Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00001858 |
Parecer: | P000072001 |
Nº do Documento: | PPA1804200100701 |
Descritores: | DESPORTO CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO CONTRATO DE FORMAÇÃO DESPORTIVA PRATICANTE DESPORTIVO PROFISSIONAL FORMANDO PRATICANTE DESPORTIVO MENOR TRANSFERÊNCIA CLUBE DESPORTIVO COMPENSAÇÃO POR FORMAÇÃO LIBERDADE CONTRATUAL DIREITO DE OPÇÃO DIREITO AO DESPORTO DIREITO AO ENSINO CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO ASSOCIAÇÃO SINDICAL FEDERAÇÃO DESPORTIVA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL ESTADO DEVOLUÇÃO DE PODERES UTILIDADE PÚBLICA DESPORTIVA COMPETÊNCIA REGULAMENTAR DIREITOS FUNDAMENTAIS DE NATUREZA ANÁLOGA RESERVA RELATIVA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA RESERVA DE LEI REMISSÃO NORMATIVA REGULAMENTO AUTÓNOMO REGULAMENTO COMPLEMENTAR INTERPRETAÇÃO DA LEI LACUNA IMPRÓPRIA FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE CONTROLO DA LEGALIDADE |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 410 |
Data Oficio: | 02/05/2001 |
Pedido: | 02/06/2001 |
Data de Distribuição: | 02/20/2001 |
Relator: | ERNESTO MACIEL |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 04/18/2001 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | MJD |
Entidades do Departamento 1: | MIN DA JUVENTUDE E DO DESPORTO |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 05/02/2001 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 18-06-2001 |
Nº do Jornal Oficial: | 139 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 10026 |
Indicação 2: | ASSESSOR:MARIA JOÃO CARVALHO |
Texto Integral: | Senhor Ministro da Juventude e do Desporto, Excelência: I «Face à posição assumida pela Federação Portuguesa de Futebol e à necessidade urgente de o Governo, através do Ministro da Juventude e do Desporto, tomar uma decisão», dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria- -Geral da República sobre a seguinte questão: «1. A Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, permite, ao abrigo do artigo 38.º, que um Clube formador exija a um outro Clube, que passe a ser a entidade empregadora com a qual o formando tenha celebrado um contrato de trabalho como profissional (só podem celebrar contratos de trabalho desportivo os menores que hajam completado 16 anos de idade e que preencham os requisitos exigidos pela Lei Geral do Trabalho), uma compensação por formação. No entanto, só haverá lugar ao pagamento dessa compensação, a título de promoção ou valorização do formando, quando o Clube formador tenha celebrado com o formando um contrato de formação desportiva. Este tipo de contrato só pode ser celebrado com jovens que, cumulativamente, tenham cumprido a escolaridade mínima obrigatória e uma idade compreendida entre os 14 e 18 anos. «2. Diversas Federações vinham recorrendo a mecanismos que permitiam aos Clubes exigir essa compensação mesmo quando não existia qualquer contrato de formação. «3. Entretanto, o Governo na altura fez saber às várias Federações que essa prática era ilegal por violação do diploma legal supra citado. «4. A maioria das Federações alterou os seus Regulamentos, à excepção da Federação Portuguesa de Futebol e da Federação Portuguesa de Patinagem. «5. A Federação Portuguesa de Futebol aprovou, em sede de Assembleia Geral, uma alteração ao artigo 5º do Regulamento para Inscrição e Transferência dos Praticantes Amadores, em vigor desde 1987, impondo aos menores entre os 8 e os 14 anos, que optem pela transferência para outro clube no início de cada época desportiva, o pagamento de uma compensação ao Clube formador, sendo esta compensação determinada por uma tabela anexa ao regulamento federativo e indexada ao salário mínimo nacional em vigor no início da época a que diga respeito. «6. Novamente, o Governo, através do CEFD, informou as Federações da necessidade de alterar os regulamentos no sentido de os tornar compatíveis com a referida lei, impondo o prazo de 90 dias para essa alteração. «7. A Federação Portuguesa de Futebol fez já saber publicamente que não alterará o Regulamento porque considera que este se encontra dentro da Lei. Esta Federação defende que existe um vazio legal relativamente às transferências dos menores com idades compreendidas entre os 8 e os 14 anos podendo, por isso, exigir compensações financeiras a um menor (entre os 8 e os 14 anos) que decida mudar de clube, sem que com essa exigência viole a referida lei. «8. Entendemos que não existe qualquer vazio legal, tendo sido intenção do legislador vedar a possibilidade de celebração de contratos de formação a menores com idades inferiores a 14 anos e, consequentemente, o direito de exigir a esses menores ou ao clube para onde se transferem qualquer tipo de compensação.» [1] Cumpre emitir parecer, com a urgência solicitada por Vossa Excelência. II 1. «O desporto desempenha cada vez mais uma função social importante, por isso a sua percepção não pode ser aferida apenas no aspecto técnico ou de forma redutora. «O desporto envolve-se cada vez mais com todas as vertentes da sociedade, acabando por ter uma função essencial na formação e educação dos cidadãos e, por conseguinte, na cultura da colectividade.» «Aparece-nos agora o desporto com uma, por vezes íntima, ligação a todos os aspectos do fenómeno social, como o económico, cultural e histórico, o filosófico, o antropológico, na saúde, no educativo e escolar, no político, no direito e outros.» [2] Nesta linha de compreensão do fenómeno desportivo se situam as preocupações de instâncias internacionais, expressas em diversos instrumentos, de que podem citar-se, a título meramente ilustrativo: - A Carta Internacional da Educação Física e do Desporto, adoptada pela Conferência Geral da UNESCO, em 21 de Novembro de 1978 [3]; - A Carta Europeia do Desporto, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 24 de Setembro de 1992; - A Directiva n.º 94/33/CE do Conselho da União Europeia, de 22 de Junho de 1994, relativa à protecção dos jovens no trabalho [4]; - A Recomendação sobre o Papel do Desporto na Sociedade (95/17), adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 12 de Outubro de 1995, e respectivo Anexo; - O Relatório da Comissão ao Conselho Europeu, de 1 de Dezembro de 1999, indicando «pistas que permitirão conciliar a dimensão económica do desporto com a sua dimensão popular, pedagógica, social e cultural»; - A Carta do Desporto dos Países de Língua Portuguesa, assinada em Bissau, em 27 de Fevereiro de 1993, e o Acordo de Cooperação entre as Repúblicas de Angola, Cabo Verde, Guiné- -Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, no Domínio do Desporto [5]. 2. Todos estes instrumentos têm como denominador comum a afirmação do livre e integral desenvolvimento da personalidade humana, em particular das crianças e dos jovens, e o reconhecimento da interpenetração do direito ao desporto com outros direitos dos cidadãos, nomeadamente ao ensino e à educação, de par com a necessidade de adopção de medidas adequadas à defesa do pleno exercício desses direitos - valores e preocupações estes de que está imbuída a legislação portuguesa, nos planos constitucional e legal. Com efeito, reservando para momento subsequente a análise da projecção desta realidade na lei ordinária, refira-se, desde já, que, ao consagrar que «Todos têm direito à cultura física e ao desporto», o artigo 79.º, n.º 1, da Constituição reconhece o direito à educação física e ao desporto como direito fundamental dos cidadãos, na realização do qual desempenham papel insubstituível certos «corpos sociais intermediários» (escolas, associações, colectividades desportivas) que a Constituição explicitamente reconhece (n.º 2), conforme notam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA [6]. Como estes Autores salientam, «o direito à cultura física e ao desporto articula-se com outros direitos» constitucionalmente garantidos, «como, por exemplo, o direito à protecção da saúde (art.º 64.º-2), os direitos da juventude (art.º 70.º-1/c [7]), o direito à educação (art.º 73.º) e o direito ao ensino (art.º 74.º). A imbricação destes direitos com o direito ao desporto aponta para a ideia de “desenvolvimento integral” das pessoas (art.º 69.º- 1).» «Por outro lado, o desporto reabilitador dos “jogos tradicionais” articula-se com a protecção do património cultural (art.º 78.º-2/c). Finalmente, o direito ao desporto interpenetra-se com os direitos dos trabalhadores como elemento da sua realização pessoal (art.º 59.º-1/b) e da efectivação do direito ao lazer (art.º 59.º-1/d).» Em sentido idêntico se manifesta JOSÉ MANUEL MEIRIM [8], ao apontar as projecções constitucionais do desporto, nas quais inclui o direito dos trabalhadores aos lazeres [art.º 59.º, n.º 1, al. d)]; o direito à habitação - equipamento social / equipamento desportivo - [art.º 65.º, n.º 1, al. a)], o ambiente e a qualidade de vida (art.º 66.º, n.º 1), o desenvolvimento integral das crianças (art.º 69.º), a prevenção, reabilitação e integração dos cidadãos deficientes (art.º 71.º, n.º 2), a educação e desenvolvimento da personalidade (art.º 73.º, n.ºs 1 e 2), o direito à protecção da saúde [art.º 64.º, n.ºs 1 e 2, al. b)] e a protecção especial dos jovens na educação física e no desporto [art.º 70.º, n.º 1, al. d)]. Também PAULO CARDOSO DE MOURA[9], ao indicar as «referências constitucionais à educação física e ao desporto», distingue entre os preceitos que se lhes referem expressamente [art.ºs 64.º, n.º 2, al. b), 70.º, n.º 1, al. c), 79.º e 228.º, al. m)] e as referências indirectas ao desporto, os chamados direitos conexos com o direito ao desporto, neles incluindo a liberdade de escolha de profissão de desportista [art.º 58.º, n.º 2, al. b)], o direito ao repouso e aos lazeres [art.º 59.º, n.º 1, al. d)], o direito à habitação (art.º 65.º), o ambiente e a qualidade de vida (art.º 69.º), a prevenção, reabilitação e integração dos cidadãos deficientes (art.º 71.º) e a educação e desenvolvimento da personalidade (art.º 73.º). III A adequada apreensão e análise da problemática em causa reclama uma prévia resenha do pertinente regime jurídico, para captação das respectivas incidências na questão sob consulta. 1. A Portaria n.º 663/85, de 6 de Setembro, do Secretário de Estado dos Desportos[10], considerando que «As normas constitucionais e a legislação vigente relativa ao direito de associação vieram colocar em novos termos o relacionamento entre o Estado e as pessoas colectivas com atribuições no âmbito do desporto, especialmente as associações e federações» e que, nesse sentido, «o Decreto-Lei n.º 164/85, de 15 de Maio, veio definir as normas que devem orientar a intervenção dos poderes públicos nesta área e o relacionamento com os vários agentes desportivos, reconhecendo o seu papel essencial e autonomia», entendeu que «as transferências dos praticantes amadores de futebol, no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol, reguladas pela Portaria n.º 456/79, de 22 de Agosto, não deverão ser objecto de diploma legal, competindo à federação em questão dispor sobre esta matéria», e determinou: «2.º «Compete à Federação Portuguesa de Futebol regular as transferências dos praticantes amadores de futebol no âmbito das competições por si organizadas.» Por seu turno, a Portaria de 12 de Junho de 1986 do Ministro da Educação e Cultura [11], repousando no mesmo tipo de considerações, entendeu que «as normas das transferências dos praticantes amadores, no âmbito das competições organizadas pelas diferentes federações desportivas nacionais, reguladas pela portaria de 29-9-75, não deverão ser aprovadas pela Direcção-Geral, competindo às respectivas federações dispor sobre esta matéria, e determinou: «1.º É da competência das federações desportivas nacionais regular as transferências dos praticantes amadores das respectivas modalidades.» [12] 2. Assim habilitada, a Federação Portuguesa de Futebol editou o seu Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores [13], cujo artigo 5.º é do seguinte teor: «CAPÍTULO III DAS INDEMNIZAÇÕES FINANCEIRAS «Artigo 5.º 1. As inscrições com transferências realizadas por um praticante amador nas cinco épocas seguintes a 1 de Agosto do ano em que o mesmo completa 14 anos de idade e desde que este mantenha a Classe de amador, implicam o pagamento de uma indemnização financeira pelo Clube para o qual se transfere ao Clube pelo qual esteve anteriormente inscrito, segundo tabela a publicar anualmente pela Federação Portuguesa de Futebol; 2. O jogador que na mesma época se transferir de um Clube que dispute Campeonatos Distritais e outros, para outro Clube do mesmo nível e que, por efeito de anulação de transferência ou transferências, venha a inscrever-se finalmente num Clube que dispute Campeonatos Nacionais de Seniores, este último pagará ao primeiro, a título de compensação, a taxa prevista, como se de uma transferência directa se tratasse; 3. As inscrições com transferência de praticantes com idade inferior a 14 anos em 1 de Agosto do ano em que completam essa idade, só podem efectuar-se mediante a autorização do Clube pelo qual está vinculado, exceptuando-se o caso, devidamente comprovado, de o encarregado de educação mudar de residência para localidade que diste mais de 20 km da sua anterior residência, desde que a nova residência fique a maior distância da Sede do Clube a que está vinculado; 4. A indemnização prevista no n.º 1 não terá lugar quando o jogador tiver feito a sua primeira inscrição logo como amador sénior, desde que o jogador complete 22 anos em 1 de Agosto do ano em que se realiza a transferência, ou quando haja renúncia expressa e escrita à indemnização pelo Clube que à mesma tenha direito. A renúncia terá que ser feita em papel timbrado do Clube, assinada por 3 membros da Direcção e autenticada com carimbo ou selo branco do Clube; 5. No caso de o jogador amador passar a profissional, os Clubes ficam sujeitos às regras estabelecidas na P.R.T., nomeadamente nos n.ºs 1 e 7 da respectiva Base XV quanto ao pagamento de indemnizações; 6. Das indemnizações previstas nos números 1 e 7 da Base XV da P.R.T., os Clubes onde o jogador actuou pela primeira vez como amador em provas oficiais terão direito a 60% ou 40%, se a permanência do jogador nesse Clube foi respectivamente no mínimo de três ou dois anos, sendo a parte restante rateada pelos outros Clubes, na proporção do tempo em que o jogador os tenha representado como amador; 7. Quando o praticante amador optar pela passagem a profissional num Clube que já tenha pago a indemnização prevista no n.º 1 do presente artigo, será o valor dessa indemnização levado em conta na indemnização a calcular nos termos da Base XV da P.R.T.» 3. Entretanto, a Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo) [14], veio estabelecer o quadro geral do sistema desportivo, tendo por objectivo «promover e orientar a generalização da actividade desportiva, como factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade» (artigo 1.º) e dispôs, nomeadamente: «Artigo 2.º (Princípios fundamentais) 1 – O sistema desportivo, no quadro dos princípios constitucionais, fomenta a prática desportiva para todos, quer na vertente de recreação, quer na de rendimento, em colaboração prioritária com as escolas, atendendo ao seu elevado conteúdo formativo, e ainda em conjugação com as associações, as colectividades desportivas e autarquias locais. (...)» «Artigo 4.º (Princípios gerais da formação e da prática desportiva) 1 – A formação dos agentes desportivos é promovida pelo Estado e pelas entidades públicas e privadas com atribuições na área do desporto, sem prejuízo da vocação especial dos estabelecimentos de ensino. 2 – (...) 3 – As acções de formação dos agentes desportivos são desenvolvidas pelo Estado ou pelas pessoas colectivas de direito privado com atribuições na área do desporto, de acordo com programas de formação fixados em diploma legal adequado. 4 – São considerados agentes desportivos os praticantes, docentes, treinadores, árbitros e dirigentes, pessoal médico, paramédico e, em geral, todas as pessoas que intervêm no fenómeno desportivo. 5 – O desenvolvimento e a regulamentação da prática desportiva devem prosseguir objectivos de ordem formativa, ética e sócio-cultural, tendo em conta o grau de evolução individual e a inserção na vida social. 6 – (...)» «Artigo 6.º (Desporto e escola) 1 – O desporto escolar titula organização própria no âmbito do sistema desportivo e subordina-se aos quadros específicos do sistema educativo. 2 – A prática do desporto como actividade extracurricular, quer no quadro da escola, quer em articulação com outras entidades com actuação no domínio do desporto, designadamente os clubes, é facilitada e estimulada tanto na perspectiva de complemento educativo como na de ocupação formativa dos tempos livres. 3 – (...)» «Artigo 14.º (Praticantes desportivos) 1 – O Estado estimula a prática desportiva e presta apoio aos praticantes desportivos, quer na actividade desportiva orientada para o rendimento, quer na actividade desportiva orientada para a recreação. 2 – A prática desportiva é ainda objecto de protecção e regulamentação especiais, no quadro da educação, da saúde, da cultura ou de outras áreas sociais. 3 – O estatuto do praticante desportivo é definido de acordo com o fim dominante da sua actividade, entendendo-se como profissionais aqueles que exercem a actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal. 4 – O regime jurídico contratual dos praticantes desportivos profissionais é definido por diploma próprio, ouvidas as entidades representativas dos interessados e as federações desportivas, tendo em conta a sua especificidade em relação ao regime geral do contrato do trabalho.» «Artigo 21.º (Federações desportivas) Para efeitos da presente lei, são federações desportivas as pessoas colectivas que, englobando praticantes, clubes ou agrupamentos de clubes, se constituam sob a forma de associação sem fim lucrativo e preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1.º Se proponham, nos termos dos respectivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objectivos gerais: a) Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou conjunto de modalidades afins; b) Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados; c) Representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais; 2.º Obtenham a concessão de estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva.» «Artigo 22.º (Utilidade pública desportiva) 1 – O estatuto de utilidade pública desportiva é o instrumento por que é atribuída a uma federação desportiva a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública. 2 – A concessão do estatuto de utilidade pública desportiva será regulada por diploma próprio e assenta na ponderação e verificação de requisitos objectivos, designadamente os seguintes: (...)» 4. Na sequência da Lei de Bases do Sistema Desportivo, o Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril [15], estabeleceu o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, dispondo, designadamente: «Artigo 2.º (Definição) (...)» «Artigo 3.º (Regime jurídico) Às federações desportivas é aplicável o disposto no presente diploma e, subsidiariamente, o regime jurídico das associações de direito privado.» «Artigo 7.º (Conteúdo) O estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente previstos na lei.» «Artigo 8.º (Poderes públicos das federações dotadas de utilidade pública desportiva) 1 – Têm natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados. 2 – Dos actos praticados pelos órgãos das federações dotadas de utilidade pública desportiva no exercício de poderes públicos cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos.» «Artigo 21.º (Regulamentos) Para além de outras que se mostrem necessárias, as federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem elaborar regulamentos que contemplem as seguintes matérias: a) Funcionamento e articulação de órgãos e serviços; b) Organização de provas; c) Participação nas selecções nacionais; d) Participação de praticantes estrangeiros nas provas; e) Disciplina; f) Arbitragem e juízes; g) Medidas de defesa da ética desportiva, designadamente nos domínios da prevenção e da punição da violência associada ao desporto, da dopagem e da corrupção no fenómeno desportivo; h) Atribuição do estatuto de alta competição e respectivos critérios.» [16] 5. No uso da autorização legislativa outorgada pela Lei n.º 85/95, de 31 de Agosto [17] e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 1/90, o Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva. Segundo o respectivo preâmbulo, «A crescente complexidade que vem assumindo o fenómeno desportivo (...) suscita, com premência sempre maior, conflitos de interesses que ao direito cumpre harmonizar (...) o que sucede, com particular acuidade, no domínio do contrato de trabalho dos praticantes desportivos, onde a necessidade de intervenção legislativa se justifica em razão das especialidades que a actividade desportiva comporta e a que o regime geral do contrato de trabalho não pode responder inteiramente.» Nesta ponderação, o diploma veio regular o contrato de trabalho dos praticantes desportivos, estabelecendo, porém, um regime limitado «a preencher as lacunas resultantes das especialidades inerentes à natureza e fisionomia próprias do vínculo, permanecendo o regime geral do contrato de trabalho como direito subsidiário». Por outro lado, o legislador aproveitou «a oportunidade para definir a disciplina do contrato de formação desportiva, estabelecido a partir do paradigma oferecido pelo regime jurídico do contrato de aprendizagem» [18]. O Decreto-Lei n.º 305/95 estabelecia, nomeadamente: «CAPÍTULO I Contrato de trabalho desportivo «Artigo 1.º Contrato de trabalho desportivo Contrato de trabalho desportivo é aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a um sujeito que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção deste.» «Artigo 3.º Capacidade 1 – Só podem celebrar contratos de trabalho desportivo os menores que hajam completado 16 anos de idade e que reúnam os requisitos exigidos pela lei geral do trabalho. 2 – O contrato de trabalho desportivo celebrado por menor deve ser igualmente subscrito pelo seu representante legal. 3 – É anulável o contrato de trabalho celebrado com violação do disposto no número anterior.» «Artigo 22.º Liberdade de trabalho 1 – São nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual. 2 – Pode ser estabelecida, por convenção colectiva ou regulamento federativo a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo. 3 – O valor da compensação referida no número anterior não poderá, em caso algum, inviabilizar, na prática, a liberdade de contratar do praticante. 4 – A validade e a eficácia do novo contrato não estão dependentes do pagamento da compensação devida nos termos do n.º 2. 5 – A compensação a que se refere o n.º 2 pode ser satisfeita pelo praticante desportivo.» (sublinhado agora) «CAPÍTULO II Contrato de formação «Artigo 25.º Contrato de formação desportiva Contrato de formação desportiva é o contrato celebrado entre uma entidade formadora e um formando, nos termos do qual aquela se obriga a prestar a este a formação adequada ao desenvolvimento da sua capacidade técnica e à aquisição de conhecimentos necessários à prática de uma modalidade desportiva, ficando o formando obrigado a executar as tarefas inerentes a essa formação.» «Artigo 26.º Formando 1 – Podem ser contratados como formandos os jovens que: a) Tenham cumprido a escolaridade obrigatória; b) Tenham idade compreendida entre 14 e 18 anos. 2 - (...)» «Artigo 35.º Prémio de formação A celebração, pelo praticante desportivo, do primeiro contrato como profissional com entidade empregadora distinta da entidade formadora confere a esta o direito a receber um prémio de formação de acordo com o disposto no artigo 22.º .» (sublinhado agora) «Artigo 37.º Liberdade de contratar A federação desportiva dotada de utilidade pública desportiva de cada modalidade pode estabelecer, por regulamento, limites quanto à possibilidade de participação do formando em competições oficiais em representação de mais de uma entidade formadora numa mesma época desportiva.» 6. A Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, veio, entretanto, estabelecer um novo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva, revogando o Decreto-Lei n.º 305/95 e dispondo, designadamente: «CAPÍTULO I Disposições gerais «Artigo 2.º Definições Para efeitos do presente diploma entende-se por: a) Contrato de trabalho desportivo aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta; b) Praticante desportivo profissional aquele que, através de contrato de trabalho desportivo e após a necessária formação técnico- -profissional, pratica uma modalidade desportiva como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma retribuição; c) Contrato de formação desportiva o contrato celebrado entre uma entidade formadora e um formando, nos termos do qual aquela se obriga a prestar a este a formação adequada ao desenvolvimento da sua capacidade técnica e à aquisição de conhecimentos necessários à prática de uma modalidade desportiva, ficando o formando obrigado a executar as tarefas inerentes a essa formação; d) (...) e) Entidade formadora as pessoas singulares ou colectivas desportivas que garantam um ambiente de trabalho e os meios humanos e técnicos adequados à formação desportiva a ministrar; f) Formando os jovens praticantes que, tendo cumprido a escolaridade obrigatória, tenham idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos e tenham assinado o contrato de formação desportiva, tendo por fim a aprendizagem ou o aperfeiçoamento de uma modalidade desportiva.» (sublinhados nossos) «Artigo 4.º Capacidade 1 – Só podem celebrar contratos de trabalho desportivo os menores que hajam completado 16 anos de idade e que reúnam os requisitos exigidos pela lei geral do trabalho. (...)» «CAPÍTULO II Direitos, deveres e garantias das partes «Artigo 18.º Liberdade de trabalho 1 – São nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual. 2 – Pode ser estabelecida por convenção colectiva a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo. 3 – A convenção colectiva referida no número anterior é aplicável apenas em relação às transferências de praticantes que ocorram entre clubes portugueses com sede em território nacional. 4 – O valor da compensação referida no n.º 2 não poderá, em caso algum, afectar de forma desproporcionada, na prática, a liberdade de contratar do praticante. 5 – A validade e a eficácia do novo contrato não estão dependentes do pagamento de compensação devida nos termos do n.º 2. 6 – A compensação a que se refere o n.º 2 pode ser satisfeita pelo praticante desportivo.» (sublinhado agora) «CAPÍTULO III Cedência e transferência de praticantes desportivos «Artigo 21.º Transferência de praticantes desportivos A transferência do praticante desportivo é regulada pelos regulamentos da respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º.» (sublinhado agora) «CAPÍTULO VI Contrato de formação desportiva «Artigo 31.º Capacidade 1 – Podem ser contratados como formandos os jovens que, cumulativamente, tenham: a) Cumprido a escolaridade obrigatória; b) Idade compreendida entre 14 e 18 anos. (...) 5 – O incumprimento dos requisitos previstos no presente artigo determina a anulabilidade do contrato.» «Artigo 38.º Compensação por formação A celebração, pelo praticante desportivo, do primeiro contrato de trabalho como profissional com entidade empregadora distinta da entidade formadora confere a esta o direito de receber uma compensação por formação, de acordo com o disposto no artigo 18.º.» (sublinhado agora) «Artigo 40.º Liberdade de contratar A federação de cada modalidade, dotada de utilidade pública desportiva, pode estabelecer, por regulamento, limites quanto à possibilidade de participação do formando em competições oficiais em representação de mais de uma entidade formadora numa mesma época desportiva.» 7. Na vigência deste diploma, a Federação Portuguesa de Futebol deliberou a seguinte alteração [19] ao artigo 5.º do seu Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores: «CAPÍTULO III Das Indemnizações Financeiras «Artigo 5.º 2. Poderão ainda transferir-se livremente no início de cada época os atletas com idades compreendidas entre os 8 a 10 anos. Para o efeito, os representantes legais do jogador devem apresentar, no acto da inscrição, um documento, com assinatura reconhecida presencialmente, onde se declare expressamente que têm conhecimento da regulamentação referente à inscrição e transferência do praticante, nos termos a divulgar em Comunicado Oficial da Federação Portuguesa de Futebol. 3. Poderão ainda transferir-se livremente os atletas com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos, desde que não tenham participado em qualquer competição oficial realizada no âmbito da F.P.F. ou das respectivas Associações na época anterior à transferência. 4. Nos casos referidos nos números 2 e 3, a transferência do atleta para o novo Clube implicará sempre o pagamento de uma compensação ao Clube formador, de acordo com a tabela em anexo, a depositar a favor do antigo Clube na FPF e simultaneamente dar conhecimento do referido depósito ao antigo Clube do Jogador e à respectiva Associação com cópia à FPF.» (sublinhado agora) «TABELA ANEXA NOS TERMOS DO ARTIGO 5.º
DO REGULAMENTO PARA A INSCRIÇÃO E TRANSFERÊNCIA DOS PRATICANTES AMADORES
«NOTA: As compensações indicadas na tabela são indexadas ao salário mínimo nacional em vigor no início da época a que diz respeito.» 8. Face a esta alteração, o Director do Centro de Estudos e Formação Desportiva representou ao Presidente da Federação Portuguesa de Futebol a necessidade de alteração do referido Regulamento, de modo a harmonizá-lo com a Lei n.º 28/98. A posição sustentada pelo Centro de Estudos e Formação Desportiva e por este transmitida à Federação Portuguesa de Futebol é do seguinte teor [20]: «A entrada em vigor da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, veio introduzir profundas alterações em matéria de transferência de praticantes desportivos, consequência necessária das transformações ocorridas no quadro jurisprudencial comunitário. «No âmbito do então n.º 2 do art.º 22.º do Dec-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, estatuía–se que "pode ser estabelecida, por convenção colectiva ou regulamento federativo, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização (...)", circunstância que não permitia estabelecer a necessária destrinça entre dois fenómenos, como o são, por um lado, a compensação pela formação e promoção e, por outro, os chamados pactos de opção ou leis de transferência. «Ao eliminar a referência aos regulamentos desportivos, o art.º 18.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, remeteu para a sede própria – as estruturas representativas dos praticantes desportivos profissionais e respectivas entidades patronais – o tratamento desta questão. «Deste modo, salvaguardando–se o princípio da liberdade contratual, distinguiram–se de forma inequívoca os casos em que a justa compensação é devida pela formação ministrada ao praticante daqueles que resultam de outras situações. «Trata–se, aliás, de uma solução já adoptada nos Estados Unidos da América e que, em sede da União Europeia, acompanha o estatuído pelo Acórdão Bosman que, como se sabe, constitui a consagração jurisprudencial da liberdade contratual dos praticantes desportivos profissionais. «Assim, no quadro normativo vigente, por força do citado n.º 2 do art.º 18.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização apenas pode resultar de convenção colectiva, sendo tal regime, nos termos do art.º 38.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, aplicável ao contrato de formação desportiva. «Nos termos do art.º 31.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, apenas podem ser contratados como formandos os jovens que, cumulativamente, tenham: a) Cumprido a escolaridade obrigatória; b) Idade compreendida entre 14 e 18 anos. «Face ao direito constituído, apenas se pode falar em direito à indemnização pela formação nos casos em que exista o respectivo contrato de formação com o formando. «Uma vez que os limites e forma a que obedece o contrato de formação têm natureza imperativa, não sendo a sua celebração possível com formandos de idade inferior a 14 anos, de igual forma não é possível exigir quanto aos mesmos uma compensação pela sua transferência, a qualquer título. «Como se sabe, têm natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas. Ou seja, as federações desportivas, enquanto titulares do estatuto de utilidade pública desportiva, estão vinculadas ao princípio da legalidade, sendo os actos praticados pelos seus órgãos sindicáveis nos termos do n.º 2 do art.º 8.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas. «Devem pois ser retiradas, no prazo de 90 dias, do Regulamento de Transferências da Federação a que V. Exa. preside todas as referências a mecanismos de compensação para os praticantes com idades inferiores a 14 anos.» IV 1. Por seu turno, a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo)[21], estabeleceu o quadro geral do sistema educativo. Depois de no Capítulo I (Âmbito e princípios) definir o sistema educativo como «o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade» (artigo 1.º) e de estabelecer os princípios gerais (artigo 2.º) e os princípios organizativos (artigo 3.º), esta lei dispõe, nomeadamente, no Capítulo II (Organização do sistema educativo): «Artigo 4.º (Organização geral do sistema educativo) 1 – O sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar. 2 – (...) 3 – A educação escolar compreende os ensinos básico, secundário e superior, integra modalidades especiais e inclui actividades de ocupação dos tempos livres. 4 – (...)» «Artigo 6.º (Universalidade) 1 – O ensino básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de nove anos. 2 – Ingressam no ensino básico as crianças que completem 6 anos de idade até 15 de Setembro. 3 – As crianças que completem os 6 anos de idade entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro podem ingressar no ensino básico se tal for requerido pelo encarregado de educação, em termos a regulamentar. 4 – A obrigatoriedade de frequência do ensino básico termina aos 15 anos de idade. 5 - (...)» «Artigo 8.º (Organizações) 1 – O ensino básico compreende três ciclos sequenciais, sendo o 1.º de quatro anos, o 2.º de dois anos e o 3.º de três anos, organizados nos seguintes termos: (...) 5 – A conclusão com aproveitamento do ensino básico confere o direito à atribuição de um diploma, devendo igualmente ser certificado o aproveitamento de qualquer ano ou ciclo, quando solicitado.» 2. No desenvolvimento do regime jurídico instituído pela Lei de Bases do Sistema Educativo, o Decreto-Lei n.º 301/93, de 31 de Agosto, estabeleceu o regime de matrícula e de frequência no ensino básico para as crianças [22] e jovens em idade escolar, dispondo, nomeadamente: «Artigo 2.º Obrigatoriedade de matrícula e de frequência 1 – A frequência do ensino básico é obrigatória para todas as crianças e jovens em idade escolar. 2 – Consideram-se em idade escolar as crianças e jovens entre os 6 e os 15 anos de idade. 3 – O ensino básico tem a duração de nove anos e compreende três ciclos sequenciais, sendo o 1.º ciclo de quatro anos, o 2.º ciclo de dois anos e o 3.º ciclo de três anos. 4 – A obrigatoriedade a que se refere o n.º 1 determina, para o encarregado de educação, o dever de proceder à matrícula do seu educando e, para este, o dever de frequência. 5 – A escolaridade obrigatória pode ser cumprida em escolas públicas ou em escolas particulares e cooperativas. 6 – A obrigatoriedade de matrícula e frequência cessa: a) Com a obtenção do diploma do ensino básico; b) Independentemente da obtenção do diploma, no final do ano lectivo em que os alunos perfazem 15 anos de idade, com excepção das situações em que é permitido o adiamento da matrícula. 7 – Tem carácter facultativo a frequência do ensino básico após a cessação da escolaridade obrigatória.» «Artigo 6.º Primeira matrícula 1 – A primeira matrícula no ensino básico é obrigatória em relação às crianças que completem 6 anos de idade até 15 de Setembro e realiza-se no primeiro ano do 1.º ciclo. 2 – A matrícula no ensino básico é efectuada na escola da área pedagógica da residência do aluno. (...) » V Feita esta incursão legislativa, aproximemo-nos da questão que nos ocupa, analisando a Lei n.º 28/98, à luz do Decreto-Lei n.º 305/95, por aquela revogado. A análise destes diplomas mereceu alargada atenção por parte de JOÃO LEAL AMADO, importando atentar no que o mesmo ponderou, pese embora a extensão do texto, cujas passagens mais significativas seguidamente se transcrevem. 1. Acerca do Decreto-Lei n.º 305/95 escreveu o Autor [23]: «Ao elaborar este diploma, o legislador não poderia furtar-se a equacionar o problema das chamadas «indemnizações de transferência». Esta figura, fortemente enraizada nos meios desportivos, consiste, basicamente, no seguinte: nos termos da regulamentação aplicável, normalmente elaborada pelas federações desportivas (nacionais e internacionais), mesmo depois de extinto o contrato de trabalho desportivo entre o praticante e a sua entidade empregadora, esta conserva direitos relativamente àquele, maxime o de ser indemnizada por qualquer novo clube que pretenda contratar o praticante; ou seja, o praticante desportivo só poderia mudar de clube (transferir-se), mesmo após a extinção do anterior contrato, caso encontrasse algum clube disposto a pagar a verba reclamada pela sua anterior entidade empregadora. E então, de duas uma: ou a indemnização era de tal modo elevada que afugentava os clubes potencialmente interessados, deixando ao praticante a «opção» entre continuar ligado ao anterior clube ou abandonar a profissão; ou surgia algum clube disposto a pagar a referida indemnização e a contratar o praticante, caso em que o encargo representado por tal indemnização não deixaria de incidir negativamente nas condições remuneratórias oferecidas a este último. «A figura das «indemnizações de transferência» analisa-se, pois, num expediente inequívoca e assumidamente limitador da liberdade de trabalho do praticante e redutor do seu bargaining power, sendo muito contestada pelos praticantes e seus representantes mas ciosamente defendida pelas federações e pelas ligas de clubes (...). «Importa (...) registar que o DL 305/95 consagrou o princípio da liberdade de trabalho no seu art. 22.º/1 (...), mas, do mesmo passo, admitiu expressis verbis as «indemnizações de transferência» no n.º 2 desse mesmo artigo.» Após salientar que, menos de um mês após a publicação do Decreto-Lei n.º 305/95, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, por acórdão de 15 de Dezembro de 1995, se pronunciou sobre o chamado caso Bosman, o Autor prossegue: «No que às «indemnizações de transferência» diz respeito, declarou o TJ: «O artigo 48.º do Tratado CEE opõe-se à aplicação de regras adoptadas por associações desportivas nos termos das quais um jogador profissional de futebol nacional de um Estado-membro, no termo do contrato que o vincula a um clube, só pode ser contratado por um clube de outro Estado-membro se este último pagar ao clube de origem urna indemnização de transferência, de formação ou de promoção.» «(...) “o que o art. 48.º do Tratado proíbe e o Tribunal de Justiça censura são os entraves à livre circulação dos trabalhadores/futebolistas entre os Estados-membros (isto é, interestadual) e não já os entraves à livre circulação dentro de cada Estado-membro (ou seja, intra-estadual)” (-).» As situações puramente internas, isto é, as actividades cujos elementos se circunscrevem ao território de um único Estado-membro, não são cobertas pelo princípio comunitário da livre circulação dos trabalhadores (-).» Nestas circunstâncias, «(...) havia que adaptar o DL 305/95 às novas realidades da “era Bosman”. Foi o que o Governo afirmou pretender fazer ao apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei visando o estabelecimento de um novo regime jurídico para o contrato de trabalho desportivo», na sequência da qual veio a surgir a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho. 2. Sobre a Lei n.º 28/98 disse o mesmo Autor [24]: «Na grande maioria das suas normas (...) limitou-se a reproduzir as soluções constantes do seu predecessor, pelo que, relativamente a este, as alterações introduzidas em 1998 foram poucas, conquanto de grande significado. Em todo o caso, a questão magna, a principal interrogação que se colocava ao legislador residia no tratamento a dar às “indemnizações de transferência” (...)», que haviam sido admitidas pelo DL n.º 305/95. «O legislador tentou encontrar uma resposta salomónica para esta questão, dando parcial satisfação aos diversos interesses envolvidos. Destarte, ao abrigo do art.º 18.º/2 da Lei 28/98, admite-se o estabelecimento da obrigação de pagamento de uma indemnização, «a título de promoção ou valorização do praticante desportivo (tal como sucedia à luz do diploma de 1995), mas agora tal sistema apenas pode ser estabelecido através de convenção colectiva de trabalho (e não também, como antes sucedia, por regulamento federativo). Ou seja, sim às «indemnizações de transferência», mas apenas se criadas através da contratação colectiva e nos exactos termos dessa convenção colectiva. Após a publicação da Lei n.º 28/98, ficou claro que, no âmbito da relação laboral desportiva, a liberdade de trabalho do praticante apenas poderá ser cerceada pelo mecanismo das «indemnizações de transferência» caso tal seja previsto na pertinente convenção colectiva, jamais em sede de regulamentação elaborada pela respectiva federação desportiva (-).» VI Realizada esta aproximação aos diplomas directamente atinentes à matéria em causa, cumpre aprofundar a respectiva análise. 1. Comecemos por interpretar a norma constante do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, com vista a determinar os seus sentido e alcance, de acordo com os critérios de interpretação da lei enunciados no artigo 9.º do Código Civil e elaborados pela doutrina. Para tanto, importa confrontar o teor daquela norma com o da equivalente do artigo 22.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 305/95, recuperando o teor de ambas: «Artigo 22.º Liberdade de trabalho 2 – Pode ser estabelecida, por convenção colectiva ou regulamento federativo, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo.» «Artigo 18.º 2 – Pode ser estabelecida por convenção colectiva a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo, à anterior entidade empregadora por parte da entidade empregadora desportiva que com esse praticante desportivo celebre, após a cessação do anterior, um contrato de trabalho desportivo.» Liberdade de trabalho Logo é de notar que, na sistemática dos respectivos diplomas, ambas as normas surgem inseridas em capítulos atinentes ao contrato de trabalho desportivo: o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 305/95 no Capítulo I (Contrato de trabalho desportivo) e o artigo 18.º da Lei n.º 28/98, no Capítulo II (Direitos, deveres e garantias das partes). Por outro lado, o cotejo da literalidade destas normas, constantes de preceitos subordinados à mesma epígrafe - Liberdade de trabalho -, evidencia que a segunda reproduz integralmente a primeira, excepto num único ponto, aliás, substancial: o segmento “ou regulamento federativo”, constante daquela, não figura nesta. É sabido que «o texto da lei forma o substracto de que deve partir e em que deve repousar o intérprete. Uma vez que a lei está expressa em palavras, o intérprete há-de começar por extrair o significado verbal que delas resulta, segundo a sua natural conexão e as regras gramaticais.» Assim, «as palavras hão-de entender-se na sua conexão, isto é, o pensamento da lei deve inferir-se do complexo das palavras usadas e não de fragmentos destacados, deixando-se no escuro uma parte da disposição.» [25] Noutra formulação, é dizer que «devemos distinguir uma apreensão literal do texto, que é o primeiro e necessário momento de toda a interpretação da lei, pois a letra é o ponto de partida», tendo presente que «não há nenhuma interpretação lógica que se separe da análise do texto» e que «a apreensão do sentido literal do texto é imediatamente acompanhada de uma elaboração intelectual mais ampla», entendida a «interpretação como uma operação incindível, que assenta num elemento gramatical ou literal e em elementos lógicos.» [26] Ora, do contexto verbal das normas em apreço resulta inequivocamente o sentido de que, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização só pode ser estabelecida por convenção colectiva - ao contrário do que sucedia na vigência do Decreto-Lei n.º 305/95, de acordo com cujo artigo 22.º, n.º 2, tal era também possível por regulamento federativo. Este entendimento é reforçado pela previsão do artigo 21.º da Lei n.º 28/98, segundo o qual «A transferência do praticante desportivo é regulada pelos regulamentos da respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º.» (sublinhado agora) Vale isto por dizer que, no âmbito da Lei n.º 28/98, as federações dotadas de utilidade pública desportiva só detêm poder regulamentar em matéria de transferência de praticantes desportivos no que não contrarie o disposto no artigo 18.º, maxime o estabelecido por convenção colectiva de trabalho. Deste modo, pode afirmar-se que, ao eliminar a referência a regulamento federativo, o artigo 18.º da Lei n.º 28/98 «remeteu para a sede própria - as estruturas representativas dos praticantes desportivos profissionais e respectivas entidades patronais - o tratamento da questão», com o que, «salvaguardando–se o princípio da liberdade contratual, distinguiram–se de forma inequívoca os casos em que a justa compensação é devida pela formação ministrada ao praticante daqueles que resultam de outras situações», conforme sustenta o Centro de Estudos e Formação Desportiva. Neste sentido se pronunciou JOÃO LEAL AMADO[27], ao precisar o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 28/98: «O art. 18.º/2 da Lei 28/98 não deixa, contudo, de introduzir uma importante modificação face ao art. 22.º/2 do DL 305/95. Se bem virmos, a redacção das duas normas é idêntica, com uma diferença: enquanto o anterior diploma admitia que as «indemnizações de transferência» fossem estabelecidas por convenção colectiva ou regulamento federativo, a actual lei apenas permite a respectiva instituição por aquela via e não já por esta – as «indemnizações de transferência» poderão ser criadas, é certo, mas apenas através de convenção colectiva de trabalho (-). Trata-se de uma solução análoga àquela que vigora em Espanha desde 1985 (-), da qual se extraem várias consequências práticas de grande significado, a saber: «Um sistema de «indemnizações de transferência» não poderá ser instituído através de regulamento federativo, muito menos através de regulamento aprovado no seio das ligas de clubes (-). «Colocando-se a lei, neste domínio, sob reserva de convenção colectiva, isto significa, atendendo ao nosso ordenamento juslaboral, que tais «indemnizações de transferência» apenas poderão ser criadas se existir uma associação sindical representativa dos praticantes desportivos em questão. Com efeito, a lei que regula a contratação colectiva no nosso país consagra o que alguns designam por monopólio sindical da contratação colectiva, ou seja, apenas as associações sindicais devidamente registadas poderão celebrar convenções colectivas de trabalho em representação dos trabalhadores (x). Quer isto dizer que, não havendo associação sindical, não pode haver convenção colectiva e, sem esta, não pode haver «indemnizações de transferência». Ora, no nosso país, de momento apenas existe uma associação sindical de praticantes desportivos – o sindicato de jogadores profissionais de futebol... (xx). «Neste ponto, a Lei 28/98 aproxima-se da solução oferecida pela lei espanhola. E, diga-se em abono da verdade (e do art. 18.º/2), a ideia de permitir o estabelecimento de restrições à mobilidade/liberdade dos praticantes desportivos, contanto que tais restrições sejam acordadas em sede de contratação colectiva, corresponde ao que se passa no país onde a indústria do desporto profissional mais e melhor se encontra implantada e desenvolvida: os Estados Unidos da América. Com efeito, no ordenamento norte- -americano os mecanismos limitativos da mobilidade/liberdade dos praticantes desportivos (os chamados player restraint systems, de que as «indemnizações de transferência» constituem apenas um exemplo) têm sido apreciados – e censurados – sob a óptica da legislação antitrust, enquanto restrições à livre concorrência. Todavia, desde que tais mecanismos sejam estabelecidos numa convenção colectiva e contem, portanto, com a anuência do sindicato respectivo, vigora a chamada nonstatutory labor exemption, pondo tais limitações a salvo do escrutínio das leis antitrust (-).» Precisando melhor o exacto âmbito da regra constante do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 28/98, interroga o Autor: «A exigência, nesta formulada, de que as «indemnizações de transferência» sejam estabelecidas por convenção colectiva de trabalho, e não por outras vias, vale em que situações?» Em resposta, afirma que o artigo 18.º, n.º 2, «aplica-se quando exista um praticante desportivo profissional, ou melhor, quando exista um contrato de trabalho desportivo a ligar atleta e entidade empregadora. É irrelevante, para estes efeitos, o estatuto jurídico- -desportivo da competição em causa ou a qualificação federativa do praticante. A competição pode não possuir um carácter profissional e/ou o atleta pode ser rotulado pela federação respectiva como amador ou não profissional, tudo isso é pouco ou nada importante para as leis do trabalho: decisivo é saber se aquele praticante tem uma relação laboral com aquele clube, isto é, se presta a sua actividade desportiva a outrem mediante retribuição e sob a sua autoridade e direcção (-).» E conclui: «Vale isto por dizer que o princípio segundo o qual as «indemnizações de transferência» apenas poderão ser estabelecidas por convenção colectiva vigora sempre que estejamos perante um praticante desportivo/trabalhador por conta de outrem; não só para o futebol e o basquetebol, mas também em casos como, por exemplo, os do andebol ou do hóquei em patins (isto para já não falar no ciclismo) onde, como é patente, boa parte dos praticantes que disputam os campeonatos das divisões superiores são trabalhadores. Sendo-o, gozam da liberdade de trabalho consagrada no n.º 1 do art. 18.º e usufruem também da garantia legal de que esta liberdade só poderá ser cerceada pelas «indemnizações de transferência» através do instrumento da contratação colectiva, nunca através de regulamentação federativa (xxx).» 2. Detenhamo-nos agora na interpretação das normas do artigo 31.º da Lei n.º 28/98, confrontando-as com as do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 305/95, cujo teor se recorda, na parte que interessa: «Artigo 31.º Capacidade 1 – Podem ser contratados como formandos os jovens que, cumulativamente, tenham: a) Cumprido a escolaridade obrigatória; b) Idade compreendida entre 14 e 18 anos. (...) 5 – O incumprimento dos requisitos previstos no presente artigo determina a anulabilidade do contrato.» «Artigo 26.º Formando 1 – Podem ser contratados como formandos os jovens que: a) Tenham cumprido a escolaridade obrigatória; b) Tenham idade compreendida entre 14 e 18 anos. 2 - (...)» Do cotejo destes artigos constata-se que as normas contidas no n.º 1 têm formulação idêntica, apenas com uma diferença: a redacção do corpo do n.º 1 do artigo 31.º da Lei n.º 28/98 inclui o advérbio cumulativamente, ausente da previsão do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 305/95, cuja devida interpretação já exigia, porém, a verificação cumulativa dos pressupostos nele enunciados. Por outro lado, enquanto este último preceito apenas continha dois números, aquele desdobra-se agora em cinco, com destaque para o novo n.º 5, que sanciona com anulabilidade o contrato de formação celebrado em violação dos requisitos estipulados nesse normativo. Segundo a alínea c) do artigo 2.º da Lei n.º 28/98, para efeitos deste diploma entende-se por «Contrato de formação desportiva o contrato celebrado entre uma entidade formadora e um formando, nos termos do qual aquela se obriga a prestar a este a formação adequada ao desenvolvimento da sua capacidade técnica e à aquisição de conhecimentos necessários à prática de uma modalidade desportiva, ficando o formando obrigado a executar as tarefas inerentes a essa formação», definição que reproduz a constante do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 305/95. E, de acordo com a alínea f) do mesmo artigo, entende-se por «Formando os jovens praticantes que, tendo cumprido a escolaridade obrigatória, tenham idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos e tenham assinado o contrato de formação desportiva, tendo por fim a aprendizagem ou o aperfeiçoamento de uma modalidade desportiva», definição esta não contemplada no Decreto-Lei n.º 305/95. Da apreensão literal destas normas e da elaboração intelectual que as acompanha, nos termos referidos, resulta que só os jovens com a escolaridade obrigatória cumprida e com idade entre os 14 e os 18 anos podem celebrar contrato de formação, isto é, só os jovens que preencham ambos os requisitos legais podem ser formandos. 3. Cabe analisar agora as normas relativas à transferência de praticantes desportivos e ao estabelecimento de uma indemnização. Quanto à primeira, deve observar-se que o Decreto-Lei n.º 305/95 não a contemplava, prevendo apenas a cedência do praticante desportivo, regulada nos artigos 17. e 18.º, inseridos no Capítulo I, relativo ao contrato de trabalho desportivo. Entretanto, a Lei n.º 28/98 veio prever expressamente ambas as figuras no Capítulo III, referente à cedência e transferência de praticantes desportivos, regulando-as nos artigos 19.º, 20.º e 21.º, de cuja disciplina resulta que as mesmas pressupõem um contrato de trabalho desportivo. Conclui-se, assim, que a figura da transferência é estranha ao âmbito do contrato de formação desportiva, regulado em capítulos autónomos daqueles dois diplomas, onde apenas se contém uma norma, de teor idêntico em qualquer deles, relativa à possibilidade de as federações dotadas de utilidade pública desportiva estabelecerem, por regulamento, limites quanto à possibilidade de participação do formando em competições oficiais, em representação de mais de uma entidade formadora numa mesma época desportiva (artigos 37.º do Decreto-Lei n.º 305/95 e 40.º da Lei n.º 28/98). No tocante ao estabelecimento de uma indemnização, importa atentar no disposto nos artigos 38.º da Lei n.º 28/98 e 35.º do Decreto- -Lei n.º 305/95. Estatui o primeiro: «Artigo 38.º Compensação por formação A celebração, pelo praticante desportivo, do primeiro contrato de trabalho como profissional com entidade empregadora distinta da entidade formadora confere a esta o direito de receber uma compensação por formação, de acordo com o disposto no artigo 18.º.» (sublinhado agora) Dispunha o segundo: «Artigo 35.º Prémio de formação A celebração, pelo praticante desportivo, do primeiro contrato como profissional com entidade empregadora distinta da entidade formadora confere a esta o direito a receber um prémio de formação de acordo com o disposto no artigo 22.º.» (sublinhado agora) Da comparação destes preceitos ressalta a sua identidade fundamental, apenas com diferenças de pormenor, sem relevância substancial, na designação da respectiva epígrafe e na remissão final para os artigos referentes ao estabelecimento da «obrigação de pagamento de uma justa indemnização», ambos, aliás, subordinados à mesma epígrafe (Liberdade de trabalho) - artigo 18.º da Lei n.º 28/98, e artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 305/95. Deste elemento literal de interpretação resulta, inequivocamente, que a compensação por formação devida pela celebração pelo formando do seu primeiro contrato de trabalho como praticante desportivo profissional, com entidade empregadora diferente da entidade formadora, só pode ser estabelecida por convenção colectiva, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98. VII Sendo a tarefa interpretativa una e incindível e assentando num elemento gramatical ou literal e em elementos lógicos, que a doutrina divide, tradicionalmente, em subelementos sistemático, histórico e teleológico, distinguindo, ainda, dentro do histórico, os precedentes normativos, os trabalhos preparatórios e a occasio legis, ou seja, todo o circunstancialismo social que rodeou o surgimento da lei [28], lancemos agora mão dos segundos para iluminar e fixar o sentido da lei atrás alcançado com recurso àquele primeiro elemento. 1. A Lei n.º 28/98 teve como antecedente a Proposta de Lei n.º 96/VII apresentada pelo Governo à Assembleia da República, em Maio de 1997 [29], em cuja Exposição de Motivos pode ler-se: «A recente aprovação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia do Acórdão Bosman veio pôr em crise as linhas fundamentais da regulamentação que rege o contrato de trabalho desportivo, nomeadamente no que se refere ao prazo dos referidos contratos e ao regime de transferência de praticantes.» Após salientar que o Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, publicado cerca de um mês antes da prolação daquele acórdão, «logo viu algumas das suas traves mestras ficarem prejudicadas pela doutrina expendida naquela importante decisão jurisdicional», a Exposição conclui que «importa, por isso, actualizar aquele regime jurídico, por forma a adaptá-lo aos princípios da livre circulação quando aplicados ao desporto (...).» 2. Sobre esta Proposta de Lei recaiu o relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura [30], de cujo texto interessa destacar a seguinte passagem do ponto «3 – Análise da proposta de lei»: «No âmbito das disposições gerais não constatamos diferenças assinaláveis na perspectiva formal entre a proposta de lei e o Decreto- -Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro (...). «Todavia, numa perspectiva material, depara-se-nos uma alteração assinalável no que concerne à liberdade de trabalho. Isto na medida em que o artigo 22.º, n.º 2, do decreto-lei em vigor dispõe: (...) [31]. «Ao invés, o artigo 18.º, n.º 2, da proposta de lei [32] não se refere ao estabelecimento da obrigação de pagamento mediante regulamento federativo, o que vale por dizer que a aprovação da proposta de lei implica a revogação dos actuais regulamentos federativos na parte em que estabeleçam indemnização aos clubes de origem em caso de transferência dos praticantes. (sublinhado agora) «No que diz respeito a alíneas novas, afigura-se-nos um novo dever da entidade formadora, consubstanciado na alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º: Proporcionar ao formando a frequência e a prossecução dos seus estudos.» [33] 3. A Proposta de Lei n.º 96/VII foi também objecto de relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social[34], elaborados em termos essencialmente coincidentes com os do relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura e de cujo texto importa também extractar a seguinte passagem do ponto «3 – Análise da proposta de lei»: «No âmbito das disposições gerais não constatamos diferenças assinaláveis na perspectiva formal entre a proposta e o Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro (...). «Todavia, numa perspectiva material, depara-se-nos uma alteração assinalável no que concerne à liberdade de trabalho. Isto na medida em que o artigo 22.º, n.º 2.º, do decreto-lei em vigor dispõe: (...) [35] «Ao invés, o artigo 18.º, n.º 2, da proposta de lei [36] não se refere ao estabelecimento da obrigação de pagamento mediante regulamento federativo. «No que diz respeito a alíneas novas, afigura-se-nos um novo dever da entidade formadora, consubstanciado na alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º: Proporcionar ao formando a frequência e a prossecução dos seus estudos.» [37] 4. Da discussão na generalidade desta proposta de lei releva destacar alguns passos de intervenções então produzidas. Assim, o Secretário de Estado do Desporto, Miranda Calha, salientou, nomeadamente, que o diploma: «Prevê a possibilidade de indemnizações, a título de promoção ou valorização do praticante, nos termos a estabelecer por convenção colectiva e apenas, repito, por convenção colectiva. «Prevê – e convém sublinhar este aspecto – a possibilidade de uma compensação por formação, quando a entidade empregadora for distinta da entidade formadora, neste caso também nos termos a estabelecer por convenção colectiva. «De qualquer modo, as alterações que introduzimos em termos de liberdade de trabalho, isto é, de contratação colectiva nesta matéria, tudo o que tivemos em consideração, como (...) a possibilidade da existência de contratos de formação com alargamento dos prazos respectivos, a questão do pagamento das compensações pela formação regulada por convenção colectiva, tudo isto constitui dispositivos que visam precisamente proteger não só os clubes como os próprios atletas. «O Sr. Deputado colocou a questão de saber como se justifica o pagamento de indemnização pelo investimento em formação no caso das sociedades desportivas (...). «Ora, penso que essa ponderação existe através do sistema da convenção colectiva. «(...) este princípio, que, aliás, perpassa todo o documento, afasta a questão da regulamentação imposta anteriormente por regulamentos federativos porque o próprio Acórdão Bosman implica que se dê o esvaziamento desse tipo de regulamentações. Como tal, a existência daquele acórdão levará a que tudo o que perpassa a nossa actual legislação, isto é, a procura de uma convenção colectiva, constitua um princípio importante no desenvolvimento da formação dos jovens praticantes desportivos que, de hoje para amanhã, virão a ser profissionais e que estabelecerão os seus próprios contratos a nível de participação desportiva.» [38] Por seu turno, o Deputado Luís Marques Guedes (PSD), após tecer algumas críticas, referiu: «A proposta de lei agora apresentada contém alguns aspectos que consideramos positivos, dos quais destacamos (...) a convenção colectiva, que deverá merecer das entidades envolvidas a concertação e o diálogo permanente que permita, por um lado, a defesa dos interesses dos praticantes desportivos e, por outro, os clubes que fazem verdadeiramente formação.» [39] 5. Do relatório e texto final da Comissão de Educação, Ciência e Cultura [40], relativo à votação na especialidade da proposta de lei em apreço, bem como das propostas de alteração, substituição e eliminação entretanto apresentadas, resulta, nomeadamente, a seguinte votação: artigo 2.º, alínea c) (contrato de formação desportiva) - aprovada por unanimidade; artigo 2.º, alíneas e) (entidade formadora) e f) (formando) – aprovadas por maioria; artigo 18.º (liberdade de trabalho) – aprovado por maioria; artigo 21.º (transferência de praticantes desportivos) – aprovado por unanimidade [41]; artigos 31.º (capacidade) e 38.º (compensação por formação) - aprovados por unanimidade [42]. 6. A parte extractada dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 28/98 é, por si só, decisivamente elucidativa, quer do condicionalismo gerador da lei, quer da intenção do legislador em limitar a possibilidade de uma «indemnização de transferência» ao caso de esta ser estabelecida por convenção colectiva, tanto para os praticantes desportivos profissionais, como para os formandos – com a inexorável consequência daí decorrente do «esvaziamento» ou «revogação» da regulamentação federativa que estabeleça a obrigação de pagamento de tal indemnização. VIII 1. Concluída esta tarefa interpretativa, estamos agora apetrechados para responder à questão colocada. Recordando-a, consiste ela em averiguar da legalidade ou não da nova redacção da norma do n.º 4 do artigo 5.º do Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores da Federação Portuguesa de Futebol que impõe aos atletas com idade compreendida entre os 8 e os 14 anos o pagamento de uma compensação ao clube formador, no caso de transferência para novo clube. De tudo quanto ficou exposto e se considera alcançado, forçoso é concluir que a resposta só pode ser negativa. Com efeito, no regime da Lei n.º 28/98: A qualidade de formando só pode ser adquirida pelos jovens que: a) reúnam os seguintes requisitos cumulativos: escolaridade obrigatória cumprida e idade compreendida entre os 14 e os 18 anos; b) celebrem um contrato de formação desportiva com uma entidade formadora. A compensação por formação só é devida no caso do primeiro contrato de trabalho como praticante desportivo profissional celebrado pelo formando com entidade empregadora distinta da entidade formadora. Só podem celebrar contratos de trabalho desportivo como profissionais os menores que hajam completado 16 anos de idade e reúnam os requisitos exigidos pela lei geral do trabalho. A compensação por formação que, nesse caso, a entidade empregadora tem direito a receber só pode ser estabelecida por convenção colectiva. A transferência de praticantes desportivos pressupõe um contrato de trabalho desportivo, sendo, por isso, estranha ao contrato de formação desportiva e, por maioria de razão, à mudança de clube por parte dos jovens com idade inferior a 14 anos. Esta disciplina legal repousa numa consideração de fundo. Tal como o direito ao desporto, o direito ao ensino, consagrado no artigo 74.º, n.º 1, da Constituição, constitui um direito fundamental dos cidadãos, incumbindo ao Estado, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, «assegurar o ensino básico, universal, obrigatório e gratuito». Como atrás vimos, segundo o regime jurídico instituído pela Lei de Bases do Sistema Educativo e desenvolvido pelo Decreto-Lei n.º 301/93, o ensino básico é obrigatório para todas as crianças e jovens entre os 6 e os 15 anos de idade, tem a duração de nove anos e compreende três ciclos sequenciais, sendo a primeira matrícula obrigatória para as crianças com 6 anos de idade e cessando a obrigatoriedade de matrícula e frequência com a obtenção do diploma do ensino básico ou, independentemente disso, no final do ano lectivo em que os alunos perfazem 15 anos de idade. Neste quadro legal, é manifesto, porque inerente à natureza das coisas, que a conclusão do ensino básico, ainda que sempre frequentado com aproveitamento, nunca poderá ocorrer antes dos 14 anos de idade. Assim, ao regular o contrato de formação desportiva, estabelecendo como requisitos cumulativos da sua válida celebração o cumprimento da escolaridade obrigatória e a idade compreendida entre os 14 e os 18 anos, o legislador não podia eximir-se a assegurar os direitos fundamentais em causa e os correlativos deveres do Estado, e de, na ponderação dos interesses em confronto, nessa faixa etária, conciliar o exercício dos direitos ao ensino e ao desporto, privilegiando o primeiro, em obediência ao imperativo constitucional e legal da obrigatoriedade de frequência do ensino básico e dos respectivos duração, início e termo [43]. Deste modo, como se ponderou no citado parecer n.º 90/88, impôs-se ao legislador «uma hierarquização de valores, tendo como resultado a exclusão de situações que, podendo, à partida, apresentar- -se como merecedoras de tutela, não foram na hipótese contempladas»[44], pelo que a configuração legal do contrato de formação desportiva representa a disciplina máxima que o legislador entendeu possível consagrar, nos limites impostos pelos ditames constitucional e legal. Esta consideração evidencia a ilegitimidade de, por regulamento federativo, estender aos menores com idade inferior a 14 anos o regime de compensação por formação previsto para os formandos - tanto mais que, mesmo em relação a estes, tal só é possível mediante convenção colectiva. Em suma: do regime legal em vigor decorre, directa e necessariamente, que, não podendo ser contratados como formandos jovens com idade inferior a 14 anos, não pode também ser estabelecida, por via regulamentar, a obrigação de pagamento de qualquer compensação ao clube anterior, no caso de esses menores se mudarem para um novo clube, o que representaria uma ilegítima restrição da sua liberdade de acção. 2. Nestes termos, carece de fundamento a interpretação segundo a qual, reportando-se o artigo 31.º a jovens com idade compreendida entre 14 e 18 anos, existe um vazio legal relativamente a jovens com idade inferior, nomeadamente aos que tenham idade compreendida entre 8 e 14 anos, para efeito de, nos termos constantes da alteração ao artigo 5.º do Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores da Federação Portuguesa de Futebol, ser lícita a estatuição da obrigação do pagamento de uma compensação ao clube formador, em caso de transferência para novo clube. Com efeito, não existe nenhum vazio normativo, nenhuma lacuna da lei, nenhum caso omisso carecido de integração, e, muito menos, por via de regulamentação federativa [45]. Como anotam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[46], o artigo 10.º do Código Civil «regula a integração das lacunas da lei - - sendo as suas disposições aplicáveis apenas quando haja caso omisso. O caso omisso é realidade diferente do simples caso não regulado, pois abrange apenas a situação que, sendo juridicamente relevante, não constitui objecto de nenhuma disposição legal.» (sublinhado agora) Esta ideia logra expressão e desenvolvimento na doutrina de diversos autores nacionais e estrangeiros. Na noção fornecida por JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO[47], «lacuna é uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste. Necessário é porém que acentuemos que essa contradição é objectiva, e que há lacunas no sistema jurídico propositadamente abertas pelo legislador. «A própria afirmação da existência de lacunas resulta assim duma tarefa de valoração. Só valorando nós poderemos dizer se determinada ausência de disciplina contraria ou não o plano ou a concepção do sistema jurídico (-).» [48] Também MÁRIO BIGOTTE CHORÃO[49], ao explicitar a definição de lacuna, sustenta que «Para que se verifique uma lacuna em sentido próprio é ainda necessário que a falta de regulamentação seja contrária ao plano ordenador do sistema jurídico». E acrescenta que «não se pode dizer que ocorra uma lacuna em sentido próprio se existe uma norma que se reputa inadequada (inoportuna, insatisfatória ou injusta) à regulação do caso. Não falta então a norma: apenas esta não é o que deveria ser, dando-se como que uma antinomia lato sensu, resultante, precisamente, do contraste entre a regulamentação vigente e aquela que se tem por desejável.» Estaremos, então, perante as «chamadas lacunas impróprias, falsas lacunas, pseudolacunas, lacunas fictícias, políticas, deontológicas, ideológicas, etc. Contrapõem-se-lhes justamente as lacunas próprias (...).» Para KARL LARENZ [50], «não existe uma lacuna (...) quando a lei quis regular conclusiva e exaustivamente uma determinada questão (...), naqueles casos em que o silêncio da lei é “eloquente”». E, mais adiante: «uma lacuna da lei (de lege lata) existe sempre e só quando a lei, a avaliar pela sua própria intenção e imanente teleologia, é incompleta e, portanto, carece de integração, e quando a sua integração não contradiz uma limitação (a determinados factos previstos) porventura querida pela lei. O mesmo se pode exprimir dizendo que se tem de tratar duma incompletude contrária ao plano do legislador.» (sublinhados nossos) Por seu turno, KARL ENGISCH [51], reportando-se «ao momento ou aspecto da incompletude “insatisfatória”, da incompletude “contrária a um plano”, escreve, impressivamente, que «não podemos falar duma lacuna no Direito (positivo) logo que neste não exista uma regulamentação cuja existência nos representamos. Não nos é lícito presumir pura e simplesmente uma determinada regulamentação, antes temos que sentir a sua falta, se queremos apresentar a sua não- -existência como uma “lacuna”. Mas a inexistência da regulamentação em causa pode corresponder a um plano do legislador ou da lei, e então não representa uma “lacuna” que tenha de se apresentar sempre como uma “deficiência” que estamos autorizados a superar. Uma tal inexistência planeada de certa regulamentação (propriamente uma regulamentação negativa) surge quando uma conduta, cuja punibilidade nós talvez aguardemos, “consciente e deliberadamente”, não é declarada como punível pelo Direito positivo. Se esta impunidade nos cai mal, podemos falar na verdade de uma “lacuna político-jurídica”, de uma “lacuna crítica”, de uma “lacuna imprópria”, quer dizer, de uma lacuna do ponto de vista de um futuro Direito mais perfeito (“de lege ferenda”); não, porém, de uma lacuna autêntica e própria, quer dizer, duma lacuna no Direito vigente (“de lege lata”). Uma lacuna de lege ferenda apenas pode motivar o poder legislativo a uma reforma do Direito, mas não o juiz a um preenchimento da dita lacuna. A colmatação judicial de lacunas pressupõe uma lacuna de lege lata.» Neste preciso sentido se pronunciou já, por diversas vezes, este corpo consultivo [52], a propósito da diferenciação entre lacuna ou caso omisso e simples caso não regulado. Conforme se ponderou no parecer n.º 35/93, «nem todos os “silêncios” da lei são lacunas, havendo silêncios que são significativos, traduzindo, por isso, uma “resposta” da lei a certa questão de direito.» «Há, assim, casos em que a inexistência de regulamentação pode corresponder a um plano do legislador ou da lei, e então a mesma não representa uma “deficiência” que o intérprete esteja autorizado a superar.» E como se disse no parecer n.º 90/88, «para se poder afirmar a existência de uma lacuna não basta deparar com uma situação desprovida de regulamentação jurídica, com uma situação que se possa considerar, em abstracto, susceptível de tratamento jurídico.» «Indispensável se torna que a falta de regulamentação seja contrária ao plano ordenador do sistema jurídico.» «Dito de outro modo: é preciso que o tratamento da situação seja exigido pelo ordenamento jurídico concreto.» Esta mesma doutrina foi reafirmada no parecer n.º 70/99. 3. Ora, revertendo ao caso em apreço, da interpretação da lei resulta clara e inequivocamente a vontade do legislador em limitar a possibilidade de pagamento de uma indemnização, a título de compensação por formação, a estabelecer por convenção colectiva, às situações em que jovens com escolaridade obrigatória cumprida e com idade compreendida entre os 14 e 18 anos, que tenham celebrado um contrato de formação desportiva, venham a celebrar o primeiro contrato de trabalho, como praticantes desportivos profissionais, com entidade empregadora distinta da entidade formadora. Deste modo, contraria a lei e o manifesto plano do legislador, nela vertido, o regulamento que estenda a obrigatoriedade do pagamento dessa indemnização a jovens com idade inferior a 14 anos, os quais não podem adquirir a qualidade de formandos, desde logo, por impossibilidade natural de preenchimento dos requisitos legalmente exigidos para o efeito. IX Nos termos da lei e do artigo 1.º, n.º 1, dos respectivos Estatutos, a Federação Portuguesa de Futebol é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos. A Federação Portuguesa de Futebol foi declarada de utilidade pública, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro [53]. Subsequentemente, foi-lhe concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril [54]. Este estatuto atribuiu à Federação Portuguesa de Futebol, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública (artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 1/90 e artigos 7.º e 8.º, n.º 1, do Decreto- -Lei n.º 144/93). Referindo-se ao exercício privado de tarefas administrativas e às associações privadas com funções públicas expressamente mencionadas pela Constituição no artigo 267.º, n.º 6 («entidades privadas que exerçam poderes públicos»), VITAL MOREIRA [55] aponta as federações desportivas entre os casos mais generalizados de funções administrativas a cargo de entidades privadas, considerando que as «federações desportivas oficialmente reconhecidas como pessoas colectivas de utilidade pública desportiva são, pois, hoje inequivocamente uma instância de auto-regulação pública do desporto», ou seja, «organismos de direito privado, que, por delegação legislativa, detêm funções públicas e exercem poderes administrativos»[56]. Isto mesmo foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo [57], ao afirmar que a Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo), «embora condicionada à concessão do estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva, procedeu a uma verdadeira devolução ou delegação de poderes normativos do Estado às federações desportivas no campo regulamentar e disciplinar e outros de natureza pública, em termos de tais entes, embora pessoas colectivas de direito privado, haverem de ser hoje considerados, mormente após a publicação do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril (regime jurídico das federações desportivas), como verdadeiras instâncias de auto-regulação pública do desporto.» Detendo-se na análise da autonomia regulamentar e do sentido e fundamento dos regulamentos autónomos, diz VITAL MOREIRA [58] que «Num sentido estrito, devem considerar-se como regulamentos autónomos somente os emitidos pelos organismos de administração autónoma, como expressão da sua autodeterminação e do seu autogoverno.» Assim, «(...) os regulamentos autónomos são expressão da “autodeterminação” na realização dos interesses próprios, uma espécie de “autolegislação” democraticamente legitimada, mas necessariamente limitada quanto ao objecto (que há-de caber dentro das funções do ente público emitente) e quanto aos seus destinatários (que, em princípio, se hão-de limitar ao círculo dos interessados que são titulares da administração autónoma). Isso aponta para um regime específico dos regulamentos autónomos face ao regime geral dos regulamentos do Estado. Por exemplo, enquanto é de excluir uma reserva de regulamento governamental face à lei, já tem de se admitir a possibilidade de uma reserva de regulamento autónomo, insusceptível de ser invadida pela lei (-).» Debruçando-se, depois, sobre os regulamentos autónomos e a lei, refere o mesmo Autor [59] que os regulamentos autónomos serão normalmente regulamentos independentes, no sentido constitucional, mas também podem ser regulamentos executivos ou complementares, quando se trate de dar execução a uma específica incumbência legal. E acrescenta: «Em todo o caso, os regulamentos autónomos, tal como os demais regulamentos, têm de respeitar a reserva de lei, não podendo incidir sobre matérias reservadas à competência legislativa da AR ou à competência da lei em geral. Essa interdição não pode ser superada pela própria lei, mediante uma autorização de intervenção regulamentar em vez da lei.» (sublinhado agora) «No caso da administração autónoma não territorial a reserva de lei é, juntamente com a tutela, um dos instrumentos de garantia do interesse geral contra o perigo de uma regulamentação corporativista», sendo que, quanto ao respectivo regime, os «regulamentos autónomos estão, em princípio, sujeitos a todas as regras constitucionais e legais que regem o exercício do poder regulamentar (...).» Nesta linha se pronuncia J. J. GOMES CANOTILHO [60] quando, a propósito do princípio da reserva de lei e da delimitação da competência regulamentar autónoma, refere que «(...) na medida em que os regulamentos autónomos são justificados pela ideia de autonomia, que outra coisa não é senão uma expressão do princípio de auto-determinação, eles podem abarcar todos os assuntos específicos da sua competência. Exceptuam-se, porém, dois casos especialmente importantes: (1) os regulamentos autónomos não podem, sem especial autorização legal, interferir nos direitos fundamentais dos cidadãos ou regular relações jurídicas que ultrapassem a simples dimensão territorial ou grupal (...); (2) os regulamentos autónomos (...) estão sujeitos a reserva de lei, quando agirem como instâncias de execução do âmbito estadual (há, assim, que delimitar, rigorosamente, o dualismo de tarefas).» E, mais adiante, ao referir-se aos regulamentos dos entes autónomos, acrescenta este Autor que a lei «não pode eliminar o próprio núcleo essencial de reserva autónoma regulamentar (-). Nesse sentido, os regulamentos dos entes autónomos são (...) subordinados à lei, mas esta encontra limites inderrogáveis na natureza ordenamental autónoma (reserva do núcleo essencial da regulação autonómica como limite da preferência, precedência e reserva de lei)», sendo certo, porém, que «os regulamentos autónomos nunca poderão substituir a lei e muito menos ocupar espaços constitucionalmente reservados à lei.» Também para MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA [61] «Matérias há em que as normas regulamentares não podem ir além da mera execução ou pormenorização de disciplina normativa contida em lei anterior; é o que se passa em relação às matérias que a Constituição reservou ao Poder Legislativo (...); trata-se do chamado - por AFONSO QUEIRÓ - domínio legislativo «por natureza», onde a Administração não pode, portanto, dispor sobre conflitos de interesses, devendo limitar-se, quando necessário, a tornar exequível a disciplina contida na lei, mediante os correspondentes regulamentos de execução (-).» [62] Por outro lado e como dá conta VITAL MOREIRA [63], também a «jurisprudência constitucional é no sentido de que a reserva de lei parlamentar é um limite ao poder regulamentar local, pelo que nessas matérias só são pensáveis regulamentos de pura execução. Tal é a decisão do AcTC n.º 74/84 [64], onde se lê: “Esse poder regulamentar o das autarquias locais tem porém como limite o domínio reservado à lei. Aí só é permitida a intervenção do legislador ou a do Governo quando munido de autorização legislativa. O regulamento – designadamente o dos órgãos autárquicos – só é aí permitido quando for de simples execução.”» Na mesma linha, podem ainda invocar-se, v. g., os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 307/88, de 21 de Dezembro, e n.º 174/93, de 17 de Fevereiro[65], cujas pronúncias, emboras proferidas, à semelhança daquele, no âmbito do poder regulamentar local, colhem igual pertinência relativamente ao poder regulamentar autónomo de base não territorial. X Detendo a Federação Portuguesa de Futebol, nos termos da lei, poderes públicos de regulamentação, impõe-se indagar se estes legitimam a emissão da norma do n.º 4 do artigo 5.º do Regulamento para Inscrições e Transferência dos Praticantes Amadores da Federação Portuguesa de Futebol, tal como formulada na alteração deliberada em Assembleia Geral. 1. Segundo o artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 1/90, «O estatuto de utilidade pública desportiva é o instrumento por que é atribuída a uma federação desportiva a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública», dispondo o n.º 2 que a concessão desse estatuto será regulada por diploma próprio. 2. Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 144/93, «O estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente previstos na lei.» Conforme o n.º 1 do artigo 8.º deste diploma, «Têm natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados.» E o artigo 21.º dispõe que «Para além de outras que se mostrem necessárias, as federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem elaborar regulamentos que contemplem» as matérias nele enunciadas. 3. Por outro lado, o artigo 21.º da Lei n.º 28/98, referente à «Transferência de praticantes desportivos», estatui que «A transferência do praticante desportivo é regulada pelos regulamentos da respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º.» E o artigo 40.º desta lei, sob a epígrafe «Liberdade de contratar», preceitua que «A federação de cada modalidade, dotada de utilidade pública desportiva, pode estabelecer, por regulamento, limites quanto à possibilidade de participação do formando em competições oficiais em representação de mais de uma entidade formadora numa mesma época desportiva.» 4. O Decreto-Lei n.º 305/95, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 1/90 (Lei de Bases do Sistema Desportivo), foi editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 85/95, de 31 de Agosto, ou seja, em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Por sua vez, a Lei n.º 28/98 foi também editada pela Assembleia da República ao abrigo da sua reserva relativa de competência legislativa, conforme dela logo decorre, ao invocar expressamente, entre outras, a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, relativa a “direitos, liberdades e garantias”. Nesta sede, o alcance da reserva de competência legislativa implica «um nível mais exigente, em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada à AR» [66]; por outro lado, nos termos do artigo 17.º da Constituição, o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Título II da Parte I e aos direitos fundamentais de natureza análoga, entre os quais se conta o direito de todos os cidadãos à cultura física e ao desporto, consagrado no n.º 1 do artigo 79.º da Lei Fundamental [67]. Balizado pela autorização legislativa ao abrigo da qual foi editado, o Decreto-Lei n.º 305/95, ao dispor no n.º 2 do artigo 22.º que «pode ser estabelecida, por convenção colectiva ou regulamento federativo, a obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo (...)», operou um reenvio ou remissão normativa, consistente «no facto de a lei remeter para a Administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida» [68] A propósito desta figura, escreveu-se no Parecer n.º 34/84, invocado na nota precedente: «Através desta remissão normativa a lei prossegue dois objectivos: - Autorização ou habilitação da Administração para editar regulamentos de execução e complementares (função habilitante); - Execução ou complementação material da norma legal (função normativa). «Não pode porém olvidar-se a existência de limites aos poderes de normação regulamentar executiva ou complementar da administração. Assim: a) O citado n.º 5 [69] proíbe actos integrativos das leis, proibição que no caso de regulamentos executivos e complementares só pode querer significar que o poder exercido pela Administração é um poder regulamentar próprio e não uma «delegação» de poder legislativo feita pela norma legal habilitante (...). b) A própria lei reenviante está sujeita aos limites constitucionais da reserva de lei (cfr. artigos 167.º e 168.º), não podendo demitir-se da regulamentação do «núcleo essencial das matérias e da fixação de critérios disciplinadores básicos. c) A remissão legal é uma remissão condicionada porque (...) o reenvio pressupõe a limitação das normas reenviadas à regulamentação de todo o indispensável, mas só do indispensável (...). d) O reenvio normativo para regulamentos não implica o reconhecimento legal de uma reserva de regulamento, já que a lei pode sempre, e em qualquer momento, estender a normação legal ao espaço ocupado pela normação regulamentar(-).» Nestes termos e de acordo com a doutrina e a jurisprudência atrás indicadas, à Federação Portuguesa de Futebol mais não era permitido do que a emissão de normas regulamentares executivas ou complementares na medida do estritamente indispensável à concretização do regime consignado no n.º 2 do artigo 22.º do Decreto- -Lei n.º 305/95, a cuja disciplina devia obedecer a fixação do prémio de formação previsto no artigo 35.º do mesmo diploma. 5. Tal não sucede, porém, no quadro da Lei n.º 28/98, a qual não confere às federações desportivas qualquer poder de regulamentação complementar nesta matéria. Com efeito, versando sobre matéria de reserva relativa de lei - - v. g., liberdade de trabalho, liberdade de contratar -, o n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 28/98 remeteu a possibilidade de estabelecimento da «obrigação de pagamento de uma justa indemnização, a título de promoção ou valorização do praticante desportivo» apenas para o âmbito de convenção colectiva, à qual deve obedecer a fixação da compensação por formação prevista no artigo 38.º, o que é reforçado pelo disposto no artigo 21.º, segundo o qual «A transferência do praticante desportivo é regulada pelos regulamentos da respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º.» (sublinhado agora). Ou seja: no quadro da Lei n.º 28/98 e em matéria de transferências de praticantes desportivos, a Federação Portuguesa de Futebol apenas detém competência regulamentar quanto ao estabelecimento das regras a que devem obedecer as transferências, nelas incluída a previsão de eventuais restrições à mudança de clube, posto que sempre nos limites impostos pela Constituição e pela lei. Nunca, porém, relativamente à fixação de qualquer montante indemnizatório, seja quanto a praticantes desportivos profissionais, vinculados por um contrato de trabalho, seja quanto a praticantes desportivos amadores, vinculados por um contrato de formação desportiva [70], casos em que regerá sempre a convenção colectiva. Quanto à juridicidade das eventuais relações entre os clubes e os menores com idade inferior a 14 anos, não cabe a este Conselho pronunciar-se, por se tratar de matéria alheia ao objecto da presente consulta. XI 1. Como refere JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU [71], um regulamento «pode ser, ao mesmo tempo, inconstitucional e ilegal (...), podendo estar, por isso, sujeito aos controlos próprios, quer da constitucionalidade, quer da legalidade.» [72] Segundo o mesmo Autor[73], quanto ao controlo da constitucionalidade, «São inconstitucionais os regulamentos que infrinjam normas ou princípios consagrados na Constituição (cfr. art. 277.º, n.º 1, da CRP). Sofrem, nomeadamente, de inconstitucionalidade os regulamentos que violem normas constitucionais de competência (-), de processo (ou procedimento) e de forma (-), ou cujo conteúdo contrarie o conteúdo normativo de normas ou princípios da lei constitucional (-).» Quanto ao controlo da legalidade, «Com a entrada em vigor do ETAF (...), os regulamentos podem ser impugnados directamente, a fim de serem declarados ilegais (por incompetência, vício de procedimento ou de forma, ou por o seu conteúdo contrariar fontes jurídicas superiores).» 2. A norma do n.º 4 do artigo 5.º do Regulamento para Inscrição e Transferência dos Praticantes Amadores da Federação Portuguesa de Futebol, na sua nova redacção, ao estatuir que a transferência dos atletas com idades compreendidas entre os 8 e os 14 anos para o novo clube implicará sempre o pagamento de uma compensação ao clube formador, indexada ao salário mínimo nacional em vigor no início da época a que diz respeito, introduz uma disciplina inovadora que viola o regime instituído pela Lei n.º 28/98 nos artigos 18.º, n.º 2, 31.º, n.º 1, 38.º e 40.º, pelo que enferma de ilegalidade. No entanto, conforme atrás referido [74], a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, que aprovou a nova redacção do artigo 5.º do Regulamento em apreço, condicionou a sua entrada em vigor à emissão de parecer favorável do Centro de Estudos e Formação Desportiva, o qual já se manifestou em sentido contrário. Assim, caso a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol não decida revogar a deliberação que aprovou a nova redacção da norma regulamentar em causa e esta venha a entrar em vigor, a mesma será impugnável através do recurso previsto no artigo 51.º, n.º 1, alínea q), do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril. 3. Por outro lado e na medida dessa normação inovatória, o n.º 4 do artigo 5.º do mesmo Regulamento afronta também o princípio de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrado no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, «infracção essa que não pode legitimar-se no entendimento de que, inexistindo disciplina legislativa suficiente na matéria, se mostra eventualmente necessária uma intervenção normativa regulamentar», conforme decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 74/84[75], pelo que padece de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito e como diz MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA [76], «para qualificar um regulamento como organicamente inconstitucional é necessário que ele represente a violação de uma norma constitucional sobre competência (...). «Para que se diga que um regulamento provém dum órgão constitucionalmente incompetente, é necessário (...) que haja, por parte do autor do regulamento, uma invasão da esfera que a Constituição reserva à produção normativa de outro órgão ou função (-).» «Assim, o regulamento está ferido de inconstitucionalidade orgânica quando criar disciplina normativa em matérias reservadas à exclusiva competência do legislador (...).» Neste contexto, importa também ter presente o acórdão n.º 17/85, do Tribunal Constitucional [77], segundo o qual: «(...) um decreto-lei que seja publicado no uso de uma autorização legislativa (...) e se não subordina à correspondente lei fica submetido, sem margem para dúvidas, ao julgamento deste Tribunal. É que, como já se pôs em destaque no Ac. 88/84, nessas situações tal decreto-lei não só infringe a norma interposta (a da lei de autorização ... ) e, indirectamente, o n.º 2 do art. 115.º [78] da Constituição (norma definidora da hierarquia dos actos normativos), como ainda, enquanto versa, sem apoio legal, matéria de lei, viola, directa e autonomamente, o art. 167.º ou o art. 168.º [79] da lei fundamental. «Identicamente se passam as coisas na hipótese de um decreto regulamentar que viole o decreto-lei regulamentado em matéria reservada à lei ou na de um qualquer regulamento ilegal que ofenda materialmente a Constituição. «Em todos estes casos, na verdade, para além da violação da norma interposta, existe ofensa directa e autónoma da Constituição.» Certo que, pelo Acórdão n.º 472/89, de 12 de Julho de 1989 [80], o Tribunal Constitucional, reconhecendo, embora, que as federações desportivas, em geral, e a Federação Portuguesa de Futebol, em particular, não são associações públicas, tendo antes a natureza de pessoas colectivas de direito privado, ainda que de utilidade pública, não conheceu do pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas constantes de artigos do Estatuto e do Regulamento Disciplinar daquela Federação, por incompetência do Tribunal, considerando que «nem os Estatutos da FPF nem o respectivo Regulamento Disciplinar decorrem de qualquer devolução de poder normativo público». «Assim sendo, nem o artigo 86.º desses Estatutos, nem o artigo 86.º desse Regulamento são normas “públicas” (normas editadas por um poder normativo público), donde que não possam ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, de cujo poder de jurisdição estão excluídas as normas provenientes da autonomia privada». Entretanto e como salienta VITAL MOREIRA[81], o Tribunal Constitucional, coerentemente com o novo enquadramento legislativo, «mantendo a qualificação privatista da Federação Portuguesa de Futebol, decidiu porém conhecer da constitucionalidade de normas do seu regulamento disciplinar, por considerar que se trata de normas públicas, isto é, emitidas no exercício de um poder normativo público (AcTC n.º 730/95).» [82] Segundo este acórdão, «(...) certo é que o artigo 106.º do Regulamento Disciplinar da Federação [Portuguesa de Futebol], após a publicação (...) da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo), do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril (que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva) e do Despacho n.º 56/95, da Presidência do Conselho de Ministros, de 14 de Setembro (que outorga o estatuto de utilidade pública desportiva à Federação), se pode considerar como traduzindo o exercício de um poder público devolvido, tivesse ou não essa origem face à legislação anterior.» (sublinhado agora) «À luz desta última legislação, a FPF, ainda que deva considerar-se associação de direito privado sem fins lucrativos, passou a reger-se pelo regime jurídico das federações desportivas, com o reconhecimento como «público» da sua actividade e, só subsidiariamente, pelo regime jurídico daquele tipo de associação.» Consequentemente, «O Provedor de Justiça tem legitimidade para requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 106.º do mencionado Regulamento, porque se trata de norma jurídica, provinda de um poder normativo (...).» (sublinhado agora) 4. Como também se escreveu no parecer n.º 71/94[83], na senda da lição de J. J. GOMES CANOTILHO e de VITAL MOREIRA[84], «o actual sistema de fiscalização de constitucionalidade de normas, consagrado nos artigos 277.º e segs. da Constituição da República Portuguesa, socorre-se de quatro formas diferentes, que são a fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por acção, a fiscalização sucessiva abstracta da inconstitucionalidade por acção, a fiscalização sucessiva concreta da inconstitucionalidade por acção e a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão (-). No domínio das normas já traduzidas na ordem jurídica, a fiscalização é necessariamente sucessiva e por acção, podendo assumir um modo difuso e concreto, ou concentrado e abstracto. No primeiro caso, todos os tribunais podem conhecer da inconstitucionalidade, por impugnação das partes ou iniciativa do juiz, limitando-se este a desaplicar a norma no caso concreto, e podendo haver recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, recurso aliás obrigatório em certos casos. (Cfr. artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa). «Na via da fiscalização concentrada e abstracta, só o Tribunal Constitucional cobra competência, a requerimento de certos órgãos públicos, ou por sua iniciativa se a norma já foi considerada inconstitucional em três casos concretos, certo que a inconstitucionalidade é declarada com força obrigatória geral. (Cfr. artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa) (-).» Nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer normas. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, as entidades mencionadas no n.º 2 do mesmo preceito, pedido que pode ser apresentado a todo o tempo, de acordo com disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro [85] (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional). XII Termos em que se formulam as seguintes conclusões: 1.ª A Federação Portuguesa de Futebol é uma pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos, dotada de utilidade pública desportiva; 2.ª Assim e nos termos da lei, a Federação Portuguesa de Futebol exerce, por delegação do Estado e sob sua fiscalização, poderes públicos de auto-regulação; 3.ª Os regulamentos autónomos têm de respeitar a Constituição e a lei, não podendo incidir sobre matérias reservadas à competência legislativa da Assembleia da República ou à competência da lei em geral; 4.ª No quadro definido pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, a obrigação de pagamento de uma compensação por formação, decorrente da celebração pelo formando do primeiro contrato de trabalho como profissional, com entidade empregadora distinta da entidade formadora, só pode ser estabelecida por convenção colectiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 38.º e 18.º, n.º 2, do mesmo diploma; 5.ª Nesta conformidade e por maioria de razão, não pode ser estabelecida por regulamento federativo a obrigação de pagamento de qualquer compensação a um clube no caso de mudança para outro clube de praticantes desportivos com idade inferior a 14 anos; 6.ª A norma do n.º 4 do artigo 5.º do Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores da Federação Portuguesa de Futebol, na redacção resultante da alteração aprovada na sessão de 16 de Setembro de 2000 da Assembleia Geral, viola o regime instituído pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, nos artigos 18.º, n.º 2, 31.º, n.º 1, 38.º e 40.º, pelo que enferma de ilegalidade; 7.ª Ao conter disciplina inovadora, em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a mesma norma regulamentar infringe também o artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, pelo que padece de inconstitucionalidade orgânica; 8.ª Caso não seja deliberada a sua revogação pelo órgão que a aprovou, aquela norma regulamentar será impugnável contenciosamente nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea q), do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), por força do artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril; 9.ª Podem requerer, a todo o tempo, ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de quaisquer normas, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e do artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, as entidades mencionadas no n.º 2 daquele preceito. [1] Do oficio n.º 410, de 05 de Fevereiro de 2001, do Gabinete de Vossa Excelência, que enviou cópia da seguinte documentação: a) Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e nova redacção do respectivo artigo 5.º; b) ofícios n.º 4565, de 03 de Dezembro de 1999, e n.º 380, de 29 de Janeiro de 2001, dirigidos pelo Director do Centro de Estudos e Formação Desportiva (CEFD) ao Presidente da FPF sobre aquele Regulamento. Pelo oficio n.º 1009, de 20 de Março de 2001, do Gabinete de Vossa Excelência, foi também recebida cópia do Parecer n.º 3/2001, de 5 de Março, elaborado sobre o assunto pelo Senhor Dr. Mário Mota Raposo, Consultor Jurídico do CEFD, a solicitação deste. [2] PAULO CARDOSO DE MOURA, O Desporto na Ordem Jurídica Portuguesa, “Separata, Revista Jurídica”, Universidade Portucalense – Infante D. Henrique, Porto, 1999, págs. 149 a 152. [3] Sport, Droit et Relations Internationales, Economica, Paris, 1988, págs. 287 e segs.. [4] A Lei n.º 58/99, de 30 de Junho, que alterou o regime do trabalho subordinado de menores e de regulamentação do emprego de menores, visando adequar a legislação nacional à Directiva n.º 94/33/CE, dispensou uma protecção especial aos menores com idade inferior a 16 anos, determinando que o trabalho dos menores com essa idade e a escolaridade obrigatória cumprida não deve impedir a assiduidade escolar, a participação em programas de orientação ou de formação nem impossibilitar o seu aproveitamento. O Decreto-Lei n.º 107/2001, de 6 de Abril, veio regular os trabalhos leves que os menores com idade inferior a 16 anos que concluíram a escolaridade obrigatória podem efectuar, bem como as actividades e trabalhos que são proibidos a todos os menores ou condicionados aos que têm pelo menos 16 anos de idade. «A proibição de trabalho de menores em idade escolar (...) é uma decorrência do direito ao ensino e traduz um princípio inerente ao livre desenvolvimento da personalidade. Ele implica a fixação de uma idade mínima de admissão ao emprego, um sistema de protecção especial contra os perigos físicos e morais a que as crianças estão expostas (...).» (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, anotação XIII ao artigo 74.º, pág. 368. O anterior n.º 4 do artigo 74.º corresponde, hoje, ao n.º 3 do artigo 69.º). [5] Diário da República, Série I-A, n.º 197/95, de 26 de Agosto de 1995. [6] Constituição cit., anotações I e II ao artigo 79.º, pág. 380. [7] Actual alínea d). [8] Desporto e Constituição, “Sub Judice”, n.º 8, Dezembro de 1995, págs. 38 a 41 e 45 a 57, com desenvolvida análise da génese, evolução e alcance do artigo 79.º da Constituição, e Dicionário Jurídico do Desporto, Edições Record, Lisboa, 1995, págs. 70 a 73. [9] Ob. cit., págs. 156 a 167, com uma análise alargada do artigo 79.º da Constituição. [10] Publicada no Diário da República, I Série, n.º 205, de 6 de Setembro de 1985, nos termos da alínea g) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 164/85, de 15 de Maio, que estabeleceu os princípios fundamentais e as normas que regem as relações entre o Estado e os agentes desportivos, tendo como objectivo fundamental o desenvolvimento do desporto. Revogou a Portaria n.º 456/79, de 22 de Agosto, que aprovara o Regulamento das Transferências dos Praticantes Amadores de Futebol. [11] Diário da República, II Série, n.º 140, de 21 de Junho de 1986. Revogou a Portaria de 29 de Setembro de 1975, Diário do Governo, II Série, n.º 237, de 13 de Outubro. [12] Sobre federações desportivas, cfr. JOSÉ MANUEL MEIRIM, Dicionário cit., págs. 93 e segs.. [13] Aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 15 de Novembro de 1986. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, «São considerados amadores os praticantes de futebol que, visando objectivos de uma sã distracção e conservação da sua condição física, não recebam remuneração nem aufiram, directa ou indirectamente, proveito material pela sua actividade desportiva.» [14] Rectificada por Declaração publicada no Diário da República, I Série, n.º 64, de 17 de Março de 1990, e alterada pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho. [15] Rectificado pela Declaração n.º 129/93, Diário da República, I Série-A, n.º 178, Suplemento, de 31 de Julho, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de Maio. [16] Os artigos 17.º, 18.º, 18-A e 18-B estabelecem o regime de cessação de efeitos do estatuto de utilidade pública desportiva e dos inerentes poderes públicos, do cancelamento e da suspensão desse estatuto e das respectivas consequências jurídicas. [17] A legislação a aprovar pelo Governo deveria ter em conta a natureza especial do contrato de trabalho dos praticantes desportivos e assentar nas regras enunciadas no artigo 2.º, nomeadamente: alínea f) «Consagração da liberdade de trabalho, prevendo-se compensações devidas a título de promoção ou valorização do praticante desportivo e prémios de formação, de acordo com os regulamentos da respectiva federação desportiva e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva;» alínea g) «Garantir que a consagração de compensações e prémios não possa, em caso algum, inviabilizar na prática a liberdade de contratar do praticante, não podendo a validade e a eficácia de novo contrato ficar dependentes do acerto desses valores ou do seu pagamento.» [18] Segundo o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 102/84, de 29 de Março, que estabeleceu o Regime Jurídico de Aprendizagem (alterado pelo Decreto-Lei n.º 436/88, de 23 de Novembro), «Podem ser admitidos como aprendizes os jovens que, tendo cumprido a escolaridade obrigatória, tenham idades compreendidas entre os 14 anos e os 25 anos e possam concluir o respectivo curso até aos 25 anos.» Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro, que aprovou o novo Regime Jurídico de Aprendizagem, revogando aquele diploma, «A aprendizagem é um sistema de formação dirigido a jovens, desde que tenham ultrapassado a idade limite de escolaridade obrigatória e que não tenham ultrapassado, preferencialmente, o limite etário dos 25 anos (...).» (sublinhados nossos) [19] Aprovada na sessão de 16 de Setembro de 2000 da Assembleia Geral Extraordinária de 26 de Agosto do mesmo ano, onde foi deliberado que esta alteração só entraria em vigor após o Centro de Estudos e Formação Desportiva emitir parecer favorável, estando agendada para a próxima Assembleia Geral da FPF, a realizar no dia 28 de Abril de 2001, a discussão da entrada em vigor da nova redacção do artigo 5.º do Regulamento (oficio n.º 0644, de 28 de Fevereiro de 2001, do Gabinete de Vossa Excelência, a coberto do qual foi recebida documentação complementar). [20] Oficio n.º 380, de 29 de Janeiro de 2001, referido na nota 1. O restante ofício aí mencionado é do seguinte teor: «Estando os Regulamentos de Transferências da Federação a que V. Exª. preside de acordo com a legislação anterior, Dec. Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, e tendo esta sido revogada pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece o regime jurídico do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, solicita-se se digne mandar proceder, no prazo de 60 dias, às necessárias alterações dos regulamentos, a fim de dar cumprimento ao estipulado na Lei n.º 28/98.» [21] Alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro. [22] A lei não fornece o conceito de “criança”. Todavia, segundo o artigo 1.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90 (Diário da República, I Série, n.º 211, de 12 de Setembro de 1990), «criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.» Por seu lado, a Directiva n.º 94/33/CE do Conselho da União Europeia (cfr. supra, II, 1.), contém as seguintes definições no artigo 3.º: «a) Jovem: qualquer pessoa menor de 18 anos (...); b) Criança: qualquer jovem que ainda não tenha atingido a idade de 15 anos ou que ainda não se encontre submetido à obrigação escolar a tempo inteiro imposta pela legislação nacional; c) Adolescente: qualquer jovem que tenha no mínimo 15 anos e menos de 18 anos e que já não se encontre submetido à obrigação escolar a tempo inteiro imposta pela legislação nacional.» (sublinhado agora) [23] O novo regime do contrato de trabalho desportivo e as «indemnizações de transferência», «Questões Laborais», Ano V, 1998, n.º 12, págs. 227 a 231. [24] O andebol, o hóquei, o profissionalismo e o trabalho desportivo, «Questões Laborais», Ano VII, 2000, n.º 15, págs. 47 e 48. [25] FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado Editor, Sucessor, Coimbra, 1978, pág. 139. [26] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 6.ª edição revista, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, pág. 378. [27] O novo regime do contrato de trabalho desportivo e as «indemnizações de transferência», «Questões Laborais», Ano V, 1998, n.º 12, págs. 233 a 239. (x) «Cfr. o art. 3.º do DL 519-C1/79, de 29 de Dezembro. De resto, de acordo com JORGE LEITE, é a própria Constituição da República a reservar às associações sindicais a competência para celebrar convenções colectivas, pelo que nem sequer seria constitucionalmente admissível que a lei atribuísse tal competência a outras entidades – Direito do Trabalho, Lições ao 3.º ano da FCUC, Coimbra, Serviço de Textos da UC, 1993, p. 256.» (xx) «(...) A letra da lei é muito clara ao aludir à convenção colectiva como única forma de criar aquelas indemnizações. É certo que se poderá argumentar que o objectivo do legislador foi, acima de tudo, o de retirar competência às ligas de clubes e às federações desportivas para estabelecerem unilateralmente tal figura, pelo que, deste ponto de vista, nada se oporia a que elas fossem instituídas através de protocolo firmado pelas associações representativas dos praticantes. A lei terá, contudo, pretendido algo mais: não se trata apenas de evitar que as «indemnizações de transferência» sejam criadas pelas federações ou ligas; trata-se de garantir que tais indemnizações apenas possam existir como parte de uma negociação global das condições de trabalho, negociação efectuada por uma associação de praticantes adulta e, tanto quanto possível, robusta –- desideratos apenas alcançáveis na contratação colectiva. Permitir que as «indemnizações de transferência» sejam criadas através de qualquer protocolo ad hoc celebrado entre a liga/federação e uma associação de praticantes sem natureza sindical (e provavelmente incipiente) fugiria, pois, não só à letra mas também ao desígnio do art. 18.º/2 da Lei 28/98.» (xxx) «Registe-se ainda que, segundo o n.º 4 deste artigo, o valor da «indemnização de transferência» não poderá, em caso algum, afectar de forma desproporcionada, na prática, a liberdade de contratar do praticante. Por outro lado, o eventual não pagamento dessa indemnização por parte da nova entidade empregadora do praticante poderá sujeitar aquela, mas nunca este, a sanções: o n.º 5 deste artigo sublinha, com efeito, que nem a validade nem a eficácia do novo contrato de trabalho estão dependentes do pagamento da referida indemnização, pelo que não será lícita qualquer medida que, a pretexto da respectiva falta de pagamento, pretenda inibir o praticante de participar em competições representando o seu novo clube.» [28] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit. , págs. 379 a 383. [29] Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 44, de 22 de Maio de 1997. [30] De 14 de Janeiro de 1998, Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 23, de 15 de Janeiro de 1998. [31] Artigo já transcrito e que se dá por reproduzido. [32] Com redacção absolutamente igual à aprovada e que veio a constar da Lei n.º 28/98. [33] Redacção igual à do artigo 35.º (Deveres da entidade formadora), n.º 1, alínea e), da Lei n.º 28/98. Na discussão, em plenário, o Deputado Domingos Cordeiro (PS) salientou também que a proposta de lei «consagra, pela primeira vez, como dever da entidade formadora, proporcionar ao formando a frequência e a prossecução dos seus estudos» (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 28, de 16 de Janeiro de 1998). [34] De 14 de Janeiro de 1998, Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 24, de 17 de Janeiro de 1998. [35] Cfr. nota 31. [36] Cfr. nota 32. [37] Cfr. nota 33. [38] Loc. cit., págs. 979 a 981. Sublinhados nossos. [39] Loc. cit., pág. 983. Sublinhados nossos. [40] De 21 de Abril de 1998, Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 47, de 30 de Abril de 1998. [41] Na votação foi aprovado, por consenso, o seguinte aditamento à parte final da primitiva redacção deste artigo: «sem prejuízo do disposto no artigo 18.º». [42] Submetido a votação final global, na reunião plenária de 30 de Abril de 1998, o texto final apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 65, de 2 de Maio de 1998), tendo dado origem ao Decreto n.º 233/VII da Assembleia da República, (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 54, de 28 de Maio de 1998). [43] Intenção patente na alínea e) do n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 28/98, segundo a qual constitui, em especial, dever da entidade formadora «Proporcionar ao formando a frequência e a prossecução dos seus estudos.» [44] Sublinhado agora. [45] Coincidente com o exposto, no essencial, é o parecer n.º 3/2001, do Senhor Dr. Mário Mota Raposo, referido na nota 1. [46] Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1982, anotação ao artigo 10.º, pág. 59. [47] Ob. cit., pág. 410. [48] Cabe aqui a observação de CLAUS-WILHELM CANARIS, a propósito da determinação de lacunas, de que «não se devem subestimar os impulsos originados pela ideia de sistema, para a complementação do Direito. A ideia da adequação e da unidade do Direito demonstra, designadamente, uma extraordinária força dinamizadora, desde que não se entenda, de modo resignado, o Direito como um conglomerado causal de decisões singulares historicamente acumuladas.» (Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, págs. 176 e 178). [49] Temas Fundamentais de Direito, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, págs. 225 a 228. [50] Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1978, págs. 435 e segs.. [51] Introdução ao Pensamento Jurídico, 3.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977, págs. 227 e segs.. [52] Cfr., entre outros, os pareceres n.ºs 90/88, de 9 de Março de 1989, Diário da República, II Série, n.º 129, de 29 de Março de 1989; 35/93, de 27 de Janeiro de 1994, ibidem, n.º 116, de 19 de Maio de 1994, e 70/99, de 27 de Janeiro de 2000, ibidem, n.º 115, de 18 de Maio de 2000. [53] Despacho do Primeiro-Ministro, de 15 de Junho de 1978, Diário da República, II Série, n.º 139, de 20 de Junho de 1978. [54] Despacho n.º 56/95, de 1 de Setembro de 1995, do Primeiro-Ministro, Diário da República, II Série, n.º 213, de 14 de Setembro de 1995. [55] Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, págs. 551 a 569. [56] VITAL MOREIRA considera que «as organizações colectivas privadas, quando munidas de poderes oficiais de auto-regulação sobre os seus membros» - entre as quais se incluem as federações desportivas - «são a terceira alternativa institucional da administração autónoma, a par das associações públicas e dos organismos públicos representativos» (ob. cit., pág. 569). Também o parecer n.º 101/88, de 9 de Fevereiro de 1989, Pareceres da Procuradoria Geral da República, Vol. VIII, pág. 99, entendeu que «As federações desportivas são pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública, integrando a área da administração autónoma». Por outro lado, segundo o mesmo Autor (ibidem, pág. 305), «ao desempenharem por delegação ou incumbência do Estado e sob sua fiscalização determinados poderes públicos, estando nisso submetidas à jurisdição administrativa, as federações desportivas constituem uma espécie das “pessoas colectivas de utilidade pública administrativa”, com a diferença de que, em vez de se estarem encarregadas de serviços públicos prestacionais (como sucede com as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa de âmbito local), elas têm por função o desempenho de tarefas de administração regulatória, traduzida nomeadamente em poderes regulamentares e disciplinares (...).» (sublinhados nossos) No regime jurídico anterior, também o parecer n.º 114/85, de 30 de Janeiro de 1986 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, pág. 189), concluiu que «os actos unilaterais praticados pelas federações desportivas no cumprimento de uma missão de serviço público e no exercício de prerrogativas de autoridade pública, assumem a natureza de actos administrativos, sendo contenciosamente impugnáveis junto da jurisdição administrativa» e que, para este efeito, «são competentes os tribunais administrativos de círculo - artigo 51.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), e artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro». A expressa referência à alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º do ETAF, relativa aos recursos de actos administrativos dos órgãos da administração pública regional ou local e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, aponta para a qualificação das federações desportivas dotadas de utilidade pública, então ao abrigo do Decreto-Lei n.º 460/77, como pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. Certo que o acórdão de 7 de Maio de 1992, P.º n.º 29989, do Supremo Tribunal Administrativo, decidiu dever entender-se que, «por as federações e associações desportivas não poderem ser consideradas como pessoas colectivas de utilidade pública administrativa – não estando, portanto, incluídas na alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º do ETAF -, os actos por elas praticados estão sujeitos à regra de competência constante do artigo 52.º do mesmo ETAF». De notar, porém, que a prolação deste aresto é anterior ao Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, que estabeleceu o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva. [57] Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, de 4 de Junho de 1997, P.º n.º 25785, relativo à Federação Equestre Portuguesa, com referência aos pareceres n.ºs 114/85 e 101/88 deste Conselho Consultivo. [58] Ob. cit., pág. 182. [59] Ob. cit., págs. 186 e segs.. [60] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 685 e 782 a 783. [61] Direito Administrativo, Vol. I, 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1984, pág. 111. [62] Neste sentido, os pareceres n.ºs 27/88, de 27 de Outubro de 1988, inédito, e 1/89, de 11 de Maio de 1989, Diário da República, II Série, n.º 136, de 16 de Junho de 1989. [63] Ob. cit., pág. 190. [64] De 10 de Julho de 1984, Diário da República, I Série, n.º 211, de 11 de Setembro de 1984. [65] Diário da República, I Série, n.º 18, de 21 de Janeiro de 1989, e Diário da República, II Série, n.º 127, de 1 de Junho de 1993, respectivamente. [66] J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., anotação IV ao artigo 168.º, pág. 670. [67] Ibidem, anotação I ao artigo 79.º, pág. 380. [68] Cfr. o parecer n.º 34/84, de 20 de Junho de l984, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 341, pág. 96. [69] Do artigo 115.º da Constituição da República, actual n.º 6 do artigo 112.º. [70] Segundo o conceito fornecido por SUSANA GARCÍA BRAVO, Derechos de formación deportiva: modelo español, “CIVITAS, Revista Española de Derecho Deportivo”, n.º 12, Julho/Dezembro de 1999, págs. 185 e segs., «los derechos de formación consisten en una facultad que corresponde a los clubes o entidades de los que proceden los deportistas para exigir y, por tanto, percibir una cantidad dineraria de los clubes o entidades en los cuales éstos pretendem integrarse como compensación al trabajo de formación que los de origen han realizado formando a los deportistas y de cuyos resultados “en principio” (-) pretenden beneficiarse los de destino.» Referindo-se à natureza dos direitos de formação e às medidas de protecção e apoio que as federações podem adoptar nos seus regulamentos, a Autora opõe-se à adopção de «medidas con la finalidad de proteger a los clubes de origen, que puedan vulnerar los derechos de los deportistas, como el de la liberdad de elección de entidad una vez finalizado cualquier compromisso contraído y el de liberdad de contratación, entre otros.» Por sua vez, JUAN ANTONIO LANDABEREA UNZUETA, La Protección Jurídica de los Menores en el Deporte Y la Europa de las Regiones, “Congreso International de Derecho del Deporte - El Deporte en la Europa de las Regiones”, Madrid, Março de 2001, defende também que «Los poderes públicos deben denegar la aprobación de disposiciones federativas que instituyen derechos de retención, de formación, de compensación y análogos entre niños», assim como «Los poderes públicos deben proibir la admissión de fórmulas federativas que limitan de forma severa la liberdad de los ninõs deportistas para elegir la entidad dónde desean practicar deporte.» [71] Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pág. 126. [72] J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, Coimbra Editora, 1985, pág. 488. [73] Ob. cit., págs. 120 a 123. [74] Cfr. nota 19. [75] Cfr. nota 64. [76] Ob. cit., pag. 145. [77] De 30 de Janeiro de 1985, Diário da República, II Série, n.º 65, de 19 de Março de 1985. [78] Artigo 112.º, após a revisão constitucional de 1997. [79] Artigos 164.º e 165.º, na numeração actual. [80] Diário da República, II Série, n.º 219, de 22 de Setembro de 1989. [81] Ob. cit., pág. 305. [82] Diário da República, II Série, n.º 31, de 6 de Fevereiro de 1996. Pode ver-se um desenvolvido comentário a este aresto por JOSÉ MANUEL MEIRIM, A fiscalização da constitucionalidade dos regulamentos das federações desportivas, “Separata da Revista do Ministério Público”, n.º 66, Lisboa, 1996. [83] Loc. cit., pág. 404 (cfr. nota 71). [84] Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991, págs. 240 e segs.. [85] Alterada pelas Leis n.ºs 143/85, de 26 de Novembro; 85/89, de 7 de Setembro; 88/95, de 1 de Setembro, e 13-A/98, de 26 de Fevereiro. |