Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001853
Parecer: P000022001
Nº do Documento: PPA1804200100201
Descritores: FUNDAÇÃO
INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO
NEGÓCIO DE FUNDAÇÃO
ESTADO
PESSOA COLECTIVA
ESTATUTO
FIM ESTATUTÁRIO
ASSOCIAÇÃO
PATRIMÓNIO
DOTAÇÃO
TESTAMENTO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
APOIO FINANCEIRO PÚBLICO
INTERESSE PÚBLICO
SUBVENÇÃO ESTATAL
SUBSÍDIO
COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA
PODER DISCRICIONÁRIO
SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL
ADMINISTRAÇÃO INDIRECTA DO ESTADO
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
SERVIÇO NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL
SERVIÇO NACIONAL DE BOMBEIROS
DIRECÇÃO GERAL DE VIAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONTROLO FINANCEIRO
FISCALIZAÇÃO DE DESPESAS PÚBLICAS
ORÇAMENTO
ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA DO ESTADO
DIRECÇÃO GERAL DA CONTABILIDADE PÚBLICA
TRIBUNAL DE CONTAS
RESERVA DE LEI
ADMINISTRAÇÃO PRESTADORA
Livro: 00
Numero Oficio: 112
Data Oficio: 01/10/2001
Pedido: 01/12/2001
Data de Distribuição: 01/12/2001
Relator: JOÃO MIGUEL
Sessões: 01
Data da Votação: 04/18/2001
Tipo de Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: SE DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/06/2001
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 22-10-2001
Nº do Jornal Oficial: 245
Nº da Página do Jornal Oficial: 17638
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Conclusões:
1. O ordenamento jurídico vigente não exclui a instituição de fundações de direito privado, com afectação de bens pertencentes a pessoa diversa do instituidor, nas situações em que este goze de título bastante para dispor validamente dos bens que constituirão o património da pessoa colectiva;
2. O quadro jurídico em vigor sobre a concessão de auxílios pelo Estado a particulares não autoriza a concluir pela permissão geral de atribuição de auxílios pelo Estado e por outras pessoas colectivas públicas, para a instituição de fundações de direito privado e interesse social, nos termos previstos no Código Civil;
3. Se nas atribuições e competências de determinada entidade pública se incluir o poder de conceder tal tipo de auxílios, na apreciação e decisão do pedido, essa entidade orientar-se-á pelo respeito pela promoção do interesse público e pelos princípios e formas de controlo mencionados no ponto III.6.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado da Administração Interna,
Excelência:



I


Tendo-se dignado concordar com uma sugestão da Auditoria Jurídica [1], solicitou Vossa Excelência a audição deste corpo consultivo sobre as seguintes questões:
“1.ª As fundações podem ser instituídas através da afectação de bens pertencentes, no todo ou em parte, a pessoas, singulares ou colectivas, diferentes dos instituidores [2]?
“2.ª Esses bens podem provir do Estado ou de outras entidades públicas?”

Cumpre, pois, emitir parecer com a urgência pretendida por Vossa Excelência.


II

1. Como expressamente se menciona no texto da informação da Auditoria Jurídica, a resposta às aludidas questões releva para o “exercício dos poderes previstos, nomeadamente, nos artigos 158.º, n.º 2, e 192.º, n.º 2, do Código Civil, o qual, por força do disposto no artigo 17.º, do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio, está cometido ao Ministro da Administração Interna, excepto nos casos regulados pelo Decreto-Lei n.º 152/96, de 30 de Agosto, que estabelece o regime das fundações de solidariedade social, abrangidas pelo estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)” [3].

Decorre do trecho transcrito que a pergunta se circunscreve às fundações de direito privado reguladas no Código Civil, em especial nos artigos 185.º e 186.º, que abre a Secção III (Fundações), do Capítulo II (Pessoas colectivas), do Título II do Livro I, normas que a seguir se transcrevem para facilidade de análise.
“Artigo 185.º
Instituição e sua revogação
1. As fundações podem ser instituídas por acto entre vivos ou por testamento, valendo como aceitação dos bens a elas destinados, num caso ou noutro, o reconhecimento respectivo.
2. O reconhecimento pode ser requerido pelo instituidor, seus herdeiros ou executores testamentários, ou ser oficiosamente promovido pela entidade competente.
3. A instituição por acto entre vivos deve constar de escritura pública e torna-se irrevogável logo que seja requerido o reconhecimento ou principie o respectivo processo.
4. Aos herdeiros do instituidor não é permitido revogar a instituição, sem prejuízo do disposto acerca da sucessão legitimária.
5. Ao acto de instituição da fundação, quando conste de escritura pública, bem como, em qualquer caso, aos estatutos e às alterações, é aplicável o disposto na parte final do artigo 168.º.

“Artigo 186.º
Acto de instituição e estatutos
1. No acto da instituição deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados.
2. No acto da instituição ou nos estatutos pode o instituidor providenciar ainda sobre a organização e funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens.”


2. Antes de prosseguir interessa relembrar alguns conceitos chave sobre pessoas colectivas e, em particular, sobre o regime jurídico das fundações [4], distinguindo-o do de outras pessoas colectivas, nos termos estudados em recente parecer deste Conselho Consultivo, de que se recuperam algumas passagens, aquelas mais directamente relacionadas com as questões submetidas agora a apreciação, dando por adquirida toda a desenvolvida elaboração teórica aí efectuada.
Refere-se nesse parecer [5] que a realização de interesses humanos, que não exclusivamente pessoais, assumindo “carácter social”, implicando grupos, categorias de pessoas, “pode exigir o desenvolvimento harmónico de actividades que mobilizam o trabalho solidário de múltiplos «indivíduos» ou a organização de complexos de bens e «meios materiais», ao serviço do fim ou «interesse social» de satisfação de necessidades comuns a uma generalidade de pessoas singulares.”
E prossegue: “Na consecução deste escopo é, por consequência, necessário imprimir às actuações individuais «unidade de acção e direcção» e dotar os meios finalisticamente predispostos de condições de «permanência» igual ou semelhante à dos interesses prosseguidos”.
“Um dos meios técnico-jurídicos de assegurar tais exigências consiste no recurso à ideia de «personalidade colectiva».
“Mercê desta «forma de representação jurídica», conatural à tendência do espírito para «personificar abstracções», as realidades pessoais e materiais ordenadas à prossecução de interesses socialmente apreciáveis vêm a revestir uma figuração dir-se-ia antropomórfica e são tratadas como «sujeitos de direito» e «centros autónomos de relações jurídicas» (ANDRADE), tal como as pessoas físicas.
“Um método, observe-se, por virtude do qual ficam os interesses colectivos desde logo confiados a um acervo de normas e dispositivos que já tutelavam os interesses individuais das pessoas singulares, com a vantagem, por conseguinte, de dispensar a introdução no seio da ordem jurídica de outros mecanismos específicos de tutela.
“Tal em grandes rasgos o conceito de «pessoa colectiva», não obstante inconfundível com o de «pessoa singular».
“A este corresponde, na verdade, «uma realidade concreta, física e psíquica palpável», um organismo bio-psíquico, consciência própria e vontade em sentido psicológico. Ao conceito de pessoa colectiva subjaz «uma abstracção impalpável», ou uma pura «realidade abstracta», criação mentada normativamente.” (x)
“A ciência jurídica arquitectou ao longo dos tempos uma superestrutura teórica de compreensão do instituto da personalidade colectiva e da natureza da pessoa jurídica.
“Recordem-se apenas, entre outras, a célebre «teoria da ficção» (SAVIGNY, PUCHTA, WINDSCHEID), a teoria da «realité technique» (MICHOUD, SALEILLES, GÉNY, COLIN-CAPITANT) e a teoria ecléctica da «personificação do fim» (ENNECCERUS).” (x1)
“Talvez nenhuma das teses haja logrado sintetizar por si a essência do fenómeno. Mas todas aduziram construções interessantes em tónicas complementares.
“A explanação dessas doutrinas revestir-se-ia, pois, de escassa utilidade e seria mesmo excessiva na economia do parecer.
“Basta, portanto, neste momento, que, atendendo à permanência e ao invariável acolhimento da personalidade colectiva em todas as legislações desde a antiguidade clássica, se aceite a legitimidade e o provável valor «categorial» da fórmula como «lógica e epistemologicamente indispensável no mundo dos conceitos jurídicos».” (x2)
E assim, a ordem jurídica personifica, nuns casos, “uma pluralidade de pessoas singulares associadas com vista à realização de um interesse comum (universitas personarum), e noutros casos “o conjunto de bens patrimoniais afectados por um indivíduo, ou vários, e até por uma pessoa jurídica, a determinado escopo ou interesse de natureza social (universitas rerum).” (x3)
Prossegue ainda o mesmo parecer: “Às realidades sociais empíricas esquematicamente desenhadas correspondem as modalidades doutrinais das corporações ou associações, no primeiro caso, e das fundações, no segundo, categorias que a lei geral, aliás, acolhe e regula como tais – artigos 157º e segs. do Código Civil, respeitando os artigos 167º a 184º especificamente às associações, e os artigos 185º a 194º em especial às fundações.”
E mais adiante: “Enquanto nas associações são as pessoas dos associados que dão existência, organizam e disciplinam a vida e destino da corporação, dirigindo-a de dentro e tomando nas suas mãos, mediante alterações do pacto estatutário e de outras deliberações, a sorte do ente jurídico – «os associados não só põem de pé a organização corporacional, mas entram para ela, ficando a dirigi-
-la por si próprios ou através de órgãos por eles designados» –, também nas fundações sucede poder o instituidor, com a atribuição patrimonial posta ao serviço do escopo visado, fixar as directivas e disposições organizatórias tendentes a regular a existência, funcionamento e destino da pessoa jurídica.

“Criando, todavia, a fundação, o fundador fica fora dela. A sua vontade governa a fundação, mas governa-a de fora, mais como «legislador», do que de dentro, como «órgão», segundo a expressão «cristalizada» ne varietur no acto de instituição e nos estatutos.
“Na verdade, os órgãos de administração do ente fundacional, que o fundador pode decerto integrar, estão sujeitos a essa «lei suprema» da pessoa colectiva sem a poderem alterar.”(x4)

3. A fundação compreende dois elementos: o substrato, a “materialidade anterior à personalização” e o reconhecimento, imprimindo-lhe “de fora a personalidade jurídica”.
O substrato encerra por sua vez, o elemento patrimonial, o elemento teleológico, o elemento intencional e o elemento organizatório.
Detenhamo-nos especialmente no elemento patrimonial, que constitui o eixo nuclear de resposta à consulta formulada.
O já citado parecer 611/2000, estudando-o, discorreu nestes termos: “o elemento patrimonial integrador do substrato das fundações é a massa ou conjunto de bens afectados pelo fundador à consecução do fim fundacional, a denominada dotação.
“Efectivamente, nos termos do artigo 186º, n.º 1, do Código Civil, deve o instituidor no acto de instituição, além de indicar o fim da fundação, «especificar os bens que lhe são destinados».
“A dotação assume, pois, um papel primordial nas fundações, sendo «mesmo indispensável para que venham a constituir-se como pessoas jurídicas». (x5)
“Na verdade, as fundações «adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade administrativa» (artigo 158º, n.º 2, do Código Civil). Mas o reconhecimento deve ser recusado, estatui o n.º 2 do artigo 188º, «quando os bens afectados à fundação se mostrem insuficientes para a prossecução do fim visado e não haja fundadas expectativas de suprimento da insuficiência».
“«O que bem se compreende» – comentam os autores que vêm de se citar – pois «não convém ao interesse público que se personalize uma fundação quando lhe faltem, e não haja probabilidades seguras de vir a obtê-los, meios bastantes para esta surgir como viável. A intervenção da autoridade administrativa – tratando-se, como se trata, neste caso, de um reconhecimento individual ou por concessão – servirá precisamente para garantir a existência 'de um mínimo de viabilidade económica, sem o qual a nova organização técnica e autónoma de interesses apenas irá constituir um factor de perturbação no tráfico jurídico'». (x6)
“Daí precisamente a exigência formulada pelo artigo 186º, n.º 1, ao fundador no sentido de «especificar» – isto é, descrever, determinar, enumerar, esmiuçar, individualizar, particularizar, precisar (x7) – os bens afectados ao fim fundacional.
“Se estes bens fossem na realidade indicados de forma genérica, imprecisa, vaga ou indefinida, a autoridade competente não ficaria em posição de apreciar a suficiência deles para a prossecução do fim visado.
“É, pois, indispensável nas fundações o elemento patrimonial.
“MANUEL DE ANDRADE (x8) admitia, «quando muito», poder bastar «um património só potencial (valores que venham a ser obtidos mediante subscrições, espectáculos ou ofertas espontâneas), ponderando, no entanto, que «tão raros serão os casos deste género, que até podem deixar-se de parte sem grande inconveniente».
“Na doutrina alemã considera-se o património fundacional [«Stiftungsvermögen»] elemento constitutivo da fundação, sendo a praxis de autoridades administrativas dos Länder competentes para o reconhecimento no sentido, inclusivamente, da exigência de montantes mínimos estimados ora em 50.000 ora em 100.000 marcos (x9).
“O § 82 do BGB estatui, por sua vez, que o fundador fica obrigado a transmitir para a fundação o património prometido [assegurado, afectado («zugesichertes Vermögen»)] se esta for reconhecida – sem prejuízo da transmissão directa por mero efeito do reconhecimento em determinadas hipóteses –, solução construída dogmaticamente à luz da natureza e dos efeitos obrigacionais do negócio de fundação [«verpflichtendes Rechtsgeschäft»].” (x10)
“Em face do teor dos artigos 186º, n.º 1, e 188º, n.º 2, do Código Civil, a exigência da dotação parece hoje não sofrer dúvidas, embora possa considerar-se não essencial que tenha de consistir no «apport» de um «capital» inicial.” (x11)

4. Já antes se falou do elemento patrimonial, enquanto elemento indispensável para que as fundações se venham a constituir como pessoas jurídicas, devendo os bens que as compõem ser especificados, mas sendo o legislador parco em indicações quanto à titularidade desses bens.
Com efeito, recorde-se, aquele preceito - n.º 1 do artigo 186.º do Código Civil -, refere apenas que o instituidor deve, no acto da instituição, indicar o fim da instituição e especificar os bens que lhe são destinados.
Na norma não se estabelece uma relação directa de propriedade entre o instituidor e os bens integrados na dotação, mas ela existirá em regra, destacando aquele a totalidade ou uma parcela do seu património para instituir a pessoa colectiva. Na origem desta estará, normalmente, a vontade de o homem sobreviver à morte, espelhando-se numa obra que, com certa perenidade, prolongará a sua memória [6].
Poderá perguntar-se se o silêncio da lei inviabilizará a instituição de fundações com bens que não sejam pertença dos fundadores.
O recurso aos trabalhos preparatórios do Código Civil traz ajuda escassa. O artigo 186.º do projecto [7] passou integralmente para a versão definitiva e o texto de apresentação do projecto [8] não dedica nenhuma passagem a esta questão.
No entanto, na 1.ª revisão ministerial, relativa ao Livro I, Parte Geral do Código Civil [9], preceituava-se no n.º 1 do artigo 148.º, na parte que interessa, que “o acto constitutivo especificará o fim da fundação e os bens com que é dotada pelo fundador” [10].
Marcello Caetano informa que esta proposta de norma tinha por fonte o disposto no Código Civil italiano [11] e sem que lhe merecesse objecções de fundo, propunha uma redacção, subordinada já à epígrafe que agora apresenta, onde se incluía não só a forma de instituição da fundação – por acto entre vivos ou por testamento -, mas também que o instituidor “especificará os bens que destina à prossecução de um fim ou de fins de utilidade pública” [12].
A proximidade entre a formulação actual e a proposta por aquele autor, na parte em que se reportam à mesma matéria, parece evidente. No seu pensamento, outras situações podem ocorrer além da regra geral de desafectação de parte ou totalidade do património de uma pessoa para o subordinar a um fim.
Estão nesse caso, as fundações colectivas, ou, noutra terminologia, de instituição colectiva.
Dediquemos alguma atenção a esta figura e analisemos se dela se extraem alguns contributos para a resposta.
Como exemplos de fundações colectivas, a obra referida apresenta: “o da sociedade civil ou comercial que se transforma pura e simplesmente em fundação (como aconteceu com o Instituto Pasteur, que começou por ser sociedade anónima), o da instituição cujo património é reunido por subscrição pública (entre nós, por exemplo a fundação Cerejeira) e o da fundação criada por uma pessoa moral, que subsiste depois de a instituir” [13], sendo que, quanto a este último caso, considerava não se tratar de uma instituição colectiva [14].
No caso da subscrição pública, acrescenta o mesmo autor, “há uma comissão que toma a iniciativa e faz o apelo ao público, isto é, a pessoas indeterminadas, donde sairão os donativos que vão sendo acumulados no património da subscrição, os organizadores ou promotores, actuando como órgão da colectividade dos subscritores (...) cumprirão o encargo assumido ao tomarem a iniciativa, e virão a outorgar no acto de instituição em que dispõem do património subscrito. Os outorgantes, comissão promotora da subscrição, são mero órgão da colectividade formada por todos aqueles que quiseram contribuir para a realização da ideia a prosseguir.”
O autor acrescenta uma outra situação que reputa de fundação tipicamente colectiva, que se verifica quando uma pluralidade de pessoas, contribuindo cada uma delas com uma quota para a realização do fim que todas se propõem assegurar, outorga simultaneamente no acto da instituição entre vivos.
Num outro caso, o autor interroga-se se ainda “haverá disposição directa pelo fundador dos bens que hão-de formar o património da fundação naqueles casos em que, nas deixas testamentárias, o testador se haja limitado a instituir uma herança ou um legado para a realização de certo fim duradouro, sem especificar o modo de o conseguir, cabendo aos executores do testamento a escolha do melhor processo técnico e a iniciativa da fundação” [15].
Nos casos em que os executores testamentários, em cumprimento da decisão testamentária, gozam de alguma margem de discricionaridade, como naquela em que o testador afirma “quero que o remanescente da minha herança seja empregado num fim beneficiente” ou “em benefício da instrução”, a satisfação da disposição testamentária pode ser cumprida sem recurso à instituição de uma fundação. Nestes casos, continua aquele autor, “a vontade do testamenteiro ou de quem recebe os bens é constitutiva da fundação, colaborando com a do testador”.
E conclui, afirmando que “a fundação nem sempre é instituída por um acto pelo qual certa pessoa destaque do seu património uma massa de bens para a afectar a determinado fim” [16].
Mais recentemente, Mota Pinto [17] pronuncia-se no mesmo sentido, afirmando que a regra é a de que uma pessoa singular ou colectiva desafecte do seu património certos valores para com eles constituir a dotação afectada a certo fim, mas acrescenta que “nada se opõe «de jure constituto», à possibilidade de fundações de instituição colectiva (p. ex. as resultantes de afectação de fundos obtidos por subscrição pública ou as instituídas por uma pluralidade de pessoas outorgando simultaneamente no acto da instituição)”.
No exemplo, que se refere aos casos de instituição colectiva, incluem-se não só os casos em que todos os membros do colectivo destacam bens do seu património que vão afectar ao fim fundacional como os casos em que um colectivo de pessoas promove uma subscrição pública e o produto assim obtido é afectado à dotação fundacional.
Identicamente, Ferrer Correia entende que nada obsta à criação de fundações de instituição colectiva, acrescentando que, neste caso, os instituidores “têm de ser identificados, se não nos estatutos, pelo menos no acto de instituição da fundação” [18].
Numa outra perspectiva pode afirmar-se a circunstância em que o instituidor dispõe de bens sem ter deles a disponibilidade.
Isso mesmo reconhece Marcello Caetano, quando analisa os efeitos do negócio de instituição prévios ao reconhecimento, e afirma que “se, porém, o acto de instituição produz efeitos jurídicos durante algum tempo, até que vem a ser anulado, o reconhecimento é eficaz durante a vigência do acto, e pode não caducar necessàriamente com a anulação, se esta for proferida, por exemplo, em razão da indisponibilidade pelo instituidor dos bens afectados e, sendo meritório o fim, entretanto a fundação tiver conseguido meios próprios de subsistência que lhe permitam sobreviver à perda da dotação inicial”[19]. (Sublinhado agora)
O exame dos ordenamentos jurídicos de países com sistema jurídico similar ao nosso poderá introduzir alguns contributos.
Em França, a matéria das fundações, enquadrada na lei do mecenato[20], também não exige que os bens que hão-de constituir o património da fundação pertençam ao instituidor. Na verdade, menciona, apenas, que a fundação é o acto pelo qual uma ou várias pessoas singulares ou colectivas decidem a afectação irrevogável de bens, direitos ou recursos para a realização de uma obra de interesse geral de fim não lucrativo.
O mesmo acontece em Itália, cujo regime também influenciou a legislação portuguesa, e em cujos artigos 14.º e 16.º do Código Civil se não exige que os bens sejam pertença do instituidor.
Em Espanha, que dispõe de uma lei recente e específica sobre fundações [21], estas são definidas como organizações constituídas sem ânimo de lucro que, por vontade dos seus criadores, têm afectado de modo duradouro o seu património à realização de fins de interesse geral (artigo 1.º), esclarecendo-se que a capacidade para as fundar pertence a pessoas singulares e colectivas, as quais devem poder dispor gratuitamente, entre vivos ou mortis causa, dos bens e direitos em que consiste a dotação (artigo 2.º).
Por último, quanto à dotação, que constitui um dos elementos essenciais que deve constar da escritura de constituição de qualquer fundação, prevê-se expressamente que devem considerar-se como tal os compromissos de entregas de terceiros sempre que estejam garantidas, naquela não se incluindo o simples propósito de recolher donativos (artigo 10.º).
No que se refere à possibilidade de instituição colectiva, os autores admitem-na expressamente [22].
Da parte da doutrina, a abordagem específica da questão da titularidade dos bens que hão-de integrar o património inicial não tem sido especificamente considerada, mas, das referências assinaladas, parece estar subjacente a ideia de o instituidor ter a possibilidade de dispor dos bens a afectar ou que usufrua de título bastante que o habilite a dispor dos bens que serão afectos ao fim de interesse geral.
Um exemplo singelo pode contribuir para a concretização da ideia.
No contexto de um negócio jurídico celebrado entre A e B, este recebeu validamente daquele um acervo patrimonial para a instituição de uma fundação.
Se B assumiu o domínio, a propriedade de tais bens, é ele o instituidor, pouco importando apurar a que título ele os adquiriu. Num outro plano de análise, pode, no entanto, conjecturar-se se no âmbito do negócio celebrado entre A e B este veio efectivamente a ser investido na titularidade desses bens. Ele pode não ter assumido o domínio ou a propriedade e, no entanto, mercê do negócio entre ambos celebrado, ter tido poderes para dispor validamente e para aquele fim de tal acervo patrimonial. Pelo acto fundacional os bens transitaram para a esfera da pessoa colectiva criada.
Neste caso, os bens transferidos para a pessoa colectiva criada não eram pertença do instituidor.
Por último, releva destacar uma referência retirada do direito positivo vigente, comparando as normas constantes do disposto no n.º 1 do artigo 186.º, relativo à instituição da fundação, e no n.º 1 do artigo 940.º, que define doação, ambos do Código Civil.
Sem necessidade de estudar a natureza jurídica e as particularidades das duas figuras jurídicas, aquela enquanto negócio jurídico unilateral, esta enquanto negócio jurídico bilateral, erigido em contrato nominado, o legislador menciona expressamente que, no caso de uma doação, a disponibilidade que a pessoa faz de um bem ou de um direito é “à custa do seu património”, expressão ou ideia semelhante que não está inscrita no primeiro normativo referido.
Vale tudo por dizer que a afectação de bens para a constituição de uma fundação pode não consistir necessariamente numa desafectação de bens do património do instituidor, o que se verifica nas situações examinadas, nomeadamente nos casos de instituição colectiva, subsequente a uma subscrição colectiva de fundos.

III
Estudámos anteriormente o negócio fundacional com especial incidência sobre o elemento património. Questão que vem suscitada, em segundo lugar, é a de saber se, podendo ser instituídas fundações com bens não pertencentes aos instituidores, esses bens podem provir do Estado ou de outra entidade pública.
1. Antes de mais interessa analisar se o Estado e outras pessoas colectivas públicas podem constituir fundações privadas.
No parecer n.º 611/2000, a propósito da distinção entre pessoas colectivas de direito público e de direito privado, alude-se às figuras híbridas das denominadas «fundações públicas de direito privado», transcrevendo-se ilustrativamente, sem compromisso do Conselho, as posições de autores a respeito delas, nos seguintes termos:
“Por um lado, [observa-se [23]], não existe entre nós «qualquer norma constitucional ou legal a que possa ser atribuído o sentido de uma habilitação genérica da Administração Pública para instituir fundações», salvo, desde recente data e limitada aos municípios, a do artigo 53º, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
“É certo [acrescenta o mesmo autor] «que a prossecução de atribuições públicas por entidades privadas não se encontra constitucionalmente proibida», podendo, pois, admitir-se a instituição de fundações privadas» «para prosseguir fins públicos determinados». Mas isso desde que observadas certas «limitações e constrangimentos»: os derivados da «excepcionalidade da administração pública por entes privados»; da proibição do uso desse procedimento para evitar a observância dos chamados dados fundamentais da administração pública, tais como «os controlos ministerial e parlamentar, a vinculação aos direitos fundamentais» (x12). Determinadas tarefas não poderiam sequer deixar de ser desempenhadas por entes públicos (x13).
“Por outro lado, a instituição de fundações de direito privado por entidades públicas, envolvendo a separação entre a fundação e o fundador, que a lei civil postula, implicaria, para a tese exposta, um «abandono definitivo» pelo ente público «dos interesses públicos de cuja prossecução a lei o encarregou».
“Outros pontos de vista apresentam-se, porém, menos restritivos relativamente à admissibilidade destas figuras transaccionais das «fundações públicas de direito privado».
“Desde logo porque, «reconhecendo a doutrina do direito público ampla capacidade de gestão privada às pessoas colectivas de direito público, nada impede que estas últimas criem fundações exclusivamente ao abrigo do direito privado, por negócio jurídico privado, ficando as fundações públicas assim criadas sujeitas no seu funcionamento apenas ao direito privado» (x14).
“E existindo «pessoas colectivas públicas de direito privado (v.g., empresas públicas de regime geral, sociedades de capitais públicos, sociedades de economia mista controlada, cooperativas mistas, associações públicas de direito privado, etc.)», nada também impede «que qualquer delas crie fundações de direito privado que serão igualmente públicas por serem de iniciativa pública e afectarem um património público ao serviço de fins de interesse social que a entidade instituidora pretende prosseguir, mas que são fundações de direito privado porque criadas ao abrigo do direito privado (Código Civil), por negócio jurídico privado, ficando apenas sujeitas ao direito privado» (x15).
Uma breve resenha dos ordenamentos jurídicos de outros países mostra-nos uma diversidade de soluções.
Em Espanha, o artigo 6.º, n.º 4, da já referida Lei 30/94, estabelece expressamente que “as pessoas jurídico-públicas têm capacidade para constituir fundações, salvo se as suas normas reguladoras dispuseram o contrário” [24].
João Caupers [25] informa-nos, no entanto, de que a doutrina diverge quanto à exacta compreensão desta norma. Há quem a interprete no sentido de uma habilitação genérica conferida às instituições públicas para a criação de fundações (Pinar Manas e Cabra Luna); há quem se oponha a tal interpretação (Parejo Alonso); e ainda quem considere que se trata de uma norma atributiva de competência apenas às entidades públicas que inscrevem nos seus estatutos essa possibilidade (Marcos Vaquer).
O mesmo autor dá notícia de que, em França, a lei e a doutrina são silenciosas a tal respeito; na Bélgica, está interdita claramente a possibilidade de as pessoas colectivas instituírem fundações; e na Alemanha, a doutrina juspublicista “não questiona a existência de fundações públicas (öffentlichen Stiftungen), tratadas em qualquer manual de direito administrativo, admitindo, em geral, que estas se repartem por duas categorias: as fundações de direito administrativo (Stiftungen des Verwaltungsrechts) e as fundações de direito privado (Stiftungen des bürgerlichen Rechts)” [26] [27].
Fora da Europa, prossegue, no Brasil [28] e na Venezuela [29], a doutrina inclina-se pela admissibilidade de o Estado poder instituir fundações.
Retomando, de novo, o ordenamento jurídico português, a verdade é que, apesar das hesitações, o Estado e outras pessoas colectivas públicas, mesmo sem texto legal autorizante, ao contrário do que se passa para as autarquias [30], vêm instituindo fundações de direito privado. Quanto à pessoa colectiva Estado, a Fundação da Casa de Bragança [31] constitui senão o primeiro, pelo menos, um dos primeiros exemplos, a que muitos outros se seguiram [32], sendo a Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, o último caso publicado [33].
Por outro lado, há também exemplos de fundações que foram instituídas por negócio jurídico privado [34].
Decorre do exposto que o Estado e outras pessoas colectivas públicas, sós ou em colaboração com outras entidades, têm instituído fundações para prosseguirem as atribuições que lhes são cometidas.

2. Analisado que o Estado tem instituído fundações de direito privado, cabe indagar das razões que motivam o Estado a instituir uma fundação, e os termos em que o pode fazer.
Os autores costumam referir como razões justificativas para o estabelecimento destas entidades a “flexibilidade na criação e extinção, no regime de pessoal, no regime financeiro, na actividade, na associação, entre diversas organizações ou com particulares” [35], tudo concretizado na sugestiva imagem de “fuga para o direito privado”.
Notar-se-á que, aqui, não se encontrará aquela ideia de altruísmo que se mostra presente nas fundações instituídas pelos particulares, quer individual quer colectivamente.
O Estado, quando opta por socorrer-se de qualquer uma das formas jurídicas previstas no direito privado, e a regra vale também para as associações e sociedades, “utiliza tal espécie de entidade para atingir determinado fim de interesse público” [36], mas sem que a mesma adquira normalmente vida inteiramente própria, ao contrário do que acontece com os particulares.
Com efeito, o Estado pode intervir na pessoa colectiva através da alteração ou revogação da lei que a institui, sempre que o interesse público o determine, pois, não sendo assim, estar-se-ia a desrespeitar o “princípio da indisponibilidade do interesse público ao qual se vincula a administração” [37].
Algumas vezes, a Administração intervém logo no acto de instituição, moldando os estatutos de modo a que o interesse público fique salvaguardado [38].
No entanto, a opção da Administração por formas do direito privado não pode “ter por efeito a fuga às garantias constitucionais dos cidadãos contra a Administração, nomeadamente o respeito dos direitos fundamentais”, nem pode “fugir aos dados fundamentais da administração pública, nomeadamente o controlo ministerial e parlamentar, a vinculação dos direitos fundamentais, etc.” [39].
Antes de mais, a formação da vontade da Administração em participar num negócio de direito privado processa-se sempre no plano do direito administrativo, “visto que a prática do acto de direito privado é normalmente precedida de uma série de formalidades através das quais se dá cumprimento a normas jurídicas organizatórias e funcionais da Administração” [40].
Depois, e se é certo que o “direito positivo vigente não oferece uma regulamentação homogénea da actividade de direito privado da Administração Pública, o que «torna em parte frustradas as tentativas para individualizar os princípios que possam ser referidos a tal actividade» (RAIMONDI)” [41], a verdade é que a Administração, se dispõe das formas de direito privado, ainda assim “não goza da liberdade e das possibilidades da autonomia privada”, estando sujeita, designadamente, ao princípio constitucional da legalidade, tal como decorre do artigo 266.º da Constituição e se densifica no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.

2.1. Abra-se aqui um parêntesis para explicitar os termos da compreensão do princípio da legalidade no âmbito da Administração Pública, restringindo-nos ao seu essencial para uma resposta ao pedido de consulta.
O texto do preceito constitucional, que abre o Título IX, relativo à “Administração Pública”, e sob a epígrafe “Princípios fundamentais”, dispõe:
“1. A Administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
Por sua vez, o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, sob a epígrafe “Princípio da legalidade”, preceitua no n.º 1:
“Os órgãos da Administração pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.”
Decorre dos preceitos transcritos que a Administração há-de pautar-se em conformidade com a lei, “em obediência à lei”, melhor dizendo “à lei e ao direito”, e nos “limites dos poderes que lhe sejam atribuídos” para utilizar os termos legais.
As fórmulas usadas, refere Esteves de Oliveira [42] e outros, “parecem manifestações inequívocas de que, para o legislador do Código [do Procedimento Administrativo], a actuação da Administração Pública é, em bloco, comandada pela lei, sendo ilegais não apenas os actos (regulamentos ou contratos) administrativos produzidos contra proibição legal, como também aqueles que não tenham previsão ou habilitação legal, ainda que genérica (ou até orçamental)”.
Dizendo de outro modo: “os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir no exercício das suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos” [43].
Esta forma de entender o princípio da legalidade nem sempre foi assim. Anteriormente ao texto constitucional e segundo a doutrina de Marcello Caetano [44], o princípio da legalidade era compreendido do seguinte modo: “Nenhum órgão ou agente da Administração Pública tem a faculdade de praticar actos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior”.
Sobre este entendimento, afirma Freitas do Amaral que se estava em presença “essencialmente de uma proibição: a proibição de a Administração pública lesar os direitos e os interesses dos particulares, salvo na base da lei” [45].
O mesmo Autor, estabelecendo a comparação entre os termos como deve ser entendido o princípio da legalidade à luz do preceituado na Constituição da República e como o era entendido, escreve [46]:
“Quais são as diferenças entre esta maneira de definir o princípio da legalidade e a anterior? São três as diferenças principais.
“Em primeiro lugar, o princípio da legalidade aparece agora definido de uma forma positiva, não já de uma forma negativa. Diz-se o que a Administração pública deve ou pode fazer, e não apenas aquilo que ela está proibida de fazer.
“Em segundo lugar, verifica-se que o princípio da legalidade, nesta formulação, cobre e abarca todos os aspectos da actividade administrativa, e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares. Designadamente, o princípio da legalidade visa também proteger o interesse público, e não apenas os interesses dos particulares.
“Em terceiro lugar, na concepção mais recente, a lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que hoje em dia não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça.
“Por outras palavras, a regra geral – em matéria de actividade administrativa – não é o princípio da liberdade, é o princípio da competência. Segundo o princípio da liberdade, pode fazer-se tudo aquilo que a lei não proíbe; segundo o princípio da competência, pode fazer-se apenas aquilo que a lei permite.”
A compreensão do princípio da legalidade como de legalidade-
-fundamento,
não sendo coincidente nos autores, tende para se afirmar.
A generalidade da doutrina, na dicotomia função agressiva da Administração Pública[47] e função ou actividade prestacional[48] da mesma Administração, considera o princípio da legalidade-fundamento extensiva às duas realidades.
Neste sentido, Freitas do Amaral [49], Esteves de Oliveira [50] e Marcelo Rebelo de Sousa [51], acrescentando este que tal posição conheceu “algum apoio jurisprudencial”.
Em posição dissonante, situa-se Sérvulo Correia [52], para quem a administração de prestação, como realidade diversa da administração agressiva, prescinde do princípio da legalidade como fundamento da actividade administrativa, bastando-se com o respeito da lei como limite dessa mesma actividade.

2.2. Retomando o discurso reflexivo acrescentar-se-á que, com vista à prossecução da sua actividade e na exteriorização da sua vontade, a Administração socorrer-se-á dos actos normativos que no caso couberem ou, sendo esse o caso, de negócio jurídico privado, usando a forma de escritura pública, como previsto no artigo 185.º, n.º 3, do Código Civil.
Com efeito, afirma Nuno Sá Gomes [53], “reconhecendo a doutrina do direito público ampla capacidade de gestão privada às pessoas colectivas de direito público, nada impede que estas últimas criem fundações exclusivamente ao abrigo do direito privado, por negócio jurídico privado, ficando as fundações públicas assim criadas sujeitas no seu funcionamento apenas ao direito privado”.
Mas não pode deixar de afirmar-se que, sendo igualmente possíveis as duas opções, importaria precisar [54] os casos que obrigatoriamente estariam cobertos por uma e por outra, sendo axiomático que, nos casos em que falta o poder de emitir actos normativos, só o negócio jurídico privado surgirá [55].
Como ficou referido, nos casos em que tem sido o Governo a instituir fundações, entre outras, a Fundação das Descobertas ou, mais recentemente, a Fundação para a Protecção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, o recurso ao decreto-lei foi a fórmula adoptada. Noutros casos, quando se tratou de instituição de fundações por entes públicos menores, foi adoptado o negócio jurídico privado; e nem poderia ser outro de outro modo por estas entidades não disporem de poder legislativo.
Nos negócios jurídicos privados, sempre estando a Administração subordinada à lei, aquela há-de reger-se pelos comandos legais que disciplinam a constituição de fundações de regime privado sempre que para a prossecução do interesse público este melhor for alcançado através de actividades a desenvolver por essas pessoas colectivas.
Assinale-se que não sendo pacífico na doutrina o recurso a fórmulas de direito privado neste domínio, bem assim como a sua extensão e âmbito, as quais se têm caracterizado por intervenções esporádicas, afigura-se-nos, por maioria de razão, que a haver intervenção, ela seja assumida directamente pelo Estado Administração.
De todo o exposto parece resultar que o legislador impõe à Administração o dever de intervir directamente na prática dos actos necessários à instituição de uma fundação que a mesma Administração pretenda erigir.


3. Mas, além de instituir, o Estado pode também apoiar as fundações que prossigam fins que sejam reputados de interesse relevante, tal como se estudou no parecer n.º 611/2000.
Com efeito, se uma determinada fundação prosseguir fins que se identificam com interesses públicos também prosseguidos pelo Estado, este poderá auxiliar as actividades daquela “que visem a prossecução dos aludidos fins, mediante subsídios financeiros e outras atribuições patrimoniais”.
Na decisão que tomar, o órgão público competente deve observar, além do mais, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, imparcialidade, boa–fé e legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e artigos 3.º e 6.º do Código do Procedimento Administrativo).
A entidade beneficiária do apoio – a fundação - fica subordinada aos requisitos e formas de controlo estudados no ponto V do parecer n.º 611/2000, designadamente a controlo do Tribunal de Contas (artigo 2.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, e artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 14/96, de 20 de Abril).
As duas entidades, Estado e fundação, estão assim sujeitas a formas de subordinação e controlo. De um lado, a vinculação à lei e ao direito, nomeadamente aos princípios constitucionais; do outro lado, ainda às formas de controlo a que vem de se aludir.

4. Podendo o Estado e outras pessoas colectivas públicas instituir fundações [56] e podendo o Estado, também, conceder apoios, sob a forma de subsídios [57] ou outras contribuições às actividades das fundações que prossigam interesses que se identifiquem com idênticos interesses do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, importa agora estudar se o Estado ou outras pessoas colectivas públicas podem transferir bens ou outros direitos para outras pessoas, singulares ou colectivas, que irão ser usados por estas para a instituição de fundações.
A questão assim posta reconduz-se à segunda pergunta colocada.
A regra, como se evidenciou, é a de uma pessoa destacar do seu património uma massa de bens, universitas rerum, que afecta a um certo escopo de interesse social, tipicamente altruístico.
Por outro lado, também como vimos, nos casos em que, no acto de instituição, não intervém o próprio titular dos bens, reconhece-
-se que o interveniente no acto fundacional se mostra habilitado com título bastante para deles dispor.

Assim é nas situações em que o património fundacional resultou de uma subscrição pública ou em que o executor testamentário, reputando ser essa a forma mais adequada de cumprir a disposição testamentária, cria uma fundação. O mesmo acontece, ainda, relativamente ao exemplo dado (supra, ponto II.4, parte final) em que, sem discutir se a titularidade do bem pertencia ao instituidor ou a outrem, aquele tinha o poder de dele dispor.

Para a resposta à segunda questão importa precisar-lhe os limites e estabelecer-se o conteúdo, sob pena de perder autonomia face à primeira pergunta.

Nas fundações de direito privado, a regra é a de que o património fundacional seja pertença do instituidor, ou que, no caso de fundação colectiva, cada um dos intervenientes no acto concorra com uma parte para a totalidade do património. Mas também se analisaram situações em que a pessoa colectiva foi instituída com bens que não se integravam na esfera jurídica do titular, para além daquelas situações em que seria discutível se se tratava de bens pertença do instituidor ou de terceiro.

E nesse sentido, a pergunta só se compreende se se dirigir a bens ou valores recebidos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, e de que estas abriram mão para tal efeito.

Ainda assim, num plano metodológico há que considerar duas vertentes de análise: a que se reporta ao instituidor e ao negócio fundacional, e aquela que respeita aos actos da Administração de disponibilização de bens públicos para certos fins.

Enunciado o problema nestes termos, o negócio fundacional celebrado pelo instituidor é exterior ao exame da questão. O que releva é a atribuição de bens públicos por parte do Estado ou de outras entidades públicas a um particular, seja pessoa singular ou colectiva, para tal fim. O regime das fundações previsto na lei civil é, assim, convocado, tão só para compreender se a atribuição de subsídios para esse efeito com ele se harmoniza.

A concessão de acervos patrimoniais a particulares decorre da circunstância de o Estado considerar relevante apoiar entidades que prosseguem fins de interesse público que a ele também incumbe prosseguir.

Vimos, antes, quando se estudou a atribuição de subsídios à Fundação para a Prevenção e Segurança, que a concessão de auxílios estava subordinada à prossecução de fins de interesse público.

Importa, agora, estudar, com maior desenvolvimento, os termos em que o Estado, o mesmo é dizer a Administração Pública, pode dispor de bens ou valores para tais finalidades.

Pode afirmar-se que o critério orientador e o limite é sempre o da prossecução do interesse público.


5. A promoção do interesse público constitui um dos princípios enformadores do poder administrativo, erigido em princípio constitucional no artigo 266.º, n.º 1, da Constituição da República, já, antes, mencionado.

O interesse público, com equivalência em expressões como “interesse geral”, “interesse colectivo” ou “utilidade pública”, “é um momento teleológico de qualquer actividade administrativa: as autoridades administrativas, mesmo no uso de poderes discricionários, não podem prosseguir uma qualquer finalidade, mas apenas a finalidade considerada pela lei ou pela Constituição, que será sempre uma finalidade de interesse público” [58].

Nos mesmos termos se pronuncia Freitas do Amaral [59], ao referir que o “interesse público é o interesse colectivo, é o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem-comum”, que traduz uma “exigência de satisfação das necessidades colectivas”.

Mais adiante acrescenta [60]:
“O princípio da prossecução do interesse público do direito Administrativo tem numerosas consequências práticas, das quais importa citar aqui como mais importantes as seguintes:
1. Só a lei pode definir os interesses públicos a cargo da Administração: não pode a ser a Administração a defini-los;
2. Em todos os casos em que a lei não define de forma completa e exaustiva o interesse público, compete à Administração interpretá-lo, dentro dos limites em que a lei o tenha definido;
3. A noção de interesse público é uma noção de conteúdo variável: o que ontem foi considerado conforme ao interesse público pode hoje ser-lhe contrário, e o que hoje é tido por inconveniente, pode amanhã ser considerado vantajoso. Não é possível definir o interesse público de uma forma rígida e inflexível, ne varietur;
4. Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela Administração é obrigatória;
5. O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos respectivos órgãos: é o chamado princípio da especialidade, também aplicável às pessoas colectivas;
6. (...)
7. (...)
8. A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração pública que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do ponto de vista administrativo (técnico e financeiro): é o chamado dever de boa administração.”

Decorre deste princípio que o Estado tem o dever de prosseguir o interesse público, entendido este como um objectivo de geometria variável, hipotecado às circunstâncias concretas em que a decisão para o prosseguir deve ser tomada, adoptando a melhor solução, sempre dentro do quadro das atribuições e competências da pessoa colectiva em causa.


5.1. Mas a prossecução do interesse público não supõe nem exige que todas as medidas para o alcançar sejam adoptadas pelo Estado; umas vezes é este que as executa, outras vezes, ele fomenta ou promove as condições para que outrem que não o próprio desenvolvam actividades que por ele poderiam ser executadas.

A Constituição da República concede-nos algumas indicações.

Note-se, em primeiro lugar, que entre as tarefas fundamentais que a Constituição da República confere ao Estado incluem-se as de “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais” [61], não sendo difícil considerar que na formulação genérica desta norma se incluem um vasto elenco dos fins de interesse social prosseguidos pelas fundações de direito privado.

Outros normativos explicitamente atribuem ao Estado missões de apoio a certas entidades de reconhecido interesse público.

Nesse sentido, e entre outros [62], o artigo 63.º, com a epígrafe “Segurança social e solidariedade”, estabelece no n.º 5 que: “O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º.”
Aqui se consagra não só o apoio a entidades de reconhecido interesse público como também a sujeição delas à fiscalização do Estado.


5.2. Um breve relance pela actividade económica pode trazer-
-nos contributos relevantes de análise.


No sector económico, a acção de fomento não substitui a acção dos particulares, antes a incorpora no desenvolvimento das actividades da Administração como meio de atingir o interesse público. Neste sentido radica a sua vantagem: não só não expande o aparelho estatal com actividades que também são do seu interesse e dos particulares e que estes podem desenvolver adequadamente, como também os envolve na execução dessa actividade.

A promoção de actividades que a Administração reconhece como importantes para a prossecução do interesse público, mesmo que levadas a cabo por particulares, atingindo assim de forma indirecta ou mediata fins que obteria através de uma acção directa e imediata, pode incluir-se no conceito de fomento ou de actividade de fomento.

No contexto do direito económico, explica Luís C. Cabral de Moncada [63], o “fomento económico consiste numa actividade administrativa de satisfação de necessidades de carácter público, protegendo ou promovendo actividades de sujeitos privados ou outros que directa ou indirectamente as satisfaçam”, acrescentando pouco depois que o “fomento analisa-se (...) numa actividade de estímulo positivo e dinâmico em vez de uma atitude passiva”.


5.3. As actividades de fomento não se esgotam no âmbito da economia, se bem que este tenha sido um alvo privilegiado de acção. As acções de fomento ou de promoção alastram e cruzam todas as actividades de interesse público.

Refere o autor antes citado: “o objectivo das medidas de fomento, embora fundamentalmente económico, pode não o ser. As finalidades das medidas de fomento podem ser de ordem social ou cultural; compreendem-se aqui todas as prestações estaduais concedidas para a prossecução de fins determinados de interesse público” [64].

De entre as principais medidas de fomento usadas pelo Estado na economia, mas que são extensíveis a outras áreas, como por exemplo a cultura [65], podem indicar-se os benefícios fiscais e outros apoios, entre os quais se encontram os subsídios.

Sobre os benefícios fiscais, assinalar-se-á, especificamente no que se refere a pessoas colectivas fundacionais, que os donativos a elas concedidos e nas quais o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial, são considerados custos ou perdas de exercício, na sua totalidade, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto do Mecenato [66].

Se se considerar o diploma instituidor da Fundação do Centro Cultural de Belém, designação que sucedeu à de Fundação das Descobertas [67], nele se prevê expressamente que se lhe aplique o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 30 de Setembro [68].

Referência similar não se encontra na Fundação para a Protecção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, mas dessa omissão não deve ser retirada qualquer consequência face ao teor da disposição legal, de carácter genérico, constante de diploma legal anterior.

No que se refere ao conceito de subsídio, importa, antes de mais, assinalar o polissemismo do termo. Seguindo Cabral de Moncada [69], o subsídio “é uma expressão genérica que abrange um conjunto diversificado de providências administrativas, possuindo, no entanto, um denominador comum: o tratar-se de atribuições pecuniárias unilaterais a favor dos sujeitos económicos sem que estes fiquem constituídos na obrigação do reembolso. É por esta razão que também se chama ao subsídio subvenção, comparticipação, prémio, etc.”.

O texto do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto, que regulamenta a obrigatoriedade de publicidade dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares, inclui na categoria de benefício o subsídio e a subvenção, a bonificação, a ajuda, o incentivo e o donativo.

Dos termos deste diploma parece resultar que as ajudas do Estado podem ser concedidas a vários títulos e sob diversas designações, mas que se incluem sempre na categoria mais ampla dos apoios do Estado.

A Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, parece adoptar idêntica aproximação quando prevê no artigo 41.º, n.º 1, alínea h), que o Tribunal de Contas aprecia no relatório e parecer sobre a Conta Geral do Estado “os apoios concedidos directa ou indirectamente pelo Estado, designadamente subvenções, subsídios, benefícios fiscais, créditos, bonificações e garantias financeiras”.

Por último, o projecto de diploma preparado pela Comissão de Estudo do Regime Jurídico Relativo aos Auxílios Públicos [70], inclui no conceito de auxílio público “toda e qualquer vantagem financeira ou monetária atribuída, directa ou indirectamente, pelo Estado ou outras pessoas colectivas de direito público, qualquer que seja a designação da modalidade adoptada” [71], sem enumerar a forma que a concreta modalidade de auxílio possa assumir, por a considerar desnecessária tendo em atenção os objectivos do projecto de diploma.

Para a economia do parecer não se afigura necessário o compromisso por uma maior conceptualização teórica, mas apenas reter que, em finanças públicas e de um modo geral, o termo subsídio é utilizado “para traduzir desembolsos por parte do Estado que reflectem preocupações diversas, de natureza económica ou social (incentivar a produção de certos bens, assegurar a competitividade nas exportações, garantir rendimento mínimo a indivíduos ou famílias, etc.)” [72].

E de entre os requisitos para a sua atribuição, nota-se que o subsídio tem sempre presente “o pressuposto da prossecução pelo beneficiário de interesses públicos desenvolvimentistas e salutistas”.

A atribuição de subsídios pelo Estado ou por outras entidades infra-estaduais, no contexto da prossecução dos fins do Estado, envolve sempre, como se afirmou, por um lado, a ideia de tutela de um interesse público considerado relevante, e, por outro lado, um prévio juízo sobre a relevância do interesse a prosseguir e como prossegui-
-lo.


E, assim, o Estado pode agir ele próprio ou através do envolvimento, maior ou menor, de particulares, pessoas singulares ou colectivas, em actividades que satisfaçam o interesse público.

No entanto, este interesse público – reafirma-se - é de conteúdo variável, e aquilo que num momento se apresenta como uma necessidade premente e inadiável que só deva ser satisfeita pelo Estado pode, noutro momento, revelar-se secundária ou instrumental, podendo ser prestada também por particulares.


5.4. Não existe no nosso ordenamento jurídico um regime geral substantivo da atribuição de subsídios pelo Estado ou outras entidades públicas.

Isso mesmo se reconheceu no parecer n.º 611/2000 quando, depois de analisar a Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto [73], se acrescenta:

“O regime assim introduzido não compreende, no entanto, qualquer disciplina substantiva das atribuições financeiras públicas a entes privados.

“Decerto porque a pressupõe vertida em legislação extravagante relativa aos diferentes domínios da Administração Pública, a exemplo dos diplomas legais há pouco recenseados no perímetro do Ministério da Administração Interna (supra, 2.).”

Em trabalho recente [74], afirma-se que “o actual regime dos auxílios públicos existente em Portugal se caracteriza por uma total falta de homogeneidade a todos os níveis. Efectivamente, quer nos auxílios concedidos quer nas entidades responsáveis pela concessão, quer ainda na forma que os auxílios assumem, não se encontram traços gerais e comuns caracterizadores do regime jurídico dos diferentes diplomas legais”.

Mais adiante [75], escreve-se: “Da análise realizada, a primeira nota que ressalta é a existência de uma proliferação impressionante de diplomas legais que, de uma forma ou de outra e com variadíssimas designações, prevêem a criação de auxílios públicos. Na verdade, são várias as centenas de diplomas que consagram regimes jurídicos de auxílios que, dada a sua dispersão, diversidade e falta de perspectiva de conjunto, tornam tarefa impossível a sua enumeração".

Esta conclusão reporta-se ao conjunto das diversas modalidades de auxílio, afirmação que vale também para o subsídio enquanto espécie específica incluída naquela categoria.


5.5. Na falta de um regime jurídico geral que discipline a atribuição de subsídios pelo Estado [76], a questão de saber se o Estado ou outros entes públicos podem conceder auxílios para a instituição de fundações por entidades privadas releva das atribuições e competências da entidade a quem é solicitado o pedido e das competências dos respectivos órgãos.

Na estrita suficiência para a economia do parecer, recordar-se-
-ão as notas essenciais da teoria das atribuições e competências em direito administrativo, em interligação com os princípios da discricionaridade administrativa e o seu enquadramento em sede de competência.


As pessoas colectivas não prosseguem toda a espécie de interesses públicos, mas tão-só aqueles que por lei, “ou, eventualmente, na sequência ou em complemento dela, regulamentos ou estatutos, enunciem como devendo por elas ser prosseguidos”. As atribuições das pessoas colectivas são, assim, o complexo de “fins ou interesses públicos que a lei incumbe as pessoas colectivas públicas de prosseguir” [77].

Neste domínio interessa estabelecer uma distinção entre as atribuições da pessoa colectiva Estado e as demais pessoas colectivas que constituem as outras pessoas colectivas públicas, Quanto àquele, as atribuições distribuem-se pelo universo de diplomas legais que lhe conferem determinadas atribuições; quanto às últimas, as atribuições mostram-se definidas de forma “integrada”, mostrando-
-se claramente previstas nos textos normativos que as enunciam.


Precise-se, porém, que não se pode entender que o Estado deva prosseguir toda e qualquer atribuição que não seja prosseguida por qualquer pessoa colectiva pública.

Quer o Estado quer as outras pessoas colectivas públicas têm as suas atribuições plasmadas na lei.


5.5.1. Para levarem a cabo essas atribuições, a lei confere às pessoas colectivas um complexo de poderes funcionais, normalmente referidos aos órgãos aos quais compete a manifestação da vontade da pessoa colectiva. A este conjunto de poderes funcionais denomina-se competência [78].

Os poderes são da pessoa colectiva, mas como a exteriorização do exercício desses poderes só se pode concretizar através dos seus órgãos é a estes que tais poderes são referidos. E Marcello Caetano afirma [79] que “a referência directa dos poderes funcionais aos órgãos torna-se mais necessária quanto é certo que, por via de regra, cada pessoa colectiva não tem um único órgão, mas vários, entre os quais são divididas as tarefas sociais, originando-se uma especialização de funções”, a qual pode consistir em atribuir a cada órgão os poderes necessários para desempenhar uma ou mais das atribuições da pessoa colectiva, ou em distribuir por diversos órgãos a missão de prosseguir uma única atribuição, que, assim, deverão agir numa relação de complementaridade.

O princípio da legalidade da competência mostra-se consagrado no artigo 29.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, que comporta uma tripla dimensão.

Por um lado, a competência não se presume, deve constar da lei que a confere a certo órgão. Se em regra, o legislador atribui de forma explícita a competência a certo órgão para a prática de actos que concretizem as atribuições da pessoa colectiva, outras vezes, a competência afirma-se implicitamente[80], quando se deduz, como afirma Freitas do Amaral [81], “de outras determinações legais ou de certos princípios gerais do Direito público, como por ex. «quem pode o mais pode o menos»; «toda a lei que impõe a prossecução obrigatória de um fim permite o exercício dos poderes minimamente necessários para esse objectivo»;”.

Por outro lado, a competência é imodificável, entendida no sentido de que, “nem a Administração podem alterar o conteúdo ou a repartição da competência estabelecidos por lei”, e, por último é irrenunciável e inalienável, entendida com a dimensão de que “os órgãos administrativos não podem em caso algum praticar actos pelos quais renunciem aos seus poderes ou os transmitam para outros órgãos da Administração ou para entidades privadas” [82], com ressalva da delegação de poderes e figuras afins.

As atribuições referem-se à pessoas colectivas e as competências aos seus órgãos, discriminando a lei o que são as atribuições e o que são as competências de cada órgão.

Assim, qualquer órgão encontra-se limitado pela sua própria competência, não podendo praticar actos que exorbitem da esfera de competências que a lei lhe confiou, e, por outro lado, não podem praticar actos sobre matérias estranhas às atribuições da pessoa colectiva em que se inserem.


5.5.2. No exercício dos poderes que são conferidos à pessoa colectiva para prossecução dos seus fins, umas vezes, a norma atributiva da competência determina de modo preciso a forma de actuar desse órgão; outras vezes, a norma deixa ao órgão competente certa margem de actuação quanto à oportunidade, à conveniência, ao modo de agir e ao conteúdo do acto porque “o legislador entende que se entra numa zona que pertence preferentemente ou até exclusivamente a uma função não jurídica: política ou técnica” [83].

No primeiro caso, o poder mostra-se vinculado ao que se dispõe na norma atributiva de competência, está regulado por lei; no segundo caso, o poder é discricionário, ficando entregue ao critério do respectivo titular, com margem de escolha do procedimento a adoptar em cada caso concreto, mas sempre com o limite do respeito do interesse público, sob pena de desvio de poder.

E na medida em que o interesse público é definido na lei de atribuições, também o exercício do poder discricionário que o prossegue se mostra sujeito ao princípio da legalidade, como sublinhava o parecer n.º 611/2000 (ponto V.3), para que se remete.

No entanto, se o legislador confere ao órgão competente certa margem de liberdade de decisão para em cada caso adoptar a solução mais adequada, isso não se confunde com a determinação do sentido e alcance da norma legal, matéria que se situa noutro plano - o da interpretação jurídica -, encontrando-se o intérprete vinculado às regras próprias para determinação do sentido e alcance que o legislador quis conferir à norma.


5.5.3. Em sede de interpretação[84], o texto da lei, o elemento gramatical, é o ponto de partida, mas a ele se não deve limitar o intérprete, mesmo quando o sentido da norma se parece impor, que deve socorrer-se, ainda, dos elementos histórico, sistemático e teleológico, de modo a surpreender o verdadeiro conteúdo da norma.

O elemento teleológico assumiu “no direito administrativo uma importância fundamental”, pois sendo este direito dominado pelos fins a atingir, “as suas normas, os seus conceitos e institutos apresentam, em relação a esses fins, um carácter funcional e instrumental” [85].


5.6. À luz do quadro teórico enunciado, importa analisar se o Estado ou outros entes públicos podem, no quadro das suas atribuições e competências, deferir a atribuição de subsídio solicitado por entidade particular para a instituição de fundação de direito privado.

Importa, no entanto, precisar o alcance do conceito de entes públicos ou entidades públicas para utilizar a designação constante do pedido de consulta.

Entende-se a referência a entidades públicas em sinonímia com pessoas colectivas de direito público.

A caracterização das pessoas colectivas de direito público é delimitada pelos seguintes critérios que a doutrina administrativa enuncia: o da iniciativa da criação; o do fim prosseguido; o da capacidade jurídica; o do regime jurídico global; o da subordinação ou não da pessoa colectiva ao Estado; o da obrigação da pessoa colectiva existir; e o exercício ou não de uma função administrativa do Estado pela pessoa colectiva [86].

E assim, as pessoas colectivas de direito público são definidas como as pessoas colectivas “criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos” [87].

São, assim, elementos integradores: a criação pública, a prossecução necessária de interesses públicos e o exercício em nome próprio de poderes de autoridade [88].

Sobre as figuras híbridas das denominadas fundações públicas de direito privado remete-se para o que se deixou consignado no ponto III.1.

Seguindo uma classificação doutrinária, o conceito de pessoas colectivas públicas [89] engloba, além do Estado, os institutos públicos, as empresas públicas, as associações públicas, as autarquias locais e as regiões autónomas.

No âmbito dos institutos públicos, a doutrina inclui as espécies seguintes: serviços personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos. Por outro lado, os institutos públicos em sentido estrito, entendidos como pessoas colectivas públicas de substrato institucional sem natureza empresarial, surgem tanto na administração do Estado como na administração regional autónoma.

No que se refere às empresas públicas, o seu regime consta hoje do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, diploma legal que estabeleceu o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas [90].

O regime jurídico das pessoas colectivas públicas depende da legislação aplicável e se em relação às autarquias locais o regime aplicável a todas elas deriva do disposto na Constituição da República, na Lei das Autarquias e no Código Administrativo, no que se refere a cada um dos demais entes públicos [91] o seu regime jurídico há-de ser encontrado no instrumento que os cria.

Do elenco de pessoas colectivas públicas mencionadas, não se cuidará das entidades que se situam na esfera do sector público empresarial, por nos parecer que se exorbita dos limites da consulta, por se situarem no âmbito da actividade de produção de bens e serviços, segundo modelos empresariais e sujeição ao direito privado.

Por outro lado, não especificando a consulta nenhuma concreta situação de facto objecto de exame, a que se alia o universo de entidades cada uma com o seu regime específico, com excepção, como já se referiu, das autarquias locais, restringir-se-á o exame à administração indirecta do Estado com a compreensão antes assinalada, face à presença apertada de intervenção do Governo, traduzida no exercício de poderes de superintendência e tutela administrativa, e por um exame mais alargado não se compadecer com a necessidade de brevidade na resposta.


5.6.1. Considerar-se-á, assim, a resposta no âmbito da administração directa e indirecta do Estado. Mesmo quanto à primeira vertente, também não vindo enunciada nenhuma situação concreta, incidir-se-á a atenção, privilegiadamente, sobre os organismos enquadrados no âmbito do Ministério da Administração Interna (MAI) [92] e aos quais se confere competência para a atribuição de subsídios, sem embargo de estender a atenção a outros domínios, designadamente da economia e da cultura, estes pelos múltiplos programas de apoio que patrocinam ou gerem, de onde se extraiam alguns tópicos de reflexão.

O exame do diploma orgânico do Ministério da Administração Interna, na sua versão originária [93], evidencia que em nenhum caso se menciona expressamente a possibilidade de atribuição de subsídios a entidades, singulares ou colectivas, públicas ou particulares.

No entanto, integrada no MAI em 1992 e para cujo diploma legal se remete a fixação das atribuições e competências [94], a lei orgânica da Direcção-Geral de Viação [95] vem consagrar, no artigo 2.º, alínea m), como sua atribuição: “Promover, realizar, coordenar e apoiar, técnica e financeiramente, acções que visem a prevenção de acidentes e a melhoria da segurança rodoviária, de iniciativa própria ou de outras entidades”.

Os interesses públicos postos por lei a cargo da Direcção-Geral de Viação são, assim, a segurança rodoviária e a prevenção de acidentes do trânsito [96]. Para a promoção desses interesse, a lei confere o poder público, o mesmo é dizer, a competência para apoiar financeiramente acções que visem a prevenção de acidentes e a melhoria da segurança rodoviária [97].

A alusão a apoios financeiros encontrou-se, também, noutros organismos.

Assim, no Serviço Nacional de Protecção Civil [98], dependente do Ministro da Administração Interna, o respectivo diploma orgânico confere-lhe, no artigo 8.º, alínea d)[99], a atribuição de “fomentar e apoiar actividades em todos os domínios em que se desenvolve a protecção civil, nomeadamente facultando apoio técnico ou financeiro compatível com as suas disponibilidades e plano anual de actividades".

As atribuições deste Serviço consistem, assim, na execução do interesse público da protecção civil nos domínios em que esta se compreende, a ser concretizado através da assunção do poder de facultar apoio financeiro à protecção civil [100].

Também a Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros (Decreto-Lei n.º 293/2000, de 17 de Novembro), organismo colocado sob a tutela do Ministro da Administração Interna (artigo 3.º), prevê como atribuição especial deste Serviço o “prestar apoio financeiro ou em espécie no âmbito dos recursos humanos, equipamentos, viaturas e outras necessidades dos corpos de bombeiros, designadamente mediante a atribuição de subsídios ou comparticipações às entidades que os detêm” [artigo 4.º, n.º 2, alínea e)].

No entanto, a específica afectação daqueles apoios aos corpos de bombeiros, leva a excluí-lo do contexto da análise em apreço.

Por último, a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais (CNEFF), órgão de apoio e consulta do Ministro da Administração Interna, instituída pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/2001, de 27 de Fevereiro, que revogou expressamente o anterior acto normativo sobre a matéria (Resolução n.º 9/91, de 21 de Março), tem por atribuições, entre outras e nos termos do n.º 4, alínea b),incentivar a investigação científica aplicada aos incêndios florestais e suas consequências, apoiando, com os meios disponíveis, os programas por si aprovados”.

Assim, para o caso em análise, o fim aqui prosseguido é o do incentivo da investigação científica aplicada aos fogos florestais e os poderes conferidos aos órgãos da CNEFF concretizam-se em apoiar com os meios disponíveis - conceito que, porventura, pode incluir meios financeiros, tal a amplitude da expressão -, programas relativos à investigação científica aplicada aos incêndios florestais.

Não se recensearam, no âmbito do Ministério da Administração Interna, outros actos normativos que mencionassem expressamente a concessão de auxílios.

Do exame dos normativos legais recenseados parece poder concluir-se que os auxílios financeiros se destinam a apoiar, por um lado e em regra, as entidades [101] já existentes e, por outro lado, as actividades ou acções directas desenvolvidas por essas entidades.


5.6.2. Não se descortinou em nenhum daqueles normativos, a referência expressa à concessão de subsídios para a instituição de pessoas colectivas, maxime fundações, pelo que se alargou a análise a outras áreas em que o Estado concede incentivos e, designadamente pelo paralelismo, quanto à possibilidade de constituição de pessoas colectivas ou empresas com recurso a fundos públicos.

No contexto dos sistemas globais de auxílios públicos[102], alguns sistemas que concedem incentivos financeiros e fiscais, como sejam o Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento[103], Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio [104], e o Sistema de Incentivos à Modernização Empresarial [105] elegem como destinatários dos benefícios pessoas singulares ou colectivas, em nenhum deles se mencionando a possibilidade de serem atribuídos auxílios para constituição de novas unidades empresariais.

Apurou-se, todavia, que, em pelo menos um caso, o legislador alude expressamente à atribuição de auxílios para a constituição de novas empresas.

Tal acontece nos Estatutos do Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo[106] que referem expressamente no artigo 5.º, n.º 1, como atribuições do Instituto: “prestar apoio técnico e financeiro, directa ou indirectamente, às empresas do sector do turismo” [alínea e)]; “promover a criação de novas empresas, quando tal promoção contribua para o desenvolvimento do turismo” [(alínea f)]; e “participar, incluindo através da tomada de posição de capital, em sociedades, em instituto, associações ou outras entidades, públicas ou privadas, quando tal participação contribua para o desenvolvimento do turismo” [alínea g)].

O mesmo preceito, no n.º 2, alínea b), estabelece que o Instituto, com vista à realização do objectivo estatutário, pode “conceder comparticipações e subsídios, directos ou indirectos, incluindo bonificações de rendas de juro”.

Relativamente à concessão destes específicos tipos de auxílio, o artigo 6.º, n.º 1, vem preceituar que o Ministério da Economia deve definir em regulamento o modo e as condições do exercício dessa competência, bem como as normas gerais que enunciem as condições e termos de atribuição e os limites de financiamentos, subsídios e comparticipações, directos ou indirectos, a conceder.

A regulamentação para a concessão desses subsídios veio a ser publicada já em 2001, pelo Despacho Normativo n.º 14/2001, de 14 de Março, sendo de destacar que, quanto a financiamentos directos, os promotores de projectos a financiar devem estar legalmente constituídos e sendo caso disso registados [artigos 6.º e 7.º, alínea a)].

O Instituto Camões [107], superintendido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao qual cabe assegurar, nos termos do artigo 1.º, “a orientação, coordenação e execução da política cultural externa de Portugal, nomeadamente de difusão da língua portuguesa, em coordenação com outras instâncias competentes do Estado, em especial o Ministério da Educação e da Cultura”, inclui entre as suas atribuições “conceder apoio financeiro a cidadãos e entidades portugueses e estrangeiros que se dediquem ao estudo e à investigação da língua e da cultura portuguesas, visando a respectiva difusão” [artigo 2.º, n.º 2, alínea o)].

Como nota de interesse releva destacar que no artigo 19.º deste diploma, sob a epígrafe “Associações culturais”, se atribui ao Instituto o poder de “incentivar a criação de associações culturais, a constituir de acordo com o ordenamento jurídico do Estado em que estiverem sediadas, para promover a difusão da língua e da cultura portuguesas” (n.º 1) e de “apoiar as associações culturais que prossigam actividades de difusão da língua e da cultura portuguesas em articulação e sob supervisão dos centros culturais ou das representações diplomáticas e consulares portuguesas” (n.º 2).

Decorre do exposto que o Instituto, para o exercício das suas atribuições, pode conceder apoios financeiros, a portugueses e estrangeiros, que se dediquem ao estudo e difusão da língua e cultura portuguesas e, por outro lado, pode “incentivar a criação de” e “apoiar” associações culturais.

O legislador socorre-se de conceitos como “incentivar a criação de associações culturais” e “apoiar associações culturais”, cujo conteúdo se apresenta imbuído de indeterminabilidade, interrogando-
-se o intérprete se a atribuição de subsídios se inclui em qualquer ou em alguma daquelas formulações.


Como quer que seja, o legislador distingue a atitude do Estado consoante a pessoa colectiva exista ou não; no primeiro caso, o Estado “apoia”, e, no segundo caso, “incentiva a criação”. Ao menos na sua literalidade verifica-se um diferente posicionamento do Estado perante as duas realidades.

Noutro departamento governamental detectou-se uma formulação em que as atribuições a as competências da pessoa colectiva se mostravam redigidas em termos de inteiro decalque, reproduzindo-se reciprocamente.

Tem-se em mente, o Fundo de Fomento Cultural, inserido no âmbito do Ministério da Cultura e previsto no artigo 15.º da lei orgânica deste ministério [108], a quem são confiadas as seguintes atribuições:
“a) Prestar apoio financeiro às actividades de promoção e difusão dos diversos ramos de cultura;
b) Subvencionar acções de defesa, conservação e valorização dos bens culturais;
c) Subsidiar a realização de congressos, conferências, reuniões, missões e outras iniciativas de natureza cultural e, bem assim, a participação em manifestações semelhantes que tenham lugar no estrangeiro;
d) Custear a divulgação, interna ou externa, dos programas e realizações culturais e artísticas;
e) Financiar estudos e investigações de carácter cultural;
f) Conceder subsídios e bolsas para outros fins de acção cultural.”

As competências deste Fundo, que foi criado pelo Decreto-
-Lei n.º 102/80, de 9 de Maio
[109], são definidas em termos idênticos às das atribuições antes enunciadas, no artigo 2.º deste diploma [110].

Atenta a formulação genérica e imprecisa da norma inserida na alínea f) do preceito antes transcrito poder-se-á questionar se um pedido de subsídio apresentado à entidade competente para o autorizar, que tivesse em vista a instituição de uma fundação para divulgação de específicos fins de teatro considerados de interesse geral não mereceria deferimento favorável.


5.6.3. Na norma a que aludimos, prevê-se que a pessoa colectiva em causa possa “conceder subsídios e bolsas para outros fins de acção cultural”.

Na sua literalidade, a amplitude do texto legal supõe a permissão para a prática de todos os actos de atribuição de subsídios e bolsas que a Administração repute convenientes para a realização dos outros fins de acção cultural a que a norma alude.

Não se questiona a competência da Administração para a concessão de subsídios ou bolsas para os denominados outros fins compreendidos na previsão normativa. Nem se questiona que a Administração ao actuar o faça no uso de poderes discricionários consentidos pela norma.

O que a entidade que tem a seu cargo a decisão de atribuição de um tal subsídio deve ponderar previamente à decisão é se um tal pedido de subsídio se inclui no âmbito das suas atribuições e competências.

Está-se, assim, num momento em que a entidade competente avalia da verificação dos pressupostos para que possa conhecer do mérito, que é prévio à formulação da decisão.

E consoante a conclusão a que se chegue sobre o sentido e alcance da norma se concluiria ou não pela existência dessa concreta atribuição ou dessa específica competência.


6. A actuação da Administração na atribuição de subsídio a um beneficiário corresponde à prática de um acto “da natureza do acto administrativo”, a qual na formação da sua decisão deve considerar os princípios constitucionais e legais, bem como as normas infraconstitucionais em que estes se densificam, que disciplinam a actividade administrativa.

Na sua intervenção e actuação consentida pelo poder conferido pela norma para a prossecução do interesse público, a Administração há-de sujeitar-se aos princípios a que se mostra submetida, e que perante cada caso concreto são simultaneamente critérios de actuação, pelos quais a mesma se há-de reger, e critérios de controlo, ex-ante ou a posteriori, aos quais se submete.

Referiu-se antes que o interesse público assume uma geometria variável, mas que isso não se confunde com o dever imposto à Administração de, na sua margem de discricionaridade, respeitar o interesse público.

Isso conduz-nos ao exame da discricionaridade da Administração na sua actuação, matéria que já foi abordada no parecer n.º 611/2000, no contexto da atribuição de subsídios à Fundação para a Prevenção e Segurança, e que aqui se retoma sem mais desenvolvimentos.

Disse-se então:

“É certo que na concessão das atribuições financeiras referenciadas subsiste uma margem de discricionaridade.

“Compreende-se, efectivamente, que no domínio dos actos políticos e de natureza técnica surja a necessidade, sob pena de menos eficiência da Administração, de uma certa liberdade de actuação dos órgãos, a qual tanto pode respeitar à forma de agir como a certos aspectos do objecto.

“Mas a actuação da Administração fica, ultima ratio, condicionada, mesmo aí – inexpugnável reduto do princípio da legalidade –, pelo respeito do interesse público definido na lei como fundamento de atribuição dos poderes.

“Por isso que no domínio dos apoios financeiros sub iudicio o exercício da discricionaridade subsistente deva obedecer aos parâmetros, nomeadamente, da igualdade, proporcionalidade e imparcialidade, pressupostos na prossecução participada do interesse público mediante a partilha de recursos escassos.”


6.1. Assim, e no que se reporta à Administração, importa apurar se no momento da concessão da subvenção se mostravam reunidos os pressupostos de que a mesma atribuição depende e, verificada a sua compatibilidade, observar na decisão os princípios gerais da igualdade, da justiça, imparcialidade, boa-fé e legalidade, a que se referem os artigos 266.º da Constituição da República e 3.º a 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo, bem como atender a outros requisitos, como seja, no que se refere ao autor do acto, se não se verifica alguma situação de incompatibilidade ou impedimento, nos termos do disposto na Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto e Decretos-Leis nºs 196/93, de 27 de Maio, e 413/93, de 23 de Dezembro. Além disso, observar os mecanismos da publicidade adequados (artigos 1º, n.º 1, 2º, n.º 1, e 4º da Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto).
Perspectivando atribuições patrimoniais a fundações de direito privado já constituídas, os princípios atrás enunciados foram caracterizados sumariamente no já mencionado parecer n.º 611/2000, dele se recopilando, no essencial, o seguinte: “O princípio da igualdade significa, assim, que nas suas relações com a particulares, a Administração não pode «privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social» (artigo 5.º, n.º 1).
“Trata-se dos mesmos elementos referenciais plasmados no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, densificando a proclamação solene e fundamental timbrada no n.º 1 do mesmo normativo: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei».
“O princípio da proporcionalidade procura, por sua vez, traduzir a ideia segundo a qual as «decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar» (artigo 5.º, n.º 2).
“No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve ainda «tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação» (artigo 6º), cultivando, pois, com equanimidade, neutralidade, isenção e objectividade o suum cuique tribuere.
“O princípio da boa-fé, que se impõe tanto à Administração como aos particulares, significa que, no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, «devem ponderar-
-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas», e, em especial, «a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» e «o objectivo a alcançar com a actuação empreendida» (artigo 6.º-A).

“Por fim, na prossecução do princípio da legalidade - last but not least - os órgãos da Administração é mister que actuem «em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» (artigo 3.º).”


6.2. Tais princípios de actuação são, também, como se afirmou, princípios de controlo.

Desde logo, no interior da Administração, através do autocontrolo da entidade com competência para tomar a decisão no caso concreto considerado, abstendo-se de o fazer sempre que da sua actuação possa decorrer violação desses princípios.

Depois, e ainda no interior da própria Administração, o respeito por todo um conjunto de procedimentos e mecanismos de fiscalização, neles se incluindo os controlos financeiros e orçamentais anteriores à atribuição do auxílio, ou, o que é o mesmo, à verificação dessa despesa pública, e os controlos de entidades vocacionadas para a fiscalização da execução orçamental e financeira.


6.3. Nos casos de controlo anterior à autorização da despesa, o Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho [111], que estabelece o regime da administração financeira do Estado, estatui no n.º 1 do artigo 22.º os requisitos gerais a que fica sujeita a autorização de despesas, os quais consistem na: conformidade legal [(alínea a)]; regularidade financeira [(alínea b)]; e economia, eficiência e eficácia [(alínea c)];.

Menciona-se, apenas, que, por conformidade legal, entende-se, nos termos do n.º 2, “a prévia existência de lei que autorize a despesa, dependendo a regularidade financeira da inscrição orçamental, correspondente cabimento e adequada classificação da despesa”.

Destaca-se que, nos termos do artigo 19.º, com a epígrafe “Recusa de autorização”, se estabelece:
“1. A autorização para a libertação de créditos pode ser recusada, total ou parcialmente, quando se verifique a falta do respectivo cabimento orçamental.
2. A verificação de grave incumprimento, nas despesas já efectuadas, dos requisitos exigidos nas alíneas a) e b) do artigo 22.º determinará a recusa do pedido seguinte à verificação ficando ainda a realização de futuras despesas sujeita a prévia autorização do órgão competente para autorizar a libertação de créditos, até que a situação seja devidamente regularizada.
3. A recusa da libertação de créditos a que se refere o número anterior será de imediato comunicada pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública ao ministro competente, ao qual caberá mandar suprir os vícios que deram origem à recusa ou determinar, assumindo a correspondente responsabilidade, a libertação do crédito.
4. A libertação de créditos efectuada nos termos da parte final do número anterior será comunicada, com os respectivos fundamentos, ao Tribunal de Contas.”


6.4. Também a Direcção-Geral do Orçamento, cujo estatuto orgânico consta do Decreto-Lei n.º 344/98, de 6 de Novembro, de cujo preâmbulo se retira que “A Direcção-Geral do Orçamento, pela importância do controlo da gestão orçamental no quadro da sua organização e funcionamento, exerce um papel fulcral naquelas áreas e na implantação daquela reforma.

“Esse papel desenvolve-se no âmbito do sistema de controlo interno da administração financeira do Estado, com especial incidência na verificação e informação sobre a legalidade, regularidade e boa gestão das actividades, programas, projectos ou operações, nacionais e comunitárias, que lhe respeitam.”

A normativização desses princípios consta, designadamente, do artigo 1.º, n.º 1, no qual se consagra que a Direcção-Geral do Orçamento (DGO), é o serviço do Ministério das Finanças, integrado na administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa, que tem por missão superintender na elaboração e controlo da execução do Orçamento do Estado, na contabilidade pública e no controlo da legalidade, regularidade e economia da administração financeira do Estado; e, no n.º 2, precisa-se que a DGO integra-se no sistema de controlo interno da administração financeira do Estado.

O mesmo diploma estatui no n.º 1 do artigo 2.º, na parte que interessa, o âmbito de intervenção, nos seguintes termos:
“1 - Para a prossecução da sua missão, cabe especialmente à DGO:
a) (...)
(...)
n) Liquidar as despesas e autorizar o seu pagamento;
o) Analisar e decidir sobre os pedidos de libertação de créditos e conferir a autorização prevista no n.º 2 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho;
(...).”


6.5. A Inspecção-Geral de Finanças mostra-se também vocacionada como “um serviço de controlo de alto nível da administração financeira do Estado, orientado para a análise da legalidade e da regularidade da receita e despesa públicas e para a apreciação da sua racionalidade económica, visando sempre a boa gestão financeira dos fundos públicos, nacionais e comunitários, como se escreve na exposição de motivos do seu diploma orgânico – o Decreto-Lei n.º 249/98, de 11 de Agosto [112].

O artigo 1.º dispõe que “A Inspecção-Geral de Finanças (IGF) é o serviço do Ministério das Finanças integrado na administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa, que tem por missão fundamental o controlo da administração financeira do Estado e o apoio técnico especializado, e que funciona na directa dependência do Ministro das Finanças.”

E o artigo 2.º, sob a epígrafe “âmbito de intervenção”, preceitua:
“Artigo 2.º
Âmbito de intervenção
1 - Enquanto serviço de controlo da administração financeira do Estado, incumbe especialmente à IGF o exercício do controlo nos domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial, de acordo com os princípios da legalidade, da regularidade e da boa gestão financeira, contribuindo para a economia, a eficácia e a eficiência na obtenção das receitas públicas e na realização das despesas públicas, nacionais e comunitárias, para o que desenvolve as seguintes tarefas:
a) Realizar acções de coordenação, articulação e avaliação da fiabilidade dos sistemas de controlo interno dos fluxos financeiros de fundos públicos, nacionais e comunitários;
b) Propor medidas destinadas a melhoria da estrutura, organização e funcionamento dos referidos sistemas e acompanhar a respectiva implantação e evolução;
c) Realizar auditorias, inspecções, análises de natureza económico-financeira, exames fiscais e outras acções de controlo às entidades, públicas e privadas, abrangidas pela sua intervenção;
d) (...)
e) Realizar sindicâncias, inquéritos e averiguações nas entidades abrangidas pela sua intervenção, bem como desenvolver o procedimento disciplinar quando for o caso;
f) Exercer as demais funções que resultem da lei, de normativos e de acordos, nacionais ou comunitários, bem como outras que lhe sejam superiormente cometidas.
2 (...):
a) (...)
(...)
e) (...).
3 - A intervenção da IGF abrange as entidades do sector público administrativo e empresarial, bem como dos sectores privado e cooperativo, quando sejam sujeitos de relações financeiras ou tributárias com o Estado ou com a União Europeia ou quando se mostre indispensável ao controlo indirecto de quaisquer entidades abrangidas pela sua acção, sem prejuízo das competências específicas de supervisão do Banco de Portugal, do Instituto de Seguros de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
4 – (...).”


6.6. Como meio de controlo interno, não pode deixar de mencionar-se o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 166/98, de 25 de Junho, pelo qual foi criado o sistema de controlo interno na administração financeira do Estado (SCI), colocado na dependência do Governo e em especial articulação com o Ministério das Finanças (artigo 1.º), sistema que compreende os domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial e visa assegurar o exercício coerente e articulado do controlo no âmbito da Administração Pública (artigo 2.º, n.º 1).

O controlo interno consiste, nos termos da previsão do n.º 2 deste último preceito citado, “na verificação, acompanhamento, avaliação e informação sobre a legalidade, regularidade e boa gestão, relativamente a actividades, programas, projectos, ou operações de entidades de direito público ou privado, com interesse no âmbito da gestão ou tutela governamental em matéria de finanças públicas, Nacionais e comunitárias, bem como de outros interesses financeiros públicos nos termos da lei.”


6.7. Também interessa aludir ao regime de incompatibilidades ou impedimentos dos titulares dos órgãos com competência para atribuição dos apoios, relativamente à concessão dos auxílios.

Trata-se de matérias reguladas, para além dos artigos 44.º e segs. do Código do Procedimento Administrativo, na Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, que consagra o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, no Decreto-Lei n.º 413/93, de 23 de Dezembro, que veio reforçar as garantias de isenção da Administração Pública, e no Decreto-Lei n.º 196/93, de 27 de Maio, que estabelece o regime de incompatibilidades do pessoal de livre designação por titulares de cargos políticos.


6.8. Externamente à Administração, não pode esquecer-se o controlo jurisdicional efectuado pelos tribunais judiciais, pelos tribunais administrativos, ou pelo Tribunal de Contas.

No domínio do controlo jurisdicional pelos tribunas judiciais consideram-se os casos em que alguém comete factos susceptíveis de configurar o ilícito criminal, previsto e punível pelo artigo 375.º (Peculato de uso), sobretudo o n.º 2, do Código Penal, sendo funcionário, ou nos artigos 14.º (Violação de normas de execução e controlo orçamental) e 21.º (Peculato de uso), sobretudo o n.º 2, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, sendo titular de cargo político, como tal se considerando quem se incluir na enumeração constante do artigo 3.º desta última Lei.

Forma não menos relevante de controlo é a que compete aos particulares e ao Ministério Público, este na esfera da sua competência, reagindo contra actos da Administração pela prática de actos administrativos ilegais, por verificação de algum dos vícios de que o mesmo possa enfermar.

Especificamente sobre o Tribunal de Contas, o artigo 2.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas), sob a epígrafe “Objectivo e âmbito de competência”, preceitua, na parte em que interessa para a consulta:
“Artigo 2.º
Objectivo e âmbito de competência
1) Estão sujeitas à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas as seguintes entidades:
a) Estado e seus serviços;
b) As Regiões Autónomas e seus serviços;
c) As autarquias locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas;
d) Os institutos públicos;
e) As instituições de segurança social.
2. Também estão sujeitas aos poderes de controlo financeiro do Tribunal as seguintes entidades:
a) As associações públicas, associações de entidades públicas ou associações de entidades públicas e privadas que sejam financiadas maioritariamente por entidades públicas ou sujeitas ao seu controlo de gestão;
b) As empresas públicas;
c) As sociedades constituídas nos termos da lei comercial pelo Estado, por outras entidades públicas ou por ambos em associação;
d) As sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial em que se associem capitais públicos e privados, nacionais ou estrangeiros, desde que a parte pública detenha de forma directa a maioria do capital social;
e) As sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial em que se associem capitais públicos e privados, nacionais ou estrangeiros, quando a parte pública controle de forma directa a respectiva gestão, nomeadamente quando possa designar a maioria dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização, quando possa nomear um administrador ou quando disponha de acções privilegiadas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril;
f) As empresas concessionárias da gestão de empresas públicas, de sociedades de capitais públicos ou de sociedades de economia mista controladas e as empresas concessionárias ou gestoras de serviços públicos;
g) As fundações de direito privado que recebam anualmente, com carácter de regularidade, fundos provenientes do Orçamento do Estado ou das autarquias locais, relativamente à utilização desses fundos.
3 - Estão também sujeitas ao controlo do Tribunal de Contas as entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos, na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correcção económica e financeira da aplicação dos mesmos dinheiros e valores públicos.
4 - Ao controlo financeiro das entidades enumeradas nos dois números anteriores aplica-se o disposto na Lei n.º 14/96, de 20 de Abril.
(...).”


6.9. O controlo não incide apenas sobre a Administração, mas também sobre a entidade a quem for concedido o auxílio. Neste sentido, através da publicitação da atribuição do auxílio a que alude a Lei n.º 26/94, estabelece-se não só um mecanismo de transparência mas, igualmente, a possibilidade de um controlo difuso por qualquer entidade.

Por outro lado, a entidade beneficiária do auxílio pode também vir a ser objecto de fiscalização pelo Tribunal de Contas, nos termos referidos no artigo 2.º. Além disso, pode ficar sujeita a controlo pela Inspecção-Geral de Finanças, nos termos definidos no artigo 2.º, verificando-se ser alguma das entidades incluídas no universo do seu n.º 3.


6.10. Podem, também, ocorrer mecanismos de autovinculação da Administração e de heterovinculação das entidades beneficiárias, designadamente através de contratos-programa, protocolos, projectos, programas, etc. a que aquela se autovincula e estes se submetem a formas de fiscalização, com vista à verificação da efectiva satisfação do interesse público, assim alcançado pelo auxílio concedido.


6.11. Ainda como forma de controlo, menciona-se o regime previsto na Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto, complementado com o que se prevê na Lei n.º 104/97, de 13 de Setembro, que regulamenta a obrigatoriedade de publicidade dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares. Aqui se prevê, no artigo 1.º, n.º 1, a necessidade de serem objecto de publicidade as transferências correntes e de capital que os ministérios, as instituições de segurança social, os fundos e serviços autónomos, os institutos públicos e os executivos municipais efectuam a favor de pessoas singulares ou colectivas exteriores ao sector público administrativo a título de subsídio, subvenção, bonificação, ajuda, incentivo ou donativo.


7. Perante o quadro descrito precedentemente e ensaiando formular uma síntese conclusiva que responda à segunda questão colocada, poder-se-á assentar tão só na fixação de um critério geral de não proibição ou impedimento de atribuição de subsídios a particulares por parte do Estado e de outras pessoas colectivas públicas ou, ao invés, poder-se-á destacar uma proposição no sentido de que do ordenamento jurídico em vigor sobressai um critério, ao menos tendencial, de não permissão de atribuição de subsídios pelo Estado e por outras pessoas colectivas públicas a pessoas singulares e colectivas para o efeito de constituição de fundações?

À luz dos elementos recenseados, que resposta poderia receber um pedido de subsídio apresentado por um particular à Administração para instituição de uma fundação de direito privado?

Afigura-se possível estabelecer a seguinte aproximação.

A atribuição do subsídio pressupõe que este constitua um meio para atingir um fim de interesse público que o Estado considera relevante.

As pessoas colectivas, sejam elas uma colectividade de pessoas ou uma massa de bens, são “um organismo social destinado a um fim lícito a que o Direito atribui a susceptibilidade de direitos e vinculações (...)” [113], mostrando-se aptas à consecução de tais fins.

A sua criação decorre da verificação de que há “fins que estão para além da esfera de cada homem, que o transcendem, quer por dizerem respeito a um conjunto de pessoas – fins colectivos -, quer por se projectarem para além da duração normal da vida humana – fins permanentes. O acautelamento de tais fins não se alcançaria plenamente, ou pelo menos, pela forma tida como mais adequada, se só os homens – isoladamente considerados – fossem admitidos a agir no plano jurídico” [114].

O aparecimento de uma pessoa colectiva, seja ela uma associação ou uma fundação, projecta-se, sempre, como um meio ou um instrumento, para prosseguir certos fins, fins estes que, de acordo com o princípio da especialidade, são os visados pelas suas atribuições.

Que as pessoas colectivas são meios de prossecução de um fim ou interesse social de satisfação de necessidades comuns a uma generalidade de pessoas singulares também já este Conselho o afirmou no parecer que temos vindo a citar, quando as considera “(...) realidades pessoais e materiais ordenadas à prossecução de interesses socialmente apreciáveis (...)”.

E porque é assim, é que se reconhece que as fundações de direito privado são susceptíveis de beneficiar de apoios do Estado, verificados os requisitos formais e substanciais que no caso couberem, particularmente a verificação do interesse público prosseguido.

Se é possível outorgar fundos públicos a pessoas colectivas privadas já constituídas, podemos interrogar-nos se existe obstáculo a que tais fundos sejam carreados para pessoa colectiva a instituir, que prossiga fins que o Estado reconheça como fins de interesse público.

É possível opor argumentos a favor e contra qualquer uma das opções.

Em favor da concessão de atribuições patrimoniais pelo Estado a particular para a instituição de fundação privada de interesse social pode invocar-se:

Por um lado, que o tecido social e o ordenamento jurídico interagem recíproca e permanentemente, não podendo tolher-se o Estado de poder a cada momento e perante cada circunstância concreta melhor escolher o meio preferível para a prossecução do interesse público.

Tanto assim é que, apesar das hesitações, a Administração vai-se embebendo de instrumentos de direito privado, para a prossecução dos seus fins, como nos assinalam Vital Moreira [115], Maria João Estorninho [116] e João Caupers [117].

E, assim, se, na ponderação do caso concreto e no uso das competências conferidas à Administração, essa for a melhor decisão com vista à prossecução do interesse público, não deve aquela mostrar-se inibida de agir dessa forma.

Pode também afirmar-se que, se uma vez verificados os requisitos formais e substanciais, não está vedada à Administração a concessão de subsídios a pessoas colectivas fundacionais já constituídas que prossigam finalidades de interesse público, parece não existir fundamento que obste à concessão de idêntico subsídio a pessoa singular destinado à instituição de fundação que prossiga fim altruísta similar, sendo observados os mecanismos de controlo que ao caso competem e, particularmente, sobre o beneficiário.

Po último, pode, ainda, afirmar-se que não é essencial ao negócio fundacional que o acervo patrimonial, com que vai ser dotada a pessoa colectiva, seja pertença do próprio instituidor, como se analisou no ponto II, nem que a afectação de um património a um fim fundacional signifique sempre um “acréscimo” de bens de particulares para a prossecução de fins de interesse público. Casos há em que, v. g. numa fundação colectiva, o património desta provém apenas de algum ou alguns dos seus instituidores.

Aos argumentos a favor podem opor-se-lhes outros que os contrariam.

Contra a atribuição de auxílios públicos para a instituição de fundações, pode objectar-se, que, regendo-se a Administração Pública pelo princípio da legalidade, o que pressupõe que esta só possa exercer as suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por esta impostos, não se encontrou nenhuma norma geral atributiva de competência à Administração nesse domínio.

É certo que se encontraram normas que atribuem a órgãos da Administração central e de outras pessoas colectivas públicas poder para concessão de apoios financeiros para concretização das atribuições que por lei lhes estão cometidas. No entanto, dessa formulação não se pode extrair a conclusão que nela se compreende a competência para outorga de subsídio a particular para a instituição de fundação de direito privado e interesse social, como se cuidará de explicar.

Introdutoriamente, referir-se-á que se é possível reter algum indicador quando se examinaram a profusão de actos normativos que, de forma avulsa, fragmentária e heterogénea regulam a matéria da atribuição de subsídios pelo Estado e outras pessoas colectivas públicas a particulares, esse aponta, como vimos, para o carácter de excepcionalidade com que o Estado contempla a concessão de apoios para a criação de novas pessoas colectivas e, mesmo aí, não se detectou nenhuma situação em que o concreto auxílio se destinasse a aprovisionar o próprio capital social desses entes.

Acrescentar-se-á, também e por outro lado, que ao ente público com competência para apreciar um pedido de concessão de auxílio não é indiferente estar a decidir sobre um pedido a conceder a uma pessoa colectiva preexistente, eventualmente com historial consistente numa determinada área de intervenção, ou a um futuro ente, ainda não actual no mundo do direito.

A justificação do interesse público é objectivamente mais perceptível no caso de uma entidade já existente do que noutra ainda não criada.

E notar-se-á que do exame a diplomas legais atributivos de auxílios, não podendo deles extrair-se uma regra comum, pode ao menos mencionar-se a predominância de os beneficiários daqueles, tratando-se de pessoas colectivas, serem entes preexistentes.

Além disso, do ponto de vista do risco para o Estado, de que os fundos públicos não sejam aplicados para prossecução dos fins para que são concedidos, há objectivamente menos perigo na entrega de tais bens públicos a uma entidade já existente, do que a um ente a constituir.

Pode, também, afirmar-se que a instituição de uma fundação tem o significado de colaboração ou de concurso do particular com o Estado, em regra afectando bens seus à prossecução de fins comuns.

Quando se examinam os diplomas legais[118] que instituíram fundações de direito privado surpreende-se neles essa ideia de contribuição dos particulares nesse sentido. Trata-se, em tais casos, de “adicionar” aos bens do Estado bens de um particular para a prosseguimento de fins que devendo ser prosseguidos pelo Estado também o podem ser por particulares.

Nesse negócio fundacional sobressai uma ideia de “liberalidade”, caracterizada pela afectação de parte ou da totalidade do património do instituidor a um fim de interesse comum. Esta noção de estreita ligação entre o instituidor e o seu património é evidenciada pelos autores ao afirmarem que “(..) quando alguém manifesta a vontade de dispor de bens seus para de futuro ficarem a servir exclusivamente à realização de certo fim de interesse público” [119] ou ainda que, “Sendo a fundação um ente jurídico que surge pelo destino autónomo atribuído, pelo fundador, a uma porção do seu património, é claro que são requisitos essenciais do acto de instituição a indicação do fim e a especificação dos bens” [120], ou ainda que “O património permite pois, e sobretudo nas fundações de direito privado, que o fundador sobreviva numa obra sustentada em uma massa de bens, projectando-se a mesma obra para lá do carácter efémero da vida humana, já que se destina essencialmente a atingir uma «durabilidade social»” [121]. (O itálico é destacado)

A doutrina espanhola perfilha idêntica posição, evidenciando que “Es el fundador quien decide destinar bienes de su propriedad, detraer parte de su patrimonio para adscribirlo a un fin que necesariamente há de ser de interés social; haciendolo, además, de una manera altruista sin recibir nada a cambio” [122].

E, por isso, esta concepção de “acréscimo” de bens particulares à coisa pública mostra-se arredada numa qualquer situação em que se verifique transferência de bens públicos para a instituição de uma fundação por um ente privado.

Note-se que, sendo uma fundação, na sua essência, um conjunto de bens patrimoniais afectados a um determinado escopo de interesse social, a qual, uma vez criada, se autonomiza ficando o fundador fora dela, podendo mesmo nem intervir nos estatutos ou integrar os órgãos sociais, como decorre do disposto nos artigos 185.º e 186.º do Código Civil, o elemento pessoal não é determinante para a projecção, ao contrário das associações em que são as pessoas dos associados que lhes dão vida, as organizam e as gerem por dentro, assumindo o seu destino, não parece fazer sentido que a promoção do interesse público possa ser mediada através da atribuição de bens a um particular cuja única actividade se pode saldar, eventualmente e só, na intervenção da escritura de instituição da fundação.

Acrescentar-se-á ainda que, se a doutrina se mostra dividida quanto à admissibilidade de instituição de fundações de direito privado pelo próprio Estado e por outras pessoas colectivas públicas, como deixámos assinalado (supra ponto III.1), - designadamente face ao silêncio da lei no que se refere ao Estado, ao contrário do que ocorre com as autarquias[123], em que a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, expressamente confere tal poder no artigo 53.º, n.º 2, alínea l) -, por maioria de razão se afasta que o Estado possa fomentar a constituição de tal tipo de pessoas colectivas através da atribuição a pessoas singulares ou colectivas de fundos públicos para esse efeito.

Também por isso, não deixa de ser sintomático que a doutrina, nacional e estrangeira, não mencione ou sequer equacione a hipótese de os bens provirem do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas a título de subsídio ou outro auxílio para a instituição de uma fundação.

Pode, também, registar-se que o regime relativo a fundações constante do Código Civil supõe sempre a intervenção do Estado no processo de atribuição de personalidade jurídica, nos termos do artigo 158.º, n. 1. A imparcialidade do Estado quando lhe é apresentado um pedido de reconhecimento de uma fundação nos termos do citado preceito poderia ser objecto de suspeição nos casos em que esse pedido de reconhecimento fosse formulado por quem tivesse instituído uma fundação com bens recebidos do próprio Estado.

Por outro lado, poderá objectar-se que, se o Estado concede atribuições patrimoniais a um particular com vista à instituição de uma fundação, sem a instituir ele próprio por diploma legal e sem prevenir a possibilidade de intervenção na pessoa colectiva no futuro, não está a acautelar devidamente a boa aplicação de bens públicos.

Com efeito, se o Estado afecta tal complexo patrimonial a um fim de interesse público através da constituição de uma fundação de direito privado por diploma legal, o mesmo Estado tem sempre a possibilidade de, no futuro, intervir no ente criado, adaptando-o às necessidades que, a cada momento, se apresentem. Essa é, pois, uma manifestação da indisponibilidade do interesse público a que a Administração se encontra vinculada.

Pelo contrário, sendo o instituidor pessoa singular, ainda que o mesmo tenha recorrido a bens do Estado para a celebração do acto fundacional, é àquele que o legislador confere poderes de alguma intervenção na pessoa colectiva.

Assim e desde logo, o instituidor pode ter intervenção relevante quanto à elaboração dos estatutos, como previsto no artigo 186.º, n.º 2, do Código Civil, que lhe comete o poder de providenciar sobre a sede, organização e funcionamento da fundação, regular os termos da transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens.

Depois e em caso de transformação da fundação, sendo o instituidor vivo, o legislador impõe que a entidade competente para o reconhecimento o ouça sobre a atribuição à fundação de um diferente fim [124].

Além disso, o legislador também impõe que o instituidor seja ouvido pela entidade competente para o reconhecimento quando o património da fundação esteja onerado com encargos cujo cumprimento impossibilite ou dificulte gravemente o preenchimento do fim institucional e seja necessário reduzir, suprimir ou cumular esses encargos [125].

Neste caso, com a outorga da possibilidade de audição do instituidor, sendo este vivo, o legislador está a reconhecer a necessidade de “respeitar, quanto possível, a vontade presumível do instituidor” [126], ou seja, os desígnios de quem disponibilizou um património para um fim de interesse geral.

Pode ainda aditar-se, não obstante, como se disse, inexistir um regime genérico de concessão de auxílios públicos, que a circunstância de o legislador referir expressamente em textos legais a possibilidade de atribuição de subsídios para a realização de fins estatutários da pessoa colectiva que os concede e entre estes se encontrar o de promover a criação de novas empresas [127], bem como o de incentivar a criação de associações culturais [128] faz supor que, quando se pretende que o Estado ou pessoa colectiva de direito público utilize essa específica forma de apoio [129], ela seja isolada no texto legal e, mesmo aí, sem que seja legítimo extrair que esses apoios se concretizem na atribuição de fundos, especificamente e no caso das empresas, para a integração do capital do pacto social.

E assim, o recurso a situações com algum paralelismo como o de outorga de subsídio para instituição de fundação não mereceria acolhimento da parte da Administração se, do diploma orgânico da entidade competente para o conceder, não decorressem atribuições e competências inequívocas nesse sentido.

Por tudo o que se deixou dito, tendo presente o princípio corporizado no n.º 1 do artigo 29.º do CPA, como emanação do princípio geral da legalidade expresso no artigo 3.º, de que a competência administrativa é fixada por lei ou por acto por ela habilitado, propende-se para o reconhecimento da inexistência de um quadro genérico de permissão de atribuição de auxílios pelo Estado e outras pessoas colectivas públicas a particular para a instituição de fundação.

Conclusão que se alcança, não sem se reconhecer a complexidade da questão, a sensibilidade e novidade da matéria, porventura a ser objecto de regulamentação uniforme num futuro próximo face à existência da comissão encarregue de examinar o regime jurídico das fundações privadas, e por se nos parecer que é a mais conforme com a unidade e coerência dos princípios e unidade do sistema jurídico.

O que se deixa dito não exclui que, no quadro da administração, sobretudo da administração indirecta, em face da profusão de normas que concedem auxílios e à sua natureza avulsa, fragmentária e heterogénea, não seja susceptível de se prefigurar num dado acto normativo disposição que induza a supor a possibilidade de concessão desse específico tipo de auxílio.

Perante um concreto pedido nesse sentido, a entidade pública competente, na avaliação do quadro normativo das suas atribuições e competências, concluindo que nele se inclui a competência para conceder esse tipo de apoio, avaliará na decisão se esse é o meio mais adequado à prossecução do interesse público, valor este que constitui o critério orientador e o limite da actuação da Administração, subordinando-se aos princípios gerais da legalidade, justiça, boa-fé, imparcialidade e transparência que regem toda a actividade administrativa, explanados no ponto 6 antecedente.


IV

Termos em que se conclui:
1. O ordenamento jurídico vigente não exclui a instituição de fundações de direito privado, com afectação de bens pertencentes a pessoa diversa do instituidor, nas situações em que este goze de título bastante para dispor validamente dos bens que constituirão o património da pessoa colectiva;
2. O quadro jurídico em vigor sobre a concessão de auxílios pelo Estado a particulares não autoriza a concluir pela permissão geral de atribuição de auxílios pelo Estado e por outras pessoas colectivas públicas, para a instituição de fundações de direito privado e interesse social, nos termos previstos no Código Civil;
3. Se nas atribuições e competências de determinada entidade pública se incluir o poder de conceder tal tipo de auxílios, na apreciação e decisão do pedido, essa entidade orientar-se-á pelo respeito pela promoção do interesse público e pelos princípios e formas de controlo mencionados no ponto III.6.

VOTOS


(Eduardo de Melo Lucas Coelho) - Vencido quanto à conclusão 2ª e sua fundamentação, prescindindo de outros detalhes, nos termos seguintes.

1. A consulta dirigida ao Conselho Consultivo, polarizada na segunda das interrogações formuladas, não pode deixar de causar perplexidade pelos termos genéricos e vagos em que foi concebida: saber, em suma, se as fundações de interesse social reguladas no Código Civil podem ser instituídas por sujeitos privados com meios financeiros/patrimo-niais públicos adrede atribuídos por instituições/órgãos estaduais.

Nenhum concreto caso vem de alguma maneira configurado, para cuja resolução devesse orientar-se a investigação jurídica aplicada que está na vocação desta instância consultiva.

Permito-me, todavia, considerar que uma tal concretização era verdadeiramente exigível, salvo melhor opinião, atendendo pelo menos ao quadro político-social do tempo em que a consulta se situava, o qual melhor se compreenderá tendo presente o parecer nº 611/00, de 11 de Janeiro de 2001, referenciado na nota 5 do presente parecer.

Em tais condições há-de compreender-se que o parecer se sentisse induzido a mobilizar recursos em demanda de uma norma que autorizasse ou proibisse a concessão dos aludidos financiamentos públicos para o indicado fim.

O que pode suscitar reservas é a circunstância de, verificada a inexistência de semelhante norma, permissiva ou proibitiva, se ter preferido uma das vertentes em detrimento da outra e consignado numa das conclusões finais que o «quadro jurídico em vigor não autoriza a concluir pela permissão geral» dos apoios financeiros em questão, permitindo assim deduzir que os mesmos são ilegais.

Nesta tónica trata-se, aliás, de uma conclusão arriscada, salvo o devido respeito, porque precisamente se apresenta como aplicável a um número desconhecido de factualidades eventualmente portadoras de nuances diferenciais susceptíveis de convocar especialidades jurídicas que o teor da consulta não permitiu ponderar.

2. Dentro do oneroso condicionalismo que à partida se deparava ao Conselho, havia, se bem vejo, que optar por outra linha de investigação.

Com efeito, na falta de um regime substantivo geral das atribuições financeiras públicas - que o parecer nº 611/00 já constatara e agora se reafirma (ponto III, 5.4) -, a questão de saber se os entes públicos podem ou não conceder tais financiamentos a entidades privadas para a instituição de fundações só pode ter uma resposta: tudo depende das atribuições do ente no sector de que se trate e das competências dos respectivos órgãos.

E nesta resposta vai imediatamente implicado o método conducente ao adequado tratamento da consulta.

3. Em primeiro lugar, era preciso desenhar a teoria das atribuições e competências em direito administrativo e esboçar conexamente uma teorização da discricionaridade em sede de competência.

Observar-se-ia então que as atribuições do ente público - a definição dos tipos de interesses públicos que a este incumbe prosseguir - e as competências dos órgãos - os poderes funcionais que lhes são conferidos, pelo menos de forma «implícita», para a prossecução daqueles interesses - são e só podem ser estabelecidas por lei, constituindo tal exigência quiçá a principal projecção do princípio da legalidade que rege a actividade administrativa.

E não constitui evidentemente nenhuma especialidade – observe-se entre parêntesis – que a lei das atribuições e competências tenha, no apuramento destas, que ser sujeita a interpretação, actividade da qual depende sempre a determinação do sentido do direito e por isso prévia, necessariamente, à sua aplicação, qualquer que seja o domínio jurídico considerado (cfr. os pontos III, 5.5.2 in fine e 5.5.3).

Fechado o parêntesis e prosseguindo na teoria da competência, verificar-se-ia, ademais, que esta se analisa em regra no exercício de poderes vinculados, explicitados na lei, a par de poderes discricionários, implicando, por seu turno, uma certa liberdade de ponderação do órgão quanto à oportunidade, à conveniência, à forma de agir na prossecução do interesse público.

Sem esquecer, porém, que o uso dos poderes discricionários está sempre limitado, sob pena de desvio de poder, pelo respeito incondicional do interesse público.

E porque o interesse público é definido na lei de atribuições, daí que, nesta medida, também o exercício de poderes discricionários esteja sujeito, além do mais, ao princípio da legalidade, como sublinhava o parecer nº 611/00 (v.g., ponto V, 3.).

Mas não mais do que isso.

Não se pode, por absurdo, ir ao ponto de exigir, a pretexto do princípio da legalidade, a vinculada explicitação na lei da concreta forma que a discricionaridade deve revestir.

Nessa hipótese os poderes discricionários volver-se-iam, parece, em poderes vinculados.

Uma semelhante concepção de competência e de discricionaridade creio que as tornaria imprestáveis, e poderia redundar em paralisação da Administração.

4. Pois bem. A resposta à questão de saber se o Estado ou outros entes públicos podem conceder subsídios solicitados por pessoas singulares ou colectivas privadas para a instituição de fundações regidas pelo Código Civil implicava, em segundo lugar, o estudo das normas de atribuições e competências envolvidas, à luz da teorização exposta.

Nenhum caso ou situação de facto concreta vindo, porém, delineado pela Secretaria de Estado consulente, como proceder?

O parecer podia decerto quedar-se por aí.

Mas talvez fosse viável adiantar um passo mais e, em suprimento, de algum modo, da vaguidade da consulta, procurar ensaiar a aplicação da doutrina sumariada há momentos, a título hipotético, àqueles entes e organismos, situados justamente na área da Administração Interna, já recenseados no parecer nº 611/00, a saber: o Serviço Nacional de Protecção Civil (SNPC), a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais (CNEFF) e a Direcção–Geral de Viação (DGV) ([1]).

4.1. Nos diplomas legislativos respeitantes a estes entes existem, com efeito, determinadas disposições definidoras das respectivas atribuições.

Assim, desde logo, a alínea d) do artigo 8º do Decreto–Lei nº 203/93, de 3 de Junho – Lei Orgânica do SNPC –, na redacção do Decreto–Lei nº 152/99, de 10 de Maio, segundo a qual incumbe ao SNPC, inter alia, «fomentar e apoiar actividades em todos os domínios em que se desenvolve a protecção civil – frisado agora –, nomeadamente facultando apoio técnico ou financeiro compatível com as suas disponibilidades e plano anual de actividades».

As atribuições do SNPC consistem, pois, topicamente, na prossecução do interesse público da protecção civil, em todos os domínios em que esta se desenvolve.

No tocante à CNEFF evidencia-se, por sua vez, a alínea e) do nº 4 da Resolução do Conselho de Ministros nº 9/91, de 21 de Março, aliás muito recentemente revogada pela Resolução nº 23/2001, de 27 de Fevereiro, que insere, no entanto, normativo idêntico na alínea e) do seu nº 4 ([2]).

Incumbe nos termos deste preceito à CNEFF, além do mais, «incentivar a investigação científica aplicada aos incêndios florestais e suas consequências, apoiando, com os meios disponíveis, os programas por si aprovados».

Tal, por conseguinte, uma das normas de atribuições da CNEFF: incentivar a investigação científica aplicada aos fogos florestais.

Por último, a DGV.

Segundo o artigo 2º, alínea m), do Decreto–Lei nº 484/99, de 10 de Novembro, que consubstancia a sua Lei Orgânica, incumbe à DGV, entre outras missões, «promover, realizar, coordenar e apoiar, técnica e financeiramente, acções que visem a prevenção de acidentes e a melhoria da segurança rodoviária, de iniciativa própria ou de outras entidades».

As atribuições da DGV vêm assim referidas pela norma em apreço ao interesse público da segurança rodoviária e da prevenção de acidentes de trânsito ([3]).

4.2. Da normação em causa fluem, por outro lado, poderes tendentes à realização dos interesses públicos aludidos, integrando competências dos órgãos dos entes respectivos.

Assim, os órgãos do SNPC têm o poder de facultar apoio financeiro a actividades relativas à protecção civil [artigo 8º, alínea d), do Decreto–Lei nº 203/93 ([4])].

Os órgãos da CNEFF detêm o poder de apoiar, com os meios disponíveis – inclusive, penso eu, meios financeiros –, programas por ela aprovados concernentes à investigação científica aplicada aos incêndios florestais [nº 4, alínea e), da Resolução do Conselho de Ministros nº 23/2001].

Assiste, por fim, igualmente aos órgãos da DGV o poder de apoiarem financeiramente as acções que visem a prevenção de acidentes e a melhoria da segurança rodoviária [artigo 2º, alínea m), do Decreto–Lei nº 484/99 ([5])].

Parece, aliás, evidente que a concessão desses apoios financeiros, tendo em vista actividades, programas e acções para fins convergentes com as atribuições dos aludidos entes, de modo algum pode confundir-se, justamente pelo seu fundamento legal, com qualquer forma de renúncia, alienação ou modificação das competências dos órgãos respectivos.

4.3. Anote-se agora particularmente que algumas das competências recenseadas se manifestam nos normativos citados integrando poderes nitidamente vinculados.

É o caso dos subsídios financeiros da CNEFF, finalisticamente vinculados à investigação científica aplicada aos fogos florestais, e cuja outorga exige a aprovação prévia dos concretos programas de investigação científica que os destinatários se propõem promover.

Diferente, porém, o problema – que está no cerne da consulta – de saber se os financiamentos dos aludidos entes podem ser concedidos a esta ou àquela espécie de entidades privadas (v.g., pessoas singulares ou colectivas), providas destes ou daqueles requisitos, ou oferecendo determinadas garantias, para desenvolverem as acções, actividades ou programas previstos nas normas de competência, em certos condicionalismos de tempo, através de formas e procedimentos pré-definidos, directa ou indirectamente (v.g., mediante a estrutura organizacional de uma associação ou fundação dotada no todo ou em parte com verbas provenientes do financiamento público).

Ora, todos estes aspectos concernem já, se bem se afigura, ao domínio da discricionaridade dos órgãos competentes, os quais, no seu exercício, toda uma série de factores influentes – à luz, designadamente, dos princípios da «igualdade, proporcionalidade e imparcialidade pressupostos na prossecução participada do interesse público mediante a partilha de recursos escassos», como advertia o parecer nº 611/00 (ponto V, 3.) – terão criteriosamente de ponderar para não incorrerem em desvio e violação do interesse público subjacente às atribuições do ente.

Recorde-se, na verdade, que a titularidade de poderes discricionários está sempre balizada pelo interesse público visado e só nessa medida se compreende a sua sujeição ao princípio da legalidade da actuação da Administração.

A extensão do princípio a concretizações discricionárias como as enunciadas, implicando paradoxalmente a exigência da sua tipificação na lei, careceria, se não erro, de todo e qualquer sentido.

5. O método descrito, na sua aplicação aos três organismos da Administração Interna, muito provavelmente não autoriza, por conseguinte, responder à segunda interrogação colocada em abstracto na consulta pela forma sumariada na conclusão 2ª.

Tudo dependerá das atribuições do ente ou organismo público que se tenha em vista, das competências dos respectivos órgãos e, ultima ratio, da margem de discricionaridade a estes reservada no seu exercício.

6. É certo que o parecer abordou a metodologia exposta, sendo disso reflexo a conclusão 3ª.

No entanto, com o devido respeito, de forma insuficiente.

Esboçando notas essenciais da teoria das atribuições (ponto III, 5.5) e da competência (ponto III, 5.5.1), mal aflorou a dicotomia poderes vinculados/poderes discricionários (pontos III, 5.5.2 e 6.), apesar da sua importância na dilucidação do problema em equação.

Chegou, por outro lado, a ensaiar a aplicação desses tópicos aos entes acima indicados (ponto III, 5.6.1), mas renunciando já em definitivo à pesquisa da discricionaridade no âmbito dos normativos pertinentes.

E a partir daqui enveredou decididamente pelo caminho conducente à conclusão 2ª: «não se descortinou em nenhum daqueles normativos – introduz nesse sentido o ponto III, 5.6.2 – a referência expressa à concessão de subsídios para a instituição de pessoas colectivas, maxime fundações (...)» (o primeiro itálico é meu; cfr. de modo idêntico, no ponto III, 7., o segundo e terceiro parágrafos da pág. 65).

Nesta linha de rumo, à identificação e compreensão de poderes discricionários sobrepõe-se a busca, verdadeiramente, de poderes vinculados (ponto III, 5.6.2); originando o impasse derivado da inexistência, quer de permissão, quer de proibição de atribuições financeiras públicas para a instituição de fundações de direito privado; do mesmo passo que os critérios e factores de ponderação na actuação prática da discricionaridade se volvem em argumentos a favor ou contra a admissibilidade legal daquelas subvenções (ponto III, 7).

E a enunciação da conclusão 3ª, ao lado da conclusão 2ª, apenas remata a construção dualista em que o parecer afinal se vem estruturar.

7. Em resumo. A elaboração adequada do método sugerido justificaria provavelmente – cingindo-me por simplicidade ao desenho conclusivo do parecer (ponto IV) –, a formulação alternativa das conclusões seguintes:

1. (...)

2. A possibilidade de concessão de apoios financeiros públicos para a instituição de fundações de direito privado e interesse social reguladas no Código Civil, pela forma aludida na conclusão 1., depende das atribuições do ente público de que se trate e das competências dos respectivos órgãos;

3. Na falta de poderes vinculados dos órgãos para a concessão dos apoios financeiros mencionados na conclusão 2., os mesmos só poderão ser atribuídos no uso de poderes discricionários admitidos pelas normas de competência, devendo o exercício destes poderes, além de respeitar as atribuições do ente público, subordinar-se nomeadamente às formas de controlo descritas no ponto III, 6. e pautar-se pelos factores de ponderação enunciados no ponto III, 7.



[1]) E não também, creio, o Serviço Nacional de Bombeiros (SNB), posto que, nos termos do artigo 4º, nº 2, alínea e), da sua Lei Orgânica, constante do Decreto-Lei nº 293/2000, de 17 de Novembro, os apoios financeiros do SNB se destinam, ao que se afigura, aos recursos humanos, equipamentos, viaturas e outras necessidades dos corpos de bombeiros.
[2]) O nº 8 de resolução nº 23/2001 prevê a elaboração, no prazo de 90 dias, do regulamento interno da CNEFF, «contemplando designadamente o processo de contratualização de serviços e de verificação e controlo de despesas, o qual será submetido a homologação do Ministro da Administração Interna». O citado regulamento, decerto importante no plano em que nos situamos, não foi, tanto quanto sei, publicado até ao momento.
[3]) No sentido destas atribuições dispõe, aliás, introdutoriamente o artigo 1º, nº 1, do mesmo diploma, que a DGV «é o organismo do Estado responsável pela administração do sistema de trânsito e segurança rodoviária, cabendo-lhe estudar, promover e executar medidas adequadas à sua operacionalidade e aperfeiçoamento, bem como à uniformização e coordenação da actividade fiscalizadora».
[4]) Cfr., conexamente, o artigo 12º, nº 2, alínea d), que confere ao presidente do SNPC a competência para autorizar as despesas correlativas, e o artigo 14º, alínea d), nos termos do qual compete ao conselho administrativo verificar a legalidade dessas despesas e autorizar o pagamento.
[5]) Cfr., em conexão, os preceitos conjugados dos artigos 29º, nº 1, e 5º, nº 2, alínea f), que dispõem ser da competência do conselho administrativo da DGV verificar a legalidade e eficiência das despesas respectivas e autorizar o seu pagamento.


(António Silva Henriques Gaspar) - Vencido pelas razões constantes do voto do meu Exmº Colega Dr. Lucas Coelho.
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(Carlos Alberto Fernandes Cadilha) Vencido quanto à segunda conclusão nos termos da declaração do Exmo colega Dr. Eduardo de Melo Lucas Coelho, a que acresce o seguinte.

1. Aparentemente, a resposta negativa formulada no parecer quanto à segunda questão suscitada na consulta assenta na ausência de uma norma geral expressa atributiva de competência à Administração para afectar meios financeiros à criação de fundações por entidades privadas, a que se associa o carácter de excepcionalidade das subvenções que indiciariamente deriva da forma avulsa, fragmentária e heterogénea com que a lei contempla a matéria dos auxílios públicos.

O parecer reconhece, porém, a complexidade da questão e , como se depreende da síntese conclusiva elaborada a partir de fls. 65, acaba por alinhar diversos desenvolvimentos argumentativos a favor e contra a concessão dos subsídios em causa, o que conduz a concluir que a opção por uma das teses em confronto se estriba afinal num mero critério doutrinal.

2. A questão que está subjacente à consulta consiste em saber se se exige uma lei prévia habilitante relativamente à actividade administrativa que se insere na chamada administração de prestações.

O problema reconduz-se, por conseguinte, à delimitação do âmbito da reserva de lei.

GOMES CANOTILHO, recusando-se a admitir um princípio de reserva total de lei que abranja indistintamente a Eingriffsverwaltung e a Leistungsverwaltung, limita-se a elaborar um critério prático pelo qual haverá lugar a uma reserva de lei na administração prestadora, sempre que esteja em causa o princípio da igualdade ([1]). Neste enquadramento, as subvenções e o problema da reserva de lei – segundo o mesmo autor - deveriam ser encaradas, não apenas a partir do cidadão beneficiário, mas também do ponto de vista do Estado democrático, responsável por uma equitativa administração dos recursos escassos, implicando que o alargamento da reserva de lei ocorresse em relação “às subvenções importantes, pela sua duração, pelo número de destinatários, pela somas despendidas e pela relevância dos fins para a economia ou política cultural e social.” ([2])

É esse ainda o estado da doutrina alemã, conforme descreve SÉRVULO CORREIA. Não se discutindo a submissão à reserva de lei de todos os aspectos da administração coactiva que envolvam necessariamente a produção de efeitos ablativos, aceita-se hoje – escreve este autor – “que integram tal reserva as questões essenciais da Leistungsverwaltung e designadamente todas as que respeitem a actos da Administração prestadora relevantes para a concretização de direitos fundamentais.” ([3])

A extensão do âmbito tradicional da reserva de lei deverá ser assim avaliada segundo um princípio de essencialidade, segundo o qual “a reserva de lei cobre todos os aspectos da actividade administrativa (independentemente da parte do Direito Administrativo especial em que sejam classificáveis) que se devam considerar essenciais para a colectividade e os cidadãos em atenção ao seu significado, ao seu peso, ao seu carácter basilar, à sua radicalidade e à sua intensidade.” ([4])

É nesse sentido que se torna exigível uma norma habilitante no domínio da actividade económica, designadamente em relação à atribuição de uma subvenção a determinada empresa ou sub-sector que possa produzir efeitos desfavoráveis para outras empresas ou sub-sectores, que assim fiquem afectados na sua capacidade concorrencial ([5]).

3. Na hipótese analisada no parecer, há-de convir-se que a virtualidade ablativa da subvenção é praticamente inexistente, porquanto se trata da afectação de bens do Estado a uma fundação de direito privado que, pela sua própria natureza, apenas poderia ter em vista a realização de fins de interesse geral, cujos pressupostos de idoneidade e suficiência à própria Administração incumbe verificar (artigo 188º do Código Civil).

Não estava pois em causa, no caso vertente, uma situação típica de violação do princípio da igualdade que fizesse cair aquele tipo de subvenção sob a alçada da reserva de lei, e que permitisse assim afirmar, em termos gerais, um princípio de proibição.

A possibilidade de concessão de apoios financeiros públicos para o aludido fim tinha, pois, de ser avaliada, tal como preconiza a declaração de voto a que antes nos reportamos, à luz das específicas regras de competência que fossem aplicáveis ao caso concreto, tendo em consideração o regime estatutário do órgão administrativo que pretendesse exercitar o correspondente poder funcional.

É também nesse sentido que deverá entender-se o princípio da competência a que se refere o artigo 29º do Código de Procedimento Administrativo.

Este preceito não autoriza a enunciar uma proibição genérica relativamente à concessão de auxílios a particulares por parte do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, mas tão só esclarece que a competência dos órgãos públicos se encontra delimitada pela lei ou regulamento de tal forma que só poderá ser exercida segundo um princípio de legalidade.

A indagação, a efectuar casuisticamente, poderá aliás envolver outros factores de interpretação, em especial quanto ao modo de atribuição legal da competência (poderá admitir-se uma competência implícita, resultante de outras determinações legais ou de certos princípios gerais de direito público ([6]) ou concluir-se que, no caso, ela deriva de um instrumento jurídico avulso, v. g., cabimento de verba orçamental), não estando excluído sequer que a concessão da subvenção possa encontrar-se legitimada ao abrigo da cláusula geral do artigo 199º, alínea g), da Constituição ([7]).

4. Um outro aspecto que assume relevo no quadro geral da atribuição de auxílios públicos é o que se relaciona com a transparência da actividade administrativa.

O princípio da transparência emerge de um conjunto de critérios e regras de actuação administrativa, para que o parecer n.º 611/2000 já havia alertado, e que, em síntese, postulam a necessidade de a Administração se pautar, no exercício da discricionaridade relativa a actos de apoio financeiro, pelo respeito a parâmetros estritos de igualdade, imparcialidade e proporcionalidade, os quais, por sua vez, poderão ser objecto de concretização através de múltiplos mecanismos de controlo e garantia.

Essa comum exigência de uma qualquer actuação discricionária da Administração, constituindo um mero indicador do grau de juridicidade da actividade administrativa, não permite inferir uma impossibilidade, em termos gerais, da atribuição de subvenções públicas para a criação, por parte dos particulares, de fundações de direito privado, e apenas poderá aconselhar o uso prudencial do instituto.

5. Em suma, nem o princípio da competência, tal como se encontra formulado no Código de Procedimento Administrativo, nem o fundamento teleológico das disposições esparsas que prevêem formas específicas de apoios financeiros do Estado, poderão alicerçar um critério geral de inadmissibilidade das subvenções para o aludido efeito.

Daí que, partindo de um insuficiente desenvolvimento metodológico, como o Exmo colega Dr. Lucas Coelho bem anotou, o parecer derive, na sua linha argumentativa, do estrito plano da interpretação jurídica para o da concepção doutrinal, fazendo sobrelevar meras razões de política legislativa, que apenas poderiam justificar de jure condendo a solução alcançada.



[1])Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2.ª edição, Coimbra, pág. 639.
[2])Ob. cit., pág. 640.
[3]) Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, pág. 94.
[4]) Ob. cit., pág. 95.
[5]) Ob. cit., pág. 93.
[6]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, pág. 610.
[7]) Confere uma competência genérica ao governo, no exercício da função administrativa, para praticar actos e tomar providências “necessárias à promoção do desenvolvimento económico–social e à satisfação das necessidades colectivas.” Veja-se quanto à interpretação a dar a esta norma, SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Lisboa, 1982, págs. 28-29.







[1] Informação n.º 9-G/01, P.º n.º B/16, de 08.JAN.01 (NI51/01-P.º 05.02-664/00-SEAI).
[2] No texto da informação da Auditoria Jurídica menciona-se “das instituições”, o que veio a ser corrigido nos termos referidos no ofício n.º 167, de 12/01/2001, P.º 05.02-664/00-
-SAJ.

[3] O exercício das competências que, nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio, estão cometidas ao Ministro da Administração Interna foram delegadas no Secretário de Estado da Administração Interna, nos termos do Despacho n.º 53/2001 (2.ª Série), de 18 de Dezembro, do Ministro da Administração Interna, publicado no Diário da República, II Série, n.º 2, de 3 de Janeiro de 2001.
[4] Como se informa no ofício, o regime jurídico das fundações privadas está a ser objecto de estudo com vista a uma eventual revisão, no âmbito de uma comissão a funcionar por iniciativa do Ministério da Administração Interna, sob a presidência de Rui de Alarcão, porquanto é unanimemente aceite a ideia de que aquele regime jurídico “não parece adequar-se às necessidades hodiernas, geradas pelas dinâmicas próprias da sociedade civil”.
[5] Parecer n.º 611/2000, votado na sessão de 11 de Janeiro de 2001, homologado por despacho de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, de 23 de Janeiro de 2001, publicado no DR, II Série n.º 55, de 6 de Março de 2001, págs. 4218 e segs.
(x) “L. CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil. Parte Geral, 2ª edição revista e actualizada, vol. I, Coimbra, 1954, págs. 368 e segs., que se seguiu parafraseando de perto. Cfr. também, K. LARENZ, Allgemeiner Teil des deutschen Bürgerlichen Rechts, 6. Auf., C.H.Beck, München, 1983, § 9, I, págs. 128 e segs.; e entre nós, ainda, MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1983, págs. 45 e segs.; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição (reimpressão), revista e actualizada por FREITAS DO AMARAL, Livraria Almedina, Coimbra 1980, págs. 176 e seguintes.”
(x1) “Para uma exposição destas e outras doutrinas cfr. L. ENNECCERUS/H.C. NIPPERDEY, Derecho Civil (Parte General), vol. I, 1.º Tomo, 13ª revisão, 2ª edição da tradução espanhola da 39ª edição alemã, Bosch, Barcelona, 1953, § 96, págs. 421 e segs.; WERNER FLUME, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 1. Band, 2. Teil, Die Juristiche Person, «Enzyklopädie der Rechts- und Staatswissenschaft», fundada por Franz von Liszt e W. Kastel e editada por P. Lerche e D. Nörr, Secção de Ciência Jurídica, Springer-Verlag, Berlin, Heidelberg, New York, Tokyo, 1983, § 1, págs. 1 e segs.; DIETER MEDICUS, Allgemeiner Teil des BGB. Ein Lehrbuch, 3. Neub. Auf., C.F. Müller Juristischer Verlag, Heidelberg, 1988, pág. 405; K. LARENZ/MANFRED WOLF, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 8. Auf., C.H. Beck'sche Verlagsbuchhandlung, München, 1997, págs. 168 e segs.; FRANCESCO FERRARA, Le Persone Giuridiche, «Trattato di Diritto Civile Italiano redatto da diversi giureconsulti sotto la direzione di FILIPPO VASSALI», vol. II, tomo 2.º, reimpressão da 2ª edição com notas de FRANCESCO FERRARA junior, Unione Tipografico-Editrice Torinese, Milano, 1958, págs. 18 e segs.; GUILHERME MOREIRA, Da Personalidade Colectiva, «Revista de Legislação e de Jurisprudência» [Anos 40.º (1907/1908), n.ºs 1732 e segs., 41.º (1908/1909), n.ºs 1749 e segs., e 42.º (1909/1910), n.ºs 1788 e segs.], n.ºs 7 e segs. [Ano 40.º, n.ºs 1737 e seguintes]; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, págs. 361 e segs.; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2ª edição, Lex, Lisboa, 1995, págs. 422 e seguintes.”
(x2) “CABRAL DE MONCADA, op. cit., pág. 374.”
(x3) “ANDRADE, op. cit., págs. 54 e segs.; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, 6ª reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1992, págs. 267/268, e 281/283, autores que, sem prejuízo de outros subsídios doutrinários, acompanharemos basicamente.”
(x4) “ANDRADE, op. cit., pág. 56; MOTA PINTO, op. cit., pág. 268, observando (nota 1), à luz dos artigos 189.º e 190.º do Código Civil, que «a modificação dos estatutos da fundação ou a transformação desta» só podem ter lugar – «e dentro de apertadíssimos limites, continuando-se a respeitar no que for possível a vontade do fundador – por acto da autoridade pública» (cfr., porém, infra, nota 57); no mesmo sentido, A. FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, Algumas notas sobre as Fundações, «Revista de Direito e Economia», Ano XV (1989), págs. 331/346 (pág. 335).”
(x5) “FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, op. cit., págs. 331/332.”
(x6) “FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, ibidem, citando neste último passo ALMENO DE SÁ, A revisão do Código Civil e a Constituição, «Revista de Direito e Economia», Ano III, n.º 2, Julho/Dezembro de 1977, pág. 455.”
(x7) “«(do lat. *specificare, de specificu). Indicar a espécie de; particularizar, mencionar.» – Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de JOSÉ PEDRO MACHADO, vol. IV, Amigos do Livro Editores, 1981, pág. 600; «Construir o carácter específico de. Declarar a espécie de. Jur. Fazer a especificação de; apontar individualmente. Determinar de modo preciso e explícito» – ANTÓNIO DE MORAIS SILVA, Novo Dicionário Compacto de Língua Portuguesa, vol. II, pág. 471.”
(x8)Op. cit., pág. 59.”
(x9) “PALANDT/HEINRICHS, Bürgerliches Gesetzbuch, 59. neub. Auf., C. H. Beck, München, 2000, págs. 50, nota à margem n.º 3, e 52, nota 1; LARENZ/WOLF, op. cit., pág. 246, nota marginal n.º 2.”
(x10) “LARENZ/WOLF, op. cit., pág. 248, nota marginal n.º 10. Cfr. sobre o tema, no domínio dos trabalhos preparatórios do Código Civil, MARCELLO CAETANO, Das Fundações. Subsídios para a Interpretação e Reforma da Legislação Portuguesa, «Colecção Jurídica», Edições Ática, Lisboa, 1961, págs. 181/182 e 202.”
(x11) “Neste sentido, se bem se interpreta, FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, op. cit., pág. 334, afirmando, nomeadamente: «A lei não se opõe, portanto, à constituição de fundações sem capital inicial, desde que o financiamento das actividades projectadas seja assegurado por outra forma, isto é, através de outros recursos que não os rendimentos produzidos por um capital»; no mesmo sentido, FERRER CORREIA, Le régime juridique des fondations privées, culturelles et scientifiques (droit portugais), «Estudos Vários de Direito» (2ª tiragem), Coimbra, 1982, págs. 484/485.”
[6] Ferrer Correia, Le régime juridique ..., pág. 479.
[7] Projecto de Código Civil, Edição do Ministério da Justiça, 1966, pág. 53.
[8] Ob. cit. nota anterior, págs. X a LIV.
[9] Edição do Ministério da Justiça, 1961.
[10] O texto deste n.º 1 era o seguinte: “O acto constitutivo especificará o fim da fundação e os bens com que é dotada pelo fundador. Do acto constitutivo deve também constar a sede da fundação, mas a falta deste elemento pode ser suprida no estatuto.”
[11] Vd. ob. cit., pág. 177.
[12] Ob. cit., pág. 201.
[13] Ob. cit., pág. 12, citando Tony Sauvel, Revue de Droit Public, ano 60 (1954), pág. 325 e segs.
[14] Na verdade, escrevia a esse propósito: “efectivamente, se a fundação nasce do acto de uma pessoa moral, pode a origem dos seus bens ser colectiva, mas a intervenção criadora é individual, de uma pessoa só.”
[15] O autor dá exemplos, entre outros, da Fundação Inácio da Cruz (Decreto-Lei n.º 40761, de 7 de Dezembro de 1956) e da Fundação da Casa de Bragança.
[16] Idem, pág. 15.
[17] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, 6.ª reimpressão, Coimbra Editora, 1992, pág.283.
[18] A. Ferrer Correia, Almeno de Sá, op. cit., pág. 334
[19] Ob. cit., pág. 72.
[20] Lei n.º 87-571, de 23 de Julho de 1987, artigo 18.º.
[21] Ley de 24 de Novembro de 1994, n.º 30/1994, dispondo os artigos mencionados no texto o seguinte:
“Artículo 1
Concepto
1.Son fundaciones las organizaciones constituidas sin ánimo de lucro que, por voluntad de sus creadores, tienen afectado de modo duradero su patrimonio a la realización de fines de interés general.
2.Las fundaciones se rigen por la voluntad del fundador, por sus Estatutos y, en todo caso, por la presente Ley.
Articulo 6
Capacidad para fundar
1. Podrán constituir fundaciones las personas físicas y personas jurídicas, sean éstas publicas o privadas.
2. Las personas físicas requerirán la capacidad general de obrar y la especial para disponer gratuitamente, inter vivos o mortis causa, de los bienes y derechos en que consista la dotación.
(...)
Articulo 10
Dotación
1. La dotación, que podrá consistir en bienes y derechos de cualquier clase, há de ser adecuada y suficiente para el cumplimiento de los fines fundacionales.
(...)
4. Se podrá considerar como dotación el compromisso de aportaciones de terceros siempre que estuvieran garantizadas. En ningún caso se podrá considerar como dotación el mero propósitto de recaudar donativos.”
[22] M.ª Eugénia Serrano Chamorro, Las Fundaciones, dotación y patrimonio, Editorial Civitas, Madrid, 2000, pág. 77.
[23] «João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora editora, Lisboa, 2000, pág. 97.»
(x12) “Trata-se do fenómeno também denominado sugestivamente de «fuga para o direito privado», traduzindo a adopção pela Administração Pública das «formas de organização» e/ou das «formas de actuação jurídico-privadas, para com isso se furtar ao regime de direito público a que normalmente está sujeita», com vantagens e inconvenientes, sem prejuízo de específicas vinculações, problemática estudada por MARIA JOÃO ESTORNINHO, op. cit., passim (cfr. págs. 17, 58 e segs., 167 e segs.).”
(x13) “No sentido exposto, VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, apud JOÃO CAUPERS, op. cit., págs. 97/98.”
(x14) “NUNO SÁ GOMES, Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas públicas de direito privado, «Ciência e Técnica Fiscal», n.ºs 343/345, Julho-Setembro 1987, págs. 189/190, citando FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, e FAUSTO DE QUADROS, Fundações de Direito Público.
Aliás, a progressiva ampliação da capacidade de direito privado da Administração Pública e do inerente recurso aos instrumentos jusprivatísticos, lógico corolário do alargamento dos fins do Estado e das tarefas que tradicionalmente lhe incumbiam, constitui um processo histórico-evolutivo confirmado. Não podendo aqui ser minimamente abordado, o seu estudo foi desenvolvido por MARIA JOÃO ESTORNINHO, op. cit., págs. 23 e segs., para onde, com a devida vénia, se remete.”
(x15) “SÁ GOMES, ibidem.”
[24] Tradução livre do seguinte texto: “Las personas jurídico-publicas tendrán capacidad para constituir fundaciones, salvo que sus normas reguladoras establezcan lo contrario”.
[25]As fundações e as associações públicas de direito privado”, comunicação inédita apresentada no IV Colóquio sobre Caminhos da privatização da Administração Pública.
[26] Louvando-se em Wolff – Bachof, Verwaltungsrecht, Tomo II, 4.ª edição, Munique, 1976, p. 445; e Hartmut Maurer, Allgemeines Verwaltungsrecht, Munique, 1992, p.532.
[27] Nuno Sá Gomes, ob. e loc. cit. pág. 89, informa-nos no mesmo sentido.
[28] País onde predomina “uma floresta de confusões conceituais”. Cita para fundamentar a conclusão, “Celso António Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 5.ª edição, São Paulo, 1994, pp.82-83; Sérgio de Andréa Ferreira, As fundações privadas e públicas no direito brasileiro vigente, «in» Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro n.º 3, Volume 31, Julho-Setembro de 1988, p.65 e segs.; Adilson Dallari, Fundações Privadas Instituídas pelo Poder Público, «in» Revista de Informação Legislativa, Abril-
-Junho de 1991, Ano 28, n.º110, p.129.”

[29] Citando “Doctrina de la Procuradoria General de la Republica, ano de 1986, pp.218-219. Noutro parecer a Procuradoria Geral venezulana escreve que o Estado em vez de criar por via legislativa uma pessoa jurídica para prosseguir uma determinada actividade, socorre-se de uma forma jurídica preexistente e pratica o acto de instituição indispensável para dar vida, no âmbito do direito privado, a uma pessoa jurídica que se ocupará do desempenho de certas tarefas vinculadas à prossecução dos fins do Estado (Doctrina , ano de 1990, p.78).”
[30] Artigo 53.º, n.º 2, alínea l) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
[31] Instituída pelo artigo 10.º, corpo e §7, do Decreto-Lei n.º 23 240, de 21 de Novembro de 1933.
[32] Entre outras, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, criada pelo Decreto-
-Lei n.º 168/85, de 20 de Maio;
Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, criada pelo Decreto-Lei n.º 149/90, de 10 de Maio; Fundação de São Carlos instituída pelo Decreto-
-Lei n.º 75/93, de 10 de Março;
Fundação das Descobertas, Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de Outubro; Fundação de Serralves, Decreto-Lei n.º 240-A/89, de 27 de Julho; Fundação Escola Portuguesa de Macau, criada pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de Abril; Fundação Cartão do idoso, criada pelo Decreto-Lei n.º 102/97, de 28 de Abril, para mencionar apenas as mais recentes.
[33] Decreto-Lei n.º 306/2000, de 28 de Novembro. Nos termos do artigo 2.º, “a fundação é uma instituição de direito privado dotada de personalidade jurídica, durará por tempo indeterminado, tem a sua sede em Alcochete e rege-se pelos estatutos em anexo ao presente diploma, que dele fazem parte integrante”.
[34] Veja-se, entre outras, a Fundação Instituto Politécnico de Leiria, conforme publicação constante do Diário da República, III Série, n.º 17, de 20 de Janeiro de 2001, pág. 1437.
[35] VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 997, pág. 285. Para uma explanação mais detalhada veja-se Maria João Estorninho, ob. cit., págs. 59 a 67.
[36] Maria Sylvia Zanella di Pietro, Fundações Públicas, «in» Revista de Informação Legislativa, a.26, n.º 101, Janeiro/Março de 1989, pág.176.
[37] Ibidem, pág. 177.
[38] E nesse sentido, se analisarmos os estatutos da Fundação para a Protecção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, reter-se-á que o Conselho de Administração é todo ele nomeado pelo Estado (artigo 7.º, n.º 2), o Conselho Fiscal é maioritariamente designado pelo Estado (artigo 12.º) e, por outro lado, o Estado, através dos instituidores e sob proposta do conselho de administração, pode modificar os estatutos, verificadas “situações excepcionais” (artigo 14.º).
[39] Vital Moreira, ob. cit., pág. 283.
[40] Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Vol. I, Ed. Danúbio, Lisboa, 1982, pág. 266.
[41] Maria João Estorninho, ob. cit., pág. 159.
[42] Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, Almedina, 1998, anotação V ao artigo 3.º, pág. 90.
[43] Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. II, Lisboa, 1988, pág. 44.
[44] Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª edição, Coimbra Editora, 1973, pág. 30.
[45] Ibidem.
[46] Ob. cit., pág. 45.
[47] Por função agressiva da Administração Pública entende-se, “normalmente, a sua actividade de regulação, de polícia e de repressão, incidindo nos direitos, liberdades e garantias – ou seja, nos direitos de liberdade dos cidadãos. Impondo-lhes sacrifícios, ablações ou agredindo-os. Daí a designação de agressiva.” – Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, LEX, Lisboa, 1999, pág. 83.
[48] Por função ou actividade constitutiva ou prestacional “se entende, tradicionalmente, a que se traduz na produção de bens e na prestação de serviços destinado, uns e outros, a satisfazer necessidades colectivas a cargo da colectividade, ou seja, a permitir o exercício de direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos. Daí a designação de actividade prestacional ou constitutiva-prestacional porque expressa em prestações, constitutiva porque não sacrificando antes criando condições sine qua non para o exercício de direitos dos administrados.” Aut. e loc. cit. na nota anterior.
[49] Direito Administrativo, vol. II, Lisboa, 1988, págs. 63 a 79.
[50] Direito Administrativo, I, Coimbra, 1980, págs. 292 e segs.
[51] Ob., cit. na nota 47, págs. 85 a 89.
[52] Noções de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, págs. 240 a 246.
[53] Ob. cit., pág. 190.
[54] Equaciona-se apenas o problema, sem sobre ele tomar posição, por não necessária à economia do parecer.
[55] No projecto de lei-quadro dos institutos públicos, da autoria de Vital Moreira, o artigo 54.º, subordinado à epígrafe “Fundações privadas instituídas por entidades públicas”, preceitua-se que “As fundações de direito privado instituídas por entidades públicas, seja por acto legislativo seja por instrumento próprio das fundações particulares, regem-se pela lei civil, com as adaptações previstas em lei especial”.
[56] Vital Moreira, ob. cit., pág. 286: “A admissibilidade constitucional das entidades administrativas privadas não suscita objecções de princípio; a Constituição não as proíbe nem impõe que a Administração consista somente em organizações jurídico-públicas.”
[57] Infra se examinará o conteúdo deste conceito.
[58] Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição ..., pág. 922. Sobre o conceito de interesse público pode ver-se, também, entre outros, Héctor Jorge Escola, El Interés Público, como fundamento del derecho administrativo, ediciones Depalma, Buenos Aires, 1989, págs. 235 a 264.
[59] Direito Administrativo, Vol. II, 1988, pág. 36.
[60] Ibidem, págs. 37 e 38.
[61] Artigo 9.º, alínea d).
[62] Por exemplo, o artigo 97.º, que respeita aos auxílios do Estado no âmbito da política agrícola, refere expressamente, na alínea b) do n.º 2, a criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção, e através delas não só não exclui como induz a considerar os subsídios como uma das formas possíveis de apoio.
Para uma abordagem mais detalhada das normas constitucionais que podem fomentar a atribuição de diferentes tipos de auxílio, vd. Regime Jurídico Relativo aos Auxílios Públicos - relatório final do Grupo de Trabalho constituído pelo despacho do Ministro das Finanças n.º 213/98-XIII, de 28 de Maio, edição do Ministério das Finanças, Lisboa Dezembro de 1998, pág. 27.
[63] Direito Económico, 3.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 2000, págs. 425 e 426.
[64] Ibidem, pág. 426.
[65] Neste sentido, por exemplo, o Fundo de Fomento Cultural, a que se refere o artigo 15.º, epigrafado de “Fundo de Fomento Cultural”, do Decreto-Lei n.º 42/96, de 7 de Maio, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Cultura, de que adiante nos ocuparemos.
[66] Aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março.
[67] Cfr. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 391/99, de 30 de Setembro.
[68] Artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de Outubro, na redacção dada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 391/99, de 30 de Setembro. Em bom rigor, o que este diploma visa mandar aplicar é o regime do Estatuto do Mecenato, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º, Estatuto que se acha anexo àquele Decreto-Lei e do qual faz parte integrante, e não a alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do próprio diploma legal, que não comporta nenhuma alínea no seu texto.
[69] Ob. cit. pág. 432.
[70] Criada por pelo Despacho n.º 213/98-XIII, de 28 de Maio de 1998.
[71] Ob. cit. na nota 62, pág. 131, onde se inclui o projecto de diploma então preparado sobre a matéria.
[72] JOÃO PINTO RIBEIRO, Polis – Enciclopédia VERBO, Vol. 5, colunas 1016 e seguintes.
[73] Diploma legal que foi complementado pela Lei n.º 104/97, de 13 de Setembro, que “Cria o sistema de informação para a transparência dos actos da Administração Pública (SITAAP) e reforça os mecanismos de transparência previstos na Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto”.
[74] Ob. cit. na nota 62, pág. 54.
[75] Ibidem, pág. 56.
[76] Essa carência já era bem patente há mais de uma década, altura em que PAZ FERREIRA informava que se contavam “por largas centenas os diplomas em vigor que criam subvenções financeiras, por vezes em sobreposição e só raramente com uma perspectiva de conjunto e das finalidades reais visadas por esta forma de intervenção do Estado na economia” - O controlo das subvenções financeiras e os benefícios fiscais, «in» Revista do Tribunal de Contas, n.º 1, Janeiro-Março de 1989, pág. 27.
A afirmação é igualmente válida para outras áreas da intervenção do Estado que não apenas a económica.
[77] Freitas do Amaral, Curso ..., pág. 604. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição, revista e actualizada por Freitas do Amaral, Livraria Almedina, Coimbra 1973, págs. 202 e segs.
[78] Idem. Vd., também, Esteves de Oliveira, ob. cit., págs. 237 e segs.
[79] Manual ..., pág. 213.
[80] Sobre competências implícitas, veja-se, também, o parecer n.º 6/95, deste Conselho, de 29 de Março de 1995, não homologado e acórdão do STA de 5 de Março de 1996, «in» AP-DR de 31 de Agosto de 1998, pág. 1590.
[81] Curso..., pág. 608.
[82] Idem.
[83] Marcello Caetano, ob. cit., pág. 214.
[84] Para uma exposição mais detalhada, pode ver-se, entre outros, o parecer deste Conselho n.º 63/91, de 14 de Maio de 1992.
[85] Esteves de Oliveira, ob. cit., pág. 174.
[86] Freitas do Amaral, Curso ..., págs. 583 e 584.
[87] Ob. cit., pág. 584.
[88] Para um maior desenvolvimento, com indicação de diversa doutrina, pode ver-se o parecer n.º 611/2000.
[89] Freitas do Amaral, Curso ..., pág. 586.
[90] O conceito de empresa pública é-nos fornecido pelo artigo 3.º, que se mostra redigido nestes termos:
“1 - Consideram-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.
2 - São também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III.”
As empresas públicas criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 270/76, de 8 de Abril, de que apenas subsistem a CP – Caminhos de Ferro Portugueses, EP, o Metropolitano de Lisboa, EP, a Empresa Pública de Navegação Aérea de Portugal – NAV, EP, e a REFER – Rede Ferroviária Nacional, EP, passaram a designar-se entidades públicas empresariais, nos termos do disposto no artigo 23.º. Não obstante a nova designação, continuam a ser consideradas empresas públicas, por força do disposto no n.º 2 do artigo 3.º, que se deixou transcrito.
[91] Quanto aos institutos públicos foi recentemente apresentado ao Governo um projecto de lei-quadro dos institutos públicos, da autoria de Vital Moreira, já aludido na nota 55, que se propõe ser o seu instrumento jurídico enquadrador.
[92] E só aos constantes de acto normativo nos referiremos na impossibilidade de, por um lado, abarcar toda a universalidade de diplomas legais que conferem auxílios, e, por outro lado, na certeza de que “os regimes que criam auxílios públicos podem assumir a forma de lei, decreto-lei, resolução do Conselho de Ministros, despacho normativo, despacho conjunto ou portaria”, loc. cit. na nota 62, pág. 55, inviabiliza uma pesquisa mais aprofundada.
[93] Decreto-Lei n.º 55/87, de 31 de Janeiro, sucessivamente alterada pelos seguintes diplomas legais: Decreto-Lei n.º 92/92, de 23 de Maio, que alterou os arigos 4.º, 15.º, 16.º e 20.º, Decreto-Lei n.º 107/92, de 2 de Junho, que revogou o artigo 20.º, e Decreto-
-Lei n.º 117/93, de 13 de Abril, que alterou o artigo 6.º.

[94] Decreto-Lei n.º 92/92, de 23 de Maio, que deu nova redacção ao artigo 20.º, cujo n.º 2 preceitua que “As atribuições, competências, estrutura, organização e funcionamento da DGV são definidas pela respectiva lei orgânica”.
[95] Decreto-Lei n.º 484/99, de 10 de Novembro.
[96] A norma em apreço explana o quadro genérico das atribuições deste organismo, assim delineadas no n.º 1 do artigo 1.º: “A Direcção-Geral de Viação é o organismo do Estado responsável pela administração rodoviária, cabendo-lhe estudar, promover e executar medidas adequadas à sua operacionalidade e aperfeiçoamento, bem como a uniformização e coordenação da acção fiscalizadora”.
[97] A verificação da legalidade e eficiência das despesas respectivas e a autorização para o pagamento competem ao conselho administrativo da DGV – cfr. artigos 29.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, alínea f) do mesmo diploma legal.
[98] Reorganizado pelo Decreto-Lei n.º 203/93, de 3 de Junho, com alterações posteriores, designadamente a dada pelo Decreto-Lei n.º 152/99, de 10 de Maio.
[99] Redacção do Decreto-Lei n.º 152/99, de 10 de Maio.
[100] Relativamente a este serviço, a competência para autorizar as despesas é conferida ao seu presidente (artigo 12.º, n.º 2, alínea d), e para a verificação da legalidade das despesas e autorização do respectivo pagamento ao conselho administrativo (artigo 14.º, alínea d).
[101] Tende-se a incluir pessoas singulares e colectivas, pois a norma não restringe.
[102] Uma amostra destes auxílios pode ser consultada na ob. cit. na nota 62, págs. 55 a 63.
[103] Criado pelo Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 132/83, de 18 de Março, 210/95, de 17 de Agosto, e 246/96, de 21 de Dezembro.
[104] Decreto-Lei n.º 75-A/91, de 15 de Fevereiro.
[105] Decreto-Lei n.º 80/98, de 2 de Abril.
[106] Aprovados pelo Decreto-Lei n.º 308/99, de 10 de Agosto.
[107] Cuja orgânica foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 170/97, de 5 de Julho.
[108] Constando a Lei Orgânica do Decreto-Lei n.º 42/96, de 7 de Maio.
[109] Alterado, em termos não relevantes para a economia do parecer, pelo Decreto-Lei n.º 114/87, de 13 de Março.
[110] Com ressalva de um último segmento que foi suprimido, antes incluído na alínea a) deste preceito, com a seguinte redacção “(...), dentro dos objectivos a prosseguir pela Secretaria de Estado da Cultura”.
[111] Alterado pela Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, e pelos Decretos-Leis n.ºs 275-A/93, de 9 de Agosto; 113/95, de 25 de Fevereiro; e 100/96, de 9 de Outubro, em termos que não relevam para a matéria em análise.
[112] Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 13-F/98, publicada no DR, I-A Série, n.º 200 (2.º suplemento), de 31 de Agosto, e alterado, em termos que não relevam para a matéria em apreço, pelo Decreto-Lei n.º 363-A/98, de 19 de Novembro.
[113] Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2.ª edição, Lisboa, 1995, pág. 346.
[114] Aut. e loc. cit, pág. 345.
[115] Ob. cit., pág. 284.
[116] Ob. cit., pág. 189 e segs.
[117] Introdução ..., págs. 97 a 99.
[118] E o mesmo se pode dizer em relação aos actos notariais de instituição de fundações que se consultaram.
[119] Marcello Caetano, ob. cit., pág. 41.
[120] Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume I, Lisboa, 1987, anotação ao artigo 186.º, pág. 245.
[121] Carlos Blanco de Morais, Regime Jurídico das Fundações Privadas, «Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes», pág. 569.
[122] Alicia Real Pérez, La voluntad del fundador en el derecho de fundaciones, «Manual de Fundaciones, regimen jurídico, fiscal y contable, com anexo de legislación estatal y autonómica», coordenação de Alberto Ruiz Ojeda, Editorial Civitas, Madrid 1999, pág. 70.
[123] E não se conhece disposição semelhante para qualquer outro tipo de entidades públicas.
[124] Artigo 190.º, n.º 1, do Código Civil.
[125] Artigo 191.º, n.º 1, do Código Civil.
[126] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra editora – 1987, anotação aos artigos 190.º e 191.º, págs. 184 e 185.
[127] Artigo 5.º, n.ºs 1, alínea f) e 2 do Decreto-Lei n.º 308/99, de 10 de Agosto, mencionado na nota 84.
[128] Artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 170/97, de 5 de Julho, citado na nota 88.
[129] Na obra mencionada na nota 62 mencionam-se outros diplomas que concedem apoios à criação de novas empresas: Decreto-Lei n.º 193/94, de 19 de Julho (pág. 61); Decretos Legislativos Regionais n.ºs 15/91/M, de 26 de Junho, e 2/96/M, de 13 de Fevereiro (págs. 85 e 86).
[130]) E não também, creio, o Serviço Nacional de Bombeiros (SNB), posto que, nos termos do artigo 4º, nº 2, alínea e), da sua Lei Orgânica, constante do Decreto-Lei nº 293/2000, de 17 de Novembro, os apoios financeiros do SNB se destinam, ao que se afigura, aos recursos humanos, equipamentos, viaturas e outras necessidades dos corpos de bombeiros.
[131]) O nº 8 de resolução nº 23/2001 prevê a elaboração, no prazo de 90 dias, do regulamento interno da CNEFF, «contemplando designadamente o processo de contratualização de serviços e de verificação e controlo de despesas, o qual será submetido a homologação do Ministro da Administração Interna». O citado regulamento, decerto importante no plano em que nos situamos, não foi, tanto quanto sei, publicado até ao momento.
[132]) No sentido destas atribuições dispõe, aliás, introdutoriamente o artigo 1º, nº 1, do mesmo diploma, que a DGV «é o organismo do Estado responsável pela administração do sistema de trânsito e segurança rodoviária, cabendo-lhe estudar, promover e executar medidas adequadas à sua operacionalidade e aperfeiçoamento, bem como à uniformização e coordenação da actividade fiscalizadora».
[133]) Cfr., conexamente, o artigo 12º, nº 2, alínea d), que confere ao presidente do SNPC a competência para autorizar as despesas correlativas, e o artigo 14º, alínea d), nos termos do qual compete ao conselho administrativo verificar a legalidade dessas despesas e autorizar o pagamento.
[134]) Cfr., em conexão, os preceitos conjugados dos artigos 29º, nº 1, e 5º, nº 2, alínea f), que dispõem ser da competência do conselho administrativo da DGV verificar a legalidade e eficiência das despesas respectivas e autorizar o seu pagamento.