária seria devolvida, na condição desta proceder nos dias seguintes à liquidação junto das Finanças do valor do imposto em dívida e libertar o remanescente mas, apesar de o autor ter entregue a garantia bancária, a ré não pagou o imposto em dívida como se havia comprometido, nem substituiu a garantia por outra de valor inferior, nem libertou o valor do depósito bancário de € 135.000,00 que havia sido constituído para garantir a garantia bancária, utilizando-o em proveito próprio, o que constituía uma parte do seu plano de asfixia da sociedade.
Em consequência do não pagamento do imposto em dívida às Finanças, a execução fiscal acabou por prosseguir, com penhora das onze frações mais valiosas do empreendimento de ..., as quais foram colocadas à venda e adquiridas pela ré, tendo em 2013 sido adjudicada à ré uma outra fração da sociedade A..., que havia sido igualmente penhorada pelas Finanças.
O preço global dessas doze frações foi € 942.300,00, ou seja, a um valor médio por fração, de € 78.525,00, abaixo entre 40% a 50º do seu valor comercial, o que beneficiou a ré.
Para ludibriar o autor, uns dias antes da data designada para a adjudicação das onze frações no âmbito da execução fiscal, teve lugar uma reunião, na agência dos ..., na qual lhe foi transmitido que era vontade da ré criar as condições para concluir as obras do empreendimento de ..., solicitando-lhe a apresentação de uma lista de custos mais económica, o que fez apenas para que o autor não colocasse em causa os planos de adjudicação das onze frações já agendada já que, tendo apresentado a solicitada relação de custos, não lhe foi dada qualquer resposta.
Apesar de terem o crédito contratado, não conseguia o autor nem a sociedade ter acesso ao mesmo, inclusive para liquidação de valores em dívida perante o Fisco na ordem dos €100.000,00, o que acarretou a perda de uma casa de habitação, no valor de € 600.000,00, e de uma fração autónoma sita em ....
A ré acabou por requerer a insolvência da sociedade A..., S.A., que veio a ser declarada no âmbito do Processo n.º 679/14.6TYVNG e no qual foram apreendidos trinta e seis imóveis dos empreendimentos de ..., ... e ..., dos quais vinte e seis foram adjudicados à ré, por um preço abaixo do valor de mercado e cerca de 40% a 50%.
Da totalidade do património, restam oito frações autónomas, em relação às quais se encontram pendentes decisões relativas a créditos garantidos com direito de retenção.
No que aos danos de natureza patrimonial respeita, alegou que o património da sociedade tinha um valor de mercado que rondava os € 7.130.000,00, que acabou por ficar para a ré por cerca de € 3.352.299,00.
Para além disso, tinha previsto realizar um loteamento industrial um terreno em ..., avaliado em cerca de €2.000.000,00, que acabou por ser penhorado e vendido no âmbito de uma execução comum.
Mais alegou que esperava obter com os empreendimentos, investimentos e património existente uma mais-valia a rondar os € 3.500.000,00 e, como empresário, esperava obter da sociedade lucros futuros na ordem dos € 10.000.000,00, que por culpa da ré não conseguiu concretizar. Alegou ainda ter sofrido danos de natureza não patrimonial que enumera, de que pretende ser compensado.

Citada a ré, apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.

Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação improcedente, concluindo nos seguintes termos:
Pelo exposto, e ao abrigo das normas legais citadas, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido;

Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso de apelação, concluindo, no essencial:
(…)
Conclui a apelante pela revogação da sentença recorrida e substituição por outra na qual o pedido do autor seja totalmente procedente.

A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

II. Objeto do recurso

Face às conclusões das alegações de recurso, as questões de facto a decidir são a consideração como provados dos factos não provados constantes das alíneas c); d); h); p); t); u); z); aa); bb); cc); dd); jj); oo); pp); qq); aaa); bbb); ccc); ddd); jjj); jjj), kkk); lll); mmm); ppp); qqq); rrr).
A questão de direito reporta-se ao mérito da ação, nomeadamente quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil da ré e consequente direito de indemnização do autor.

III. Fundamentação

A apreciação do mérito do recurso implica que se tenha em consideração a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto provada e não provada, que se passa a transcrever (inserindo-se aqui, para melhor apreensão, a identificação do tema da factualidade em causa).

Factos Provados:

Atividade das partes
1) – O Autor foi administrador único da sociedade A..., S.A., a qual foi declarada insolvente em 22.01.2016 no âmbito do Processo n.º 679/14.6TYVNG, que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia (documento n.º 1 anexo à petição inicial);
2) – A Ré requereu, no ano de 2019, a declaração de insolvência do Autor no âmbito do processo que se encontra a correr termos sob o nº10176/19.8T8VNG, Juiz 1, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia;
3) – O Autor dedicou-se enquanto gerente/administrador de sociedades comerciais, e com grande sucesso, à atividade ligada ao ramo imobiliário;
4) – Desenvolvendo a sua atividade através da sociedade A..., S.A., com vários empreendimentos executados nos concelhos de Vila Nova de Gaia e Santa Maria da Feira, sempre com assinalável sucesso, porque a sociedade A... apresentava uma construção de altíssima qualidade e de estilo vanguardista, com escoamento comercial sempre garantido;
5) – Em 2006 iniciou-se entre o Autor, a sociedade A..., S.A., por um lado, e a Ré, por outro, uma nova relação comercial para o financiamento da construção de dois empreendimentos, um em ... e outro em ...;

Empreendimento de ...
a) Financiamento titulado pela escritura publica de 01-06-2006
6) – Por escritura publica outorgada em 1 de junho de 2006, a Ré abriu um crédito em conta corrente à sociedade A..., SA, até ao limite máximo de €2.250.000,00, destinado à construção de um prédio sito em ..., composto por quarenta e duas frações autónomas, no terreno destinado a construção que veio a ser dado de hipoteca (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial);
7) – Resulta do n.º 3 da cláusula 1ª do aludido contrato que a utilização do crédito aberto estava dependente do estado de desenvolvimento da construção;
8) – O contrato foi inicialmente celebrado pelo prazo de três anos, prorrogável por períodos anuais até ao máximo de dois anos, prazo este estendido por mais um ano no adicional ao contrato celebrado a 30.10.2009;
9) – Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no referido contrato, a A..., SA constituiu hipoteca a favor da Ré sobre o seguinte imóvel: “Terreno urbano destinado a construção, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n° ... e como inscrito na matriz como n° ..., a qual abrangia todas as construções, edificações, melhoramentos e benfeitorias que no mesmo viessem a ser implantadas ou averbadas no registo predial;
10) – Ainda para garantia do integral cumprimento das aludidas obrigações, o Autor confessou-se devedor e constituiu-se fiador e principal pagador das dividas contraídas no âmbito do referido contrato tendo expressamente renunciado ao benefício da excussão prévia;
11) – Nos termos da cláusula 1ª n.º 6 do documento complementar anexo ao contrato e que dele faz parte integrante obrigou-se a sociedade A..., SA a pagar trimestralmente e postecipadamente os juros vencidos sobre o capital efetivamente utilizado, vencendo-se os primeiros em três meses após a data da escritura;
12) – Nos termos da cláusula segunda do referido documento complementar, a sociedade A..., S.A. obrigou-se a amortizar integralmente o saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou suas prorrogações;
13) – Aquando das negociações para a outorga da escritura de 1.06.2006 foi assegurado pelo Autor que a quantia de €2.250.000,00 seria a necessária para a conclusão do edifício;

b) Reforço titulado por escritura pública de 26-12-2007
14) – Posteriormente, foi solicitado à Ré um reforço de financiamento destinado à conclusão daquela construção de ..., no montante de €300.000,00, que veio a ser titulado por escritura pública de abertura de crédito, com hipoteca e fiança, esta prestada pelo Autor, celebrada a 26.12.2007 (cfr. documento n.º 4 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

c) Reforço titulado por escrituras públicas de 30-10-2009 e de 07-12-2009
15) – Por escritura pública outorgada em 30 de outubro de 2009, a Ré abriu um novo crédito em conta corrente à sociedade A..., SA até ao limite máximo de €1.500.000,00, aumentado para €1.730.00,00 por adicional ao contrato celebrado a 7.12.2009, destinado a apoiar a conclusão da construção do prédio de ..., nomeadamente, no que toca aos acabamentos e colocação de eletrodomésticos, bem como, para fazer face ao pagamento das dívidas a fornecedores, dos juros vencidos e vincendos, comissões de venda, penhor de garantia bancária e liquidação de contrato existente na Ré (cfr. teor dos documentos n.ºs 5 a 7 anexos à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
16) – Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas nos empréstimos referidos no número anterior, a A..., S.A. constituiu hipoteca a favor da Ré sobre as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ” e “AR” do referido empreendimento de ...;
17) – E, do mesmo modo, o Autor confessou-se devedor e constituiu-se fiador e principal pagador das dividas contraídas no âmbito do referido contrato tendo expressamente renunciado ao benefício da excussão previa;
18) – À data de 30 de outubro de 2009, sobre as frações autónomas identificadas no facto 15º encontrava-se registado um arresto, pela Ap. ... de 19.12.2008 a favor de B..., Lda (cfr. cláusula 3ª n.º 1 do documento n.º 5 anexo à petição inicial);
19) – Tal arresto emergiu de uma divida da sociedade A..., SA à sociedade B..., Lda no valor de €160.223,68;
20) – Nos termos da cláusula 1ª n.º 7 do documento complementar anexo ao contrato e que dele faz parte integrante obrigou-se a sociedade A..., SA a pagar trimestralmente e postecipadamente os juros vencidos sobre o capital efetivamente utilizado, vencendo-se os primeiros em três meses após a data da escritura;
21) – Nos termos da cláusula segunda do referido documento complementar, a sociedade A..., S.A. obrigou-se a amortizar integralmente o saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou suas prorrogações;
22) – À data da outorga da escritura de 30.10.2009, já haviam sido celebradas escrituras de venda de quatro frações autónomas do empreendimento de ... e havia contratos-promessa celebrados;

d) Utilizações de capital dos financiamentos
23) – As utilizações efetuadas pela sociedade A..., SA a título de capital e decorrentes das diversas movimentações a débito e a crédito no âmbito do contrato outorgado em 1 de junho de 2006, ascenderam ao montante global de €1.698.212,26;
24) – As utilizações globais da abertura de crédito tituladas pelas escrituras públicas outorgadas em 30 de outubro de 2009 e 7 de dezembro de 2009, a título de capital e resultante dos movimentos a débito e a crédito ascenderam ao montante de €1.625.305,00;

e) Incumprimentos contratuais da sociedade A...
25) – A partir de 1.06.2012, a sociedade A..., SA deixou de pagar à Ré os juros contratuais vencidos no âmbito do contrato outorgado em 1 de junho de 2006, os quais, à data da declaração da insolvência daquela sociedade ascendiam já a €290.278,34;
26) – A partir de 30.01.2011, a sociedade A..., SA deixou de pagar à Ré os juros contratuais vencidos no âmbito do contrato e seu reforço outorgados em 30 de outubro de 2009 e 7.12.2009, os quais, à data da declaração da insolvência ascendiam já a €361.163,25;

Empreendimento de ...
a) Financiamento titulado pela escritura publica de 03-10-2006
27) – Por contrato outorgado em 3 de outubro de 2006, a Ré abriu um crédito em conta corrente à A..., S.A., até ao limite máximo de €1.500.000,00, pelo prazo de três anos, prorrogável por mais um ano, destinado a construção de dez moradias geminadas, em ..., Santa Maria da Feira, com a taxa de juro indexada a Euribor a seis meses (documento n.º 8, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
28) – Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no empréstimo referido no número anterior, em ato simultâneo com a respetiva celebração, a A..., S.A. constituiu uma hipoteca a favor da Ré sobre o seguinte imóvel: “Terreno urbano destinado a construção, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° ... e inscrito na matriz predial urbana com o número provisório P 1850”, a qual abrangia o imóvel e todas as construções, edificações, melhoramentos e benfeitorias que no mesmo viessem a ser implantadas e ou averbadas no registo predial;
29) – O Autor confessou-se devedor e constituiu-se fiador e principal pagador das dividas contraídas no âmbito do referido contrato tendo expressamente renunciado ao benefício da excussão prévia;

b) Financiamento titulado por contrato de abertura de crédito de 30-11-2009
30) – Nos termos do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 30 de novembro de 2009, a Ré abriu um crédito em conta corrente à sociedade “A... S. A.”, até ao montante máximo de € 640.000,00 que se destinava a regularizar o atraso no contrato ..., a que se alude no facto 27º, a assegurar o pagamento dos encargos financeiros do referido financiamento e do próprio financiamento para dois anos, assegurar a conclusão da obra e assegurar o futuro pagamento de comissões sobre as vendas realizadas (cfr. documento n.º 9 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
31) – Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no empréstimo referido no número anterior, a A..., SA constituiu hipoteca a favor da Ré sobre as frações autónomas identificadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I” e “J” do mesmo imóvel sito em ...;
32) – À data da outorga de tal contrato, sobre as frações autónomas identificadas no número anterior encontrava-se registado um arresto, pela Ap. ... de 19.12.2008, cujo cancelamento estava assegurado;
33) – Sobre a fração designada pela letra “C” encontrava-se registada uma penhora, pela Ap. ..., de 2.09.2009, cujo cancelamento se encontrava assegurado;
34) – Nesta altura, o próprio gerente da agência da Ré dos ... garantiu a todos os empreiteiros e fornecedores, que os pagamentos por parte da A... estavam assegurados e por isso, poderiam continuar a trabalhar à vontade;
35) – O reforço de financiamento a que se alude no facto 30º destinou-se a fazer face a encargos da A... assim discriminados:
- Pagamentos em atraso a fornecedores – € 185.000,00;
- Juros vencidos – € 175.000,00;
- Comissões de venda – € 80.000,00;
- Acabamentos – € 200.000,00, a libertar consoante a confirmação por vistorias;
36) – Os pagamentos foram efetuados diretamente a fornecedores, com prévio conhecimento e consentimento do Autor e de acordo com lista e valores em divida previamente remetida pela A... (cfr. cópias da relação das faturas e notas de débito a pagar elaborada pela A..., carta de autorização de pagamento direto aos fornecedores datada de 16.2.2009, mapa de pagamento a fornecedores elaborada pela Ré com data de posição de 3.12.2009);

Situação da sociedade A... e dos empreendimentos na data da celebração dos financiamentos de 2009
37) – Na altura em que foram solicitados os reforços de financiamento para os dois empreendimentos e que vieram a ser contratados em 2009, as necessidades de tesouraria e liquidez da A... eram enormes;
38) – Nessa altura, já o prédio de ... tinha licença de utilização emitida pela Câmara Municipal ... e a conclusão do mesmo dependia essencialmente de acabamentos interiores;
39) – Aquando da negociação dos reforços de financiamento, houve insistências da parte do Autor e da A..., no sentido de serem os mesmos concretizados;
40) – Em relação ao empreendimento de ..., existia um ónus de não fracionamento imposto pela Câmara Municipal ..., que se extinguiria no início de 2010, pretendendo o Autor, a partir dessa data, o destaque imediato de uma parcela com 6.500m2;

Empreendimento de ... (continuação)
d) Utilizações de capital dos financiamentos
41) – No âmbito do contrato outorgado em 3 de outubro de 2006, a sociedade A... utilizou, a título de capital, o montante global de €1.491.850,00;
42) – A abertura de crédito contratada em 30 de novembro de 2009 foi utilizada pela A... pelo valor global de €522.955,38;

e) Incumprimentos contratuais da sociedade A...
43) – A partir de 28.02.2010, a sociedade deixou de pagar as prestações vencidas no montante global de 522.955,38€ no âmbito do contrato outorgado em 30 de novembro de 2009;
44) – Foi com o recurso aos financiamentos concedidos pela Ré que a sociedade A..., pode fazer face a dívida perante terceiros, como sejam:
a) Liquidação da quantia que deu origem ao arresto do empreendimento de ..., por ação de B... Lda de €160.223,68 de 17.12.2008 (Proc.º 4507/08.3TBGDM 3º Juízo de Gondomar),;
b) Prestação de garantia para suspender a execução que deu origem à penhora das Finanças de Vila Nova de Gaia, pelo montante de €100.267,00, relativo à falta pagamento IMT de compra e venda de dois terrenos rústicos entre a empresa C... Lda de que o Autor era sócio com 50%, à A...–(processo de contraordenação nº ...);

Garantia bancária
45) – Em meados de 2009, a sociedade A... viu-se a braços com liquidação adicional de IMT e juros moratórios, resultante de vendas realizadas noutros empreendimentos, nos anos anteriores, tendo sido notificada para pagar dívida no valor de € 84.050,00;
46) – Uma vez que não aceitou o apuramento daquele imposto, a A... deduziu oposição fiscal e solicitou junto da Ré uma garantia bancária, que permitisse prestar caução e assim suspender os processos executivos que entretanto haviam sido instaurados pelas Finanças;
47) – Para que tal fosse possível, as Finanças exigiram que essa garantia bancária fosse prestada pelo valor de €126.825,26;
48) – A Ré aprovou a emissão da garantia bancária nº ... que veio a ser contratada em 14.10.2009;
49) – Tendo a Ré imposto como condição que a A... realizasse um depósito em dinheiro no valor de €135.000,00, que ficaria a garantir a própria garantia bancária;
50) – Tal depósito a prazo foi constituído com recurso a libertação de capital da abertura de crédito contratada em 3 de outubro de 2006 (cfr. documento n.º 13, anexo à contestação);
51) – A garantia foi entregue junto dos serviços de Finanças e assim foi ordenada a suspensão da execução fiscal;
52) – No início de 2010, as Finanças acabariam por reconhecer a validade da argumentação da A... e decidiram baixar o valor do imposto a liquidar e exigir àquela;
53) – Tendo a garantia bancária sido devolvida à Ré, ficando sem efeito;
54) – A Ré não libertou para a sociedade o valor do depósito bancário no valor de €135.000,00, constituído para garantir, a própria garantia bancária;

Situação económica e financeira da sociedade A... – processos de execução
55) – Por força da falta de pagamento das dividas da A... às Finanças, prosseguiram os processos executivos, com a penhora sobre onze frações autónomas do empreendimento de ... (frações “AB”, “AL”, “AE”, “V”, “U”, “L”, “AH”, “X”, “AK”, “AN” e “G”);
56) – Em resultado de tais penhoras, viu-se assim a Ré forçada a reclamar os seus créditos nos aludidos processos;
57) – Requerendo ainda que lhe fossem as frações penhoradas adjudicadas, em 25, 26 e 27.07.2011, com dispensa de depósito de parte do preço;
58) – E em 14.01.2013 é adjudicada à Ré uma outra fração da A..., a “Q”, que havia sido penhorada pelas Finanças;
59) – O preço global destas doze frações foi € 942.300,00, ou seja, a um valor médio por fração, de € 78.525,00;
60) – A casa de habitação, sita em ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz sob o artigo ... e descrita na Conservatória sob o nº ..., que chegou a ser a casa de habitação do Autor, foi transmitida por BB, em 2007, para o património da A..., para fazer face a constrangimentos de tesouraria e assim permitir que esta conseguisse junto do Banco 2... financiamento, no valor de €250.000,00, garantido com hipoteca sobre aquele imóvel;
61) – Sobre tal imóvel foram registadas, pelas Ap. ... de 2009.02.06, Ap. ... de 2010.04.23 e Ap. ..., de 2012.05.29, três penhoras, a favor da Fazenda Nacional, no âmbito de três processos executivos cujas quantias exequendas ascendiam, respetivamente, a €94.125,60. €58.779,18 e €10.478,57 (cfr. documento n.º 24, anexo à petição inicial);
62) – Tal casa veio a ser vendida no âmbito de um processo de execução;

Processo de insolvência da sociedade A...
63) – No processo de insolvência n.º 679/14.6TYVNG foram apreendidas 36 verbas, correspondentes a 35 imóveis, respeitantes aos empreendimentos de ..., ... e também, de ...;
64) – Dos imóveis apreendidos no processo de insolvência, a Ré adquiriu até ao momento, por adjudicação, quinze frações autónomas do empreendimento de ..., a totalidade das frações do empreendimento de ... e uma fração sita em ..., pelo valor global de €2.409.999,97 (cfr. documento n.º 26 anexo à petição inicial);
65) – Do património apreendido no âmbito do processo de insolvência, falta ainda alienar oito frações autónomas, em relação às quais se encontram pendentes decisões relativas a créditos garantidos com direito de retenção;
66) – À data da declaração de insolvência no empreendimento de ... faltavam acabamentos interiores;
67) – Em relação ao empreendimento de ..., à data da declaração de insolvência, a A... havia conseguido vender oito frações;

Outros factos
68) – Autor e a A... tinham previstos realizar num terreno com a área de 22.000m2, situado na Zona Industrial ..., concelho de Vila Nova de Gaia, um loteamento industrial;

Processo de insolvência da sociedade A... (continuação)
69) – A Ré, no âmbito do processo de insolvência a que se alude no facto 1º reclamou créditos no valor total de €8.160.316,76, os quais foram integralmente reconhecidos pela Sra Administradora de insolvência.
*
Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:
a) No âmbito do Processo n.º 679/14.6TYVNG, que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia não foi possível à sociedade A..., S.A. deduzir qualquer oposição por ter tido conhecimento da sua pendência após ter expirado o prazo para tal;
b) O reforço solicitado aquando do referido no facto 14º era de €750.000,00, tendo sido a Ré que aprovou apenas a quantia de €300.000,00;
c) O financiamento titulado pela escritura pública outorgada em 30 de outubro de 2009 e 7 de dezembro de 2009 foi superior ao pretendido/solicitado pela sociedade A...;
d) O financiamento superior ao pretendido na escritura de 30.10.2009 e no reforço de 7.12.209 destinou-se a que a Ré, com a constituição de hipotecas, garantisse para si e colocasse à sua inteira disposição a totalidade do empreendimento de ...;
e) E impedisse o recurso a crédito por parte da sociedade A... e do Autor junto de outras instituições financeiras;
f) O valor global do financiamento a que se alude no facto 16º foi acordado entre a Ré e a sociedade A... na sequência de uma reunião realizada em 26.03.2009 e 14.05.2009 no Porto – Agência da Ré sito na Avenida ... na presença do Autor, destinando-se tal montante a efetuar os seguintes pagamentos relacionados com o prédio de ...:
- €804.000,00 a pagar diretamente a fornecedores, cuja lista foi fornecida pela empresa A...
- €513.000,00 para pagamento de juros vencidos
- €130.000,00 para acabamentos(eletrodomésticos)
- €144.000,00 para liquidar contrato ... relativo ao 1º reforço ... (144m€ divida na altura)
- €11.000,00 para constituição DP ... caução ... para contragarantia de garantia bancária
- €125.000,00 para pagamento de comissões das vendas.
g) No âmbito dos reforços de crédito titulados pelas escrituras públicas outorgadas em 30 de outubro de 2009 e 7.12.2009, a Ré não disponibilizou à A... aqueles valores de reforço de crédito, impedindo esta de utilizar €950.000,00 referentes ao primeiro reforço e a totalidade dos €230.000,00 respeitantes ao segundo reforço;
h) A Ré não disponibilizou à A... os valores de crédito a que se alude na alínea anterior com o intuito claro de estrangular a sociedade e o Autor, impedindo aquela de proceder ao pagamento a fornecedores e de honrar compromissos variados, nomeadamente com clientes e fisco;
i) Para, no final, se apropriar do empreendimento de ... e realizar para si as mais-valias que pertenciam à sociedade A... e ao Autor;
j) Aquando do referido no facto 30º foi solicitado e aprovado um reforço de financiamento àquela construção no valor de €700.000,00;
k) O referido no facto 34º foi feito com intuito de enganar a A..., o Autor e os seus fornecedores, incentivando-os a valorizar aquele empreendimento, para de seguida, “tirar o tapete”;
l) No âmbito do contrato celebrado em 30 de novembro de 2009, a Ré apenas libertou durante os três meses seguintes €180.000,00, o que fez com o intuito de estrangular a A... e o Autor, impedindo esta de proceder ao pagamento a fornecedores e honrar compromissos variados, nomeadamente, com clientes e o fisco;
m) E com o intuito de conseguir “apropriar-se” do empreendimento de ..., ao preço da chuva e realizar para si, as mais-valias que pertenciam à A... e ao aqui Autor;
n) Na altura em que foram solicitados os reforços de financiamento para os dois empreendimentos e que vieram a ser contratados em 2009, o Autor e a A... precisavam principalmente de pagar a empreiteiros e fornecedores daqueles empreendimentos, pelo trabalho já feito, e ao mesmo tempo permitir a conclusão de ambos empreendimentos;
o) Entre os pedidos de reforço de financiamento e a sua aprovação por parte da Ré decorreram mais meses do que nos financiamentos de 2006;
p) Com a contratação dos reforços aos financiamentos à construção, nos empreendimentos de ... e ... realizada em 2009, a Ré enganou os fornecedores, a quem foi transmitido que os pagamentos estavam assegurados e que poderiam trabalhar à vontade, acabando estes por acreditar na Ré e contribuir na valorização dos empreendimentos, sem a devida e prometida contrapartida de pagamento;
q) Com a concessão dos reforços em causa e nas condições que impôs pretendeu a Ré criar condições para se apropriar do património sito em ... e ..., precipitando a Autora para uma situação de incumprimento e acumulação de juros;
r) Ao fim de dois/três meses após ter concedido os aludidos reforços dos financiamentos à construção, a Banco 1... não mais disponibilizou à A... os montantes contratualizados;
s) A situação de estrangulamento causada pela Ré acabaria de agravar ainda mais as sérias dificuldades da A... e seu colapso, durante os anos de 2010 e 2011;
t) De nada tendo valido, os inúmeros pedidos, realizados pessoalmente, por telefone ou por cartas registadas, no sentido de que a Ré libertasse os valores contratualmente financiados;
u) O referido no facto 40º foi informado à Ré na data da outorga da escritura de 3.10.2006, tendo ficado acordado com os representantes da Ré e o Autor, que assim que a A... quisesse, a Ré autorizaria o destaque da parcela e extinguiria a hipoteca que teria de ser feita sobre o todo do imóvel;
v) O Autor exigiu que esta condição ficasse a constar da escritura, mas no momento da sua assinatura, veio a constatar-se que tal não foi feito, tendo aqueles representantes Ré assumido, que apesar de não constar da escritura, a extinção da hipoteca sobre a parcela a destacar, seria imediatamente feita e logo que solicitado;
w) Apesar de várias vezes pedida, a Ré nunca veio a fazer essa desvinculação, nem nunca foi sua intenção fazê-lo;
x) A Ré demorou meses a conceder a garantia bancária necessária para suspender a execução fiscal;
y) Perante o referido no facto 52º, o serviço de finanças de São João da Madeira, entendeu que deveria ser substituída a garantia bancária, por outra de valor inferior (€65.354,75), restituindo à A... e ao Autor, a garantia bancária originária no valor de 126.825,26;
z) Com essa finalidade, a 4.8.2010, o Autor (juntamente com o Dr. CC, economista da A...), deslocaram-se à sede da Ré, na Avenida ... e na presença dos representantes da Banco 1... (Dr. DD, Dr. EE e Dr. FF) comunicaram esta situação, tendo ficado acordado que a garantia bancária seria devolvida à Ré (ficando sem efeito), na condição desta proceder nos dias seguintes, à liquidação junto das Finanças, do valor do imposto apurado em dívida e libertar o remanescente;
aa) A Ré não pagou o valor do imposto em dívida que se havia comprometido pagar, nem substitui a garantia por outra de valor inferior;
bb) A Ré obrigou-se a libertar o valor a que se alude no facto 54º a favor da sociedade;
cc) A Ré não libertou o valor do depósito a fim de se prosseguir com o seu plano de asfixia da sociedade e apropriar-se do seu património;
dd) A Ré adquiriu as doze frações a que se alude nos factos 55º a 59º por um preço abaixo de 40% a 50% do seu valor comercial;
ee) Uns dias antes da data agendada para a venda pelas Finanças das onze primeiras frações penhoras, descritas no facto 55º, foi pedida pela Ré ao Autor, uma reunião;
ff) Essa reunião veio a acontecer no dia 21.07.2011, na agência do ... da Banco 1..., com a presença do Autor e Dr. CC (economista da empresa), onde foi transmitido a estes, pelos representantes da Ré, que era vontade desta criar as condições necessárias para acabar as obras e viabilizar os empreendimentos, solicitando uma relação de custos, em versão mais económica, para terminar os empreendimentos (em especial ..., uma vez que, ... já estava praticamente todo concluído) e para apresentar todos os valores em dívida;
gg) A relação de custos solicitada no âmbito dessa reunião, foi entregue pela A... e pelo Autor no dia 1.8.2011;
hh) Contudo, a intenção da Ré era ludibriar o Autor, dar-lhe a ilusão de que poderia contar com aquela e acima de tudo, não correr o risco deste “estragar” os planos de adjudicação das onze frações que dali a uns dias, pretendia adquirir/adjudicar;
ii) Apesar de ter entregue a tal relação de custos e dívidas, nunca a Banco 1... voltou a dar-lhe qualquer tipo de resposta;
jj) A casa sita em ... era propriedade do Autor, juntamente com a sua companheira da altura;
kk) Foi por não ter tido acesso ao crédito contratado com a Ré que a A... viria a perder a casa de habitação, sita em ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz sob o artigo ... e descrita na Conservatória sob o nº ...;
ll) O produto da venda da casa em ... acabou por reverter a favor do Banco 2... (credor com garantia hipotecária), permanecendo o valor em dívida perante as finanças;
mm) Também por causa das dívidas fiscais da A..., o Autor viu penhorada pelas Finanças, uma sua fração autónoma, identificada pela letra “P”, localizada em ..., concelho de Santa Maria da Feira, inscrita na matriz sob o artigo ...;
nn) Também esta fração acabou por ser vendida pelas Finanças;
oo) Com dívidas ao Fisco, a A... e o Autor, estavam maniatados e impedidos de realizar escrituras e concretizar as várias promessas de venda que tinha em carteira;
pp) À data da apresentação da adjudicação à Ré das vinte e seis frações autónomas no âmbito do processo de insolvência, o preço pago era de cerca de 40% a 50% abaixo do valor de mercado;
qq) O património da sociedade A... tinha um valor de mercado que rondava cerca de €7.130.000,00, sendo €4.000.000,00 referente ao empreendimento de ..., €3.000.000,00 referente ao empreendimento de ... e €130.000,00 referente às frações autónomas de ...;
rr) O preço das oito frações vendidas pela sociedade A... no empreendimento de ... ascendeu, na totalidade, a 1.000.000,00;
ss) Com a adjudicação obtida pela Ré no âmbito dos processos de execução fiscal e de insolvência, acabou por se apropriar de uma mais-valia no valor aproximado de €3.777.700,00;
tt) Foi em resultado da conduta da Banco 1..., que veio a culminar no forçado incumprimento por parte da A..., esta e o Autor perderam a casa de ..., onde residia precisamente o Autor;
uu) A casa sita em ... tinha um valor de cerca de €600.000,00;
vv) O loteamento industrial na Zona Industrial ..., concelho de Vila Nova de Gaia, estava avaliado em cerca de €2.000.000,00;
ww) O terreno destinado a loteamento industrial sito na Zona Industrial ... foi perdido pelo Autor e pela sociedade, por causa do estrangulamento financeiro que a Ré lhes causou, sendo por isso penhorado em 2012 e vendido em 2015, no âmbito do processo executivo, que correu termos no Juízo de Execução do Porto;
xx) O Autor e a A... esperavam obter com os empreendimentos, investimentos e património existente, uma mais-valia a rondar os 3.500.000 euros
yy) Que não conseguiram por causa da estratégia adotada pela Ré tendente à apropriação do seu património por um valor abaixo do seu valor de mercado;
zz) Com a estratégia adotada, a Ré destruiu o Autor;
aaa) O Autor, porque era disciplinado nos seus objetivos e profundo conhecer do mercado imobiliário e das suas tendências e necessidades, sempre conseguiu enorme rentabilidade nos seus empreendimentos;
bbb) Projetos esses que abraçava com enorme empenho e dedicação, aí sempre colocando em destaque, a sua altíssima qualidade e inovação;
ccc) Gozava de enorme prestígio e era reconhecido por parceiros, clientes e fornecedores, como empresário cumpridor, inovador e empreendedor;
ddd) Gozava de enorme crédito e credibilidade entre bancos, fornecedores e clientes, que nele depositavam ilimitada confiança;
eee) O Autor perspetivava continuar com a mesma atividade, como novos desafios e empreendimentos de topo, nos concelhos de Vila Nova de Gaia e Santa Maria da Feira;
fff) Onde esperava conseguir no futuro, continuar o mesmo sucesso, por muitos e bons anos;
ggg) Tudo se tendo gorado por causa do plano delineado pela Ré para se apropriar do património;
hhh) A Ré aniquilou por completo o futuro profissional, empresarial e pessoal do Autor;
iii) Neste momento e por causa da Ré, o Autor perdeu tudo, vendo-se completamente impossibilitado de prosseguir com a sua atividade comercial e profissional;
jjj) Por causa da Ré, o Autor vê-se enquanto empresário perdeu a força, o poder e credibilidade do seu nome, perante fornecedores, banca e clientes, estando totalmente arredado desta atividade, que não pode exercer como sempre exerceu;
kkk) Por causa da Ré, o Autor perdeu Planos Poupança Reforma que foram executados judicialmente;
lll) Por causa da Ré, o Autor perdeu a sua fonte de rendimento, já que deixou de receber quaisquer salários da A... desde Janeiro de 2010;
mmm) Por causa da Ré, o Autor perdeu os lucros resultantes da atividade desenvolvida na A... – de que era administrador e acionista/sócio maioritário – e que esperava vir a receber no futuro, com a continuação da atividade imobiliária daquela, ao longo dos muitos e bons anos de existência que esperava vir a ter naquela sociedade;
nnn) O Autor tinha uma expectativa que os lucros que viesse a retirar da continuação da sua atividade ascendesse ao montante de €10.000.000,00;
ooo) Por causa da Ré, o Autor perdeu amigos perdeu a confiança dos seus clientes (muitos deles a quem já tinha celebrado contratos promessa de compra e venda e que não conseguiu concretizar, por causa da Banco 1...) e dos seus fornecedores (a quem chegou a garantir que tudo iria pagar e a pedir que continuassem a fornecer, porque tinha ao seu lado o parceiro Banco 1... que lhe havia reforçado as linhas de financiamento);
ppp) Por causa da Ré, o Autor deixou de ter qualquer crédito na Banca, mesmo a nível pessoal;
qqq) Por causa da Ré, sente vergonha e embaraço pela situação em que se encontra, tendo deixado de frequentar os círculos sociais e de amigos a que estava habituado, o que lhe causa tristeza e desânimo;
rrr) Pela forma como foi enganado pela Ré sente imensa revolta e sentimento de injustiça, não conseguindo parar de pensar no que lhe foi feito;
sss) O Autor só em 7.07.2009 comunicou a existência do arresto a que se alude na alínea a) do art. 45º;
ttt) À data da declaração de insolvência da sociedade, o empreendimento de ... estava praticamente pronto,
uuu) A margem de lucro associada à atividade de compra, construção e venda de imóveis (em especial, edifícios habitacionais, do género comercializados pela A...), rondava os 40%-45%;
vvv) A margem de lucro para o terreno de ..., com aptidão para loteamento industrial rondava os 50%-65%).
***
Apreciação dos fundamentos do recurso

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, dispõe o n.º 1 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
A reforma de 2013 veio consagrar um modelo no qual o tribunal da Relação reaprecia a prova sobre os pontos impugnados com a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção para efeitos de apreciação dos fundamentos do recurso sobre a matéria de facto. Neste sentido vai a jurisprudência consolidada do STJ, conforme resulta, além de outros, dos recentes Acórdãos do STJ de 09-02-2021 (processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1), de 08-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1) Acórdãos citados acessíveis, na íntegra, na base de dados de jurisprudência do IGFEJ, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/. e anteriores decisões do STJ citadas nos arestos referidos.
Não se questionando, após a reforma de 2013, que «(…) a reapreciação não se contenta com a sindicância da convicção formada na primeira instância com o objectivo de apenas debelar erros grosseiros na valoração da prova, assente numa hipervalorização do princípio da livre apreciação (…) e da imediação por parte do juiz a quo, devendo ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da 1.ª instância em matéria de facto. [e que] Pelo contrário, o pleno exercício dos poderes de reapreciação da matéria de facto da Relação exige a formação de uma convicção própria, obtida activa e criticamente em face dos elementos probatórios indicados pelas partes ou mesmo adquiridos oficiosamente. (…)» MARIA ADELAIDE DOMINGOS, “Recursos, um olhar convergente sobre aspectos dissonantes: questões práticas”, Caderno II – O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina no decurso do processo legislativo, designadamente à luz do anteprojecto e da proposta de lei n.º 113/XII, Coleção de Formação Contínua do Centro de Estudos judiciários, novembro de 2013, disponível em .... , entendemos que o poder/dever previsto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, de “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” significa que tal alteração apenas pode e deve ser efetuada quando tal for necessário, ou seja, quando, face aos meios de prova existentes no processo, se constate/conclua pela falta de suporte probatório explicativo e justificativo da descrição factual dos eventos efetuada na sentença recorrida.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que vigora e se aplica, designadamente, no âmbito do julgamento em primeira instância, e nos termos do qual “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, excecionando-se deste princípio apenas “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” – art. 607.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.

Inicia o apelante o seu recurso quanto à decisão do tribunal de considerar não provada a matéria elencada nas alíneas c); d); h); p); t); u); z); aa); bb); cc); dd); jj); oo); pp); qq); aaa); bbb); ccc); ddd); jjj); jjj), kkk); lll); mmm); ppp); qqq); rrr), referindo que “discorda da opinião do Tribunal a quo, considerando os documentos juntos aos autos e pela prova produzida em sede de audiência de julgamento”.
Seguidamente, e quanto a cada uma das alíneas, indica os trechos dos depoimentos das testemunhas que considera que impunham que o tribunal a quo tivesse considerado provada a matéria que consta das referidas alíneas.

Apreciando.
Importa, em primeiro lugar, ter presente que a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).
O apelante indica, relativamente às diversas alíneas dos factos não provados, os excertos dos depoimentos das testemunhas (e declarações do autor) que considera que impõem decisão oposta da tomada pelo tribunal a quo, ou seja, a sua consideração como matéria de facto provada. É só nestes depoimentos que fundamenta a pretendida alteração da decisão do tribunal quanto aos pontos considerados não provados, não colocando em causa o raciocínio e argumentação do tribunal a quo expendidos na motivação da convicção efetuada, nomeadamente, na apreciação conjugada e crítica do conjunto dos restantes meios de prova que foi efetuada pelo tribunal a quo. Ou seja, o recurso quanto à decisão de facto interposto pelo apelante sustenta-se, basicamente, na alegação de que as partes dos depoimentos transcritos nas conclusões das alegações de recurso impunham, só por si – a despeito da demais prova produzida, que o tribunal a quo analisou e valorou nos moldes que constam da motivação da sua convicção quanto aos factos provados e não provados – decisão contrária à que foi tomada.
Em segundo lugar, entendemos – conforme é referido no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2022, processo n.º 9338/21.2T8LSB.L1-2 Acessível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/.– que «(…) Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre os factos num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida. (…)».
Ora, o tribunal a quo, na motivação da sua convicção, deu conta, de forma lógica e fundamentada, das razões subjacentes à formação da mesma, analisando criticamente as declarações de parte prestadas pelo autor e os depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como os documentos juntos, tendo no exercício da livre valoração desses meios de prova considerado credíveis os depoimentos prestados pelas “(…) testemunhas GG, EE e FF, todos funcionários da Ré, que diretamente lidaram com a situação e que ao contrário das demais testemunhas revelaram ter uma visão objetiva dos fins subjacentes aos financiamentos (tendo sido transversal o entendimento das testemunhas do Autor de que os financiamentos e seus reforços tinham um caráter indiferenciado, ou seja, que se destinavam a todas e quaisquer necessidades de tesouraria da sociedade, o que é contrariado pelos respetivos contratos). (…)”, explicitando que “(…) [t]ais depoimentos mereceram a total credibilidade do tribunal, sobretudo da testemunha GG, porque prestados de forma objetiva, realista e consentânea com as regras da experiência comum. (…)”, tendo ainda considerado “(…) inexistirem outros depoimentos que, com suporte documental objetivo, os contrariassem (…)”.
No que concerne aos depoimentos das testemunhas Dr. HH, Contabilista da sociedade A..., e Dr. CC. Técnico Oficial de Contas da sociedade A... – nos quais, maioritariamente, o apelante sustenta a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto –, não deixou o tribunal de os considerar e analisar criticamente, assinalando ter existido, quanto à testemunha HH “(…) alguma falta de objetividade quanto a alguns aspetos do seu depoimento. (…)”, tendo de igual modo explicitado as razões pelas quais considerou o depoimento da testemunha CC pouco credível e parcial e, por conseguinte, incapaz de abalar a convicção formada com base na apreciação conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas funcionários do Banco réu, como emerge do seguinte trecho da motivação da sentença em recurso:
(…) Tais depoimentos [das testemunhas GG, EE e FF] mereceram a total credibilidade do tribunal, sobretudo da testemunha GG, porque prestados de forma objetiva, realista e consentânea com as regras da experiência comum.
Não se encontraram outros depoimentos que, com suporte documental objetivo, os contrariassem, nomeadamente o depoimento da testemunha CC, que referiu prestar serviços à sociedade desde 2004/2005 e afirmou que a Ré era a única entidade financiadora da sociedade quando é notório, pela constituição de hipoteca sobre o imóvel de ..., em 2007 (cfr. documento n.º 24, anexo à petição inicial), que também o Banco 2... o era.
Notoriamente, minimizou a grave falta de liquidez da sociedade e as profundas dificuldades financeiras que enfrentava, que teriam necessariamente reflexos no processo de aprovação do crédito, em 2009, cujas negociações eram complexas e, inevitavelmente, morosas, pelo risco e elevados valores envolvidos.
Não se mostrou credível que a Ré aceitasse que o depósito caução, para garantia da garantia prestada às finanças, fosse, sem mais, libertado, porque se destinava ao pagamento de dívidas de impostos em nada relacionados com os empreendimentos, estava fora do objetivo e finalidades dos contratos.
Note-se que se o pagamento do valor da quantia que esteve na origem do arresto ocorreu, tal sucede num momento muito diferente, ou seja, foi acordado no âmbito do contrato de 2009.
Quanto à dívida das finanças, nenhuma contratação existiu nesse sentido (a não ser através da concessão de novo crédito, sendo que nessa altura a sociedade já não dispunha de condições para o fazer).
Assim, e em termos genéricos, atendendo à parcialidade desse depoimento, consubstanciada na menorização do contexto económico que se vivia, referido por todas as testemunhas, da situação de insolvência quase iminente em que se encontrava a sociedade em 2008/2009, a atitude de exigência perante a Ré no sentido de libertar os valores, sem que aludisse à capacidade da sociedade para cumprir as obrigações inerentes (note-se que as vendas eram inexistentes), não foi possível acolhê-lo.
Como tal, não pode tal depoimento ser acolhido, nem tão pouco abalar o prestado pelas referidas testemunhas. (…)”.

Desde já se adianta que, efetuada a audição dos depoimentos das testemunhas GG, EE e FF e das testemunhas HH e CC, se conclui pelo acerto da análise e valoração da prova efetuada pelo tribunal a quo, nos moldes expressos na motivação da convicção efetuada na decisão recorrida.
O juiz não é nem pode ser um recetáculo acrítico das declarações prestadas pelas testemunhas em julgamento, nem a decisão do tribunal quanto à reconstituição da realidade a partir dos depoimentos é uma soma ou contagem do n.º de testemunhas que disse isto ou aquilo.
É aqui de referir que, entre outros aspetos, na valoração da credibilidade e valor da prova testemunhal há que ter em conta também a forma como são colocadas as questões, uma vez que através da própria pergunta é possível orientar ou condicionar o teor da resposta. O próprio tribunal a quo disso deu conta na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, no decorrer do depoimento prestado pela testemunha CC, quando alertou o ilustre mandatário do autor de que, nas perguntas que efetuava, estava a dar as respostas à testemunha (minutos 00:19:59 até 00:20:18 da gravação do depoimento da referida testemunha).

Iremos, ainda assim, com a brevidade que se impõe – face ao já expendido –, analisar os diferentes conjuntos das alíneas dos factos não provados impugnadas.

1. Alíneas c) e d) dos factos não provados
Sustenta o apelante que, com base nos depoimentos das testemunhas CC - Técnico Oficial de Contas da sociedade A... - e HH - Contabilista da sociedade A..., na parte que transcreve nos pontos 10. e 11. das conclusões, deveria o tribunal a quo ter considerado provado que:
O financiamento titulado pela escritura pública outorgada em 30 de outubro de 2009 e 7 de dezembro de 2009 foi superior ao pretendido/solicitado pela sociedade A... (al. c) dos factos não provados).
E que:
O financiamento superior ao pretendido na escritura de 30.10.2009 e no reforço de 7.12.209 destinou-se a que a Ré, com a constituição de hipotecas, garantisse para si e colocasse à sua inteira disposição a totalidade do empreendimento de ... (al. d) dos factos não provados).

Dir-se-á, desde logo, que a prova do que consta da al. c) só assumiria relevância para a procedência da ação se e na medida em que se fizesse prova do alegado na al. d), atenta a causa de pedir invocada pelo autor. Ora, o apelante sustenta a consideração da matéria em causa como provada nos seguintes pontos das suas conclusões:
9. É notório que a ré financiou num valor muito superior ao requerido pelo autor, designadamente passou de um valor de aproximadamente 700 mil euros para o valor de um milhão e setecentos mil euros. Fê-lo mediante um processo complicado e moroso - tal como indica a testemunha Dr. HH aos sete minutos e 42 segundos do seu depoimento “Bem, se demorou quase um ano a ter dinheiro acho que não foi um processo fácil, não é?” - e quando o fez, fê-lo numa altura em que a sociedade estava financeiramente pior do que quando foi efetuado o pedido. No entanto, embora tenha efetuado o financiamento, acabou por não o libertar pelo que, efetivamente, sem aumentar a despesa aumentou as garantias que tinha sobre os empreendimentos da sociedade do autor.
10. Pela testemunha, Dr. CC, foi dito:
16:29 - Dr. CC: “Sim, aquilo depois houve um reforço - estamos a falar em ... - sim, reforço mais um milhão e tal, se não me engano, ou passou para um milhão e tal. Agora é que eu não sei se reforçou ou se passou…”
16:40 - Mandatário Autor: “Tem ideia se, que a A... pediu inicialmente 700 mil euros, era o valor para liquidar basicamente a fornecedores e que o financiamento acabou por ser concedido por um milhão 700 e…”
16:55 - Dr. CC: “Sim, a ideia é essa que eu tenho. Ultrapassou bastante, tanto que eles aumentaram, fizeram novas escrituras de reforço e hipotecas e etc. etc. Agora o montante exacto, sinceramente, não sei.”
11. Pela testemunha, Dr. HH, foi dito:
41:33 - Mandatário Autor: “Tem ideia, relativamente a ..., ter sido pedido cerca de 750 mil euros e o Banco 1... acabar por depois, de muitos meses…”
41:49 - Dr. HH: “Eu não tenho, eu não participei nas reuniões, portanto, não sei.
Mas o que…tive, e foram vários anos com o Sr. AA ele nunca terá pedido valores nessa grandeza, ele terá pedido tipo um milhão de euros ou 750 mil e era essa a expectativa dele no fim de contas.”

Em primeiro lugar, o que consta do ponto 9. das conclusões (além da aí efetuada transcrição do depoimento da testemunha Dr. HH), constitui um juízo conclusivo do apelante, e não o que resultou do depoimento da testemunha.
De resto, o que resulta da audição do depoimento desta testemunha é que (também) a mesma foi dando as suas respostas devidamente direcionadas pelo teor das perguntas efetuadas (as respostas afirmativas e com valores ou informações precisas apenas surgem perante perguntas fechadas, e não quando são feitas perguntas abertas). Veja-se este excerto, o mais fiel possível à gravação efetuada do depoimento da testemunha, quando questionada sobre os financiamentos e seus reforços, para se perceber como se pode condicionar o teor das respostas obtidas (naturalmente com a inerente relevância ao nível do valor probatório do depoimento prestado):
Resposta da testemunha HH (a questão sobre o valor dos financiamentos) – Recordo-me de um valor inicial de 2.250.000 para um deles.

Pergunta do advogado do autor (P) – Será o de ...?
Resposta (R) – É possível. É provável, aliás.

P – O outro será 1.500.000,00?
R – Muito provável.

P – Tem ideia de terem existido reforços?
R – Houve reforços, foram acompanhados pelo Dr. Marça. Reunia com os Bancos. Era a empresa A... que pedia os reforços.

P – Os que foram feitos em ..., tem ideia do valor dos reforços?
R – Assim do pé para a mão, não.

P – Se lhe disser que em ... foi um reforço no valor total de € 1.730.000,00?
Testemunha HH: E foi feito esse reforço?
Advogado do autor: Sim.
(…)
P – Tem ideia?
R – Sim, tenho ideia de ter sido um reforço, não me lembro se nessa data mas lembro-me que houve um hiato entre o pedido e a concessão.

P – Para ... um reforço de € 640.000,00?
R – Sim.

P – A que se deveu estes reforços?
R – Dificuldades financeiras, com certeza.

P – Eram dificuldades de 2009 ou vinham já de 2008?
(….)
R – Se me diz que foi no final do ano penso que o pedido terá sido feito no princípio de 2009.

P – Pelo menos desde o início de 2009 começaram a ser feitos pedidos, cartas, reuniões?
R – Sim.

P – Foi um processo fácil ou arrastou-se?
R – Se demorou quase um ano a ter o dinheiro acho que não foi um processo fácil.
(…)
P – Esta demora na negociação de reforço causou algum problemas?
R – Naturalmente que os fornecedores não estavam satisfeitos, queriam receber e não havia dinheiro. (…)

No que concerne à al. d), não se retira de qualquer das transcrições dos depoimentos das testemunhas, efetuadas nos pontos 9. e 10. das conclusões, a prova da matéria em causa. A única referência a um valor de pedido inicial distinto do que foi concedido é feita numa resposta da testemunha CC a uma pergunta que já contém a própria resposta (como, de resto, o tribunal a quo sinalizou no decurso da própria inquirição desta testemunha, nos termos já acima referidos):
16:40 - Mandatário Autor: “Tem ideia se, que a A... pediu inicialmente 700 mil euros, era o valor para liquidar basicamente a fornecedores e que o financiamento acabou por ser concedido por um milhão 700 e…”
16:55 - Dr. CC: “Sim, a ideia é essa que eu tenho. Ultrapassou bastante, tanto que eles aumentaram, fizeram novas escrituras de reforço e hipotecas e etc. etc. Agora o montante exacto, sinceramente, não sei.”

E, como resulta da leitura da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida:
(…) [A testemunha GG] assinalou que formalmente, o pedido de reforço realizado em 2009 foi solicitado em 14.05.2009, explicando que foi antecedido de duas reuniões (em janeiro e março) com o Autor e o Dr. CC, descrevendo a complexidade que assumiu a operação pelos riscos de incumprimento que existia, nos termos que a seguir se explicitarão.
Tendo por paradigma o tempo decorrido entre a solicitação do primeiro financiamento e a sua formalização, não pode o tribunal concluir que existiu, quanto aos reforços de 2009, a demora que o Autor imputa à aprovação pela Ré.
Daí a não prova da alínea o). (…)
Quanto ao empreendimento de ... referiu o primeiro reforço, em 2007, que foi pedido para € 500.000,00 mas que só obteve aprovação de €300.000,00 (não sendo de € 750.00,00, deu-se por não provada a alínea b), apesar do parecer desfavorável do risco do banco. Nessa altura, argumentou o Autor que precisava do reforço para melhoria do nível de acabamentos do prédio de ... porque haveria outros empreendimentos próximos, cujo nível de acabamentos superior poderia afetar o sucesso do seu empreendimento.
Referiu que nesta primeira fase, o banco não controlava os pagamentos aos fornecedores.
Explicou, como se disse, que aquando do pedido de reforço (que apelidou de reestruturação do crédito) foi formalizado em 14.05.2009, tendo sido antecedido de reuniões, nas datas já indicadas, já se indiciava uma situação de elevadíssimo risco (da conclusão da obra e da própria solvência da sociedade) porque já existia um arresto, o Autor a comunicar que tinha dívidas a fornecedores na ordem dos € 804.000,00, entendeu a direção que deveria ser concedido em moldes diferentes.
Explicou que o valor alcançado de € 1.730.000,00 foi com base nas dívidas apuradas e que mesmo se destinou a pagar a fornecedores, pagar os juros vencidos e vincendos do próprio financiamento, acabamentos das cozinhas (apenas e tão só à medida que havia clientes certos para a compra dos apartamentos), comissões de venda às imobiliárias (também à medida que se fossem vendendo os apartamentos) e liquidação do crédito do reforço de 2017 (de que estava em dívida €144.000,00).
Concluiu que o valor de financiamento concedido era o necessário.
Contudo, porque neste aspeto não especificou o valor de cada uma das tranches deu-se por não provada a alínea f). (…)”.

Deste depoimento, conjugado com as escrituras públicas outorgadas em 30-10-2009 e em 07-12-2009, juntas aos autos com a petição inicial, como doc. 5 e doc. 7, respetivamente (as quais são documentos autênticos com a força probatória emergente do disposto no art. 371.º do Cód. Civil, e que fundamentam a matéria de facto considerada provada no ponto 15) dos factos provados) resulta claro que ocorreu o encontro de vontades entre as partes – incluindo o aqui autor, que subscreveu tais documentos quer pessoalmente, quer em representação da sociedade A... – necessário para a existência do contrato de abertura de crédito em conta-corrente à sociedade A..., até ao limite de € 1.500.000,00 (nos termos e condições acordados na escritura outorgada em 30-10-2009, ou seja, estando a utilização do referido crédito destinado a apoiar a construção do prédio dependente de autorização do banco réu em função do estado de desenvolvimento da obra – cláusula primeira do contrato), tendo ulteriormente sido aumentado o limite máximo do montante desse crédito aberto em conta-corrente em mais € 230.000,00, passando assim o limite do montante de capital passível de ser utilizado para € 1.730.000,00, conforme emerge da escritura outorgada em 07-12-2009, tendo aí sido acordado que o crédito em conta-corrente assim concedido se “destina a ser utilizado na conclusão da construção, nomeadamente no que toca aos acabamentos e colocação de electrodomésticos, bem como, para fazer face aos pagamentos das dívidas aos fornecedores, dos juros vencidos e vincendos, comissões de venda, penhora de garantia bancária e liquidação de contrato existente nesta instituição de crédito”, ficando igualmente a utilização do novo limite de crédito dependente de autorização do banco réu, conforme resulta da leitura da cláusula primeira da referida escritura, e na alteração para a mesma finalidade do empréstimo concedido pela escritura de 30-10-2009, conforme resulta das declarações prestadas pelas partes outorgantes no final da escritura de 07-12-2009.
Tal contraria frontalmente a alegada existência de um financiamento num valor não querido/não solicitado pelas partes que outorgam os documentos que titulam esse mesmo financiamento.
Concluímos, deste modo, pela improcedência da pretendida consideração como provadas das als. c) e d) dos factos não provados.

2. Alínea h) dos factos não provados
Novamente com base nas partes transcritas dos depoimentos das testemunhas CC e HH e ainda com base num excerto do depoimento da testemunha FF – transcritos nos pontos 14., 15. e 16. das conclusões das alegações de recurso –, defende o apelante que devia ter sido considerada provada a al. h) dos factos não provados, a qual tem o seguinte teor:
A Ré não disponibilizou à A... os valores de crédito a que se alude na alínea anterior com o intuito claro de estrangular a sociedade e o Autor, impedindo aquela de proceder ao pagamento a fornecedores e de honrar compromissos variados, nomeadamente com clientes e fisco;

O que resulta das referidas transcrições dos depoimentos das testemunhas Dr. HH e Dr. FF é, tão só e apenas, que o limite de crédito concedido não foi esgotado. É manifesto – resulta da leitura dos contratos titulados pelas escrituras públicas que titulam o reforço de financiamento ocorrido em 2009, mediante a abertura de crédito em conta-corrente – que a utilização dos montantes concedidos não era livre, estando antes condicionada, desde logo, à afetação às finalidades previstas nos aludidos contratos, expressamente referidas nos pontos 15) e 30) dos factos provados.
Não se pode deixar de referir a falta de sustentação da parte do depoimento da testemunha Dr. HH transcrita no ponto 15. das conclusões, quando refere que o plafon de crédito por utilizar seria de cerca de 50%, face ao que ficou provado nos pontos 24) – do montante máximo de crédito de € 1.730.000,00 foram utilizados € 1.625.305,00 – e 42) dos factos provados – do montante máximo de crédito de € 640.000,00 foi utilizado pela sociedade A... o valor global de € 522.955,38 –, sendo que para a prova dos valores utilizados foram juntos com a contestação os extratos de movimentos das contas associadas aos referidos contratos (doc. 7 e doc. 12 juntos com a contestação).
No que concerne ao excerto transcrito das declarações prestadas pela testemunha CC, é o mesmo exemplificativo da parcialidade apontada pelo tribunal a quo na motivação da convicção: veja-se que nem o autor alegou na petição inicial ter existido qualquer problema com a libertação dos fundos dos financiamentos celebrados a não ser a partir dos contratos celebrados em 2009; por outro lado, se existissem autos de obra assinados e validados apresentados para libertação de valores, a prova da falta de libertação dos valores apesar da apresentação de tais autos sempre careceria da apresentação da competente prova documental (pelo menos os autos em causa, quanto aos acabamentos). Ora, inexiste qualquer prova documental corroboradora do depoimento desta testemunha junta ao processo. Tal depoimento também é incongruente com a demais prova produzida quanto à finalidade dos financiamentos de 2009 (para a obra de ..., que se encontrava praticamente concluída em 2009, conforme resultou do conjunto da prova produzida, o financiamento destinou-se “a apoiar a conclusão da construção do prédio de ..., nomeadamente, no que toca aos acabamentos e colocação de eletrodomésticos, bem como, para fazer face ao pagamento das dívidas a fornecedores, dos juros vencidos e vincendos, comissões de venda, penhor de garantia bancária e liquidação de contrato existente na Ré”, conforme ponto 15) dos factos provados; para a obra de ..., o financiamento destinava-se às finalidades que constam dos pontos 30) e 35) dos factos provados, tendo ficado provada a realização dos pagamentos de fornecedores nos termos que constam do ponto 36) dos factos provados – matéria de facto provada que, de resto, não é colocada em causa no recurso interposto).
Os depoimentos transcritos nas conclusões do recurso não suportam, assim, a pretendida prova do teor da al. h) dos factos não provados.

3. Alínea p) dos factos não provados
Pretende o apelante, alegando discordar da apreciação do facto não provado identificado pela al. p)Com a contratação dos reforços aos financiamentos à construção, nos empreendimentos de ... e ... realizada em 2009, a Ré enganou os fornecedores, a quem foi transmitido que os pagamentos estavam assegurados e que poderiam trabalhar à vontade, acabando estes por acreditar na Ré e contribuir na valorização dos empreendimentos, sem a devida e prometida contrapartida de pagamento; – que seja considerado provado o seguinte:
“A ré convocou uma reunião com os fornecedores para que esta os tranquilizasse em relação aos pagamentos devidos pelo autor, comprometendo-se a própria ré a realizar os respectivos pagamentos e, dessa forma, convencê-los a continuarem com os trabalhos.” (ver ponto 18. das conclusões).
Não se alcança qual é o efeito útil da pretensão do apelante com a redação dada ao que pretende que seja considerado provado, para mais quando tal matéria já consta, no essencial, do ponto 34) dos factos provados. Aliás, é o próprio tribunal a quo que, na motivação da convicção, também dá conta da existência de tal reunião com os fornecedores, indicando precisamente o depoimento da testemunha II:
Quanto aos dois empreendimentos e no que aos reforços de 2009 respeita, explicou que Autor permitiu/autorizou que fossem feitos diretamente pela Ré aos fornecedores, tal como resulta do documento n.º 8, anexo à contestação, o que permitiu a prova do facto 36º, os quais foram feitos como resultou do depoimento da testemunha II, que referiu ter sido chamado pelo Banco 1... dos ..., juntamente com outros fornecedores, e que foram informados que as faturas iriam ser pagas pelo banco, confirmando que efetivamente lhe foram pagos valores em dívida diretamente pela Ré.
Improcede assim a pretendida eliminação da al. p) e aditamento à factualidade provada de matéria que, no essencial, já dela consta.

4. Alínea t) dos factos não provados
O apelante defende que deve ser considerada provada a matéria contida na al. t) – “De nada tendo valido, os inúmeros pedidos, realizados pessoalmente, por telefone ou por cartas registadas, no sentido de que a Ré libertasse os valores contratualmente financiados”, fundamentando tal pretensão nos depoimentos prestados pelos já referidos CC e HH, conjugados com os Documentos 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16.
Esta al. t) surge no seguimento dos factos considerados não provados nas als. r) e s), reportando-se os alegados pedidos aí referidos a pedidos de libertação pela ré de valores no âmbito dos contratos de financiamento à construção celebrados em 30-10-2009, com o aditamento de 07-12-2009 (empreendimento de ...) e em 30-11-2009 (empreendimento de ...).
Nem a prova documental indcada pelo apelante nem os depoimentos das referidas testemunhas que transcreve suportam a pretendida alteração da decisão de facto.
O doc. 10 junto com a petição inicial consiste numa carta de 14 de janeiro de 2009 subscrita pela testemunha CC, em nome da sociedade A..., cujo conteúdo se reporta à solicitação pela referida sociedade do reforço e alteração das condições de financiamento contratadas em 2006 (ver n.os 6) a 13) e 27) a 29) dos factos provados) relativamente aos empreendimentos de ... e de ..., sendo, por conseguinte, uma carta prévia aos contratos celebrados em outubro, novembro e dezembro de 2009, na qual se solicitava precisamente a realização de uma reunião para renegociação daqueles contratos de 2006 – renegociação essa que veio a acontecer, dando origem à celebração dos contratos de 2009 – não sustentando assim tal documento qualquer prova do conteúdo vertido na al. t). Aliás, o doc. 10 foi considerado pelo tribunal recorrido na formação da sua convicção quanto ao facto provado sob o n.º 39 (Aquando da negociação dos reforços de financiamento, houve insistências da parte do Autor e da A..., no sentido de serem os mesmos concretizados), nos seguintes termos:
Assim, resultando do documento n.º 10 anexo à petição inicial as insistências da sociedade, que se deram por provadas (facto 39º), até porque foram referidas pela testemunha CC, não foi possível concluir essa excessiva demora na aprovação, sobretudo com a intenção que lhe põe o Autor.
De igual modo, o conteúdo dos docs. 11, 12, 13 e 14 juntos com a petição inicial é impertinente para prova da matéria em causa: constituem missivas atinentes ao relacionamento comercial da sociedade com o banco réu, mas que não traduzem nem consistem em pedidos de libertação de valores nos termos e em execução ou cumprimento do acordado nos contratos celebrados em 2009.
A parte transcrita do depoimento prestado pela testemunha CC (ponto 23. das conclusões) reporta-se à pretensão do autor para ser a ré a pagar dívidas da sociedade à Autoridade Tributária, o que, manifestamente, não se enquadrava nas finalidades previstas nos aludidos contratos celebrados em 2009 para a libertação de fundos.
A parte transcrita do depoimento da testemunha HH (ponto 24 das conclusões) reporta-se à fase de negociações que veio a culminar, precisamente, com a celebração das escrituras de 2009, e não a pedidos de libertação de valores no âmbito da execução desses contratos.
Improcede a pretendida alteração.

5. Alínea u) dos factos não provados
Sustenta o apelante que do depoimento da testemunha CC (transcrito no ponto 27. das conclusões) resulta a prova da al. u) dos factos não provados: O referido no facto 40º foi informado à Ré na data da outorga da escritura de 3.10.2006, tendo ficado acordado com os representantes da Ré e o Autor, que assim que a A... quisesse, a Ré autorizaria o destaque da parcela e extinguiria a hipoteca que teria de ser feita sobre o todo do imóvel.
Da própria transcrição efetuada pelo apelante se retira a clara insuficiência de tal depoimento para alterar a decisão do tribunal recorrido: o que resulta do depoimento da testemunha é que a pretensão de destaque de uma parcela do terreno de ... (provada no ponto 40) foi comunicada e solicitada à ré, tendo os interlocutores do banco – que a testemunha diz que assumiram ‘oralmente’ o compromisso de destaque – dito que “tinham de pedir autorização superior, sim senhora, de transmitir esse compromisso mas isso nunca foi…nunca houve consequência disso.”
Confirma-se, assim, o acerto da decisão do tribunal recorrido, que fundamentou a convicção quanto à matéria em causa nos seguintes termos:
A prova do facto 40º resultou do depoimento da testemunha II, que explicou a situação do ónus de não fracionamento e da intenção posterior do Autor de separar a parcela de terreno do resto do empreendimento (sendo certo que foi apreendida na insolvência como prédio autónomo mas acabou por ser englobada na fração “J” do empreendimento de ..., constando as insistências do Autor do teor dos documentos n.ºs 14 e 23, anexos à petição inicial.
Contudo, porque nenhuma prova foi produzida no sentido de comprovar a matéria de facto constante das alíneas u) a w) teve a mesma que resultar não provada.

6. Alíneas z), bb) e cc) dos factos não provados
Pretende o apelante que seja considerada provada a matéria vertida na al. z) A Ré não pagou o valor do imposto em dívida que se havia comprometido pagar, nem substituiu a garantia por outra de valor inferior; na al. bb) A Ré obrigou-se a libertar o valor a que se alude no facto 54º a favor da sociedade; e na al. cc) A Ré não libertou o valor do depósito a fim de se prosseguir com o seu plano de asfixia da sociedade e apropriar-se do seu património; dos factos não provados.
Fundamenta tal pretensão nos depoimentos das testemunhas CC, HH (parte transcrita, respetivamente no ponto 33. e 34. das conclusões), nas declarações de parte do autor (parte transcrita no ponto 35. das conclusões) e nos documentos 11 e 14 juntos com a petição inicial.

O tribunal a quo fundamentou nos seguintes termos a decisão tomada quanto à falta de prova da matéria em causa:
A testemunha HH, que foi contabilista da sociedade (…) referiu que o Autor pretendia que o depósito constituído para garantir a garantia prestada pela Ré no âmbito da execução fiscal (no montante de €135.000,00) e que esta utilizou tal montante para abater ao valor financiado, sem que revertesse para a conta de depósitos à ordem da sociedade, sem que contudo mencionasse a existência de qualquer acordo nesse sentido.
Perante este cenário de profundas dificuldades que se iniciaram em 2007/2008, o tribunal acolheu o depoimento das testemunhas GG, EE e FF, todos funcionários da Ré, que diretamente lidaram com a situação e que ao contrário das demais testemunhas revelaram ter uma visão objetiva dos fins subjacentes aos financiamentos (tendo sido transversal o entendimento das testemunhas do Autor de que os financiamentos e seus reforços tinham um caráter indiferenciado, ou seja, que se destinavam a todas e quaisquer necessidades de tesouraria da sociedade, o que é contrariado pelos respetivos contratos. (…).
A testemunha GG (…) [c]onfirmou o apoio dado quanto às penhoras das finanças (pese embora o Autor assente a sua causa de pedir apenas numa, ou seja, na que foi objeto de impugnação mas mencionando a testemunha que existiam execuções por dívidas por IRC e IMI) referindo que pelas suas mãos passaram duas garantias bancárias, uma de bom cumprimento de execução da obra e outra relativa a dívidas fiscais cuja origem nada tinham a ver com os empreendimentos financiados.
Saliente-se aqui que destinando-se a garantia bancária a suspender a execução enquanto não havia decisão quanto à impugnação deduzida, assim que foi deduzida decisão não se vislumbra como poderia manter-se a execução suspensa através da emissão de garantia bancária de valor inferior.
Ou seja, proferida a decisão, impunha-se o pagamento da quantia exequenda.
Por esse motivo, deu-se por não provada a alínea y).
Ainda no contexto da garantia bancária, e quanto à alegada demora na sua emissão, deu-se a mesma por não provada (alínea x) porquanto como resulta do documento n.ºs 17 e 18, anexos à petição inicial, a Autoridade Tributária notificou a sociedade para apresentar a garantia no prazo de 15 dias, por notificação datada de 23.09.2009, e a garantia foi emitida pela Ré em 14 de outubro de 2009 (além de que caso fosse o prazo ultrapassado já não seria possível suspender a execução).
Explicou a testemunha GG que o depósito a prazo constituído para garantir a garantia a que se alude nos factos provados foi feito através da libertação de dinheiro do financiamento à construção do empreendimento de ....
A testemunha EE referiu que esteve na agência dos ... em 2009/2010 e que quando iniciou funções já os reforços de 2009 estavam contratados, tendo participado na execução do contrato (libertação do capital em função do desenvolvimento da obra e pagamento a fornecedores).
(…)
Confirmou a devolução da garantia bancária e a amortização do empréstimo do depósito caução que havia sido constituído.
A testemunha FF referiu que em março de 2010 assumiu a direção regional da Ré a que pertence a agência dos ... (…) [r]eferiu a existência de reuniões e os pedidos do Autor para ser mais apoiado mas que em face do arresto, das penhoras das finanças, dos ónus de terceiros sobre os imóveis a situação era já de alto risco de incumprimento, assinalando que as dificuldades já vinham do passado. (…)
Quanto à garantia bancária a que se alude nos factos provados, referiu que o Autor procedeu à entrega da garantia afirmando que não teria sido utilizada por ter sido constituída uma hipoteca sobre a sua casa (o que de todo não correspondia à verdade).
Referiu que como o depósito caução da garantia tinha sido retirado do financiamento, foi reposto no contrato a fim de ser reutilizado no apoio à construção, tal como contratado (não colocando sequer a questão de ser entregue diretamente à sociedade).
Tais depoimentos mereceram a total credibilidade do tribunal (…) porque prestados de forma objetiva, realista e consentânea com as regras da experiência comum.

Os meios de prova indicados pelo apelante não impõem outra decisão distinta da tomada pelo tribunal a quo, a qual se funda e fundamenta nos meios de prova indicados na motivação da convicção que antecede.
Com efeito, o doc. 11 é uma carta datada de 6 de outubro de 2009 remetida à ré, subscrita pelo autor, na qual se faz referência à urgência na outorga das escrituras que titulem “as decisões tomadas, tendo em vista o prosseguir dois empreendimentos alvo de financiamento” – que serão as escrituras que vieram a ser outorgadas em outubro, novembro e dezembro de 2009 –, sendo que a única referência à garantia bancária aí feita foi esta: “No pressuposto de que os empreendimentos são para terminar e comercializar por nós, não compreendemos este longo compasso de espera, depois de toda a documentação solicitada por V. Ex.as já ter sido devidamente entregue na V. Agência dos ..., incluindo a notificação das Finanças para a emissão da garantia bancária.”
O doc. 14 é uma carta datada de abril de 2010, subscrita pela sociedade A... , dirigida à direção comercial do Porto do Banco 1..., na qual é solicitada uma reunião com caráter de urgência para, “[c]om o sentido de resolvermos algumas situações que constatamos de pendentes, e tendo em vista o breve terminus do empreendimento de ...”, tratar dos assuntos aí elencados, sendo o do ponto “3. Pagamento de IMT, em substituição da garantia já emitida.”.
Da transcrição do depoimento da testemunha HH resulta que a fonte do seu conhecimento é o autor, e o que lhe foi transmitido pelo autor foi que este queria que o banco réu pagasse o imposto. A testemunha não tem qualquer conhecimento pessoal de qual foi a posição do Banco face a tal pedido.
No que concerne ao depoimento da testemunha CC, subscreve-se a avaliação efetuada pelo tribunal a quo quanto à valoração do mesmo, ao nível da sua parcialidade, comprometendo a isenção e credibilidade do referido depoimento.
Nas declarações de parte prestadas, o autor começa por dizer, de forma pouco assertiva, que o depósito de € 135.000,00 havia sido feito “(…) com algum dinheiro que eu tinha na conta na altura e o resto eu tive de andar a…já não posso precisar se veio do Banco 2..., se veio, de onde é que veio. Sei que, o que havia no banco, já não sei de onde é que ele veio, mas não veio daí” [do empréstimo], para depois acabar por admitir que, pelo menos parte, teria vindo de empréstimo efetuado pelo banco réu - “Penso que uma parte de 35 mil euros veio do Banco 2... e a outra parte, eu falei com o Sr. GG e atrasamos um bocadinho as faturas de dois credores ou três, já não sei bem, para se libertar - portanto, esse valor já estava disponível para pagar a fornecedores, porque eles não libertam nada sem pagar a fornecedores – e arranjou-se maneira de fazer o depósito para eles fazerem a garantia, só não percebemos é por que tínhamos de fazer um depósito de 135 mil euros, se não havia quase dinheiro por é que tivemos de fazer. Tivemos de fazer e a garantia foi feita.
Tal depoimento, no que concerne à origem do valor de € 135.000,00 utilizado para o depósito, é infirmado pelo documento 13 junto pela ré com a contestação, que consiste numa carta datada de 08-10-2009, assinada pela sociedade A... (assinatura do autor aposta sob a firma da sociedade), dirigida ao Banco réu, a solicitar “uma libertação referente ao contrato n.º ..., do valor disponível de € 135.000,00 (…), para constituição de um depósito a prazo, por um ano automaticamente renovável, para contra-garantir uma garantia bancária solicitada pela nossa empresa no valor de 126.825,26 € (…), a favor do Serviço de Finanças de São João da Madeira, referente ao processo n.º 0167200801022849”.
Tais depoimentos – diferentemente do que sucede com os depoimentos das testemunhas que fundamentaram a convicção do tribunal a quo – contrariam o que resulta dos contratos celebrados, não existindo qualquer suporte documental da alegada aceitação pelo banco réu do pedido efetuado pelo autor para ser o Banco a pagar – com o dinheiro do depósito de € 135.000,00, que provinha de financiamento do próprio Banco, como resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF e GG – a dívida da sociedade às finanças. É manifesto que dos documentos referidos pelo apelante não resulta mais que a prova de que o autor pretendia que o banco efetuasse tal pagamento.
Improcede a pretendida inclusão da referida matéria nos factos provados.

7. Alíneas dd) e pp) dos factos não provados; alínea qq) dos factos não provados
Sustenta o apelante que dos documentos 21 e 22 juntos com a petição inicial, da avaliação junta pelo autor em 07-11-2022, dos depoimentos da testemunha JJ (transcrição efetuada no ponto 38. das conclusões) e da testemunha II (transcrição efetuada no ponto 39. das conclusões) e das declarações de parte do autor (transcritas no ponto 40. das conclusões) resulta deverem ser consideradas provadas as alíneas dd) e pp), alegando que ‘por simples confrontação do valor pelo qual as frações foram adjudicadas (Doc. 21) com os valores a que o autor estava a vendê-las (e os valores
presentes na avaliação junta pelo autor) é possível constatar que foram adquiridas por um valor muito inferior ao de mercado’.
E sustenta ainda que dos depoimentos da testemunha JJ (transcrição efetuada no ponto 54. das conclusões) e da testemunha II (transcrição efetuada no ponto 55. das conclusões) e das declarações de parte do autor (transcritas no ponto 56. das conclusões) resulta a prova da alínea qq) dos factos não provados.
No que concerne à alínea dd) A Ré adquiriu as doze frações a que se alude nos factos 55º a 59º por um preço abaixo de 40% a 50% do seu valor comercial, resulta dos n.os 55) a 59) dos factos provados que, no âmbito dos processos executivos contra a A... instaurados pelas finanças, foi efetuada a venda de 12 frações autónomas do empreendimento de ..., as quais foram adjudicadas no âmbito desses processos ao banco réu (aí credor reclamante com garantia hipotecária sobre as aludidas frações) pelo preço global de € 942.300,00 (sendo assim o valor médio por fração de € 78.525,00).
Quanto à al. pp) À data da apresentação da adjudicação à Ré das vinte e seis frações autónomas no âmbito do processo de insolvência, o preço pago era de cerca de 40% a 50% abaixo do valor de mercado, resulta desde logo do n.º 64) dos factos provados que dos imóveis apreendidos no processo de insolvência, a Ré adquiriu por adjudicação quinze frações autónomas do empreendimento de ..., a totalidade das frações do empreendimento de ... e uma fração sita em ..., pelo valor global de € 2.409.999,97.
Por fim, defende o apelante que, com base nos testemunhos de JJ (transcrição efetuada no ponto 54. das conclusões), de II (transcrição efetuada no ponto 55. das conclusões), nas declarações do autor (transcrição efetuada no ponto 56. das conclusões) e na avaliação junta pelo autor a 07-11-2022 devia ter sido considerada provada a al. qq) O património da sociedade A... tinha um valor de mercado que rondava cerca de €7.130.000,00, sendo €4.000.000,00 referente ao empreendimento de ..., €3.000.000,00 referente ao empreendimento de ... e €130.000,00 referente às frações autónomas de ....
No que concerne à pretendida consideração da al. dd) como provada, o que o apelante defende é que dos meios de prova que indica resulta que o valor comercial das referidas 12 frações ascendia a um valor situado entre € 1.884.600,00 (no caso da venda ter sido feita por 50% do seu valor comercial) e € 2.355.750,00 (no caso de a venda ter sido feita por 40% do valor comercial).
Mesmo que se considerassem os valores que constam do relatório de avaliação junto pelo autor com o requerimento de 07-11-2022 (ref. 33780981), verifica-se que a soma do valor da avaliação aí efetuada das 11 frações identificadas no n.º 55) dos factos provados e da fração autónoma Q, referida no n.º 58) dos factos provados, ascende a € 1.586.000,00 . Considerando o preço da adjudicação ao banco réu das referidas frações constante do n.º 59) dos factos provados – € 942.300,00 –, ainda que se considerasse ser tal valor de € 1.586.000,00 o valor de mercado das aludidas frações nas datas em que ocorreram as adjudicações (a adjudicação no processo de execução fiscal das frações referidas no n.º 55) dos factos provados ocorreu em 25-07-2011, conforme doc. 21 junto com a Petição Inicial, e a da fração Q referida no n.º 58) dos factos provados foi efetuada em 14-01-2013, conforme doc. 22 junto com a PI), sempre se verifica que tal valor da aquisição corresponde a 59,5% do valor da avaliação efetuada.
Acresce que da leitura do Relatório de Avaliação não se retira que a avaliação que aí foi efetuada se reporte ao valor comercial dos imóveis avaliados à data em que foram efetuadas as adjudicações ao banco réu. Tal relatório foi elaborado em 31 de outubro de 2022 (e visitados os imóveis em 14 de outubro de 2022), dele resultando que foi considerado o valor atual dos referidos imóveis: veja-se o ponto 3.1. Método Utilizado na Avaliação dos Prédios Urbanos – moradias: (…) será utilizado o Método dos Custos (…) “ (…) A finalidade deste método consiste em determinar o custo atual de reposição ou substituição de uma construção, detraindo-a num conjunto de depreciações próprias em função do seu estado atual.; veja-se o ponto 3.2. - No caso da avaliação dos prédios que constituem frações autónomas, o critério adotado para avaliação de cada fração, tem em linha de conta a sua localização, as suas acessibilidades, as infraestruturas existentes no local, as características construtivas do prédio onde se insere a fração, o seu estado de conservação geral, o seu nível de conforto e a sua vetustez (idade).
Ora, é do conhecimento geral que em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 o valor de comercialização de imóveis não se comparava ao valor dos mesmos em 2022 Sobre o assunto, veja-se o endereço https://www.D....pt/media/relatorios-preco-habitacao/venda/porto/vila-nova-de-gaia/, em que se dá conta da evolução do preço das casas à venda em Vila Nova de Gaia entre 2015 e 2022, sendo o preço em janeiro de 2015 de € 900,00/m2 e em outubro de 2022 de € 2.075,00/m2.
Já em https://www.D....pt/news/imobiliario/habitacao/2022/04/11/51784-comprar-casa-em-portugal-esta-64-mais-caro-que-em-2010, pode ler-se que “Títulos de notícias como estes marcam as vidas dos portugueses desde 2013. Foi no final desse ano que os preços das casas começaram a dar sinais de subida. E, desde então, não pararam de crescer no país, atingindo mesmo níveis preocupantes para as autoridades económicas e financeiras nos últimos anos.

O resultado desta evolução está à vista: as casas para comprar ficaram 63,9% mais caras entre 2010 e o final de 2021, apontam os dados mais recentes do Eurostat. E esta evolução é mesmo a 11.ª mais acentuada dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE).”

Foi aliás, dada a devida nota no julgamento da crise do sub-prime nessa época como uma das causas das diminutas vendas com que a A... se deparou, como resulta do seguinte excerto da fundamentação da sua convicção:
(…) Este dado objetivo, que denota um baixíssimo número de vendas, permitiu dar credibilidade ao depoimento da testemunha JJ, revisor oficial de contas e que referiu ter prestado serviços à sociedade.
Depôs de forma muito isenta e clara, mencionando que não esteve presente nas negociações com a Ré, tendo referido que na origem dos problemas financeiros da sociedade esteve a crise do sub-prime, com um forte impacto no setor da construção civil, por diminuição da procura (o que manifestamente aconteceu na situação em apreço), o que implicou quer a diminuição dos preço, quer a falta de liquidez das empresas para fazerem face aos seus compromissos, nomeadamente para amortização do crédito à construção, com o consequente acumular de juros, o que se traduz num aumento do custo da própria construção. Desta conjugação concluir que os preços poderiam ficar abaixo do seu custo. (…)”.

Daqui resulta que não são os valores atirados para o ar em depoimentos testemunhais e declarações de parte do autor passíveis de fazer prova da matéria de facto constante de todas as referidas alíneas, confirmando-se, de resto, o juízo efetuado pelo tribunal a quo quanto à não valoração do Relatório de Avaliação junto pelo autor, e quanto à falta de prova da matéria em causa, nos termos e com os fundamentos que assim explicitou na motivação da decisão:
Relativamente ao valor de mercado dos imóveis não pode ser ponderado o teor do documento junto pelo Autor em 7.11.2022, por não se tratar de prova pericial e o valor em causa estar impugnado.
Por outro lado, considerou-se que os depoimentos prestados se revestiram de subjetividade, tendo em conta o lapso de tempo decorrido, a desfavorável conjuntura económica, como se referiu supra, motivo pelo qual não foi possível de forma segura apreender, para o concreto contexto em que os factos ocorreram, um valor de mercado objetivo.
O mesmo se passou com margens de lucro expectáveis, estas especialmente por força da situação de crise que se vivia.
Neste circunspecto, tiveram que se dar por não provadas as alíneas dd), pp), qq), ss), uu), vv), xx), uuu) e vvv).”.
Improcedente, por conseguinte, a requerida consideração da referida matéria como provada.

8. Alínea oo) dos factos não provados
Pretende o apelante se considere provada a al. oo) dos factos não provados – Com dívidas ao Fisco, a A... e o Autor, estavam manietados e impedidos de realizar escrituras e concretizar as várias promessas de venda que tinha em carteira. –, indicando como meios de prova os testemunhos de CC (transcrição efetuada no ponto 43. das conclusões), de JJ (transcrição efetuada no ponto 44. das conclusões) e de HH (transcrição constante do ponto 45. das conclusões).
O que consta da al. oo) constitui um juízo conclusivo, que apenas poderia ser retirado a partir de factos concretos alegados e provados. Ora, tal não ocorreu, como o tribunal a quo dá a devida conta no seguinte trecho da motivação da convicção:
Houve vagas referências pelas testemunhas à impossibilidade de concretização de vendas por causa das dívidas fiscais mas atendendo a que as penhoras eram sobre concretas frações autónomas não foi possível concluir em que medida, até por se desconhecer quais as frações prometidas vender, as mesmas impossibilitaram as vendas.
Daí a não prova da alínea oo).
Nos termos do disposto no art. 607.º, n.º 4 e n.º 5, do Cód. Proc. Civil, na sentença o juiz declara os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Factos são «(…) acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, não obstando, por conseguinte, que se considere, como realidades suscetíveis de averiguação e demonstração, as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio (…)» Assim, Ac. do STJ de 18-10-2018, processo n.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2, acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/
.
O desaparecimento no atual Cód. Proc. Civil do art. 646.º, n.º 4, do anterior Cód. Proc. Civil de 95/96 – que dispunha que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” – deveu-se unicamente à expressa consagração, na reforma de 2013, do fim do tribunal de estrutura coletiva nos julgamentos em sede de primeira instância (que já praticamente não operava, desde a alteração legislativa do DL n.º 183/2000, de 10 de agosto); dessa eliminação não se retira qualquer alteração quanto ao que pode e deve integrar a decisão de facto, nem quanto à inadmissibilidade de inclusão na decisão da matéria de facto da sentença de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
Assim, mantém-se no atual Código de Processo Civil a inadmissibilidade de inclusão na decisão de facto de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito, quando “(…) um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado. (…) Assim, Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, processo n.º 170/16.6T8MMN.E1 - http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/.

.
Improcede, assim, a alteração pretendida (sendo que, não assumindo os factos não provados nenhum papel ou relevância na decisão da causa, é despicienda, porque inconsequente no âmbito do recurso, a eliminação da referida alínea dos factos não provados).

9. Alínea jj) dos factos não provados
Defende ainda o apelante que da prova testemunhal produzida – partes transcritas do depoimento da testemunha CC (ponto 48.), da testemunha KK (ponto 49.), da testemunha II (ponto 50.), da testemunha LL (ponto 51.), da testemunha MM (ponto 52.) – ‘é possível concluir que embora legalmente a moradia sita em ... estivesse no acervo patrimonial da sociedade era somente por uma questão de capital, porquanto, tal como era visto por todos aqueles que lidavam com o autor, a realidade fática era que a moradia pertencia ao autor’, pelo que o facto constante da alínea jj) A casa sita em ... era propriedade do Autor, juntamente com a sua companheira da altura. deve ser considerado provado.
É manifesta a falta de fundamento da pretensão do apelante, desde logo, porque o que consta da al. jj) – ‘a casa era propriedade do autor, juntamente com a sua companheira’ – é matéria jurídica e conclusiva, e não factual, valendo aqui as considerações expendidas no ponto antecedente.
O tribunal a quo, quanto a esta al. jj), pronunciou-se na motivação nos seguintes termos:
Com efeito, o próprio Autor assume na petição inicial que em 2007, a propriedade do imóvel sito em ... foi transmitida para a sociedade nos termos que se assinalaram no facto 59.º, cuja prova resultou do teor do documento n.º 24, anexo à petição inicial (sendo patente que o Autor não era o proprietário do imóvel aquando da sua transmissão para a sociedade e daí a não prova da alínea jj) (…).
O que resulta da prova documental junta ao processo, designadamente, da cópia do registo predial do imóvel junta como doc. 24 com a petição inicial inclusive infirma a conclusão afirmada na referida al. jj). A apreciação conjugada das declarações transcritas com o documento junto suporta a prova da matéria de facto que foi considerada provada no n.º 60) dos factos provados (sendo que existe lapso manifesto na referência ao n.º 59 dos factos provados efetuada pelo tribunal a quo na motivação da convicção acima transcrita, uma vez que a matéria em causa consta do n.º 60) dos factos provados).
Improcede, assim, a pretendida inclusão do teor da al. jj) nos factos provados.

10. Alíneas aaa), bbb), ccc) e ddd) dos factos não provados
Manifesta o apelante a sua discordância quanto aos factos não provados sob a alínea aaa) O Autor, porque era disciplinado nos seus objetivos e profundo conhecer do mercado imobiliário e das suas tendências e necessidades, sempre conseguiu enorme rentabilidade nos seus empreendimentos; sob a alínea bbb) Projetos esses que abraçava com enorme empenho e dedicação, aí sempre colocando em destaque, a sua altíssima qualidade e inovação;, sob a alínea ccc) Gozava de enorme prestígio e era reconhecido por parceiros, clientes e fornecedores, como empresário cumpridor, inovador e empreendedor; e sob a alínea ddd) Gozava de enorme crédito e credibilidade entre bancos, fornecedores e clientes, que nele depositavam ilimitada confiança; defendendo que devem ser considerados provados uma vez que todas as testemunhas por si arroladas e a testemunha Dr. GG “foram unânimes ao considerar que o autor um empresário de sucesso - tendo já tinha sucesso e rentabilidade em vários empreendimentos -, graças ao facto de ser dedicado, inovador, empreendedor e por entregar um produto de grande qualidade e, por conseguinte, tinha imensa credibilidade e crédito entre bancos, fornecedores e clientes.”
Mais uma vez está-se aqui, novamente, perante matéria essencialmente conclusiva. Ainda que assim não fosse, a matéria em causa é inócua para a decisão da presente ação: o prestígio de que o autor gozava como empresário não constitui matéria de facto integradora da causa de pedir da ação, pelo que mesmo que se considerasse tal matéria de facto provada, nenhuma consequência daí adviria para a sorte da ação, pelo que estar a apreciar este ponto da impugnação da decisão de facto seria levar a cabo uma atividade inútil. Como é referido no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2024, proc. 466/22.8T8VNG-D.P1, “(…) Sendo a matéria impugnada pelo recorrente indiferente e alheia à sorte da acção, não interferindo de modo algum na solução do caso, de acordo com o direito (considerando as soluções plausíveis da questão de direito), não deverá a Relação conhecer da impugnação (da pretendida alteração), sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril. (…)”.

11. Alíneas hhh), iii), jjj), kkk), lll), mmm), ppp), qqq) e rrr) dos factos não provados
Defende o apelante que as referidas alíneas devem ser consideradas provadas “na medida em que todas as testemunhas foram unânimes a descrever o estado atual da vida do autor.”
O que, com relevância para a pretensão deduzida pelo autor, estava alegado nas identificadas alíneas e que o tribunal considerou não provado é a causalidade entre a putativa atuação ilícita e culposa da ré e o ‘estado atual da vida do autor’, e não apenas tal estado.
De tal deu o tribunal a quo a devida conta no seguinte excerto da fundamentação da sua convicção:
(…) porque não foi produzida outra prova merecedora de credibilidade que o demonstrasse, nomeadamente a existência de uma estratégia delineada pela Ré ou a falta injustificada de libertação do capital financiado (considerando que tinha concretos objetivos) deram-se por não provados as alíneas c) a e), g) a m), sendo que na não prova da n) teve-se em consideração que as necessidades da sociedade eram muitas mais do que a satisfação dos seus compromissos perante os fornecedores e a conclusão das obras (que aliás não se vendiam), p) a t), z) a cc), kk), tt), ww), yy), zz), ggg), hhh), iii), jjj), kkk), lll), mmm), ooo), ppp), qqq), rrr) (note-se que apesar de resultar muito claro que o Autor tudo perdeu, certo é que não resultou demonstrado que o foi na sequência da mencionada estratégia delineada pela Ré com essa concreta finalidade).
Improcede, deste modo, e in totum, a pretendida alteração da decisão de facto.

B) Análise dos factos e aplicação da lei

A questão de direito suscitada pelo apelante prende-se com a verificação dos pressupostos da ação de indemnização por si intentada, defendendo o apelante que o banco réu atuou em abuso de direito ao exigir o pagamento dos créditos por ter sido ele que, intencionalmente, deu causa ao seu incumprimento.
Para tanto, defende o apelante que o banco réu incumpriu os contratos celebrados, por não ter libertado as quantias financiadas e por, contrariamente ao que havia garantido, não ter libertado o depósito de € 135.000,00 efetuado, permitindo a sua utilização para pagamento da dívida às finanças, tendo sido tal atuação – intencional, de má fé e em abuso de direito – que deu causa à insolvência da sociedade e ao colapso da vida pessoal do autor.
Tal pretensão assenta/pressupunha necessariamente a alteração da decisão da matéria de facto que também foi suscitada no recurso interposto, e que improcedeu na totalidade.
Ora, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto, não se verificam os pressupostos alegados pelo apelante como fundamento da ação intentada, nomeadamente, a atuação do banco réu de incumprimento ilícito e culposo das obrigações contratuais para si emergentes dos contratos de abertura de crédito celebrados, pelo que se subscreve integralmente o que ficou dito na sentença recorrida para fundamentar a improcedência da ação, nomeadamente, quanto ao facto de “(…) não se ter provado que tenha a Ré violado os deveres a que estava obrigada no âmbito das complexas e duradouras relações comerciais estabelecidas com a sociedade ou, tão pouco, o caráter abusivo da sua atuação.” e ainda que “(…) nada se provou sobre a delineação de um prévio plano para apropriação do património daquela, situação que nem para a Ré seria benéfica.”.
Defende ainda o apelante, no recurso interposto, que o facto de o banco réu não ter ‘disponibilizado’ à sociedade A..., SA o valor de € 135.000,00 do depósito constituído para garantir a garantia bancária prestada para suspensão do processo de execução fiscal, com a restituição dessa garantia ao banco, por forma a que a sociedade A... pudesse ter utilizado tal valor para as suas necessidades de tesouraria, nomeadamente, para liquidar a dívida fiscal de 68.000 euros (que era resultante da mesma dívida anterior, a que se tinha destinado a garantia bancária, entretanto restituída ao banco réu, sendo que o banco réu, ao libertar dinheiro do financiamento para a constituição do aludido depósito, tinha entendido que tal se enquadrava e tinha justificação no âmbito das utilizações contratualmente previstas), constitui uma violação do princípio da boa-fé, e da lealdade e retidão contratuais a que estava obrigado por força da sua posição de ‘parceiro único’ da sociedade no financiamento aos empreendimentos de ... e de ... e, por isso, um incumprimento contratual, gerador de responsabilidade obrigacional, nos termos dos artigos 762.º e 798.º do Código Civil, por violação de deveres acessórios específicos de conduta com fonte direta nas relações contratuais pré-estabelecidas com o autor.

Se bem compreendemos a posição do apelante, o mesmo defende que o facto de o banco não ter aceite a pretensão da sociedade para lhe ser disponibilizado o depósito de € 135.000,00 para uso das necessidades de tesouraria da sociedade A..., SA – nomeadamente, para poder liquidar uma dívida fiscal emergente de liquidação adicional de IMT e juros moratórios, resultante de vendas realizadas noutros empreendimentos (distintos dos que eram objeto da relação comercial existente entre a sociedade, o autor e o banco réu) em anos anteriores –, após a devolução da garantia bancária cujo pagamento a constituição de tal depósito garantia, viola deveres acessórios de conduta do réu com fonte direta nas relações contratuais existentes.

Vejamos.
Resulta dos factos provados que o banco réu financiou a sociedade A... na construção de dois empreendimentos: um em ..., outro em ..., mediante a concessão de crédito através da celebração de contratos de abertura de crédito em conta-corrente.
Assim, para o empreendimento de ... foram celebrados os seguintes contratos (n.os 6) a 13); 14) e 15) a 22) dos factos provados):
a) Por escritura de 01-06-2006, abertura de crédito em conta corrente à sociedade A..., SA, até ao limite máximo de €2.250.000,00, para financiamento da construção do empreendimento de ...;
b) Por escritura de 26-12-2007, abertura de crédito com hipoteca e fiança no montante de € 300.000,00, para reforço do financiamento anterior, destinado à conclusão da construção do empreendimento de ...;
c) Por escritura de 20-10-2009, nova abertura de crédito em conta-corrente até ao limite máximo de € 1.500.000,00, aumentado por escritura de 08-12-2009 para € 1.730.000,00, destinado a apoiar a conclusão da construção do prédio de ... (acabamentos e colocação de eletrodomésticos) e para fazer face ao pagamento das dívidas a fornecedores, dos juros vencidos e vincendos, comissões de venda, penhor de garantia bancária e liquidação de contrato existente na Ré.
Para o empreendimento de ... foram celebrados os seguintes contratos (n.ºs 27) a 29) e 30) a 33) dos factos provados):
a) Por escritura de 03-10-2006, abertura de crédito em conta corrente à sociedade A..., SA, até ao limite máximo de € 1.500.000,00, para financiamento da construção do empreendimento de ... (contrato n.º ...);
b) Por escritura de 30-11-2009, abertura de crédito com hipoteca e fiança no montante de € 640.000,00, destinado a regularizar o atraso no contrato celebrado em 03-10-2006 (contrato n.º ...), a assegurar o pagamento dos encargos financeiros do referido financiamento e do próprio financiamento para dois anos, assegurar a conclusão da obra e assegurar o futuro pagamento de comissões sobre as vendas realizadas.
Em 2009, data em que a sociedade solicitou os reforços de financiamento para os referidos empreendimentos que vieram a ser concedidos pelas escrituras de 2009, a sociedade tinha carência de liquidez para fazer face às despesas (n.º 37) dos factos provados).
Em meados de 2009, na sequência de liquidação adicional de IMT e juros moratórios, resultante de vendas realizadas noutros empreendimentos, nos anos anteriores, a sociedade A... foi notificada para pagar dívida fiscal no valor de € 84.050,00, tendo deduzido oposição fiscal. Solicitou ao réu uma garantia bancária de € 126.825,26 para caucionar a suspensão desse processo executivo, o que a ré aprovou, tendo esta sido emitida, mas com a condição de realização pela sociedade de um depósito de € 135.000,00 para garantir a garantia bancária (n.os 45) a 49) dos factos provados).
Para obter tal montante de € 135.000,00 a sociedade solicitou (e o banco deferiu) a libertação de capital do contrato de crédito celebrado em 03-10-2006, nos termos que constam do documento 13 junto com a contestação, referido n.º 50) dos factos provados, ou seja, a sociedade A... solicitou “uma libertação referente ao contrato n.º ..., no valor disponível de 135.000,00 € (…), para constituição de um depósito a prazo, por um ano automaticamente renovável, para contra-garantir uma garantia bancária solicitada pela nossa empresa no valor de 126.825,26 € (…), a favor do Serviço de Finanças de S, João d Madeira (…)”.
A garantia bancária foi devolvida pela sociedade ao banco réu e o banco não libertou para a sociedade o valor do depósito bancário que havia sido constituído para garantir tal garantia (53) e 54)).
São estes, e só estes, os factos que estão provados. Nem sequer consta dos factos provados ter existido qualquer solicitação ao Banco para utilização do valor do depósito a prazo constituído para pagamento de tal dívida.
O depósito de € 135.000,00 foi efetuado – a pedido da sociedade, como resulta da leitura do documento 13 referido no n.º 50) dos factos provados, pedido esse que foi aceite pelo banco – com recurso a libertação de dinheiro do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 3 de outubro de 2006 (contrato celebrado para financiamento da construção do empreendimento de ...), destinando-se a constituição desse depósito a prazo a ser dado em penhor como garantia para a emissão da garantia bancária. Não se trata, assim, de dinheiro próprio da sociedade, mas sim de dinheiro proveniente de financiamento concedido pelo banco réu com recurso ao capital previsto no contrato celebrado em 03-10-2006.
O facto de o banco réu ter permitido/autorizado a libertação de € 135.000,00 do contrato de abertura de crédito em conta-corrente destinado à construção de 10 moradias do empreendimento de ..., para a finalidade de constituição de um depósito a prazo, por um ano automaticamente renovável, poderá enquadrar uma autorização de utilização de dinheiro fora da finalidade do contrato de abertura de crédito em conta corrente (construção das moradias em ...), mas não é essa violação contratual que o autor imputa ao banco. O que o apelante defende que integra uma violação do princípios da boa-fé, e da lealdade e retidão contratuais é o facto de – em nova violação da finalidade do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, que era a construção das moradias em ... – o Banco não ter entregue o dinheiro do depósito a prazo (que tinha a duração de um ano) à sociedade, para o usar para as finalidades que bem entendesse.
Ora, a utilização destinada à realização de um depósito a prazo de um ano, para a finalidade para a qual foi prestado – servir de garantia à emissão de uma garantia bancária prestada pelo banco réu à sociedade A..., no âmbito de situação jurídica alheia à relação comercial de financiamento dos dois empreendimentos – , não apresenta o mesmo grau de risco de perda do valor financiado (que, nos termos contratuais, podia ser utilizado pelo banco para o pagamento de quaisquer dívidas da parte devedora Nos termos da Cláusula Quinta (Autorização de Débito) do documento complementar do referido contrato celebrado em 03-10-2006, ficou estipulado que 1. A Banco 1... fica desde já autorizada pela PARTE DEVEDORA, a pagar-se por conta do crédito concedido de quaisquer dívidas que para com ela tenha a PARTE DEVEDORA.) que a entrega do valor do depósito a prazo à sociedade, para a utilização que entendesse, ainda que tal utilização fosse o pagamento da dívida fiscal que havia sido impugnada.
Concluímos, assim, pela falta de fundamento da existência de qualquer dever contratual do banco réu de, perante a devolução da garantia bancária a que o referido depósito a prazo de um ano, no valor de € 135.000,00, servia de contra-garantia, deixar tal depósito “na disponibilidade e para uso das necessidades de tesouraria da sociedade A..., SA – nomeadamente, para liquidar a dívida fiscal de 68.000 euros (resultante da mesma dívida anterior, a que se tinha destinado a garantia bancária, entretanto restituída à ré).”, e pela inexistência de suporte fatual, face à matéria de facto provada, para se poder afirmar a violação do princípio da boa-fé, e da lealdade e retidão contratuais por parte do banco réu, sendo de confirmar a decisão recorrida, que efetuou o correto enquadramento e subsunção jurídica dos factos. Sobre a existência de responsabilidade contratual por violação dos deveres de proteção ou de segurança; deveres de esclarecimento e informação e deveres de lealdade que vigoram numa relação bancária de concessão de crédito e análise do cumprimento e dimensão destes deveres, ver o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 25-02-2021, proc. 1567/17.0T8PVZ.P1 Acessível em http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/.
, relatada pelo Ex.mo Sr. Juiz Desembargador, Dr. Paulo Duarte Teixeira, aqui 2.º adjunto.

Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Processuais).
A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe ao apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV. Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

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Notifique.
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Porto, 07 de março de 2024
Ana Luísa Loureiro
Aristides Rodrigues de Almeida
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Acórdãos citados acessíveis, na íntegra, na base de dados de jurisprudência do IGFEJ, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[2] MARIA ADELAIDE DOMINGOS, “Recursos, um olhar convergente sobre aspectos dissonantes: questões práticas”, Caderno II – O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina no decurso do processo legislativo, designadamente à luz do anteprojecto e da proposta de lei n.º 113/XII, Coleção de Formação Contínua do Centro de Estudos judiciários, novembro de 2013, disponível em ....
[3] Acessível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/.
[4] Sobre o assunto, veja-se o endereço https://www.D....pt/media/relatorios-preco-habitacao/venda/porto/vila-nova-de-gaia/, em que se dá conta da evolução do preço das casas à venda em Vila Nova de Gaia entre 2015 e 2022, sendo o preço em janeiro de 2015 de € 900,00/m2 e em outubro de 2022 de € 2.075,00/m2.
Já em https://www.D....pt/news/imobiliario/habitacao/2022/04/11/51784-comprar-casa-em-portugal-esta-64-mais-caro-que-em-2010, pode ler-se que “Títulos de notícias como estes marcam as vidas dos portugueses desde 2013. Foi no final desse ano que os preços das casas começaram a dar sinais de subida. E, desde então, não pararam de crescer no país, atingindo mesmo níveis preocupantes para as autoridades económicas e financeiras nos últimos anos.
O resultado desta evolução está à vista: as casas para comprar ficaram 63,9% mais caras entre 2010 e o final de 2021, apontam os dados mais recentes do Eurostat. E esta evolução é mesmo a 11.ª mais acentuada dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE).”
[5] Assim, Ac. do STJ de 18-10-2018, processo n.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2, acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/
[6] Assim, Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2018, processo n.º 170/16.6T8MMN.E1 - http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/.
[7] Nos termos da Cláusula Quinta (Autorização de Débito) do documento complementar do referido contrato celebrado em 03-10-2006, ficou estipulado que 1. A Banco 1... fica desde já autorizada pela PARTE DEVEDORA, a pagar-se por conta do crédito concedido de quaisquer dívidas que para com ela tenha a PARTE DEVEDORA.
[8] Acessível em http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/.