Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2172/22.4T8LRS-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: PROCESSO TUTELAR
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROVA TESTEMUNHAL
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
TELECONFERÊNCIA
ALIMENTOS
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E DA UTILIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Em processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo o requerido progenitor apresentado requerimento probatório testemunhal, nos termos do nº. 4, do artº. 39º, do RGPTC, que, após a devida identificação das testemunhas, solicitou que fossem autorizadas a depor por videoconferência (nomeadamente via Webex), uma vez que residem na Índia, desde logo indicando o e-mail para o devido contacto - assim se depreendendo que no seu local de residência encontram-se disponíveis os meios tecnológicos necessários á prestação dos depoimentos por tal via -, tendo em atenção o disposto no nº. 5, do artº. 502º, do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do nº. 1, do artº. 33º, daquele diploma -, não se vislumbra qualquer justificação para que se considere que a requerida inquirição dificultará o andamento célere dos autos e, como tal, susceptível de indeferimento, nos termos do nº. 2, artº. 25º, do mesmo RGPTC ;
- no âmbito do mesmo processo tutelar cível, aferindo-se acerca da vertente da atribuição e definição do quantum da prestação alimentícia a satisfazer pelo requerido progenitor, os critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos traduzem-se nas:
- necessidades da alimentando menor ;
- possibilidades do progenitor pai alimentante ;
- possibilidades do menor alimentando prover à sua subsistência, ou seja, de dispor de réditos e proventos capazes de, por si só, suprir a incapacidade decorrente da sua menoridade ;
III - relativamente ao pressuposto possibilidades do progenitor pai alimentante, a factualidade objecto de inquirição testemunhal não só pode abranger os eventuais réditos pelo mesmo regularmente auferidos, como as despesas eventuais pelo mesmo suportadas, independentemente da prevalência ou não prevalência destas perante a obrigação de pagamento da prestação alimentícia ao filho (o que deve traduzir-se em juízo posterior), ou seja, independentemente da ordem de vinculação à obrigação de prestação alimentícia, prevista no artº. 2009º, nos. 1, alín. b) e c) e 2, do Cód. Civil ;
IV - ademais, e independentemente desta ordem de vinculação, e não se confundindo com a mesma, certamente que na avaliação global das possibilidades do progenitor não será indiferente apurar-se que o mesmo despende determinada quantia mensal com as despesas de saúde dos seus ascendentes progenitores, em eventual contraposição com equacionáveis situações de idêntico dispêndio com bens de consumo supérfluos ou com a assumpção de débitos para aquisição destes ;
V - donde, não é legítimo concluir no sentido de tal diligência probatória ser destituída de utilidade ou pertinência, por desnecessária, traduzindo-se na prática de um acto inútil e, como tal, proibido, nos quadros do art.º. 130º, do Cód. de Processo Civil.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I - RELATÓRIO
1 – O DIGNO MAGISTRADO do MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos dos artigos 2.º, 4.º n.º1 alíneas b) e i) 9.º n.º1 alínea d) do Novo Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n.º68/19 de 27 de Agosto, nos artigos 1.º, 3.º n.º1 alínea c), 6.º n.º1 alínea c), 9.º n.º1, 17.º n.º1 e 35.º a 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pela Lei n.º141/2015 de 8.09 e artigos 1874.º, 1877.º, 1878.º n.º1, 1905.º a 1908, 1911.º n.º1 e n.º2, 2003.º a 2014.º do Código Civil, 36.º n.º5 da Constituição da República Portuguesa, 27.º n.º1 e n.º2 da Convenção sobre os Direitos da Criança, Princípio 1 da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4 e Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança, intentou processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança A……………, nascida em 11/11/2015, contra os seus progenitores:
-  M………………… ;
- B…………………..,
alegando, em súmula, que os progenitores mantiveram uma relação amorosa, da qual resultou o nascimento da menor e encontram-se separados desde 2021.
Acrescenta que a criança reside com a progenitora, não se mostrando o exercício das responsabilidades parentais judicialmente regulado.
Tal processo tutelar cível foi instaurado em 24/02/2022.
2 – Designada data para a realização da conferência de pais, veio esta a ocorrer conforme acta datada de 22/03/2022.
Após audição dos progenitores, logrou-se obter acordo parcial relativamente à regulação das responsabilidades parentais do menor, nos seguintes termos (devidamente homologado por sentença):
1. O menor A…………….. fixa a residência junto da mãe, M…………….., ficando à sua guarda e cuidados, como se verifica na prática.---
2. As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida do menor, serão exercidas em comum por ambos os progenitores, acordando ambos que a mãe poderá resolver qualquer questão relativa ao A……….., comunicando ao pai sendo que as questões da vida corrente do mesmo serão exercidas pelo progenitor com quem a criança estiver no momento. ---
3. Sempre que o pai esteja em Portugal, o menor passará cinco dias seguidos da semana com o pai, e o fim de semana com a mãe, alternando-se na semana seguinte, em que o A…………. passará cinco dias seguidos da semana com a mãe e o fim-de-semana com o pai, assim alternadamente e a combinar entre si.---
4. Caso o pai esteja em Portugal, as férias do menor serão repartidas por metade do período para cada um dos progenitores, a combinar entre si o período específico, devendo cada um dos pais informar-se mutuamente e previamente do período pessoal das férias de cada um, até final de Março de cada ano civil.---
5. Relativamente às épocas festivas (Natal, fim de ano, Carnaval e Páscoa), se o progenitor estiver em Portugal, serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores e a combinar entre si.---
6. No dia do pai e aniversário deste, o menor passará o dia na companhia do progenitor, caso o mesmo esteja em Portugal.---
7. No dia da mãe e aniversário desta, o menor passará o dia na companhia da progenitora. ---
8. No aniversário do menor, este tomará uma refeição com cada um dos progenitores, em anos alternados a combinar entre si, caso o progenitor esteja em Portugal”.
Consignando-se a inexistência de acordo relativamente ao pagamento das despesas e valor da pensão de alimentos a prestar ao menor, após promoção do Ministério Público, foi fixado, nos termos dos artigos 28º e 38º, do RGPTC, o seguinte regime provisório:
1. A título de pensão de alimentos para o menor, o pai contribuirá com o montante de € 300,00 (trezentos euros) mensais, a pagar por transferência bancária para a conta da mãe, cujo IBAN já tem conhecimento, até ao dia 8 de cada mês, sem qualquer encargo para a mesma.---
2. A quantia atrás referida será actualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística, por referência ao ano anterior. ---
3. O pai fica obrigado a pagar as despesas do colégio do A…………. na sua totalidade, devendo proceder ao seu pagamento diretamente ao colégio---
4. As despesas de saúde, médicas, medicamentosas na parte não comparticipada serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de metade mediante a apresentação de documento comprovativo pelo progenitor que as suportou, procedendo o pai ao pagamento dessas despesas conjuntamente com o pagamento da pensão de alimentos referente ao mês seguinte a que disser respeito”.
3 – Em 02/05/2022, o Requerido progenitor apresentou nos autos requerimento, do qual consta, na parte que ora releva, o seguinte:
(…)
5. O Requerido trabalha em períodos de três meses, descansando os três meses seguintes, sendo que apenas lhe são pagos os três meses em que está ao serviço.
6. Acresce que o Requerido suporta todas as despesas de saúde de seus pais, porquanto não existindo um serviço nacional de saúde ou uma entidade governamental equivalente à segurança social na Índia, e não recebendo eles qualquer reforma ou pensão, serão os descendentes a auxiliar os seus ascendentes,
7. Tal como, aliás, é prática tradicional no País.
8. Os Pais do Requerido são idosos e encontram-se doentes, pelo que o Requerido despende mensalmente de quantias consideravelmente altas com despesas de saúde destes.
9. A mãe do Requerido padece de doença oncológica de estágio de nível III, hipertensão e encontra-se cega de um olho,
10. Sendo que o seu pai, foi recentemente operado à próstata, encontra-se parcialmente cego, sofrendo ainda de hipertensão.
11. Ora, o Requerido nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março do presente ano suportou despesas de saúde de sua mãe no valor de 456,79€ (quatrocentos e cinquenta e seis euros e setenta e nove euros) e de seu pai no valor de 824,10€ (oitocentos e vinte e quatro euros e dez cêntimos) (Cf. Doc. 7 e Doc.8 que ora se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para efeitos legais).
12. Suportando, em acréscimo, os prémios dos seguros de saúde de seus pais, no valor de 38,72€ (trinta e oito euros e setenta e dois cêntimos) (Cf. Doc. 9 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para efeitos legais)”.
Juntou 15 documentos.
4 – Cumprida a notificação prevista no nº. 4, do artº. 39º, do RGPTC, veio o Requerido progenitor, em 18/04/2023, apresentar alegações e requerimento probatório, possuindo, na parte que ora releva, o seguinte teor:
(….)
3. Já no que respeita à pensão de alimentos a definir, e tal como já referido, o Requerido trabalha em períodos de três meses, descansando os três meses seguintes, sendo que apenas lhe são pagos os três meses em que está ao serviço.
4. O Requerido suporta todas a despesas de saúde dos seus progenitores, no valor mensal médio de 1000,00€ (mil euros).
5. Os pais do Requerido residem na Índia e, como é sabido, naquele País não existe um sistema de segurança social generalizado ou sequer de saúde, razão pela qual, tradicionalmente, os filhos asseguram o pagamento das despesas dos pais na velhice.
6. Na verdade, os pais do Requerido, já idosos, não têm quaisquer rendimentos nem recebem pensões de reforma.
7. Razão pela qual o Requerido suporta todas as despesas dos seus progenitores, nomeadamente assegurando o pagamento dos seguros de saúde destes.
8. O Requerido, para além das suas despesas correntes com alimentação, calçado, vestuário e transportes, suporta ainda despesas mensais com o seu seguro de saúde no valor de 6,00€ (seis euros), bem como com dois seguros de vida no valor de 1024,51€ (mil e vinte e quatro euros e cinquenta e um cêntimos) e 94,12€ (noventa e quatro euros e doze cêntimos).
9. Suportando ainda, mensalmente, o valor de 871,41€ (oitocentos e setenta e um euros e quarenta e um cêntimos) a título de empréstimo hipotecário.
10. Os seguros de vida justificam-se pelas já apontadas razões de seus pais serem totalmente dependentes do filho – como, aliás, é prática corrente na Índia.
(…)
Diligências probatórias:
(….)
II - Prova testemunhal:
1. Na………………, pai do Requerido, residente em ………………….., India.
2. Na……………………., mãe do Requerido, residente em………………………., India.
3. Ci……………….irmã do Requerido, residente em ……………………….., India.
Mais requer que as três testemunhas sejam autorizadas a depor por videoconferência, via Webex, uma vez que residem na Índia. Pelo que, para esse efeito, indica o e-mail ……………….
5 – Por despacho de 18/05/2023 foi apreciado, para além do mais, o requerimento probatório apresentado, decidindo-se, na parte que ora releva, o seguinte:
(…)
Das diligências probatórias requeridas pelo progenitor:---
No requerimento de alegações que apresentou veio o requerido solicitar a inquirição de 3 testemunhas a residir na Índia e o depoimento de parte da requerida quanto aos artigos 14º, 15º e 16º com vista a comprovar o arrendamento do imóvel que aí identifica e atividade de explicações que a mesma aí desempenharia.---
Dispõe o artigo 25.º, n.º 2, do R.G.P.T.C. que o juiz indefere, por despacho irrecorrível, os requerimentos apresentados que se mostrem inúteis, de realização impossível ou com intuito manifestamente dilatório.
Tal preceito tem por fundamento a natureza da presente ação, uma vez que o processo de responsabilidades parentais é um processo tutelar cível com a natureza de processo de jurisdição voluntária – artigos 3.º, al. c) e 12.º do R.G.P.T.C..
Deste modo, o referido preceito especial mais não é do que um afloramento do disposto no art. 986.º, n.º 2, do C.P.C. ao dispor que «o tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias».
Tal é igualmente justificado em virtude do princípio fundamental de simplificação instrutória e de urgência que norteiam os processos tutelares cíveis nos termos e para efeitos dos artigos 4.º, n.º 1, al. a) e 13.º do R.G.P.T.C.---
Por conseguinte, prosseguindo os presentes autos para apurar do valor a fixar em definitivo da pensão de alimentos e respetivas despesas faz todo o sentido que sejam realizadas as diligências probatórias tendentes a apurar tal objetivo, tendo presente que os alimentos hão - de ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los, aí se atendendo ao nível de vida dos progenitores, já que estes devem proporcionar aos filhos um nível de vida em tudo semelhante ao seu filho e às necessidades da criança (vide a tal propósito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de dezembro de 2021 in www.dgsi.pt).---.
No caso concreto o pedido de inquirição das testemunhas que desde sempre viveram e residem na Índia, não conhecem pessoalmente o menor, desconhecem a situação vivencial do A………… não se expressam na língua portuguesa resulta numa diligência que além de onerar e dificultar o andamento célere dos autos não vislumbramos qualquer utilidade ou pertinência na recolha do seu depoimento.---
Por conseguinte, atenta a prova documental já constante dos autos considera-se que a produção de prova testemunhal indicada pelo requerido se revela desnecessária para a boa decisão da causa, indeferindo a inquirição das testemunhas arroladas.---
(…).
6 – Inconformado com o decidido, o Requerido progenitor interpôs recurso de apelação, em 12/09/2023, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem o presente Recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, a qual, indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerido, em sede de Alegações, fundamentando-se na circunstância das mesmas, terem, vivido e residido na India desde sempre, e não se expressarem em língua portuguesa, em face do que conclui que o seu depoimento se traduziria numa diligência sem qualquer utilidade ou pertinência, e que apenas serviria para dificultar e onerar o andamento célere dos autos.
2. Mal andou o Tribunal “a quo”, quando assim decidiu, desconsiderando e ignorando, que o Requerido, quando arrolou as testemunhas em causa, solicitou que o seu depoimento fosse prestado por videoconferência, via webex, tendo tido o cuidado de indicar, desde logo, e para concretização da prestação de depoimento por esse meio, o e-mail das mesmas.
3. Porquanto, sendo o depoimento das testemunhas prestado por videoconferência, através de Webex, o mesmo teria lugar no próprio dia e hora que o Tribunal viesse a designar para a realização da audiência e julgamento, pelo que, não se vê como poderia dificultar o andamento célere dos autos, ou atentar contra a natureza urgente do processo.
4. A inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro, por videoconferência ou por qualquer meio tecnológico, mostra-se, actualmente prevista no artigo 502.º do CPC, aplicável nestes autos “ex vi” art. 33.º, n.º1 do RGPTC, o qual se passou a referir expressamente à “inquirição por meio tecnológico” e não apenas à “inquirição por teleconferência” conforme anteriormente constava da sua redação.
5. Quando se trata de inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro – como é o caso da situação em apreço - prevê-se agora, expressamente, que são tais testemunhas inquiridas através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários.
6. Conforme se deixou expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.02.20195 “Cremos ter sido intenção do legislador possibilitar a agilização da inquirição das testemunhas, em particular residentes no estrangeiro, de forma a evitar que tal inquirição possa constituir fator acrescido de morosidade na conclusão dos processos seja no sentido de ultrapassar a necessidade de recurso ao envio de carta rogatória mas também, por vezes, da própria inquirição por teleconferência que, devendo obedecer a formalismos próprios e à necessária tradução, bem como a contatos com a autoridade judiciária estrangeira, implica também acrescida morosidade.
7. E mais se acrescenta:
Neste sentido se pronunciam António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 559) que em anotação a este preceito referem que “Numa era de globalização tecnológica e de mobilidade permanente de mão de obra não faz sentido que a inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro continue a constituir fator de acrescida morosidade na conclusão dos processos (…) Cremos que a alteração deste preceito, cuja epigrafe passou a ser “Inquirição por meio tecnológico”, conflui no sentido desta agilização.
8. Pelo que o indeferimento do depoimento das testemunhas arroladas pelo Requerido, com fundamento em que a produção de tal meio de prova, dificultaria o andamento célere dos autos, não colhe, sendo completamente destituída de fundamento.
9. Sustenta ainda o Tribunal “a quo” a sua decisão de indeferimento de tal meio de prova, na onerosidade que a realização de tal diligência viria a causar ao processo.
10. Não esclarece, no entanto, em que medida é que a inquirição de três testemunhas residentes no estrangeiro, através do software Webex, poderia onerar o processo,
11. Pelo que só podemos concluir, que subjacente a tal argumentação, está a circunstância de, a ser admitido tal meio de prova, ser necessário proceder à nomeação de um intérprete, uma vez que as referidas testemunhas para além de residirem na India, não se expressam em língua portuguesa.
12. Não pode, no entanto, admitir-se, que se indefira a inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerido, porque, a ser deferido o seu depoimento, tal obrigaria à nomeação de um interprete, o que se traduziria num custo para o processo,
13. Pelo que o Tribunal “a quo”, ao assim decidir, violou, de forma expressa, o disposto no art. 39.º, n.ºs 4 e 7 do RGPTC,
14. Inviabilizando o direito da parte de produção das provas que arrolou,
15. Além de privilegiar valores económicos, em detrimento, do apuramento da verdade dos factos, tendo, sempre em vista, a salvaguarda do interesse do menor.
16. E, com isso, se esvaziando ainda, de conteúdo útil o disposto no artigo 133.º do CPC, particularmente, no seu n.º2.
17. Assenta, por último, a decisão recorrida num terceiro fundamento: o de que não se reveste de qualquer utilidade ou pertinência para o objecto dos autos a recolha dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Requerido, porquanto, as mesmas “não conhecem pessoalmente o menor, desconhecendo a situação vivencial do mesmo”, já que residem na India, país onde, desde sempre, viveram.
18. O objecto do litigio, como se mostra identificado de forma expressa na decisão recorrida, consiste na fixação do valor definitivo da pensão de alimentos a suportar pelo Requerido, e na definição da responsabilidade de ambos os progenitores quanto ao pagamento das despesas de saúde e de educação do menor.
19. No que respeita à fixação da pensão de alimentos devida ao menor, cumpre atender ao disposto no artigo 2004.º do Código Civil, o qual preceitua o seguinte:
1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência
20. Subjacente ao artigo 2004.º do Código Civil, temos o principio da proporcionalidade, pois, pese embora, o critério orientador na decisão do tribunal seja o superior interesse da criança, os alimentos a fixar têm de respeitar a proporcionalidade entre os meios daquele que houver de os prestar e as necessidades daquele que houver de os receber.
21. Assim, nos presentes autos, e com vista a fixar o montante da pensão de alimentos a suportar pelo Requerido e progenitor do menor, importa determinar quais as reais necessidades do menor, em função, nomeadamente, da sua idade, mas também as reais possibilidades do seu progenitor em os prestar.
22. E no que respeita a estas últimas, haverá que ter em conta, por um lado, os rendimentos pelo mesmo auferidos, e por outro, os encargos por ele suportados.
23. As testemunhas arroladas pelo Requerido, e cujo depoimento o Tribunal “a quo” indeferiu, são, respectivamente, os pais e a irmã do Requerido.
24. A utilidade do seu depoimento, que o Tribunal “a quo”, desacertadamente, entendeu não existir, resulta do seu conhecimento não, quanto às reais necessidades do menor,
25. Mas quanto às reais possibilidades do Requerido, seu filho e irmão, em prestar alimentos ao menor A………..,
26. Nomeadamente, quanto aos encargos suportados pelo Requerido, já que como resulta dos factos alegados pelo mesmo nestes autos, o Requerido suporta regularmente inúmeras despesas referentes aos seus pais, de entre as quais, despesas de saúde.
27. Pelo que, mal andou a decisão recorrida, quando indeferiu o depoimento das referidas testemunhas, com o fundamento de que o mesmo não se revestia de qualquer utilidade ou pertinência, atenta a circunstância das mesmas não conhecem presencialmente o menor, nem a sua situação vivencial,
28. Ignorando, e fazendo “tábua rasa” de que na determinação da medida dos alimentos a prestar pelo Requerido, o Tribunal terá sempre que considerar, as necessidades do menor, nomeadamente, tudo o que é necessário ao seu sustento, habitação e vestuário, mas também à sua instrução e educação,
29. Mas também as reais possibilidades de quem houver de os prestar, no presente caso, o pai, ou seja, os rendimentos por ele auferido, e os encargos suportados.
30. Ao assim não ter decidido, e ao indeferir a inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerido, violou a decisão recorrida, o disposto no art. 39.º, n.ºs 4 e 7 do RGPTC e o artigo 2004.º do Código Civil, pelo que deverá a mesma ser revogada, e ser prolatado Acórdão que admita a inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerido”.
Conclui, no sentido de ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, “revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-a a mesma por outra que admita a inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerido, em sede de Alegações”.
7 – O Ministério Público veio apresentar resposta às alegações, nas quais apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
I- Não deve ser atendida a pretensão do progenitor que sejam ouvidas testemunhas residentes na Índia.
II- O menor reside em Portugal, não privando tais testemunhas com o mesmo e não conhecendo as suas necessidades alimentares.
III- A pretensão da audição das testemunhas pelo recorrente é fazer prova de tem despesas com os seus progenitores devido à pouca capacidade económica dos mesmos para fazerem face às suas necessidades.
IV- Todavia, de acordo com o disposto no Art. 2009º, nºs 1 als. b) e c) e 2 e 2133º, nº 1 do Código Civil, o progenitor deve prestar alimentos em primeira linha ao seu filho e só depois aos seus progenitores, seus ascendentes.
V- Deste modo, a prova em causa não pode influenciar a determinação da prestação de alimentos em causa nos autos, não resultando qualquer interesse para o objecto dos autos a audição das testemunhas indicadas pelo progenitor do menor.
VI- Ao tribunal está vedada a prática de actos inúteis (Art. 130º do Código de Processo Civil)”.
Conclui, no sentido de improcedência do recurso e manutenção da decisão apelada.
8 – Tal recurso foi admitido por despacho de 18/10/2023, como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
9 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede cinge-se a determinar se deve ou não ser admito o requerimento de produção de prova testemunhal apresentado pelo Requerido progenitor.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a considerar é a que decorre do iter procedimental supra exposto.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Na parte que ora releva, o despacho apelado raciocinou, basicamente, nos seguintes termos:
- no requerimento alegacional e probatório, apresentado nos termos do nº. 4, do artº. 39º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, o requerido progenitor solicitou a inquirição de 3 testemunhas, residentes na Índia ;
- conforme prescreve o nº. 2, do artº. 25º, do mesmo diploma, devem ser indeferidos, por despacho irrecorrível, os requerimentos inúteis, de realização impossível ou com intuito manifestamente dilatório, o que se justifica, em virtude de estarmos perante um processo tutelar cível, com natureza de processo de jurisdição voluntária – cf., artigos 3º, alín. c) e 12º, ainda do mesmo diploma, que surge como afloramento do prescrito no nº. 2, do artº. 986º, do Cód. de Processo Civil ;
- tal solução legal é ainda justificada pelo princípio fundamental de simplificação instrutória e de urgência, norteadores dos processos tutelares cíveis, nos termos e para os efeitos dos artigos 4º, nº. 1, alín. a) e 13º, do RGPTC ;
- a requerida inquirição de testemunhas deve ser indeferida, pois, desde sempre viveram e residiram na Índia, não conhecem pessoalmente o menor, desconhecem a sua situação vivencial e não se expressam na língua portuguesa, donde resulta:
a) uma diligência oneradora ;
b) dificulta o andamento célere dos autos ;
c) uma diligência sem qualquer utilidade ou pertinência, sendo desnecessária para a boa decisão da causa
Na pretensão alegacional apresentada, o Apelante Aduz, no essencial, o seguinte:
- o artº. 502º, do Cód. de Processo Civil, aplicável in casu ex vi do artº. 33º, nº. 1, do RGPTC, prevê acerca da inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro, por videoconferência ou por qualquer meio tecnológico ;
- o Recorrente, no requerimento probatório apresentado, desde logo solicitou que o depoimento de tais testemunhas fosse prestado por videoconferência, via webex, cuidando, ainda, para o concretizar da prestação de tais depoimentos, em indicar o e-mail das mesmas ;
- donde, prevendo a lei a inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários, é injustificado o indeferimento da diligência, com fundamento em que a produção de tal meio de prova dificultaria o andamento célere dos autos ;
- relativamente ao fundamento de que a realização de tal diligência viria a causar onerosidade ao processo, esta deve reportar-se à necessidade de nomeação de intérprete, o que traduziria um custo para o processo ;
- ocorre, assim, expressa violação do disposto nos nºs. 4 e 7, do artº. 39º, do RGPTC, ao privilegiarem-se os valores económicos, em detrimento do apuramento da verdade dos factos, subtraindo qualquer conteúdo útil ao estatuído no nº. 2, do artº. 133º, do Cód. de Processo Civil ;
- por sua vez, no que concerne ao fundamento de que a realização da diligência não se reveste de qualquer utilidade ou pertinência, o objecto do litígio reporta-se à fixação do valor definitivo da pensão de alimentos a suportar pelo Requerido progenitor, e na definição da responsabilidade dos progenitores quanto ao pagamento das despesas de saúde e de educação do menor ;
- de acordo com o artº. 2004º, do Cód. Civil, e tendo em consideração o princípio da proporcionalidade, com vista à fixação da pensão de alimentos importa determinar quais:
a. as reais possibilidades do seu progenitor em prestá-los ;
b. as reais necessidades do menor ;
- ora, na aferição das reais possibilidades do progenitor em prestá-los, haverá que ter em conta:
I. os rendimentos pelo mesmo auferidos ;
II. os encargos pelo mesmo suportados ;
- assim, a utilidade do depoimento das testemunhas indicadas resulta do seu conhecimento, não quanto às reais necessidades do menor, mas antes quanto às reais possibilidades do Requerido (seu filho e irmão) em prestar alimentos ao filho menor.
Por sua vez, em sede contra-alegacional, referencia basicamente o Magistrado do Ministério Público que de acordo com o critério de preferência enunciado no artº. 2009º, nºs. 1, alíneas b) e c) e 2, do Cód. Civil, a decisão proferenda não terá que atender aos alimentos pagos pelo Recorrente aos seus pais.
Pelo que, tal audição sempre se revelaria como a prática de um acto inútil (o artº. 130º, do Cód. de Processo Civil), assim se devendo manter o despacho apelado.
Apreciando:
- Do argumento de indeferimento de que a requerida diligência dificultaria o andamento célere dos autos
No âmbito do processo especial de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, e estatuindo acerca dos termos posteriores à fase da audição técnica especializada ou mediação, prescreve o nº. 4, do artº. 39º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que “se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos”.
Acrescenta o nº. 7, do mesmo normativo, que “se forem apresentadas alegações ou apresentadas provas, tem lugar a audiência de discussão e julgamento no prazo máximo de 30 dias”.
Por sua vez, prevendo acerca da inquirição por meio tecnológico, estatui o nº. 5, do artº 502º, do Cód. de Processo Civil, aplicável in casu ex vi do nº. 1, do artº. 33º, do RGPTC, que “sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais ou europeus, as testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridas através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários”.
Em anotação ao presente normativo, referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 367 – que “o texto inicial do CPC de 2013 foi alterado pelo DL 40-A/2016, de 22 de dezembro, que substituiu, nos nºs. 1, 3, 4 e 5 «teleconferência» por «equipamento tecnológico que permita a comunicação por meio visual e sonoro, em tempo real» e no nº. 4 «técnicos» por «tecnológicos» (….)”.
Acrescentam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa - Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2019, Reimpressão, Almedina, pág. 559 – que “numa era de globalização tecnológica e der mobilidade permanente de mão de obra, não faz sentido que a inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro continue a constituir fator de acrescida morosidade na conclusão dos processos”.
Assim, acrescentam que, “nessa medida, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº. 1, deverá o juiz diligenciar pela obtenção do assentimento das partes (arts. 3º, nº. 3, 7º, nº. 1, e 415º) tendo em vista a agilização da inquirição das testemunhas por meios tecnológicos fiáveis, designadamente por Skype. Esta agilização não interfere nos direitos das partes, que continuam a poder deduzir todos os incidentes e formular instâncias perante tal testemunha”.
Concluem, no sentido de crerem “que a alteração deste preceito, cuja epígrafe passou a ser «Inquirição por meio tecnológico», conflui no sentido desta agilização”.
Jurisprudencialmente, defendeu-se no douto aresto da RG de 28/02/2019 – Relatora: Raquel Baptista Tavares, Processo nº. 2281/17.1T8VRL.G1, in www.dgsi.pt , citado nas apelações recursórias – ter o transcrito artº. 502º, do Cód. de Processo Civil passado “a referir-se expressamente à “inquirição por meio tecnológico” e não apenas à “inquirição por teleconferência” conforme anteriormente constava da sua redação.
Relativamente à inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro prevê-se agora expressamente que são inquiridas através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários.
Cremos ter sido intenção do legislador possibilitar a agilização da inquirição das testemunhas, em particular residentes no estrangeiro, de forma a evitar que tal inquirição possa constituir fator acrescido de morosidade na conclusão dos processos seja no sentido de ultrapassar a necessidade de recurso ao envio de carta rogatória mas também, por vezes, da própria inquirição por teleconferência que, devendo obedecer a formalismos próprios e à necessária tradução, bem como a contatos com a autoridade judiciária estrangeira, implica também acrescida morosidade”.
Deste modo, acrescenta-se, ter vindo o legislador “permitir de fato a utilização dos meios tecnológicos, designadamente o Skype e não apenas a teleconferência, na inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro e que tais meios tecnológicos, designadamente o Skype devem ser considerados meios fiáveis que encontrando-se à disposição do tribunal devem ser utilizados em detrimento de outros que possam colocar morosidade acrescida na conclusão dos julgamentos e, por isso, no desfecho das ações.
E não entendemos que esteja prevista pelo legislador nenhuma primazia da teleconferência, de entre os meios eletrónicos a que se refere o artigo 502º do Código de Processo Civil, que imponha atualmente que a inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro deve ser feita por aquele meio eletrónico e só na sua impossibilidade pelo recurso a outro meio eletrónico”.
Em idêntico sentido, referenciou-se em douto aresto desta Relação de 26/04/2022 – Relatora: Conceição Saavedra, Processo nº. 117793/18.5YIPRT-A.L1-7, in www.dgsi.pt – que “na atualidade, as opções da moderna tecnologia devem estar ao serviço de uma justiça célere e que a audição de testemunhas no estrangeiro não deve contribuir para indesejáveis atrasos no desenrolar do processo. Essencial é que tais meios sejam fiáveis e que estejam efetivamente disponíveis no local da residência do depoente, concordando as partes na sua utilização em concreto.
Assim, impunha-se ao Tribunal, “ao abrigo dos arts. 3, nº 3, 6, nº 1, 7, nº 1, e 415, todos do C.P.C., obter previamente o acordo das partes para a utilização de qualquer meio tecnológico expedito, fiável e disponível em concreto para inquirição da testemunha arrolada, sem prejuízo, na falta daquela alternativa, da sua audição por videoconferência a solicitar às entidades competentes (….)”.
In casu, no requerimento probatório apresentado, o Requerido progenitor – ora Apelante -, após a devida identificação das testemunhas, solicitou que as mesmas fossem autorizadas a depor por videoconferência, nomeadamente via Webex, uma vez que residem na Índia, desde logo indicando o e-mail para o devido contacto, assim se depreendendo que no seu local de residência encontram-se disponíveis os meios tecnológicos necessários á prestação dos depoimentos por tal via.
Pelo que, atenta a argumentação supra exposta, não se vislumbra qualquer justificação para que se considere que a requerida inquirição dificultará o andamento célere dos autos, assim soçobrando o primeiro dos fundamentos para o indeferimento ora objecto de sindicância.
- Do argumento de indeferimento de que a requerida diligência é onerosa ao processo
O presente fundamento de indeferimento, conforme expressamente enuncia o Recorrente, reportar-se-á à necessidade de nomeação de intérprete, atento os factos das testemunhas serem de nacionalidade indiana e, presuntivamente, não dominarem a língua portuguesa.
Com efeito, não vislumbramos que o despacho apelado, ao aludir à oneração dos autos, possa ter uma qualquer outra explicação óbvia e compreensível.
E, efectivamente, caso tal se comprove, será necessária a nomeação de intérprete, de acordo com o prescrito no nº. 2, do artº. 133º, do Cód. de Processo Civil, o qual deverá ser remunerado nos termos constantes do artº. 17º e Tabela IV, do Regulamento das Custas Processuais (de 1 UC a 2 UC, por serviço).
Todavia, não é evidentemente esta putativa despesa que deve servir de óbice à realização da pretendida diligência, pois, não deve ser o primado de quaisquer princípios económicos a prevalecerem perante a pretensão de produção probatória, tando mais, como sucede no caso concreto, quando estamos perante a mera produção de prova testemunhal, a qual, por si só, não implica a realização de despesas avultadas ou relevantes.
Donde, sem necessidade de ulterior argumentação, claramente se conclui pela insustentabilidade de tal fundamento para justificar o juízo de indeferimento sob apelo.
- Do argumento de indeferimento de que a requerida diligência é desnecessária e destituída de utilidade ou pertinência
Por fim, o despacho sob sindicância referencia que a inquirição das testemunhas deve ser indeferida, pois estas desde sempre viveram e residem na Índia, não conhecem pessoalmente o menor e desconhecem a sua situação vivencial.
Assim, tal diligência configura-se sem qualquer utilidade ou pertinência, sendo desnecessária para a boa decisão da causa.
Vejamos.
Conforme supra enunciado, o presente processo tutelar cível prossegue os seus ulteriores termos para fixação do valor definitivo da pensão de alimentos a suportar pelo progenitor Requerido, bem como para a definição da responsabilidade dos progenitores quanto ao pagamento das despesas de saúde e de educação do filho menor.
Prescreve o artº. 1901º, nº. 1, do Cód. Civil, que “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais” e, “se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro ….” – cf., o nº. 1, 1ª parte do artº. 1902º, do mesmo diploma.
Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o artº. 1906º, ainda do Cód. Civil, que:
1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente ; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Estipulando especificamente acerca dos alimentos em tais situações de ruptura, aduz o anterior normativo – nº. 1 do 1905º [2]- que “os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação ; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”.
E, tais normativos, para além das enunciadas situações de ruptura da sociedade conjugal, são igualmente aplicáveis “aos cônjuges separados de facto” – cf., o artº. 1909º, ainda do Cód. Civil.
Bem como às situações em que ambos os progenitores vivam em condições análogas às dos cônjuges, prescrevendo o artº. 1911º, nos seus nº.s 1 e 2, igualmente do mesmo diploma, que:
1 – quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901º a 1904º.
2 – No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905º a 1908º”.
De forma mais ampla, relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o artº. 1877º do Cód. Civil que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf., o nº. 1 do artº. 1878º.
E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o artº. 1874º, igualmente do Cód. Civil, que:
1. pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.
Na previsão do regime adjectivo do presente processo especial do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, refere o nº. 1 do artº. 40º do RGPTC – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 [3] - que o exercício das responsabilidades parentais “será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”, acrescentando o nº. 2 que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (…)”, reiterando-se a aplicabilidade do regime regulatório de tais responsabilidades aos “filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio” – cf., o nº. 1 do artº. 43º do mesmo diploma.
Decorre do exposto que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cf., artºs. 40º, nº.1 do RGPTC e 1905º, nº.1 e 1911º, nº. 2, ambos do Código Civil.
Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz” [4], sendo que a prossecução ou procura do seu interesse “passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afectivo contínuo entre ambos” [5].
Referencie-se, ainda, o prescrito no corpo do nº. 1, do artº. 4º, do mesmo RGPTC, ao enunciar que “os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes (….)”.
O que nos remete, nomeadamente, para o prescrito na alínea a), do artº. 4º da LPCJP (Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo) – aprovada pela Lei nº. 147/1999, de 01/09, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 142/2015, de 08/09 -, com o seguinte teor:
“a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (sublinhado nosso).
Refere Tomé d’Almeida Ramião [6], citando Maria Clara Sottomayor [7], que “o interesse do menor constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto”, acrescentando que aquele interesse superior “só será respeitado quando esteja salvaguardado o exercício efectivo dos seus direitos. Por isso que o conceito de «superior interesse do menor» está relacionado com o exercício dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos, deve prevalecer «o superior interesse do menor», deve dar-se preferência e prevalência á solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos”.
O conceito de superior interesse da criança funciona, assim, como “um critério orientador na resolução de casos concretos[8] ou, nas palavras de Melo Alexandrino [9], “uma norma de competência (norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do legislador (na configuração a dar ao ordenamento), ora a favor do juiz e da administração tutelar (na construção de normas de decisão de casos concretos ; em segundo lugar é uma norma impositiva que ordena ao juiz e á administração que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do direito aplicável e circunstâncias do caso) à ponderação dos interesses superiores do menor, ou seja, dos interesses conexos com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade, no contexto dos bens e interesses relevantes no caso”.
Concluímos, portanto, que o interesse da menor passa pela existência de um projecto educativo; pela efectiva prestação de cuidados básicos diários (alimentos, higiene, etc.); pela prestação de carinho e afecto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afectos com o outro progenitor e a demais família (designadamente irmãos e avós); pela existência de condições para a concretização do tal projecto educativo; pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço íntimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.
É, portanto, em face deste interesse que se irá fundamentalmente analisar e aferir acerca das questões supra enunciadas.
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De acordo com o estabelecido no artº 2004º do Cód. Civil são os alimentos fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo ainda os alimentos “a instrução e a educação do alimentado, no caso de este ser menor” – artº 2003º do Cód. Civil.
Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social.
É geralmente aceite que os menores têm direito a qualidade de vida tanto quanto possível idêntica à que desfrutam os que quanto a eles se encontram obrigado à prestação de alimentos, maxime os progenitores.
Efectivamente, “porque os pais lhe deram o ser e a vida, dita a razão natural que sejam obrigados a conservarem-lha, contribuindo, primeiro que todos, com os alimentos necessários para este fim[10].
Tal dever parental merece, inclusive, consagração constitucional, ao prescrever o nº. 5 do artº. 36º da Constituição da República Portuguesa que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, acrescentando o Princípio 1 da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4, serem as responsabilidades parentais definíveis como “o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar (…) material do filho, designadamente, (…) assegurando o seu sustento (…)”.
Por sua vez, os nº.s 1 e 2 do artº. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança [11], aduz que:
1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.
A que acresce o proclamado no Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança [12], no sentido de que “a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos”.
Nas palavras de Vaz Serra [13], por alimentos deve entender-se “tudo o que é indispensável à satisfação da necessidades da vida segundo a situação social do alimentado”, pelo que a prestação alimentar concreta há-de determinar-se a partir do “confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos, tendo em conta os critérios postos pelo artigo 2004º do C. Civil, dos quais resulta que na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas…”, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual”.
E, realce-se, na noção de alimentos devidos aos filhos menores, que compreende as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação, “o conceito de “sustento” é mais vasto que a simples necessidade de alimentação, não se aferindo pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável à condição de vida necessária ao seu desenvolvimento integral” [14] . Nas palavras de Helena Bolieiro e Paulo Guerra [15], está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional”. Deste modo, a obrigação alimentícia a cargo dos progenitores “visa tutelar não só o direito à vida e integridade física do alimentando, mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio ou da ruptura da convivência de facto, de forma a que as alterações no seu estilo de vida e no seu bem-estar sejam o mais reduzidas possíveis”.
Decorre do exposto, nos termos já sumariados no douto Acórdão da RC de 05/11/2013 [16] que a medida da prestação alimentar determina-se, então, “pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”, sendo que “a falta de possibilidades, perfila uma excepção, cuja prova incumbe ao devedor de alimentos” (sublinhado nosso) [17].
Nas palavras do douto aresto do STJ de 20/11/2003 - in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, para se aquilatar da maior ou menor capacidade do devedor de alimentos terá de se tomar em linha de conta não só com os seus meios de rendimento como também com os encargos a que se encontre adstrito, para além daqueles que possam decorrer da própria prestação alimentícia a determinar. Mas tais encargos, obviamente, que carecem de ser hierarquizados de modo a que só sejam tomados em consideração os que se mostrem justificados pelas necessidades de uma condigna subsistência do prestador de alimentos, excluindo-se todos aqueles que promanem de uma obrigação que não possa, ou não deva, prevalecer sobre a obrigação alimentar. É que se assim não fosse, bastaria ao devedor de alimentos assumir os encargos voluptuários e desnecessários que lhe aprouvesse para ficar desobrigado de prestar alimentos, o que a ética e o direito não aceitam” (sublinhado nosso).
Deste modo, na decisão proferenda, deverão ser observados os seguintes critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos:
  • Necessidades do alimentando menor ;
  • Possibilidades do progenitor pai alimentante (tendo em atenção um necessário juízo de prevalência daquelas necessidades perante estas possibilidades) ;
  • Possibilidades do menor alimentando prover à sua subsistência, ou seja, de dispor de réditos e proventos capazes de, por si só, suprir a incapacidade decorrente da sua menoridade.
    Ora, ainda que as testemunhas em equação (pais e irmã do Requerido progenitor) possam não ter efectivo conhecimento acerca das necessidades da criança alimentanda, nem acerca das eventuais possibilidades desta em prover ao seu sustento, de acordo com a factualidade constante das alegações apresentadas pelo progenitor, certamente terão conhecimento do demais pressuposto a valorar, ou seja, acerca das possibilidades do progenitor alimentante.
    E, tal conhecimento, não só deve abranger os eventuais réditos pelo mesmo regularmente auferidos, como as despesas eventuais pelo mesmo suportadas, independentemente da prevalência ou não prevalência destas perante a obrigação de pagamento da prestação alimentícia ao filho (o que deve traduzir-se em juízo posterior), ou seja, independentemente da ordem de vinculação à obrigação de prestação alimentícia, prevista no artº. 2009º, nos. 1, alín. b) e c) e 2, do Cód. Civil.
    Ademais, e independentemente desta ordem de vinculação, e não se confundindo com a mesma, certamente que na avaliação global das possibilidades do progenitor não será indiferente apurar-se que o mesmo despende determinada quantia mensal com as despesas de saúde dos seus ascendentes progenitores, em eventual contraposição com equacionáveis situações de idêntico dispêndio com bens de consumo supérfluos ou com a assumpção de débitos para aquisição destes.  
    Desta forma, não podemos corroborar o entendimento de que a requerida diligência probatória é destituída de utilidade ou pertinência, por desnecessária, traduzindo-se na prática de um acto inútil e, como tal, proibido, nos quadros do art.º. 130º, do Cód. de Processo Civil.
    Donde, num juízo de total procedência das conclusões recursórias, decide-se revogar o despacho recorrido/apelado, o qual se substitui por decisão que admite o requerimento probatório testemunhal, apresentado pelo Requerido progenitor, nos termos do nº. 4, do artº. 39º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e, consequentemente, a requerida inquirição das testemunhas, com observância do disposto no nº. 5, do artº. 502º, do Cód. de Processo Civil.
    *
    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, não tendo a Recorrida progenitora apresentado contra-alegações, e atenta a isenção do Ministério Público, a tributação nos presentes autos de recurso fica a cargo da(s) parte(s) vencida(s), a final.
    ***
    IV. DECISÃO
    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência do recurso interposto, em:
    a) revogar o despacho recorrido/apelado ;
    b) o qual se substitui por decisão que admite o requerimento probatório testemunhal, apresentado pelo Requerido progenitor, nos termos do nº. 4, do artº. 39º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, devendo a inquirição das testemunhas processar-se com observância do prescrito no nº. 5, do artº. 502º, do Cód. de Processo Civil ;
    c) não tendo a Recorrida progenitora apresentado contra-alegações, e atenta a isenção do Ministério Público, as custas do presente recurso ficam a cargo da(s) parte(s) vencida(s), a final – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

    Lisboa, 18 de Abril de 2024
    Arlindo Crua
    Laurinda Gemas (com declaração de voto)
    Higina Castelo

    DECLARAÇÃO DE VOTO

    Voto vencida quanto à parte do acórdão que decidiu que, “não tendo a Recorrida progenitora apresentado contra-alegações, e atenta a isenção do Ministério Público, as custas do presente recurso ficam a cargo da(s) parte(s) vencida(s), a final – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.
    Embora no passado me tenha parecido defensável esse entendimento (na esteira de corrente jurisprudencial ilustrada, por exemplo, pelo acórdão do STJ de 12-01-2021, proferido no proc. n.º 6590/17.1T8FNC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), considero que se impõe, em todos os recursos, uma decisão imediata e não condicional sobre a responsabilidade tributária, decisão essa que, no presente recurso, consiste em julgar que o Apelante é o responsável pelas custas do mesmo, pois, não podendo aqui operar o critério da causalidade/vencimento/decaimento, há que recorrer ao critério do proveito – que retira da procedência do recurso, ao ver, assim, admitido o seu requerimento probatório testemunhal.
    Com efeito, a autonomia do recurso quanto a custas decorre do disposto no art. 1.º do
    Regulamento das Custas Processuais, estando previsto que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo Regulamento e que, para efeitos deste, se considera como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria. Ora, uma condenação da parte vencida a final no pagamento das custas do recurso não parece observar essa autonomia, além de poder ser inoperacional – se a final nenhuma das partes ficar vencida – ou até atentar contra os princípios da causalidade e do proveito consagrados no art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, já que poderá levar a que as custas do recurso tenham de ser suportadas por parte(s) que não lhe deram causa, nem retiraram qualquer proveito do mesmo.
    Na jurisprudência, abundam as decisões no sentido que ora se defende, algumas com formulação menos precisa (por ex. “Sem custas, por não serem devidas”), mas quase sempre compreensível e com idêntico resultado prático, merecendo destaque o acórdão do STJ de 06-10-2021, proferido no proc. n.º 1391/18.2T8CSC.L1.S1, em cujo sumário se afirma que: “Para efeitos de custas, cada recurso passou, pelo RCP (art. 1.º/2), a ser considerado como um “processo autónomo, pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, ou seja, tem que se proceder à definitiva aplicação do art. 527.º do CPC e proceder - aplicando o princípio da causalidade ou o princípio do proveito - à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).
    Na doutrina, avultam as considerações desenvolvidas pelo Senhor Juiz Conselheiro Salvador da Costa nos diferentes comentários que produziu sobre esta temática (publicados em
    https://blogippc.blogspot.com), destacando os seguintes (de que passo a citar, por facilidade, as passagens mais pertinentes):
    - “Brevíssima nota sobre a responsabilidade relativa ao pagamento de custas processuais nos recursos”, publicado a 02-06-2017, com o seguinte teor:
    1. Foi objeto de publicação no Blog do IPPC, no dia 2017.06.01 (Jurisprudência (632)), o Acórdão da Relação do Porto, datado de 2017.02.13, proferido no recurso n.º 232/16.OTMTS.P1.
    (…) Na parte final daquele Acórdão, quanto às custas, expressa-se serem da responsabilidade do vencido ou dos vencidos a final na proporção resultante dessa decisão.
    É sobre este último segmento normativo que nos propomos formular um brevíssimo comentário.
    2. Os recursos estão autonomamente sujeitos a custas, conforme resulta, por exemplo, do disposto nos artigos 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.
    Em conformidade, a lei estabelece que, no final do acórdão, o coletivo dos juízes condena os responsáveis pelas custas processuais no seu pagamento, indicando a proporção dessa responsabilidade (artigos 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC).
    A regra geral em matéria de responsabilidade pelo pagamento das custas processuais em processos da área do processo civil está prevista no referido artigo 527.º do Código de Processo Civil.
    Decorre do seu n.º 1, no que concerne aos recursos, que, na respetiva decisão o tribunal deve condenar no pagamento de custas a parte que lhes deu causa, e, do seu n.º 2, entender-se dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
    Porque a lei não distingue e não há razões de sistema que impliquem a distinção, o segmento “parte vencida” abrange aquela que decaiu por razões de mérito, bem como a que decaiu por razões de forma.
    Acresce que se não conhece no ordenamento relativo a custas processuais alguma norma que, em situações como a que é objecto do acórdão, responsabilize a parte vencida a final pelo pagamento das custas relativas ao recurso de decisão interlocutória.
    Nesta perspetiva, porque os apelados ficaram vencidos por virtude da revogação da sentença recorrida que os absolveu da instância, propendemos a considerar serem eles os responsáveis pelo pagamento das custas relativas ao recurso, e não o vencido ou os vencidos a final.
    - “A taxa de justiça e as custas em sentido estrito devidas no recurso de apelação cujo efeito seja anulação da decisão recorrida e o prosseguimento do processo no tribunal da 1.ª instância Acórdão da Relação do Porto de 7.10.2019” (Jurisprudência 2019 (196)), em que afirma designadamente que:
    Face ao disposto nos artigos 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, incumbia à Relação a condenação no pagamento das custas do recurso da parte que para o efeito considerasse responsável, independentemente do que a final viesse a ser decidido. Mas assim não procedeu, optando pela condenação da parte vencida a final no respetivo pagamento, porventura porque anulou a decisão recorrida com a consequência de o processo continuar, quanto a alguns dos seus termos, no tribunal recorrido.
    Todavia, o referido resultado da decisão do recurso não podia servir de fundamento legal ao que foi decidido pela Relação quanto às custas, porque o atual sistema que as envolve, implementado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, o não permite.
    Aliás, se o nosso sistema de custas permitisse esse tipo de definição da responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso, teríamos a situação anómala de condenação atual de uma pessoa a determinar no futuro, em quadro de incerteza sobre essa determinação. Em suma, a condenação pela Relação da parte vencida a final no pagamento das custas do recurso não tem fundamento legal.
    (…) Com base no exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
    (…) 5.ª – Uma vez que no recurso não há parte vencida, apesar do seu provimento, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas que haja, por dele ter obtido proveito ou vantagem.
    6.ª - Como o recurso não envolveu diligências geradoras de despesas, não havia fundamento legal para a condenação do recorrente no pagamento de encargos.
    7.ª – Visto que o recorrente é o responsável pelo pagamento das custas do recurso, não tem direito a custas de parte, em qualquer das suas vertentes, no confronto de outrem.
    8.ª - O recurso, dada a respetiva dinâmica, não comportava o pagamento de custas em sentido estrito.
    - e, por último, “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final -Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/4/2020 (Jurisprudência 2020 (77))”, referindo designadamente:
    «Trata-se de um recurso de uma decisão interlocutória proferida pelo juiz da primeira instância, julgado procedente pela Relação, que não condena o recorrido nem o recorrente no pagamento das custas respetivas, relegando para final da ação a responsabilidade pelo pagamento das custas em função do respetivo decaimento.
    (…) Porventura, a Relação considerou para o efeito o facto de se tratar do recurso de uma decisão que, indeferindo o requerimento probatório do autor, não conheceu do respetivo mérito, ou seja, por se tratar de uma decisão “de forma”.
    Todavia, o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil é aplicável, não só aos recursos de decisões de mérito, como também aos recursos de decisões de forma lato sensu.
    No regime de custas de pretérito, para casos como o que aqui está em análise, a que correspondia o recurso de agravo, havia uma isenção subjetiva de custas dos agravados. Com efeito, o normativo da alínea g) do n.º 1 do Código das Custas Judiciais estabelecia, em relação aos agravados, que não tendo dado causa ou expressamente aderido às decisões recorridas, as não acompanhassem, beneficiavam, nos recursos de agravo, de isenção de custas.
    Acontece que no regime atual do recurso de apelação inexiste norma desse tipo.
    A matriz da responsabilidade das partes pelo pagamento das custas em sentido estrito relativas às ações e aos recursos consta no artigo 527.º do mencionado Código, que se baseia nos critérios da causalidade e do proveito.
    É manifesto que o referido artigo não comporta o segmento relativo à responsabilidade pelo pagamento das custas que constitui o objeto do acórdão da Relação ora em análise.
    Aliás, se o nosso sistema de custas permitisse esse tipo de definição da responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso, teríamos a anómala situação de condenação atual de uma entidade a determinar no futuro, em manifesto quadro de incerteza sobre essa determinação.
    Em suma, a condenação pela Relação no pagamento de custas do recurso na proporção do decaimento a apurar a final não tem fundamento legal, antes contraria o que a propósito resulta da lei aplicável.»

    Laurinda Gemas
    _______________________________________________________
    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2] Na redacção introduzida pela Lei nº. 122/2015, de 01/09.
    [3] Com correspondência no artº. 180º da OTM, vigente à data da instauração do presente processo tutelar cível.
    [4] Nas palavras do Ac. R.C. de 2-11-94 in Cj 1994/5/34.
    [5] Apud Ac. de 3-10-1996 in BMJ 460º-796.
    [6] Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 10ª Edição, Quid Juris, pág. 29.
    [7] Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 2ª Edição, pág. 36 e 37.
    [8] Assim, Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 7ª Edição, Quid Juris, pág. 34.
    [9] O Discurso dos Direitos, Coimbra Editora, pág. 140 e segs..
    [10] Maria de Nazareth Lobato Guimarães, Alimentos, in Reforma do Código Civil, Lisboa, Ordem dos Advogados, 1981, pág. 178.
    [11] Adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990.
    [12] Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959.
    [13] RLJ, Ano 102º, págs. 98 e 262.
    [14] Assim, o sumariado no douto aresto da RC de 21/06/2011 – Relator: Jorge Arcanjo, Processo nº. 11/09.0TBFZZ.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
    [15] A Criança e a Família – Uma questão de direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 228 e 229.
    [16] Relator: Carvalho Martins, Processo nº. 1339/11.5TBTMR.A.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
    [17] Nas palavras dos doutos arestos do STJ de 7/5/80 - BMJ 297º-342 – e da Relação do Porto de 26/1/78 - Colectânea de Jurisprudência, 1978, 3º138 -, “a medida da prestação alimentar destina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”.