Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000952
Parecer: SB01411996
Nº do Documento: PSB1998050414100
Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL
PORTUGAL
TUNÍSIA
ACESSO AO DIREITO
ACESSO AOS TRIBUNAIS
ASSISTÊNCIA JURÍDICA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
APOIO JUDICIÁRIO
CIDADÃO NACIONAL
ESTRANGEIRO
PRINCIPIO DA EQUIPARAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
PESSOA COELCTIVA ESTRANGEIRA
DIREITOS FUNDAMENTAIS
NACIONALIDADE
PRIOTECÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
RECONHECIMENTO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA
RTEVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Livro: 00
Pedido: 12/17/1996
Data de Distribuição: 12/19/1996
Relator: LUCAS COELHO
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 05/04/1998
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MIN DA JUSTIÇA
Privacidade: [09]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MIGUEL
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR INT PUBL * TRATADOS / DIR PROC CIV.
Legislação:CONST76 ART8 N2 ART9 F ART12 ART15 N1 N2 ART20 N1 N2.; CCIV66 ART14; DL 387.b/87 DE 1987/12/29 ART1 N1 ART2 ART6 ART7 N2 N3 N4 N5 ART11 ART15 ART19 ART20 ART22 N1 ART29.; DL 391/88 DE 1988/10/26 ART5 ART6.; DL 37/81 DE 1981/10703 ART27.; CPC67 ART49 N1 ART176 ART185 ART1094 ART1095 ART1096 A B C D E F G ART1100 N1 N2 ART1102.; DL 329-A/95 DE 1995/12/12.; L 31/86 DE 1986/08/29 ART26 ART30 ART37
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
    CONV RELATIVA AO PROCESSO CIVIL (HAIA 1954/01/03)
    AC EUR SOBRE TRANSMISSÃO DE PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA (ESTRASBURGO 1977/01/27).
    CONV SOBRE A OBTENÇÃO DE PROVAS NO ESTRANGEIRO EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL (HAIA 1970/03/18).
    CONV SOBRE O RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE ENTENÇAS ESTRANGEIRAS EN MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL (HAIA 1971/02/1).
    CONV SOBRE O RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS (NOVA IORQUE 1958/06/10.
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões:
    1. O Projecto de Convenção de Cooperação Judiciária em Matéria Civil e Comercial e de Arbitragem Comercial entre a República da Tunísia e a República portuguesa suscita as considerações expendidas nos anteriores nºs II a VI, sujeitas, nomeadamente, a opções de política legislativa;

    2. O articulado apresentado em anexo ao presente parecer constitui, no plano da legalidade, uma alternativa simplificada susceptível de fundar o exercício das aludidas opções políticas.

Texto Integral: Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:


I

A República da Tunísia propõe a Portugal a celebração de uma Convenção de cooperação judiciária em matéria civil e comercial.

Tornando o respectivo Projecto presente a este Conselho Consultivo, dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer acerca da sua conformidade com o ordenamento português.

Cumpre emiti-lo.

II

Redigido em língua francesa, o Projecto de “Convention d’entraide judiciaire en matière civile et commerciale ainsi qu’en matière d’arbitrage commercial entre la République Tunisienne et la République du Portugal” compreende uma nota preambular ([1]) e o articulado.
1. Este compõe-se de 50 artigos agrupados nos cinco capítulos e secções seguintes ([2]):

- Chapitre I, «De la protection judiciaire» (artigos 1º a 7º)

Section I, «De la liberté d’accès aux tribunaux» (artigos 1º e 2º)
Section II, «De la dispense de caution judicatum solvi» (artigo 3º)
Section III, «De l’Assistance judiciaire» (artigos 4º a 7º)

- Chapitre II, «De l’entraide judiciaire» (artigos 8º a 26º)

Section I, «De l’échange d’informations juridiques» (artigo 8º)

Section II, «De la signification des actes judiciaires et extra-judiciaires» (artigos 9º a 18º)

Section IV, «Des Comissions rogatoires» (artigos 19º a 26º)

Chapitre III, «De la reconnaissance des décisions judiciaires» (artigos 27º a 40º)

Section I, «De la reconnaissance des décisions judiciaires (artigos 27º a 33º)

Section II, «De l’exécution des décisions judiciaires» (artigos 34º a 40º)
Chapitre IV, «Du contrat d’arbitrage et des sentences arbitrales en matière commerciale» (artigos 41º a 47º)

Section I, «De la reconnaissance des contrats d’arbitrage» (artigos 41º a 44º)

Section II, «De la reconnaissance et de l’exécution des sentences arbitrales» (artigos 45º a 47º)

Chapitre V, «Dispositions finales» (artigos 49º e 50º).


2. O esboço antecedente engloba um amplo leque de institutos que vão desde o acesso ao direito e aos tribunais, incluindo a assistência judiciária (Capítulo I), à cooperação judiciária nos domínios da informação jurídica, da transmissão de actos judiciais e extra-judiciais, cumprimento de cartas rogatórias (Capítulo II), e ao reconhecimento e execução de decisões judiciais (Capítulo III), cláusulas compromissórias e decisões arbitrais (Capítulo IV).

Observe-se que diversos tratados internacionais de que Portugal é parte incluem no seu objecto os temas enunciados

Sem curar nesta oportunidade das relações entre esses convénios, citem-se, nomeadamente:

a) Em matéria de «assistência judiciária»:

- Convenção Relativa ao Processo Civil (Haia, 1 de Março de 1954) ([3]) - Capítulo IV, artigos 20º a 24º;

- Acordo Europeu sobre Transmissão de Pedidos de Assistência Judiciária (Estrasburgo, 27 de Janeiro de 1977) ([4]).

b) «Transmissão de actos judiciais e extrajudiciais» (citação e notificação):

- Convenção Relativa ao Processo Civil, citada supra, alínea a) - Capítulo I, artigos 1º a 7º;

- Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial (Haia, 15 de Novembro de 1965) ([5]).

c) «Cartas rogatórias»:

- Convenção Relativa ao Processo Civil – Capítulo II, artigos 8º a 16º;

- Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial (Haia, 18 de Março de 1970) ([6]) – artigos 1º a 14º.

d) «Caução judicatum solvi»:

- Convenção Relativa ao Processo Civil – Capítulo III, artigos 17º a 19º;

- Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial (Haia, 1 de Fevereiro de 1971) ([7]) – artigo 17º.

e) «Reconhecimento e Execução de Sentenças»:

- Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial, citada supra, alínea d).

- Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (Bruxelas, 27 de Setembro de 1968) ([8]) – Título III, artigos 25º a 49º.

f) «Arbitragem»:

- Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 10 de Junho de 1958) ([9]).

Das convenções enunciadas a Tunísia somente é parte na Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre arbitragem ([10]), a que no momento próprio se aludirá.

Isso não significa, porém, que as demais Convenções, como direito vigente na ordem jurídica portuguesa (artigo 8º, nº 2, da Constituição), não devam avulsamente ser ponderadas a propósito desta ou daquela solução do Projecto.


3. É de anotar ainda, liminarmente, que o Projecto não contém nenhuma norma definindo com precisão o objecto material do convénio.

Flui simplesmente do título da Convenção que esta se refere tão-somente a «matéria civil e comercial» e «de arbitragem comercial».

Alguns temas pertinentes a este objecto ficam, não obstante, excluídos do âmbito de certos institutos contemplados, mercê de normativos avulsos adiante examinados.

Atente-se paradigmaticamente no artigo 28º, que exceptua, no capítulo do reconhecimento e execução, determinadas decisões, entre outras, em matéria de estado e capacidade das pessoas.

Inversamente, parece pretenderem incluir-se matérias que, estritamente, nem são de direito civil, nem de direito comercial, mas de direito do trabalho, um ramo autónomo relativamente àqueles, dispondo de processo e jurisdição própria a todos os níveis da hierarquia judicial - cfr. o artigo 30º, nº 1, alínea c).

A incidência judiciária da Convenção, centrada pelo seu objecto predominante na jurisdição cível, diversifica-se, assim, dir-se-ia de forma perturbadora, pelas sendas da jurisdição e do processo laboral, que bem justificariam, porventura, tratamento convencional separado.


4. Aduzidas, neste conspecto, as considerações prévias antecedentes, é tempo de proceder à análise do articulado que nos é presente, no plano da sua conformidade com o ordenamento constitucional e infraconstitucional.

III

O Capítulo I, “Da protecção judiciária” ([11]), compreende, recorde-se, três secções.


1. A primeira, subordinada à epígrafe “Da liberdade de acesso aos tribunais”, é integrada pelos artigos 1º e 2º, do seguinte teor:



“Artigo 1º
Os nacionais de um dos dois Estados contratantes têm liberdade de acesso aos tribunais da ordem judiciária do outro Estado e podem estar em juízo perante as jurisdições deste Estado nas mesmas condições de fundo e de forma que os nacionais. Podem em particular, de conformidade com a legislação em vigor, fazer-se representar ou assistir por advogado ou qualquer outro conselheiro livremente escolhido.

“Artigo 2º

1. São assimilados aos nacionais, no sentido do presente título (sic), as pessoas colectivas, sociedades ou associações, constituídas em conformidade com a legislação de um dois Estados e nele tendo a sua sede.

2. A sua capacidade de estar em juízo perante os tribunais desse Estado é igualmente reconhecida no território do outro Estado.”


1.1. O artigo 1º enuncia o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, declarando-o extensivo aos nacionais de ambos os Estados contratantes.

Trata-se de uma garantia fundamental que o artigo 20º da Constituição consagra nas vertentes, aqui mais relevantes, da informação e consulta jurídicas, do patrocínio judiciário e da intervenção de advogado perante qualquer autoridade ([12]).
Tendo embora como primeiros titulares os cidadãos portugueses, os direitos constitucionais são, em princípio, reconhecidos igualmente aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal.

O “tratamento nacional” de estrangeiros proclamado pelo nº 1 do artigo 15º da Constituição conhece, porém, as limitações relativas ao exercício de direitos políticos e de funções públicas precipitadas no nº 2 do mesmo artigo, aspectos em todo o caso alheios ao conteúdo material do Projecto ([13]).

Por outro lado, a circunstância de o nº 1 do artigo 15º deferir a equiparação de direitos aos estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, não impede por certo que a lei outorgue aos estrangeiros não residentes direitos que àqueles sejam constitucionalmente reconhecidos.

Assim é que, no capítulo dos “direitos civis”, estabelece o artigo 14º do Código Civil um princípio geral de equiparação não limitado pela residência em território nacional ([14]).

E no que especificamente concerne ao acesso ao direito, o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, densificando o programa delineado nos nºs 1 e 2 do artigo 20º da Constituição, estende, mercê do nº 3 do seu artigo 7º, o “direito à protecção jurídica” - nas modalidades, segundo a técnica do diploma, da “consulta jurídica” e do “apoio judiciário” (artigo 6º) -, reconhecido pelo nº 2 aos estrangeiros “que residam habitualmente em Portugal”, também aos estrangeiros não residentes no nosso País, “na medida em que ele seja atribuído aos portugueses pelas leis dos respectivos Estados”.

Restaria neste plano apurar da reciprocidade por parte do direito da Tunísia.

Admitindo, todavia, por hipótese a não verificação dessa condição, o certo é que a igualdade de tratamento dos nacionais portugueses face à ordem jurídica tunisina sempre resultaria, no aspecto em causa, do artigo 1º sub iudicio.

No máximo, os cidadãos portugueses não teriam então direitos compreendidos na “protecção jurídica” que a ordem jurídica da Tunísia porventura não reconhecesse aos seus próprios nacionais, beneficiando estes, em contraponto, desses direitos em Portugal.

Abstraindo, se for possível, desta reserva, não se divisam, por conseguinte, motivos de desconformidade entre o artigo em exame e o ordenamento português.

Com uma ressalva quase desnecessária.

A representação ou assistência de “conselheiro livremente escolhido”, prevista na sua parte final, deve obviamente conformar-se com os ditames e a tramitação processual aplicável, sem prejuízo, ademais, da disciplina publicística - maxime a constante do Estatuto da Ordem dos Advogados - que rege o exercício do mandato forense, e da necessidade de constituição de advogado quando obrigatória.

Neste sentido deveria, pois, ser interpretada a reserva “de conformidade com a legislação em vigor”, a não se optar por outra mais elucidativa redacção.


1.2. Para efeitos de acesso ao direito e aos tribunais, o artigo 2º assimila às pessoas singulares as pessoas colectivas, sociedades ou associações constituídas segundo a lei de um dos Estados contratantes e nele tendo a sua sede.

Pode eventualmente entender-se que o artigo 12º da Constituição ([15]), “superando assim uma concepção de direitos fundamentais exclusivamente centrada sobre os indivíduos” ([16]), estabelece um princípio geral de equiparação entre pessoas singulares e colectivas no tocante ao gozo de direitos que sejam compatíveis com a natureza dos entes jurídicos.

Posto isto, a doutrina constitucional coloca, a propósito do artigo 15º, “o problema de saber se as pessoas colectivas estrangeiras ([17]) sediadas ou activas em Portugal podem ser titulares de direitos fundamentais”, ponderando que “a Constituição não faz qualquer distinção expressa, ao contrário do que acontece noutros ordenamentos constitucionais” ([18]).

“É evidente, porém - observa-se -, que as pessoas colectivas estrangeiras estão sujeitas, pelo menos, às condições restritivas aqui estabelecidas para os cidadãos estrangeiros. E as pessoas colectivas estrangeiras de natureza pública não devem poder gozar de direitos fundamentais, pelo menos na medida em que isso seja contraditório com a soberania nacional” ([19]).
No artigo 2º do Projecto não se trata de pessoas colectivas sediadas em Portugal, mas na Tunísia.
Contudo, também aqui nada parece impedir que a lei conceda às pessoas jurídicas com sede efectiva da administração principal no estrangeiro determinados direitos reconhecidos às sediadas em Portugal.

E, justamente, ao abrigo da credencial do artigo 20º, nº 2, da Constituição, um direito, irrecusavelmente compatível com a natureza própria de associações e sociedades, tal como o acesso ao direito e aos tribunais.

Aliás, é tão-somente este o direito em causa no artigo 2º do Projecto.

Não se trata aqui propriamente do exercício, pelos entes jurídicos aludidos nesse artigo, de actividades compreendidas no seu escopo estatutário, matéria, por consequência, alheia às presentes reflexões.

Mas, sendo assim, verifica-se, revertendo ao Decreto-Lei nº 387-B/87, que o seu artigo 7º não alude expressamente às pessoas colectivas estrangeiras:
“Artigo 7º
(Beneficiários)

1. Têm direito a protecção jurídica nos termos da presente lei, as pessoas singulares que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial.

2. Os estrangeiros e os apátridas que residam habitualmente em Portugal e os que requererem a concessão de asilo gozam do direito de protecção jurídica.

3. Aos estrangeiros não residentes em Portugal é reconhecido o direito a protecção jurídica, na medida em que ele seja atribuído aos portugueses pelas leis dos respectivos Estados.

4. As pessoas colectivas de fins não lucrativos têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o nº 1.

5. As sociedades, os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada têm direito à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às possibilidades económicas daqueles, aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço.” ([20]).


Poderia pensar-se que as pessoas colectivas com sede principal e efectiva da sua administração no estrangeiro estão abrangidas, seja no nº 3, como estrangeiras, seja nos nºs 4 e 5, como pessoas colectivas.

No primeiro caso teriam direito à protecção jurídica, conglobando esta, como já se disse, a consulta jurídica e o apoio judiciário (artigo 6º do Decreto-Lei nº 387-B/87) ([21]), sob condição de reciprocidade, nos termos há pouco referidos.

No segundo, as pessoas jurídicas de fins não lucrativos teriam direito apenas ao apoio judiciário ([22]), mas na integralidade dos benefícios que este comporta, enquanto as sociedades o veriam restringido à dispensa total ou parcial de preparos e do pagamento de custas, ou ao seu diferimento.

Qualquer das opções interpretativas levanta evidentes dificuldades e advém inclusive ao espírito do intérprete a ideia de caso não regulado.

Ressalta, em todo o caso, do exposto que, a despeito de o artigo 12º da lei básica induzir um princípio de equiparação entre pessoas singulares e pessoas colectivas no tocante aos direitos compatíveis com a natureza dos entes jurídicos, o certo é que, no plano infraconstitucional, essa equiparação não vigora naquela vertente do acesso ao direito e aos tribunais que se concretiza em mecanismos de informação e de protecção jurídica, tais a consulta jurídica e o apoio judiciário, densificados pelo Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro.

Constitui, evidentemente, questão político-legislativa estranha à vocação estatutária do Conselho Consultivo, a opção de equiparação configurada no artigo 2º do Projecto, não sendo a mera contraditoriedade com o direito ordinário interno que pode, na óptica de legalidade em que nos situamos, obstar, em derradeiro termo, à celebração do tratado ([23]).

Não deixará, porém, de se observar que uma semelhante opção colocaria as pessoas colectivas portuguesas, no acesso ao direito e aos tribunais portugueses, em desigualdade relativamente às da Tunísia.
Desigualdade que já não subsistiria - sem prejuízo da desigualdade entre pessoas colectivas e pessoas singulares, e abstraindo por outro lado dos concretos termos da reciprocidade - se o artigo 2º se limitasse a definir a equiparação entre as pessoas colectivas nacionais de ambos os Estados, sentido que, aliás, parece fluir do artigo 4º do Projecto, subsequentemente apreciado.


1.3. Anote-se apenas, a finalizar, que nenhuma das convenções inicialmente seleccionadas em matéria de “assistência judiciária” (supra, II, 2. a)) contém preceitos sugestivos nos temas que vêm de se abordar.


2. A segunda secção do Capítulo I, sob a epígrafe “Da dispensa da caução judicatum solvi”, integra apenas o artigo 3º, que reza o seguinte:
“Artigo 3º

Nenhuma caução ou depósito, qualquer que seja a sua denominação, podem ser impostos aos nacionais de um dos dois Estados, quer em razão da sua qualidade de estrangeiros, quer da falta de domicílio ou residência no outro Estado, como demandantes ou intervenientes perante os tribunais deste Estado”.

Pretende-se assim assegurar os nacionais de cada um dos Estados, quando litiguem nos tribunais do outro Estado, contra a exigência prévia de uma garantia de pagamento do julgado, qualquer que seja a sua denominação - caução, depósito, ou outra -, em razão, pura e simplesmente, da qualidade de estrangeiro ou da falta de residência ou domicílio no território do mesmo Estado.

Nesta compreensão, não se vê que a disposição conflitue com qualquer norma ou princípio constitucional ou de legislação ordinária ([24]).
Trata-se, inclusivamente, de garantia não raro inserida, com nuances diversas, em convénios internacionais de que Portugal é parte, tais como a Convenção Relativa ao Processo Civil (artigos 17º a 19º) e a Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial (artigo 17º), exemplificadas supra, II, 2. d).


3. A terceira secção do Capítulo I em análise, epigrafada “Da assistência judiciária”, compreende, por sua vez, os artigos 4º a 7º, que importa transcrever na íntegra:
“Artigo 4º

Os nacionais de um dos dois Estados serão admitidos, no outro Estado, ao benefício da assistência judiciária tal como os próprios nacionais, desde que se conformem com a legislação do Estado em que a assistência é pedida.
“Artigo 5º
O certificado comprovativo da insuficiência económica é emitido a favor do requerente pela autoridade competente da sua residência habitual, se ele residir no território de um dos Estados contratantes.
Se o interessado residir num Estado terceiro, o certificado será emitido pelo agente diplomático ou consular, territorialmente competente, do seu Estado.



“Artigo 6º

1. A autoridade competente para emitir o certificado comprovativo da insuficiência económica pode solicitar informação sobre a situação patrimonial do requerente junto das autoridades do Estado de que ele é nacional.

2. Os tribunais ou autoridades aos quais compete decidir o pedido de assistência judiciária não ficam vinculados pelo aludido certificado, podendo sempre pedir informações complementares.
“Artigo 7º

Quando o requerente se encontre em Estado diferente daquele em que deve ser pedida a assistência judiciária, o requerimento, acompanhado de todos os documentos justificativos, pode ser transmitido pelos agentes diplomáticos ou consulares do Estado da nacionalidade do requerente à autoridade competente para decidir o pedido, ou à autoridade designada pelo Estado em que o requerimento deve ser instruído.”

Afigura-se, em apreciação de generalidade, que os artigos 4º a 7º não se apresentam desconformes com o ordenamento português nos planos constitucional e infraconstitucional.

Todavia, determinadas questões devem, em sede de legalidade, ser colocadas.


3.1. A primeira dificuldade relaciona-se com a definição do conteúdo do conceito “assistência judiciária”, terminologia, como se sabe, que se tornou alheia ao vigente direito português.

Nos termos do artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se - em sintonia com o preceituado nos nºs 1 e 2 do artigo 20º da Constituição - “a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos”.

Por isso - acrescenta o nº 2 do mesmo artigo -, em concretização desses objectivos, se desenvolverão “acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica”.

A informação jurídica incumbe em especial ao Governo realizá--la, de modo permanente e planeado, predominantemente mediante “acções tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de publicações e de outras formas de comunicação, em termos de proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos” (artigo 2º).

A protecção jurídica, por seu turno, reveste, já o sabemos, as modalidades da consulta jurídica e do apoio judiciário (artigo 6º).

A consulta jurídica desenvolve-se fundamentalmente por intermédio dos denominados “gabinetes de consulta jurídica” já existentes e que venham ainda a ser criados (artigos 11º e segs.) ([25]).

O apoio judiciário consiste, recorde-se (cfr. supra, nota 21), na dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou no seu diferimento e, bem assim, dos serviços de advogado ou solicitador (artigo 15º).

Pois bem. Admite-se que o cerne essencial da “assistência judiciária” a que o Projecto alude se reconduza ao âmbito específico do “apoio judiciário”, mas a futura Convenção deveria, por todas as razões, clarificar este aspecto.


3.2. O artigo 4º estabelece o princípio da equiparação entre os nacionais dos dois Estados no acesso aos benefícios da “assistência judiciária”, com subordinação à legislação do Estado, assim se interpreta, que há-de concedê-los.
Equiparação, em primeiro lugar, entre nacionais pessoas físicas, nos termos já expostos a propósito do artigo 1º (supra, 1.1.), que aqui nos permitimos dar como reproduzidos.

Mas equiparação também entre nacionais pessoas jurídicas.

Flui a este respeito das observações sugeridas pelo artigo 2º (cfr. supra, 1.2.) que a pretensão de equiparação assim limitada ao círculo das pessoas colectivas permitiria assegurar um tratamento igual de entes jurídicos portugueses e tunisinos, permanecendo em todo o caso a desigualdade entre pessoas singulares e colectivas e subsistindo porventura défices ao nível da reciprocidade.

Outro ponto a exigir clarificação na economia do Projecto, implicando, conjugadamente, o exercício de opções políticas de cooperação internacional.


3.3. Os artigos 5º, 6º e 7º ocupam-se com alguma minúcia do certificado de insuficiência económica do requerente de assistência judiciária, mas a regra do nosso direito vigente é a de que “a prova da insuficiência económica do requerente pode ser feita por qualquer meio idóneo” (artigo 19º do Decreto-Lei nº 387-B/87).

Uma certidão de insuficiência económica não é, pois, vinculativa para o juiz, que pode (e deve) sempre ordenar as diligências instrutórias indispensáveis à decisão do pedido (artigo 29º do mesmo Decreto-Lei).

Por outro lado, a lei portuguesa define determinadas presunções iuris tantum de insuficiência económica (artigo 20º do Decreto-Lei nº 387-B/87 e artigo 5º do Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro), estando os factos base da presunção sujeitos ao mesmo regime de prova livre (artigo 6º deste último Decreto-Lei e artigo 19º do Decreto-Lei nº 387-B/87) ([26]).

O segundo parágrafo do artigo 5º inculca que os nacionais dos Estados partes residentes em Estados terceiros também se incluem no âmbito de aplicação pessoal da Convenção.

Admitindo que se visam apenas as pessoas singulares, e não se suscitando, em abstracto, reparos de legalidade, considera-se, todavia, não excluída vocacionalmente uma ponderação política sobre a oportunidade e conveniência da medida.

E por que não ponderar a inclusão dos não nacionais habitualmente residentes no território de um dos Estados, na medida em que aí tenham direito ao tratamento reservado a nacionais?

Por último, o artigo 7º prevê a transmissão por via diplomática do pedido de assistência judiciária à autoridade competente para o decidir, ou a outra autoridade designada pelo Estado do foro, quando o requerente residir em Estado diferente.

Na ponderação e eventual reformulação deste artigo devem ser tomados em conta os normativos que regem a tramitação dos pedidos de apoio judiciário.

Basta atentar no artigo 22º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, segundo o qual o pedido de apoio judiciário para a dispensa, total ou parcial, de preparos e de pagamento de custas deve ser formulado, em princípio, nos articulados da acção a que se destina.

O que bem permite avaliar, só por si, a inadequação da transmissão do requerimento pelo agente diplomático ao juiz da causa, quer o requerente seja autor, quer muito mais, dir-se-ia, sendo réu.

Propende-se, para além do exposto, a pensar que uma parte substancial dos artigos 5º a 7º seria, porventura, dispensável face à regra consignada no artigo 4º, que atribui à lex fori a regulação dos benefícios da assistência judiciária, sem distinguir os aspectos substantivos dos processuais.

IV

O Capítulo II, sob a epígrafe “Da cooperação judiciária”, engloba três secções regendo sobre os diversos aspectos em que a cooperação se configura.


1. A primeira secção subordina-se à epígrafe “Do intercâmbio de informações jurídicas”, integrando unicamente o artigo 8º:
“Artigo 8º

Os Ministérios da Justiça das Partes contratantes informam--se reciprocamente, a pedido, sobre a legislação em vigor nos países respectivos.”

É este o primeiro aspecto em que se materializa a cooperação judiciária entre os Estados partes regulada neste Capítulo, não suscitando o artigo 8º quaisquer objecções no plano da legalidade.


2. O segundo aspecto ressalta significativamente da epígrafe da segunda secção, “Da notificação dos actos judiciais e extrajudiciais”, compreendendo os artigos 9º a 18º, que desde já se reproduzem:
“Artigo 9º

As autoridades de um dos dois Estados notificarão, a pedido dos tribunais ou das autoridades do outro Estado, os actos judiciais ou extrajudiciais destinados a pessoas que se encontrem no seu próprio território, os quais serão transmitidos por via diplomática.
“Artigo 10º

As disposições do presente artigo [sic] não prejudicam o direito de cada um dos Estados contratantes fazer chegar directamente quaisquer actos ou documentos judiciais ou extrajudiciais aos seus próprios nacionais, mediante os seus agentes diplomáticos ou consulares.
Em caso de conflito de legislações, a nacionalidade do destinatário será determinada em conformidade com a lei do Estado em cujo território deve ter lugar a entrega.
“Artigo 11º

O pedido deve ser acompanhado do acto ou peça a notificar em duplicado e conterá as seguintes indicações:
- a autoridade de que emana o acto ou o documento;
- a natureza do acto ou do documento a notificar;
- nome e endereço do destinatário.
“Artigo 12º

O pedido de notificação, assim como o acto a notificar, são redigidos no idioma do Estado requerido, ou acompanhados de uma tradução neste idioma.
“Artigo 13º

O Estado requerido providenciará pela notificação por simples entrega do acto ou documento ao destinatário, quer por via administrativa, quer pela via postal mediante carta registada com aviso de recepção.
A prova da notificação far-se-á por meio de recibo datado e assinado pelo destinatário, pelo aviso postal de recepção, ou por declaração do Estado requerido constatando o facto, a forma e a data da notificação, prova que deve constar de um dos duplicados do acto ou do documento a notificar ou lhe deve ser anexada.
Um ou outro destes documentos deve ser imediatamente transmitido ao Estado requerente por via diplomática.
Se a notificação não puder efectuar-se, o Estado requerido devolverá o acto ao Estado requerente pela via diplomática, com indicação das razões que impediram a notificação.


“Artigo 14º

As notificações não podem dar lugar ao reembolso de taxas ou despesas, qualquer que seja a sua natureza.
“Artigo 15º

1. A notificação apenas pode ser recusada se o Estado em cujo território deveria ter lugar a considerar atentatória da sua soberania, da sua segurança, da sua ordem pública ou de outros interesses essenciais.

2. A notificação [citação?] pedida não pode ser recusada com base no facto de o Estado requerido reivindicar a competência exclusiva dos seus tribunais na causa em que a notificação é pedida ou de a sua legislação desconhecer um semelhante processo.
“Artigo 16º

Cada um dos dois Estados tem o direito de, por intermédio dos seus agentes diplomáticos ou consulares, sem coacção, efectuar notificações aos seus próprios nacionais que se encontrem no território do outro Estado. Em caso de conflito de legislações, a nacionalidade do destinatário será determinada segundo a legislação do Estado em cujo território deve ter lugar a notificação.
“Artigo 17º

As disposições dos artigos precedentes não prejudicam, em matéria civil e comercial, o direito de os interessados residentes no território de um dos Estados contratantes fazerem chegar ou remeterem directamente quaisquer actos a pessoas que residam no território do outro Estado, desde que a remessa seja efectuada pelas formas em vigor no Estado em que ela deva ter lugar.


“Artigo 18º

1. Sempre que uma petição, citação ou outro acto de início da instância em matéria civil e comercial deva ser notificado ao réu no outro Estado e que este não compareça, o tribunal não decidirá sem que se constate que a petição, citação ou outro acto de início da instância:

a) Foi notificado ao réu por uma das vias previstas na presente convenção, ou

b) Foi efectivamente entregue ao réu.

A notificação ou a entrega deve ter lugar em prazo suficiente para permitir ao réu defender-se.

2. Todavia, no prazo de oito meses a contar do dia da transmissão do pedido de notificação à autoridade competente do Estado requerido, o tribunal, mesmo que as condições do nº 1 não estejam verificadas, poderá decidir desde que se comprove que no Estado requerente foram tomadas todas as medidas que permitiam o exame da causa.

3. As disposições do presente artigo não prejudicam a aplicação de medidas provisórias, inclusive medidas conservatórias.”

No conjunto das normas transcritas não avultam propriamente motivos de desconformidade com o ordenamento português.

O que sucede é que a disciplina em questão se apresenta acentuadamente imbuída de intencionalidade regulamentar, e destituída, dir-se-ia, por isso mesmo, de flexibilidade consentânea com a prática de actos processuais transfronteiras.

O regime convencional a estabelecer deveria preferivelmente ser dotado de maleabilidade e simplicidade adequadas à prossecução eficaz dos objectivos visados, sem prejuízo das garantias destinadas a preservar o núcleo essencial dos interesses envolvidos.

Vem-se, aliás, radicando no espírito do intérprete, pese a perspectiva de legalidade que o condiciona, a ideia de que a superação de todas as dificuldades suscitadas pelo presente Projecto aconselha a elaboração de um esboço alternativo de articulado que, em anexo ao presente parecer, se apresenta à consideração de Vossa Excelência.

Observe-se, entretanto, o seguinte, em sede de especialidade, no tocante ao bloco normativo dos artigos 9º a 18º.


2.1. O artigo 9º alude à transmissão de actos judiciais e extrajudiciais.

Os actos judiciais traduzem-se em notificações e citações, mas o Projecto alude esparsamente às figuras da “signication” (v.g., artigos 9º, 12º, 15º, nº 2, 16º, 18º), da “notification” (v.g., artigos 11º, 13º, 14º, 15º, nº 1) e da “citation” (v.g., artigo 18º), segundo critérios nem sempre fáceis de definir.

Por outro lado, não se colhe uma noção suficientemente precisa do tipo de actos extrajudiciais que os autores do Projecto têm em vista abranger.

Finalmente, duvida-se de que a utilização exclusiva da via diplomático-consular, envolvendo a mobilização sistemática de circuitos na dependência de departamentos ministeriais diferentes, e prescindindo da intervenção segura e experimentada da instituição das Autoridades Centrais, sob a égide unitária dos Ministérios da Justiça, possa constituir sistema ideal de transmissão de todos actos e procedimentos instrumentais conexos (cfr., além do artigo 9º, os artigos 10º, 13º, 16º).

Considera-se, todavia, que as vias diplomáticas devem também ser colocadas ao serviço da Convenção, ficando-lhes reservada intervenção qualificada em situações vocacionais.


2.2. O artigo 10º, primeiro parágrafo, pode colocar dúvidas de autonomia face ao conteúdo do primeiro período do artigo 16º.
Disposições do mesmo tipo contêm o artigo 6º da Convenção Relativa ao Processo Civil e o artigo 8º da Convenção da Haia de 1965 (supra, II, 2.b)).

O segundo parágrafo do artigo 10º - e, similarmente, o segundo período do artigo 16º - suscita, no entanto, problemas que não podem deixar de ser equacionados.

Em primeiro lugar, parece que os “conflitos de legislações” que podem ocasionar a necessidade de “determinação da nacionalidade” do destinatário do acto se traduzem, afinal, em conflitos de nacionalidade: em abstracto, um mesmo cidadão é considerado nacional por ambos os Estados (conflito positivo), ou vê recusada a nacionalidade de qualquer deles (conflito negativo).

Neste entendimento, desde que, porém, segundo o artigo 1º do Projecto, o âmbito de aplicação pessoal só compreende os nacionais de um ou outro Estado, necessariamente que os conflitos hipotizados no inciso são conflitos positivos de nacionalidades portuguesa e tunisina, com exclusão de quaisquer outros.

Têm-se, por outras palavras, em vista tão-somente os cidadãos luso-tunisinos.

Ora, a solução de um conflito positivo de nacionalidades consiste em apurar qual das nacionalidades prevalece para determinados efeitos jurídicos (v.g.., determinação do estatuto pessoal do plurinacional quando a lex fori atribua competência à lex patriae; definição da condição jurídica, como nacional ou estrangeiro, do plurinacional, residente no Estado do foro, quando uma das suas nacionalidades é a nacionalidade local) ([27]).

Justamente, o parágrafo segundo do artigo 10º do Projecto propõe-se resolver o conflito positivo de nacionalidades portuguesa e tunisina, para efeitos de entrega directa de actos aos nacionais de um Estado que se encontram no outro Estado, mediante os agentes diplomáticos daquele.

E fá-lo estatuindo que a nacionalidade para tal efeito prevalecente é determinada pela lei do Estado em que a entrega deve ter lugar.

Procure então testar-se o funcionamento da regra.

O artigo 27º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro - Lei da Nacionalidade -, dispõe no artigo 27º, integrado no Título III, “Conflitos de leis sobre a nacionalidade”:
“Artigo 27º
(Conflitos de nacionalidades portuguesa ou estrangeira)

Se alguém tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for a portuguesa, só esta releva face à lei portuguesa.”

Sendo assim, parece segura a conclusão de que a Tunísia jamais poderia usar do mecanismo configurado no artigo 10º, revelando-se este normativo, aliás, completamente inútil se a lei tunisina for idêntica à portuguesa.

Não interessará, porventura, adiantar alternativas viáveis para a resolução dos conflitos em causa.

Pressupondo que as situações de plurinacionalidade luso--tunisina sejam casos raros, inclinamo-nos então a pensar que a Convenção não desmeceria da amputação pura e simples do questionado parágrafo.


2.3. Não deixará de se anotar que o artigo 12º dá plena tradução às injunções constitucionais a favor da protecção da língua portuguesa (artigo 9º, alínea f), da lei fundamental) e, bem assim, às preocupações adrede expressas em actos governamentais e parlamentares nos últimos anos, nomeadamente.


2.4. O artigo 15º, por sua vez, acolhe parcialmente cláusulas de reserva estruturantes da ordem jurídica afloradas no artigo 185º do Código de Processo Civil a respeito das cartas rogatórias.


2.5. O artigo 16º é susceptível de reparos similares, mutatis mutandis, aos formulados supra, 2.2. a propósito do artigo 10º.


2.6. O artigo 18º segue muito de perto o artigo 15º da Convenção da Haia de 1965 (supra, II, 2. b)), ao qual corresponde, com alterações, o artigo 20º da Convenção de Bruxelas de 1968 (supra, II, 2. e)) ([28]).

Uma vez que o acto de início da instância no nosso direito processual civil é a apresentação da petição ou requerimento inicial na secretaria, a referência à citação como acto dessa natureza poderia deixar de figurar.


3. A terceira secção do Capítulo II em apreciação respeita, sob essa mesma epígrafe, à matéria “Das cartas rogatórias”, cujo regime se define nos artigos 19º a 26º.

São do seguinte teor:
“Artigo 19º

A autoridade judiciária de um dos Estados contratantes pode, em conformidade com as disposições da sua legislação, dirigir uma carta rogatória à autoridade judiciária competente do outro Estado contratante solicitando-lhe a prática de actos judiciais. A carta rogatória será transmitida pela via diplomática.
A carta rogatória deve conter as indicações mencionadas no artigo 3º ([29]) e, bem assim, uma exposição sumária dos factos.
“Artigo 20º

A carta rogatória é redigida no idioma do Estado requerido, ou acompanhada de uma tradução nesse idioma.
“Artigo 21º

A carta rogatória é cumprida em conformidade com a legislação do Estado requerido. Cumprida a rogatória, será esta devolvida sem demora pela via diplomática, com as peças relativas ao cumprimento.
Quando a carta rogatória não puder ser cumprida, o Estado requerido informará imediatamente o Estado requerente pela via diplomática, indicando as razões do não cumprimento.
“Artigo 22º

A pedido expresso do Estado requerente, deve o Estado requerido:

a) assegurar a execução de uma carta rogatória segundo certa forma especial desde que esta não seja contrária à sua legislação;

b) informar, em tempo útil, o Estado requerente da data e do lugar em que a carta rogatória será cumprida, a fim de que as partes interessadas possam assistir nas condições previstas pela lei em vigor no Estado do cumprimento.
“Artigo 23º

1. O Estado requerido pode recusar o cumprimento de uma carta rogatória, sempre que for atentória da sua soberania, da segurança, da ordem pública, ou de outros seus interesses essenciais.

2. O cumprimento não pode ser recusado pelo simples facto de o Estado requerido reivindicar a competência exclusiva dos seus tribunais na causa em que é expedida a carta rogatória ou pelo facto de a sua legislação desconhecer este tipo de processos.
“Artigo 24º

Se o tribunal requerido não for competente remeterá oficiosamente a carta rogatória ao tribunal competente do Estado requerido, segundo as regras estabelecidas na legislação deste último, informando acto contínuo o Estado requerente do tribunal a que o pedido foi transmitido.
“Artigo 25º

1. O tribunal requerido transmitirá o acto que consubstancia o cumprimento da carta rogatória ao Estado requerente.

2. Se a carta rogatória não pôde ser cumprida, o Estado requerente será informado do incumprimento e das razões que o determinaram.
“Artigo 26º

1. O cumprimento de uma carta rogatória não pode dar lugar à percepção de taxas ou de despesas, qualquer que seja a sua natureza.

2. Todavia, o Estado requerido pode exigir ao Estado requerente o reembolso dos honorários de peritos ou intérpretes, assim como das despesas ocasionadas pela observância de uma forma especial no caso previsto no artigo 20º , alínea a) ([30]).
O Estado requerente reembolsará tais importâncias sem demora, independentemente da questão de saber se as mesmas lhe serão reembolsadas pelas partes interessadas.”

Também este complexo de normas relativas às cartas rogatórias se encontra, grosso modo, isento de antagonismos, se bem vemos, com a legislação portuguesa, e, designadamente, com os dispositivos dos artigos 176º e segs. do Código de Processo Civil relativos às cartas.

São, no entanto, aqui apropositadas considerações semelhantes às que há momentos se urdiram sobre os preceitos regulamentadores das citações e notificações.

Trata-se, efectivamente, de normação minuciosa - quando não repetitiva (v.g. artigos 21º e 25º) -, a um ponto quiçá desproporcional à consecução dos fins visados, a qual haveria a nossos olhos toda a vantagem em simplificar.

Em contraponto, anota-se que o Projecto não contém uma definição suficientemente esclarecedora do possível objecto das cartas rogatórias, limitando-se o artigo 19º a declarar que visam “a prática de actos judiciais”.

Por associação de ideias, pode, inclusivamente, duvidar-se da utilidade da instituição, num instrumento convencional como o que nos é presente, de dois tipos de mecanismos tendentes à prática de actos judiciais no mesmo Estado estrangeiro, a menos que particularidades da sua ordem jurídica o aconselhem.

No articulado anexo procura também submeter-se esta filosofia ao critério de Vossa Excelência.

Pelo que, precisamente, tendo em vista essa alternativa, se julgam dispensáveis neste momento adicionais observações de especialidade ([31]).

V

O Capítulo III do Projecto - “Do reconhecimento e da execução das decisões judiciais” - integra duas secções, epigrafadas, “Do reconhecimento das decisões judicias” e “Da execução das decisões judiciais”, respectivamente.


1. A primeira abarca os artigos 27º a 33º, cujo conteúdo se torna indispensável conhecer:
“Artigo 27º

1. As decisões proferidas pelos tribunais de um dos Estados são reconhecidas no outro Estado desde que transitadas em julgado.

2. Entende-se por decisão, no sentido do presente capítulo, qualquer decisão judicial independentemente da denominação, tal como sentença, acórdão ou despacho, e da sua natureza contenciosa ou graciosa. Mas não são consideradas como tais as decisões proferidas num processo gracioso em que uma única parte esteja em causa.

3. São assimiladas às decisões judiciais as decisões dos funcionários judiciais que fixem ulteriormente o montante das custas do processo e, bem assim, as transacções celebradas em juízo judicialmente homologadas.

4. As sentenças arbitrais.


“Artigo 28º

1. O presente título [sic] apenas se aplicará, em matéria de estado e de capacidade das pessoas, às decisões respeitantes às relações entre cônjuges ou à obrigação de alimentos.

2. O presente título [sic] não se aplica:

a) às decisões relativas à falência, à concordata ou outros processos análogos, e às decisões, inclusive, consequentes a esses processos e concernentes à validade dos actos com respeito aos credores.

b) às decisões em matéria de segurança social.
“Artigo 29º

1. O reconhecimento da decisão apenas pode ser recusado:

a) se a competência dos tribunais do Estado de origem não for reconhecida no sentido dos artigos 31º e 32º;

b) se por contrário à ordem pública do Estado requerido;

c) se a decisão for resultado de manobras fraudulentas;

d) se uma causa [um pedido] com o mesmo objecto e fundada na mesma causa estiver pendente entre as mesmas partes perante tribunal do Estado requerido, desde que neste instaurada em primeiro lugar;

e) se a decisão for contrária a outra já proferida no Estado requerido e aí transitada em julgado.

2. O reconhecimento da decisão pode ainda ser recusado no caso de não comparência do réu, se a petição, [citação] ou outro acto de início da instância não foi objecto de citação em conformidade com a legislação do Estado de origem ou, encontrando-se o réu em território do Estado requerido no momento do início da instância, por uma das vias previstas nas disposições do capítulo II da presente Convenção. O reconhecimento pode igualmente ser recusado se o réu provar que, sem negligência sua, não pôde tomar conhecimento em tempo útil da petição, [citação] ou outro acto de início da instância, a despeito de este haver sido objecto de citação mediante uma das formas acima indicadas.

3. O reconhecimento das decisões que condenem em despesas o autor vencido apenas pode ser recusado se for contrário à ordem pública do Estado requerido. Esta disposição aplica-se igualmente às decisões previstas no nº 3 do artigo 27º.
“Artigo 30º

1. O reconhecimento não pode ser recusado pelo simples facto de o tribunal que proferiu a decisão haver aplicado, segundo as regras do seu direito internacional privado, leis diferentes daquelas que seriam aplicáveis segundo as normas de direito internacional privado do Estado requerido.

2. Pode, no entanto, ser recusado o reconhecimento pelo motivo indicado no nº 1 se a decisão disser respeito ao estado, capacidade ou direitos sucessórios de nacional do Estado requerido. Estas disposições aplicam-se igualmente às decisões concernentes à capacidade de uma pessoa colectiva, de uma sociedade ou associação, desde que esta esteja constituída em conformidade com a legislação do Estado requerido e neste tendo a sua sede ou o seu principal estabelecimento.
A decisão será, contudo, reconhecida se puder considerar-se fundada por aplicação das regras de direito internacional privado do Estado requerido.





“Artigo 31º

1. A competência dos tribunais do Estado de origem é reconhecida, no sentido do nº 1, alínea I, do artigo 27º ([32]):

a) se, no momento do início da instância, o réu tinha no Estado de origem o seu domicílio ou residência habitual ou, tratando-se de uma pessoa colectiva, sociedade ou associação, a sua sede ou estabelecimento principal;

b) se o réu, detendo no território do Estado de origem um estabelecimento comercial ou uma sucursal, foi aí citado para litígios referentes à respectiva exploração;

c) se a acção respeitava a um contrato de trabalho ou a direitos emergentes deste contrato e se o estabelecimento ou o lugar de trabalho estava situado no Estado de origem; são, todavia, competentes os tribunais do Estado em cujo território se situava a empresa ou o estabelecimento, quando a empresa ou estabelecimento enviava o trabalhador para exercer uma actividade no outro Estado ou num Estado terceiro, ou quando trabalhadores se encontrem no outro Estado para aí desempenharem uma actividade sob a sua direcção;

d) se a acção teve por objecto uma obrigação de alimentos e o credor de alimentos tinha no Estado de origem o seu domicílio ou residência habitual no momento do início da instância;

e) se a acção se fundou em facto ilícito previsto na legislação interna do Estado de origem e o autor se encontrava em território deste Estado no momento da infracção;

f) se a acção teve por objecto um direito sobre imóvel situado no território do Estado de origem ou pretensão emergente desse direito;

g) se a acção versava sobre um litígio em matéria sucessória e se o de cujus tinha a nacionalidade do Estado de origem, ou a de um Estado terceiro e o último domicílio no território do Estado de origem, quer a sucessão compreenda bens mobiliários ou imobiliários;

h) em caso de pedido reconvencional, consubstanciando pretensão em conexão jurídica com o pedido principal, se os tribunais do Estado de origem pudessem ser reconhecidos competentes nos termos do presente tratado para conhecer do pedido principal;

l) se o pedido fazia valer direitos de indemnização por perdas e danos ou de restituição de bens atribuídos em execução de decisão judicial do outro Estado aí anulada ou reformada.

2. Todavia, a competência dos tribunais do Estado de origem pode deixar de ser reconhecida quando a legislação do Estado requerido atribuir aos tribunais deste Estado uma competência exclusiva para a causa que originou a decisão.
“Artigo 32º

1. Em matéria de relações entre os cônjuges os tribunais do Estado de origem no sentido do presente título [sic] são competentes se os dois esposos não tiverem a nacionalidade do Estado requerido; se ambos forem nacionais de um Estado terceiro, a competência dos tribunais do Estado de origem não será reconhecida se a decisão não fosse reconhecida no Estado terceiro.

2. Se apenas um dos cônjuges tiver a nacionalidade do Estado requerido, os tribunais do Estado de origem no sentido do presente título [sic] são competentes se o réu, na data do início da instância, tinha a sua residência habitual no Estado de origem, ou se a última residência habitual comum dos esposos se situava no Estado de origem e um dos dois residia neste Estado à data do início da instância.

“Artigo 33º

Sempre que uma decisão proferida no território de um dos dois Estados for invocada no outro Estado, a mesma não pode ser objecto de outra forma de revisão que não seja a respeitante aos motivos de recusa previstos no artigo 29º, e no nº 2 do artigo 30º.”


2. Sendo estes os artigos respeitantes ao “reconhecimento”, percorram-se desde já, pela sua estreita conexão na perspectiva unitária de exequatur do nosso direito ([33]), os dispositivos dos artigos 34º a 40º, concernentes à “execução das decisões judiciais”, que compõem a segunda secção do presente Capítulo III:
“Artigo 34º

As decisões judiciais executórias num dos Estados e susceptíveis de ser reconhecidas no outro Estado em conformidade com as disposições do capítulo [sic] precedente ([34]), são executadas neste Estado uma vez aí declaradas executórias.
“Artigo 35º

O processo de exequatur e os seus efeitos são regulados pela legislação do Estado de execução.
“Artigo 36º

O pedido de exequatur pode ser deduzido por qualquer pessoa que possa prevalecer-se da decisão do Estado de origem.

“Artigo 37º

1. A parte que pedir o exequatur deve juntar:

a) uma certidão da decisão e seus fundamentos reunindo os necessários requisitos de autenticidade segundo a legislação do Estado de origem;

b) qualquer documento comprovativo de que a decisão é executória segundo a legislação do Estado de origem;

c) qualquer documento comprovativo de que, segundo a legislação do Estado de origem, a decisão transitou em julgado;

d) em caso de revelia do réu, o original ou uma cópia certificada de documento comprovativo de que o pedido, [citação] ou outro acto de início da instância foi objecto de citação em conformidade com a legislação do Estado de origem ou, sendo caso disso, por uma das vias previstas nas disposições do capítulo II da presente convenção;

e) uma tradução, na língua do Estado da execução, dos documentos mencionados nas alíneas anteriores.

2. Sem prejuízo do disposto no nº 1, alínea e), não é exigida a legalização dos documentos enumerados nas alíneas anteriores.
“Artigo 38º

1. O tribunal do exequatur limita-se a verificar:

a) que foram apresentados os documentos requeridos nos termos do artigo 35º ([35]);

b) que não se verifica nenhum dos fundamentos de recusa previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 29º e no nº 2 do artigo 30º.

2. A decisão não pode ser objecto de qualquer outra forma de revisão.
“Artigo 39º

O tribunal pode conceder o exequatur parcialmente:

1. se a decisão compreender um ou mais pedidos e o autor requerer o exequatur relativamente a um ou vários ou apenas a uma parte de um dos pedidos;

2. se a decisão compreender vários pedidos e o exequatur apenas se justificar relativamente a um ou alguns deles.
“Artigo 40º

1. Sempre que uma acção com o mesmo objecto e a mesma causa estiver pendente entre as mesmas partes perante tribunal de um dos dois Estados, os tribunais do outro Estado podem, a pedido de uma das partes, rejeitar a demanda ou suspender a instância, se dela puder uma decisão susceptível de ser reconhecida no outro Estado.

2. Contudo, as medidas provisórias ou conservatórias previstas na legislação de cada Estado podem, em caso de urgência, ser solicitadas aos tribunais de cada um dos dois Estados, qualquer que seja o tribunal a que se encontra submetido o fundo do litígio.”


3. Mediante os transcritos preceitos das duas secções do Capítulo III do Projecto ensaia-se, por conseguinte, definir os requisitos de eficácia, num dos Estados, das decisões lavradas pelos tribunais do outro Estado.

Eficácia, precise-se, no sentido, fundamentalmente, dos efeitos próprios das sentenças - os seus efeitos caracteristicamente jurisdicionais de caso julgado (excepção de caso julgado) e de título executivo.


3.1. Segundo o direito português, uma decisão estrangeira pode produzir em Portugal estes efeitos de sentença, desde que intervenha uma decisão juridicional portuguesa proferida em processo especial de exequatur - o processo de revisão e confirmação regulado nos artigos 1094º a 1102º do Código de Processo Civil (cfr. também o artigo 49º, nº 1) -, que reconheça a sentença estrangeira e lhe confira executoriedade.

Quer dizer, as sentenças estrangeiras não são reconhecidas de plano, ou de iure, mas mediante um processo especial de revisão e confirmação, da alçada do Tribunal da Relação territorialmente competente (artigo 1095º do citado Código).

Contudo, a revisão a que a sentença estrangeira está sujeita para poder produzir em Portugal os indicados efeitos jurisdicionais é, como regra, uma revisão meramente formal ou delibação, e não um reexame de mérito, que só tem lugar em casos muito contados; ou seja, envolve apenas “uma verificação de regularidade formal ou extrínseca e não uma nova apreciação dos fundamentos de facto e de direito da dita sentença” ([36]).

Já se deixou salientada, por outro lado (supra, nota 33), a unitariedade do processo de revisão e confirmação, instituto cuja aplicação visa a um tempo o reconhecimento da sentença na nossa ordem jurídica e a concessão de exequatur em sentido estrito.

Por isso é que tal processo se torna necessário mesmo que apenas se pretenda obter o efeito do reconhecimento da sentença (v.g., para em Portugal se excepcionar o caso julgado respectivo), sem curar de efeitos executivos.

Se, ao invés, estiver em causa a execução da sentença no nosso País, o aludido processo assegura unitariamente o prévio reconhecimento da sentença.

Assim, o sistema não deixa neste plano de apresentar vantagens de simplicidade que se reflectem proveitosamente na aplicação do direito.

Basta que, existindo requisitos comuns aos dois referidos momentos do iter processual conducente ao exequatur, a sua autonomização normativa tenha de implicar repetições de elementos pressuponentes ou a utilização arriscada de remissões, redundando, na técnica legislativa, em acréscimo de densidade - ou de “ruído” - do respectivo instrumento legal, o que no presente Projecto não deixa de se verificar.

O articulado autónomo em anexo procura, pelo exposto, descomplicar o processo de exequatur, adoptando a metodologia descrita.


3.2. Nesta parte, portanto o Projecto não se encontrará, na generalidade, em flagrante contradição com o ordenamento português.

O que sobressai é um certo número de novidades e um nível não despiciendo de complexidade relativamente ao nosso direito.

Exemplifique-se sumariamente.

Os diversos números do artigo 27º têm em vista o escopo da tipicidade: a definição do que deve entender-se por decisão no sentido do tipo legal relativo ao reconhecimento configurado basicamente no nº 1.

Não levantam, esses quatro números, dificuldades insuperáveis, mas a hipótese delineada no segundo período do nº 2 carece de esclarecimento, enquanto nº 4, para além de incompleto, se afigura deslocado, posto que o subsequente Capítulo IV dedica a segunda secção especialmente ao reconhecimento e execução das sentenças arbitrais.

Em contraste com os artigos 1094º a 1102º do Código de Processo Civil, o artigo 28º exclui do campo de aplicação da Convenção o reconhecimento e execução de decisões em determinadas matérias, exclusão que releva eminentemente de opção político-legislativa.

Observe-se, todavia, que o citado preceito é paralelo, com diferenças, ao artigo 1º da Convenção da Haia de 1971, e ao artigo 1º da Convenção de Bruxelas de 1968, citados supra, II, 2., e).

O articulado anexo prevê, consequentemente, tais exclusões segundo o modelo das aludidas Convenções.

Sob a forma negativa de motivos de recusa do reconhecimento, os artigos 29º e 30º enumeram taxativamente um conjunto de circunstâncias que os nossos artigos 1096º e 1100º qualificam, respectivamente, como requisitos necessários para a confirmação” e “fundamentos da impugnação do pedido”.

Verificando-se uma coincidência nuclear entre o elenco destes requisitos ou fundamentos e o daqueles motivos de recusa, a verdade é que subsistem diferenças não despiciendas.

Vejamo-lo da óptica dos artigos 1096º e 1100º.

O requisito da alínea a) do artigo 1096º (autenticidade do documento de suporte da sentença e inteligibilidade da decisão) não se encontra consagrado como motivo de recusa.

O requisito do trânsito (alínea b)) consta como elemento típico da própria decisão a reconhecer, a despeito de faltar e explicitação da lei segundo a qual deve ser aferido (artigo 27º, nº 1).

O requisito da competência originária do tribunal (alínea c)) vem acolhido no artigo 29º, alínea a), dando, no entanto, lugar à definição, nos artigos 31º e 32º de um sistema de competências indirectas assaz complexo, prejudicando a agilidade da cooperação entre os dois Estados neste domínio.

A fórmula aberta da alínea c) do artigo 1096º assume elevado grau de razoabilidade, mesmo nas reservas da fraude à lei na determinação do tribunal de origem competente e das competências exclusivas dos tribunais portugueses, esta segunda, aliás, acolhida igualmente no nº 2 do artigo 31º do Projecto.

O requisito das excepções de litispendência e de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português (alínea d)) está estabelecido no artigo 29º, alíneas d) (litispendência) e e) (caso julgado), nesta última hipótese, porém, com relevo absoluto, independentemente, portanto, da questão de saber qual o tribunal que preveniu a jurisdição.

Assim, permite o Projecto a recusa do reconhecimento se a decisão for contrária a outra já transitada no Estado requerido, mesmo que a acção tenha sido aqui instaurada em segundo lugar.

O requisito da alínea e) (citação do réu) obtém tradução, com especialidades, no nº 2 do artigo 29º, embora este seja omisso quanto à necessidade de observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, e, portanto - assim se observa no preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que nesse sentido inovou -, no tocante à “ordem pública processual” como “obstáculo ao reconhecimento das sentenças estrangeiras”.

O requisito da alínea f) (ordem pública internacional) consta, por seu turno, da alínea b) do artigo 29º com diversa formulação - não se vendo, neste sentido, a utilidade do preceito repetitivo do nº 3 do mesmo artigo.

Ao invés, o motivo de recusa previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 29º do Projecto não consta com essa latitude do elenco do artigo 1096º.

Considerem-se agora os “fundamentos de impugnação” referidos no artigo 1100º do Código de Processo Civil.

Os fundamentos das alíneas a), c) e g) do artigo 771º, acolhidos por remissão do artigo 1100º, nº 1, não relevam no âmbito do Projecto.

Já o denominado “privilégio da nacionalidade”, plasmado actualmente no nº 2 do artigo 1100º em moldes diferentes dos que anteriormente à reforma processual constavam da alínea g) do artigo 1096º ([37]), obtém configuração própria no artigo 30º, nº 2 do Projecto.

Os termos em que os aludidos fundamentos devem ou não ser convencionalmente admitidos constitui, uma vez mais, questão de política legislativa, adiantando, todavia, o articulado anexo a tal respeito uma opção coincidente com as soluções da lei portuguesa.

VI

O Capítulo IV versa, em duas secções, a temática “Do contrato de arbitragem e das sentenças arbitrais em matéria comercial”.


1. A primeira secção, “Do reconhecimento dos contratos de arbitragem”, compreende os artigos 41º a 44º:
”Artigo 41º

1. Cada um dos dois Estados reconhece a convenção escrita mediante a qual as partes se obrigam a submeter a arbitragem todos ou alguns dos litígios já surgidos ou que possam vir a emergir, entre elas, de uma relação jurídica determinada, contratual ou extracontratual.

2. Entende-se por convenção escrita no sentido do número precedente o compromisso ou cláusula compromissória, assinados pelas partes ou contidos em trocas de cartas, telegramas, mensagens de telex ou telecópias, ou de actas elaboradas perante os árbitros escolhidos.

3. A convenção de arbitragem apenas será reconhecida:

a) Se a relação jurídica que originou o litígio for considerada comercial segundo a lei de um ou do outro Estado contratante ou segundo a lei para que as partes remeteram;

b) Se a convenção tiver sido celebrada entre pessoas que no momento da celebração tinham o domicílio ou residência habitual, ou a sua sede ou estabelecimento principal, tratando-se de associação ou sociedade, uma num dos dois Estado e a outra no outro Estado;

c) Se o litígio for susceptível de composição por via arbitral, segundo a legislação de um ou outro dos dois Estados contratantes.
“Artigo 42º

Nos processos de arbitragem fundados numa convenção na acepção do artigo 41º da presente Convenção, os nacionais de um dos dois Estados ou de um Estado terceiro podem ser designados como árbitros.
“Artigo 43º

1. As partes de uma convenção de arbitragem têm a faculdade de prever:

a) Que o árbitro ou árbitros sejam escolhidos de uma lista organizada por um organismo internacional de arbitragem especialmente designado;

b) Que cada parte designe um árbitro e que os dois árbitros designem por seu turno um terceiro árbitro, devendo o terceiro árbitro, nos termos da convenção de arbitragem, ser determinado ou determinável nomeadamente quanto à sua qualidade, a sua especialidade, o seu domicílio ou a sua nacionalidade.

2. As partes têm ainda a faculdade:

a) De fixar o lugar da arbitragem;

b) De definir as regras de processo a observar pelo árbitro ou árbitros;

c) De estabelecer as regras de fundo que os árbitros aplicarão sob reserva da ordem pública interna.
“Artigo 44º

Se num tribunal de um dos dois Estados for instaurada uma acção compreendida no objecto de uma convenção na acepção do artigo 41º do presente convénio, o tribunal remeterá as partes para arbitragem a requerimento de qualquer delas, salvo se verificar que a referida convenção caducou, é inoperante ou insusceptível de aplicação.”


2. A segunda secção do Capítulo IV, epigrafada “Do reconhecimento e da execução das sentenças arbitrais”, compreende, por sua vez, os artigos 45º a 47º, do seguinte teor:
“Artigo 45º

As sentenças arbitrais fundadas numa convenção de arbitragem susceptível de ser reconhecida em conformidade com o disposto no artigo 41º são reconhecidas e executadas em cada um dos dois Estados.
“Artigo 46º

1. O reconhecimento ou a execução da sentença arbitral só podem ser recusados:

a) Se o reconhecimento ou a execução da sentença for contrário à ordem pública do Estado requerido;

b) Se o litígio não puder ser objecto de um processo arbitral, segundo a legislação de um ou outro dos dois Estados contratantes;

c) Se não existir contrato válido de arbitragem; todavia, este motivo de recusa não será tomado em consideração se a parte que dele pretende prevalecer-se, apesar de o ter conhecido no decurso do processo de arbitragem a que compareceu, não o invocou, ou se um tribunal do Estado em cujo território ou segundo a legislação do qual foi proferida a sentença arbitral tiver rejeitado um pedido de anulação com esse fundamento;

d) Se a sentença tiver resultado de manobras fraudulentas;

e) Se ao réu não tiver sido dada a possibilidade de se defender.

2. As transacções celebradas perante um tribunal arbitral são consideradas sentenças arbitrais.
«Artigo 47º
O processo de exequatur bem como os seus efeitos são regulados pelo disposto nos artigos 34º e seguintes da presente convenção.»


3. A matéria do Capítulo IV rege-se nuclearmente no nosso direito pela Lei nº 31/86, de 29 de Agosto - «Arbitragem voluntária» -, uma lei centrada, em princípio, na arbitragem interna, embora reservando um capítulo separado (capítulo VII) a especialidades da arbitragem internacional.

Em qualquer dos casos, arbitragem interna ou internacional, o diploma apenas se aplica «às arbitragens que tenham lugar em território nacional» (artigo 37º).

Compreende-se, por isso, que a Lei da Arbitragem Voluntária não se ocupe especificamente da revisão e confirmação, nas vertentes do reconhecimento e execução, das sentenças arbitrais, limitando-se a declarar que a decisão arbitral transitada tem a mesma força executiva da sentença do tribunal judicial de 1º instância (artigo 26º), correndo neste tribunal a sua execução nos termos da lei de processo civil (artigo 30º).

Flui do exposto que a Lei nº 31/86 não se aplica às arbitragens realizadas no estrangeiro e, por conseguinte, às que tenham lugar no território da Tunísia.

Neste outro plano, a regra do direito português é a mesma que vigora para as sentenças dos tribunais estrangeiros, e acerca da qual se teceram oportunamente as considerações pertinentes (cfr., supra, V, 3.1.): nenhuma decisão sobre direitos privados proferida por árbitros no estrangeiros - ainda que os árbitros sejam portugueses e portuguesa a lei aplicada ([38]) - tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada (artigo 1094º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Ao processo de revisão e confirmação das sentenças arbitrais estrangeiras aplica-se, por sua vez, na parte em que o puder ser, o mesmo processo delineado nos artigos 1094º a 1102º, cujos momentos mais relevantes houve o ensejo de analisar.

Poder-se-ia, nesta linha, pensar em acolher na Convenção, quanto às sentenças arbitrais, o regime, mutatis mutandis, adoptado relativamente às sentenças judiciais.

Só que esse regime nada regula, naturalmente, em quanto à Convenção de arbitragem especialmente concerne, e o Projecto revela-se cioso de uma disciplina mínima daquele importante instrumento.


4. Sucede que tanto Portugal como a Tunísia são partes na Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque a 10 de Junho de 1958 ([39]) - o primeiro Estado desde 17 de Junho de 1967 e o segundo desde 18 de Outubro de 1994 ([40]) -, na qual se regulam, quer a convenção arbitral e o seu reconhecimento (artigo II), quer o reconhecimento e a execução das sentenças estrangeiras (artigos I e III e segs.).

Verifica-se, inclusivamente, que as disposições dos artigos 41º a 47º do Projecto são, na sua maioria, homólogas, grosso modo, dos precitos da Convenção de Nova Iorque, quando não sua reprodução literal.

Apenas o artigo 42º, preceito cuja utilidade prática mal se divisa, assim como os artigos 41º, nº 3, alínea b), 43º e 46º, nº 1, alínea d), e nº 2, dispositivos de menor importância, não têm correspondência na Convenção em causa.

Afigura-se, nos termos expostos, que a Convenção a celebrar com a Tunísia bem podia, na matéria em apreciação, remeter, com inegáveis vantagens, para a Convenção de Nova Iorque de 1958.

Observe-se, todavia, na especialidade, que a alínea a) do nº 3 do artigo 41º do Projecto acolhe uma das reservas que a Tunísia formulou à Convenção de Nova Iorque, a qual, na intencionalidade detectada, mereceria particular menção ([41]).

Nesta base de trabalho se orientou, precisamente, o articulado alternativo em anexo.

VII


O derradeiro Capítulo V, «Disposições finais», integra os artigos 48º a 50º, preceitos de estilo que podem ser aceites nessa ou em outra semelhante formulação.

VIII

Do exposto se conclui:

1. O Projecto de Convenção de Cooperação Judiciária em Matéria Civil e Comercial e de Arbitragem Comercial entre a República da Tunísia e a República portuguesa suscita as considerações expendidas nos anteriores nºs II a VI, sujeitas, nomeadamente, a opções de política legislativa;

2. O articulado apresentado em anexo ao presente parecer constitui, no plano da legalidade, uma alternativa simplificada susceptível de fundar o exercício das aludidas opções políticas.





[1]) Do seguinte teor:
”Le Président de la République Tunisienne et Le Président de la République du Portugal,
Désireux de maintenir et de resserrer les liens qui unissent leurs deux pays et d’établir dans leurs rapports des règles relatives à l’entraide judiciaire en matière civile et commerciale,
Désireux également, en vue du développer les relations commerciales entre leurs deux pays, de règler certaines questions relatives à l’arbitrage commercial,
Ont décidé de conclure une convention à cet effet, et ont désigné comme leurs plénipotentiaires: ................................................................................................... .................................................................................................
Lesquels après avoir échangé leurs pleins pouvoirs, reconnus en bonne et due forme, sont convenus des dispositions suivantes.”
[2]) As secções não aparecem indicadas como tais na nomenclatura sistemática, apresentado-se simplesmente indiciadas pelas epígrafes respectivas. Permitimo-nos, pois, por razões de melhor inteligibilidade, introduzir as designações «Section I», «Section II», etc.
[3]) Aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 47097, de 14 de Julho de 1966.
[4]) Aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei nº 57/84, de 28 de Setembro, com reserva de Portugal excluindo a aceitação de pedidos e documentos redigidos em francês ou inglês.
[5]) Aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 210/71, de 18 de Maio.
[6]) Aprovada para ratificação pelo Decreto nº 764/74, de 30 de Dezembro.
[7]) Aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo nº 13/83, de 24 de Fevereiro.
[8]) Adesão de Portugal mediante a Convenção de S. Sebastian, de 26 de Maio de 1989, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 34/91, de 30 de Outubro.
[9]) Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 37/94, de 8 de Julho, com a seguinte reserva: «no âmbito do princípio da reciprocidade, Portugal só aplicará a Convenção no caso de as sentenças arbitrais terem sido proferidas no Território de Estados a ela vinculados».
[10]) Desde 17 de Julho de 1967, emitindo reserva do seguinte teor: «com as reservas permitidas pelo artigo 1º, nº 3º, da Convenção, a saber, o Estado da Tunísia aplicará a Convenção apenas ao reconhecimento e execução de decisões proferidas no território de outro Estado Contratante e unicamente aos litígios emergentes de relações jurídicas, contratuais ou não, consideradas comerciais pela lei tunisina».
[11]) As traduções em português que doravante se utilizam são da nossa autoria.
[12]) Pertinentemente, dispõem, com efeito, os nºs 1 e 2 do artigo 20º:
“Artigo 20º
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. (...)
4. (...)
5. (...)”
[13]) Os nºs 1 e 2 do artigo 15º da Constituição são do seguinte teor:
“Artigo 15º
(Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus)
1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
3. (...)
4. (...)
5. (...)”
Os nºs 3, 4 e 5 do artigo 15º introduzem, por seu turno, desvios à disposição do nº 2, sem incidência no articulado em apreciação.
[14]) Reproduza-se, para melhor elucidação, o citado artigo 14º do Código Civil:
“Artigo 14º
(Condição jurídica dos estrangeiros)
1. Os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos civis, salvo disposição legal em contrário.
2. Não são, porém, reconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado aos seus nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias.”
[15]) Transcreva-se, com efeito, o artigo 12º:
“Artigo 12º
(Princípio da universalidade)
1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.”
[16]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 122, III.
[17]) Assim podem, na verdade, ser consideradas as associações e as sociedades que tenham no estrangeiro “a sede principal e efectiva da sua administração”, segundo, respectivamente, os artigos 33º, nº 1, do Código Civil e 3º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, embora estes normativos não tenham por fim especificamente a definição da nacionalidade, mas a determinação da lei pessoal dos aludidos entes jurídicos. Cfr. sobre o tema BRITO CORREIA, Direito Comercial, 2º vol., Sociedades Comerciais, 5ª tiragem, Lisboa, 1993, págs. 88 e segs., e bibliografia adrede citada; BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª edição, Coimbra, 1992, págs. 344 e seguintes.
[18]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 136.
[19]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Ibidem.
[20]) A redacção dos nºs 2 e 4 resulta do artigo 1º da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, que igualmente aditou o nº 5 à versão original.
Observe-se lateralmente que o Tribunal Constitucional, mediante o acórdão nº 962/96, de 11 de Julho de 1996, Processo nº 361/95, “Diário da República”, I Série-A, de 15 de Outubro, págs. 3602 e segs., declarara, entretanto, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 2 do artigo 7º na sua redacção originária - e, bem assim, dos conexos nºs 1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro -, na parte em que vedavam “o apoio judiciário, na forma de patrocínio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que pretendem impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhes denegou asilo, por violação das normas conjugadas dos artigos 33º, nº 6, 20º, nº 1, 268º, nº 4, e 15º, nº 1, da Constituição da República”.
[21]) À consulta jurídica, tendo como instrumento privilegiado os “gabinetes de consulta jurídica”, referem-se os artigos 11º e segs. do Decreto-Lei nº 3987-B/87.
O apoio judiciário compreende, por seu turno, nos termos do artigo 15º do mesmo diploma, “a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento, assim como do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador”.
[22]) E não, parece, à consulta jurídica. Neste sentido, SALVADOR DA COSTA, Apoio Judiciário, 2ª edição, Lisboa, 1996, pág. 56, comentando a versão original do nº 4, idêntica à actual no segmento que nos interessa - “4- As pessoas colectivas e sociedades têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o nº 1”.
[23]) A orientação uniforme do Conselho Consultivo a propósito do artigo 8º da Constituição é, efectivamente, no sentido do primado do direito internacional pactício recebido sobre o direito ordinário interno. Cfr., v.g. os pareceres nºs 190/81, de 29 de Outubro de 1984, 69/91, de 13 de Fevereiro de 1992, 15/95, de 10 de Maio de 1995, (ponto 4.7.2.), 37/95, de 28 de Setembro de 1995 e 57/95, de 9 de Novembro de 1995, agora no vol. I da colectânea de “Pareceres”, págs. 127 e seguintes.
[24]) Bem pelo contrário. A disposição conforma-se, inclusive, com o princípio do acesso ao direito e aos tribunais plasmado no artigo 15º, nºs 1 e 2, da lei básica, tal como a doutrina e a jurisprudência constitucional o configuram. Escrevem a propósito GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op. cit., págs. 164/165: “Incumbe à lei assegurar a actuação desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais, ou as acções ou recursos estarem condicionados a cauções ou outras garantias financeiras incomportáveis. Será inconstitucional, por exemplo, o condicionamento de tramitação do recurso ao depósito prévio de determinada quantia que o recorrente não está em condições de satisfazer (Ac Tc nºs 318/85, 264/87, 345/87, 412/87, 30/88 e 56/88)”.
[25]) Para uma panorâmica sobre o tema, cfr. SALVADOR DA COSTA, op. cit., págs. 90 e seguintes.
[26]) Este por interpretação extensiva, na opinião de SALVADOR DA COSTA, op. cit., pág. 405.
[27]) Acerca da teoria dos conflitos de nacionalidade, recte, conflitos de leis sobre nacionalidade, sua génese, modalidades, relevo jurídico e soluções, de iure constituendo e de iure constituto à face da lei então vigente, cfr. FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, com colaboração de JOSÉ BAPTISTA MACHADO/JOSÉ MANUEL CORREIA PINTO, Coimbra, 1969, págs. 117 e segs. e particularmente 129 e seguintes.
[28]) A disciplina do artigo 15º da Convenção da Haia de 1965 aparece igualmente muito reproduzida no artigo 19º da recente Convenção Relativa à Citação e Notificação nos Estados Membros da União Europeia dos Actos Judiciários e Extrajudiciários em Matéria Civil ou Comercial, assinada por Vossa Excelência em Bruxelas a 26 de Maio de 1997, ainda não ratificada por Portugal e nem sequer em vigor.
[29]) Deve, por lapso, tratar-se do artigo 11º.
[30]) Trata-se por certo de outro lapso; a remissão correcta é para o artigo 22º, alínea a).
[31]) Em todo o caso, anotar-se-á, de passagem, que o artigo 20º é norma simétrica do artigo 12º, o artigo 23º do artigo 15º, e o artigo 26º, nº 1 (cfr. o artigo 12º da Convenção da Haia de 1965) do artigo 14º.
Interessa, por outro lado, registar que muitas das disposições desta parte do Projecto seguem de perto outros tantos preceitos do Capítulo I (artigos 1º a 14º) da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, citada supra, II, 2. c) (cfr. também os artigos 8º a 16º da Convenção Relativa ao Processo Civil, Ibidem).
[32]) Admite-se que a citação correcta seja do artigo 29º, nº 1, alínea a).
[33]) Com efeito, embora o “reconhecimento” de uma sentença estrangeira constitua um prius lógico relativamente ao “exequatur” propriamente dito, a verdade é que a lei portuguesa, no processo especial que o Código de Processo Civil consagra ao tema (artigos 1094º e segs.), não acondiciona as duas fatispécies em compartimentos separados, dedicando–lhes, ao invés, um tratamento uniforme.
[34]) Leia-se, para fazer sentido, “secção precedente.”
[35]) Existe decerto lapso, devendo ler-se “artigo 37º”.
[36]) FERRER CORREIA, op. cit., págs. 811 e segs., que estamos a acompanhar.
[37]) Cfr., acerca desta alínea, FERRER CORREIA, op. cit., págs. 815 e segs. e 833 e seguinte.
[38]) FERRER CORREIA, op. cit., págs. 821/822.
[39]) Aprovada para ratificação (recorde-se supra, nota 9), por Resolução da Assembleia da República nº 37/94, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 52/94, ambos de 8 de Junho de 1994.
[40]) “Multilateral Treaties Deposited with the Secretary-General” - Status as at 26 March 1998, United Nations, New York, 1997, pág. 4.
[41]) As reservas da Tunísia resultam da seguinte declaração, conforme o documento “Multilateral Treaties”, citado supra, nota 40, pág. 13: “With the reservations provided for in article I, paragraph 3, of the Convention, that is to say, the Tunisian State will apply the Convention to the recognition and enforcement of awards made only in the territory of another Contracting State and only to differences arising out of legal relationships, wether contractual or not, which are considered as commercial under the Tunisian law.”
Portugal formulou, por seu lado, uma reserva equivalente à primeira reserva tunisina, constante de declaração inserta na pág. 12 do citado documento “Multilateral Treaties”.
É do seguinte teor, conforme o artigo 2º da Resolução da Assembleia da República citada supra, nota 39: «Art. 2º. Nos termos do artigo nº 3 do artigo 1º da Convenção, Portugal formula a seguinte reserva: no âmbito do princípio da reciprocidade, Portugal só aplicará a Convenção no caso de as sentenças arbitrais terem sido proferidas nos território de Estados a ela vinculados» (cfr. supra, notas 9 e 10).