Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
256/24.3YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RP20240210256/24.3YLPRT.P1
Data do Acordão: 02/10/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC, é admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:
i - Nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.
Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.
Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.
Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.
Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;
ii - Nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).
Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.
II - Na medida em que os recursos visam por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão do recorrente por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está vedado ao tribunal de recurso apreciar questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, salvo se de conhecimento oficioso.
III - Oferecidos com o recurso documentos imprescindíveis à apreciação de exceção de conhecimento oficioso que de outro modo o tribunal deveria diligenciar pela sua obtenção, é tal junção admissível, ainda que não respeite o previsto nos artigos 425º e 651º do CPC.
IV - Sob pena de violação da autoridade de caso julgado, estando definitivamente decidido em anterior ação que correu seus termos entre as partes, que o contrato entre as mesmas celebrado o foi com prazo certo e sujeito a renovações de igual período, fica precludido o direito de verem de novo discutida a mesma questão, visando agora ver declarado que o mesmo contrato foi afinal celebrado com prazo certo, passando a contrato de duração indeterminada após a primeira renovação.
V - O legislador ao salvaguardar a “estipulação em contrário”, permitiu às partes convencionar prazos de renovação distintos do prazo mínimo de 3 anos indicado no artigo 1096º do CC para a renovação contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 256/24.3YLPRT.P1
3ª Secção Cível


Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – Manuel Fernandes

Adjunta – Ana Olívia Loureiro

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira

Apelantes/Apelados - AA e outra e BB e outra

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

A) AA e CC, requereram – a 05/02/2024 - junto do BNA contra BB e DD procedimento especial de despejo relativamente ao imóvel sito na Rua ...., ..., casa de morada de família dos requeridos, invocando como fundamento do despejo “Cessação por oposição à renovação pelo senhorio”.

Bem como peticionaram o pagamento de rendas em atraso.

Para tanto alegaram:

“1º/ Os requerentes, AA e CC, são donos e legítimos proprietários da fração B, correspondente a habitação tipo T2, sito na Rua ..., ..., ...., em ..., descrito sob o n.º ...22º - “B”, de ....

2º/ Por contrato de arrendamento celebrado entre os Requerentes e os Requeridos, datado de 25 de janeiro de 2013, os Requerentes deram de arrendamento o citado prédio aos Requeridos, conforme cópia que se anexa com o Doc. 1 e cujo clausulado se dá aqui por integralmente reproduzido.

3º/ Entre as partes foi convencionado que o contrato teria a duração de dois anos, a contar do dia 1 de fevereiro de 2013, sendo as suas renovações “de igual período, enquanto que por qualquer das partes não fosse denunciado”, isto é, diga-se, se nenhuma das partes se opusesse à renovação, nos termos do artigo 1054º do Código Civil – preceito expressamente mencionado no contrato.

4º/ No clausulado do referido contrato, as partes estabelecerem – e, de resto, quiseram estabelecer – como prazo inicial o de dois anos, sendo idêntico o prazo das renovações, a ocorrerem.

5º/ Porém, tendo convencionado o referido prazo de 2 (dois) anos, a contar do dia 1 de fevereiro de 2013, erradamente foi redigido no contrato que o mesmo terminaria “no último dia de fevereiro de 2015”, quando na realidade, sendo o prazo de dois anos, tal ocorreria em 31 de janeiro de 2015 e assim sucessivamente quanto à(s) renovação(ões) subsequente(s), a ocorrer (em).

6º/ Assim, o mencionado contrato de arrendamento, com início em 1 de fevereiro de 2013, renovou-se em 1 de fevereiro de 2015 (1ª renovação) e, novamente, em 1 de fevereiro de 2017 (2ª renovação) até 31 de janeiro de 2019 e, novamente, em 1 de fevereiro de 2019 (3ª renovação) até 30 de janeiro de 2021 (4ª renovação) e, por último, em 1 de fevereiro de 2021.

7º/ A entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro (em vigor desde o dia seguinte à respetiva publicação – vide, art. 16º da referida Lei), introduziu alteração no art. 1096º, n. 3.º 1 do Código Civil que (ora) dispõe: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (...)” – sublinhado nosso.

8º/ O contrato renovado em 1 de fevereiro de 2021 renovou, assim, naquela data, pelo período de três anos, i.e., até 31 de janeiro de 2024.

9º/ Não pretendendo os senhorios manter o vínculo contratual estabelecido para além da mencionada data de 31 de janeiro de 2024, expressamente comunicaram-no aos Arrendatários por notificação judicial avulsa, em 23.09.2023 – cfr. Doc. 2 e 3.

10º/ A enunciada cessação do contrato, por caducidade, atenta a oposição à renovação dos senhorios – levada a efeito por notificação judicial avulsa – ocorreu no transato dia 31 de janeiro de 2024, tornando imediatamente exigível a desocupação do locado, com as reparações que incumbam aos arrendatários (art. 1081º/1 do CC).

11º/ Facto é que, os arrendatários não desocuparam o imóvel, sendo devedores da indemnização pelo atraso na restituição da coisa, correspondendo à renda elevada ao dobro, nos termos do art. 1045º/2 do Código Civil, por cada mês e até à integre / desocupação do locado.”

Liquidaram ainda os requerentes o valor em dívida em € 800,00, nos seguintes termos:

“Os arrendatários não desocuparam o imóvel, sendo devedores da indemnização pelo atraso na restituição da coisa, correspondendo à renda elevada ao dobro (€400 x 2), nos termos do art. 1045º/2 do Código Civil, por cada mês e até à integra / desocupação do locado.”

E mais juntaram comprovativo do pagamento da taxa de justiça no valor de € 25,50.

B) Notificados os requeridos nos termos do artigo 15º-D da Lei 6/2006 de 27/02 [os respetivos AR´s encontram-se assinados a 12/02/2024 (requerida DD) e 14/02/24 (requerido BB)] deduziram oposição em 28/02/24, entre o mais, alegando:

- “Aos requeridos, e contrariamente ao que arrogam com o requerimento junto nos art.º 10.º e 11.º, não lhe foi comunicada a oposição à renovação na data de 23/09/2023, por Notificação Judicial Avulsa (NJA),

(…) Mas sim por carta registada com aviso de receção, datada de 18 de setembro de 2023, e recebida pelo Requerido (BB), bem como da remetida, e não rececionada pela Requerida (DD), que ora se juntam como documentos 1 e 2, e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos legais, bem como para os demais.”

Pelo que o presente procedimento não cumpre “o estatuído no disposto do art.º 15, n.º 2 al. c) do NRAU, como ainda, e na verdade, assenta sobre titulo ineficaz (comunicação de oposição à renovação), porquanto, a NJA, já junta aos autos pelos Requerentes, é, e será sempre uma segunda comunicação”;

- Tais comunicações, e conforme decorre do art.º 10.º, n.º 3 do NRAU, só concretizam a eficácia daquela primeira notificação não rececionada, (vide doc. 2, já junto) depois de decorridos que estejam 30 dias da remessa da primeira comunicação, e desde que não ultrapasse os 60 dias, sob pena de ineficácia da comunicação;

- In casu, “três dias depois da remessa da primeira comunicação, já os requerentes estavam a remeter a segunda.

(…) Assim, os Requerentes assentam o presente requerimento em título inválido e ineficaz, pois, não só não juntam aos autos a comunicação de oposição á renovação válida e concretizadora daquela prerrogativa legalmente instituída, como de resto, o mesmo não cumpre o requisito ínsito na al. c) do n.º 2 do art.º 15.º do NRAU, o que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais, bem como os demais.

(…) Tanto mais que, o imóvel alvo do contrato, é a casa de morada de família dos Requeridos, e estes, não prescindem destas supracitadas notificações, e nos termos conjugados dos art.ºs 9.º, n.º 1, 10.º, n.º 3, 11.º, n.º 4, e 12.º, n.º 1, todas da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o que ora se invoca para todos os devidos efeitos legais, bem como para os demais, termos nos quais, tal comunicação se mostra ineficaz”;

- Mais alegaram os requeridos, não cumprirem as NJA os requisitos para a cessação por caducidade do contrato de arrendamento dos autos, porquanto celebrado o contrato com início em 01/02/2013, o mesmo após o prazo inicial (31/01/2015) se renovou por duração indeterminada.

“Pois, conforme decorre não só da vontade das partes, do verbalmente acordado, bem como ainda do expressamente contratualizado, tal contrato de “Duração Limitada”, vigoraria durante os dois primeiros anos a prazo, sendo que, se converteria após esse decurso por tempo indeterminado”.

Para prova do alegado tendo oferecido os docs. 3 e 4 [correspondendo o doc. 3 a declaração dos requerentes perante a AT em 2015, na qual caraterizam o contrato como de arrendamento, indicando no campo da finalidade “Habitacional (Permanente)” e no campo das datas de inicio – 2013-01-23- deixando a data de termo em branco; correspondendo o doc. 4 às instruções de preenchimento do Modelo 2 / Comunicação de Contratos de Arrendamento, realçando entre o mais nada ter sido assinalado no campo relativo a “Contrato Renovável” (acrescentamos nós que existindo dois campos, para sim e não, nada foi assinalado)].

Concluindo que da análise de tais docs. se extrai terem os requerentes comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015 e depois da “conversão” do contrato de arrendamento para duração indeterminada, esta mesma realidade contratual;

- E a ser como os requerentes se arrogam, então o contrato ter-se-ia renovado pelo prazo de um ano sucessivamente (artigo 1054º CC), “até ao ano de 2020, sendo que de 01 de fevereiro de 2020, se renovaria até 31 de janeiro de 2023, renovando-se novamente a 01 de fevereiro de 2023 até 31 de janeiro de 2026.” (considerando a entrada em vigor da Lei 13/2019). Apresentando-se os cálculos dos mesmos incorretos.

Pelo que mesmo a ser como alegam os requerentes, sempre seria a comunicação ineficaz, por extemporaneidade;

- Os requerentes não cumpriram o prazo de denúncia previsto nos artigos 1055º e 1100º do CC (120 dias de aviso prévio);

- Os requerentes quiseram celebrar um contrato de duração indeterminada, como os mesmos bem sabem;

- Os requeridos nada devem aos requerentes.

Não sendo devida qualquer indemnização pela mora.

Termos em que concluíram os requeridos pela improcedência do procedimento, devendo julgar-se:

“a) (…) procedentes as diversas exceções invocadas, com as legais consequências daí resultantes, ou, caso não seja este o entendimento adotado;

b) (…) improcedente a presente ação por não provada e sem qualquer fundamento legal, ordenando-se a prossecução dos subsequentes termos processuais, com aplicação das legais consequências associadas;”

C) Anexo à oposição, juntaram os requeridos os documentos a que fizeram alusão no seu articulado, entre os quais ainda o alegado comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no valor de € 25,50 (efetuado o pagamento a 26/02/2024) e correspondente DUC no mesmo valor.

D) Os autos foram remetidos para distribuição, face à oposição deduzida, em 19/03/2024.

E) Uma vez distribuídos os autos, foi proferido o seguinte despacho em 21/03/2024:

“Notifique os Requerentes AA e CC para, querendo, se pronunciarem sobre a matéria de exceção deduzida pelos Requeridos – cfr. artigo 15.º-H, n.º 3, última parte da Lei n.º 6/2006, de 27.02.”

F) Por requerimento de 11/04/2024 vieram os requeridos (entre o mais) “requerer a junção aos autos de DUC ...16, comprovativo da liquidação e procuração forense” – DUC este, com data de emissão de 26/02/2024 e no valor de € 306,00 com a descrição de “taxa de justiça” / oposições à execução ou à penhora/embargos de terceiro – Tabela II.”. Bem como comprovativo do respetivo pagamento em 26/02/2024.

G) Notificados os requerentes do determinado em 21/03/2024, vieram do assim decidido interpor recurso em 12/04/2024, apresentando alegações, nas quais defenderam dever ser entendido que a oposição se não tenha por deduzida nos termos do artigo 15ºF/6 do NRAU, concluindo a final:

Deverá o recurso interposto ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, deverá ser revogado douto despacho datado de 21.03.2024 e, em sua substituição ser proferida decisão judicial para entrada imediata no domicílio, com todas as legais consequências.”

H) Contra-alegaram os requeridos/recorridos (em 29/04/2024), pugnando pela improcedência do recurso.

I) Em 22/05/2024 o tribunal a quo:

- Apreciou da admissibilidade do recurso interposto a 12/04/2024, concluindo pela sua inadmissibilidade[1]. Decisão que não mereceu reação pelas partes, nomeadamente não tendo sido alvo de reclamação nos termos do artigo 643º do CPC.

- apreciou em sede de “Pressupostos da oposição ao despejo” da questão relativa ao pagamento da taxa de justiça, concluindo:

“(…) consideramos sanada a falta de junção com a oposição do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, pelo que nada impede que se conheça de mérito”.

- Mais proferiu em seguida decisão de mérito, tendo a final concluído:

“Em face de tudo o expendido, julgo procedente a oposição e, em consequência, indefiro o pedido de emissão de título de desocupação do locado, por julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento especial de despejo e absolvo os Requeridos do presente, por se manter válido o contrato de arrendamento celebrado, produzindo a sua renovação efeitos até 31.01.2025.”


*

***


Do assim decidido interpuseram requerentes e requeridos recurso de apelação.

Interpuseram os requeridos, (em 11/06/2024), recurso da decisão de 22/05/2024 “que decidiu a improcedência da exceção de que o contrato de arrendamento foi celebrado por tempo indeterminado, nos termos e ao abrigo do art.º 15.º - H, n.º 3 do NRAU, com o seguinte teor”:

“2. Da ineficácia da comunicação (do contrato)

(…)

Improcede, assim, a invocação de que o contrato de arrendamento foi celebrado por tempo indeterminado só podendo cessar, por denúncia dos arrendatários.”

Alegando e a final apresentando as seguintes

“Conclusões

(…)


*

Não se mostram apresentadas contra-alegações autónomas pelos requerentes a este recurso.

Não obstante, tendo estes apresentado, no recurso que por sua vez interpuseram (a final – vide conclusões L e seguintes), contra-alegações ao recurso interposto pelos RR. (a regularidade desta atuação, será apreciada infra).


*

Interpuseram os requerentes (em 14/06/2024) recurso de apelação do decidido em 22/05/2024, a final apresentando as seguintes

Conclusões

(…)

Juntamente, com as alegações de recurso (nestas inseridas também as contra-alegações ao recurso dos requeridos recorrentes) juntaram os requerentes cópia da sentença proferida em 26/10/2022 no processo nº 3765/19.2T8VFR que correu seus termos pelo mesmo tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de S. M. Feira, em que foram partes igualmente AA. e RR. e onde foi peticionado pelos AA. o despejo dos RR.

Subsequentemente tendo, com o requerimento de 04/07/2024, junto certidão da mesma sentença com nota do trânsito em julgado – ocorrido em 12/12/2022 - conforme haviam protestado juntar nas suas contra-alegações, para prova da por si invocada exceção de caso julgado


*

Apresentaram os requeridos contra-alegações ao recurso interposto pelos requerentes, alegando e a final concluindo:

(…)


***

*


Os recursos de requerentes e requeridos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

O tribunal pronunciou-se sobre a tempestividade do recurso interposto pelos requerentes, atento o alegado pelos requeridos nas suas contra-alegações.

Decisão que não merece censura pelos fundamentos expostos em tal decisão.

Pronunciou-se ainda sobre as arguidas nulidades da decisão recorrida, concluindo pela sua não verificação.


*

Remetidos os autos a este tribunal foi pela relatora proferido o seguinte despacho:

“Os recorrentes requeridos interpuseram recurso da decisão final proferida.

Decisão essa que julgou a sua oposição procedente.

É fundamento do recurso a improcedência de um dos seus fundamentos de oposição.

Porém e como já referido, a final a oposição foi julgada procedente, nos termos que aqui se deixam reproduzidos:

“Em face de tudo o expendido, julgo procedente a oposição e, em consequência, indefiro o pedido de emissão de título de desocupação do locado, por julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento especial de despejo e absolvo os Requeridos do presente, por se manter válido o contrato de arrendamento celebrado, produzindo a sua renovação efeitos até 31.01.2025.”

Perante o assim decidido pelo tribunal a quo, afigura-se-nos ocorrer inadmissibilidade do recurso independente interposto pelos requeridos por não terem ficado vencidos – artigo 631º do CPC.

Do entendimento assim exposto serão as partes notificadas para querendo se pronunciar em 10 dias – vide artigo 652º e 655º do CPC.

No mesmo prazo e tendo presente o disposto no artigo 655º nº 2 e 654º nº 2 do CPC, pronunciar-se-ão ainda os Requerentes/recorrentes da pelos requeridos invocada inadmissibilidade das contra-alegações inseridas no seu requerimento de interposição de recurso da decisão final (vide conclusões XV a XX destas contra-alegações dos requeridos).”

Responderam os recorrentes requeridos, pugnando pela admissibilidade do recurso pelos mesmos interposto, em suma defendendo não serem totalmente vencedores, “tanto mais que decaíram na fundamentação no que respeita ao tipo do contrato (1094.º CC)”, adicionalmente argumentando “que sendo julgado improcedente uma exceção perentória, deduzida pela parte vencedora da ação, e discordando esta com aquela decisão de improcedência, não espelhando aquela diversa fundamentação o mesmo resultado sustentado pela decisão, apenas lhe é facultado: ou interpor recurso independente; ou, interpor recurso subordinado”, tanto mais quando o decidido tem implicações sérias, distintas e diretas na sua esfera jurídica, porquanto se decidiu como provado que o contrato de arrendamento se tem como celebrado por prazo certo, com “consequências perniciosas na esfera jurídica dos RR, ofuscando os seus direitos e garantias naquele contratado”.

A assim não se entender, tendo ainda os requeridos peticionado “a título subsidiário, a apreciação do fundamento em que decaíram na instância de que provém o recurso (art.º 636.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)

(…)

Terminando a final:

“deverá a presente pronúncia ser aceite e considerada procedente, admitindo-se o recurso independente pelos RR interposto, com as demais consequências legais;

- Subsidiariamente, e caso assim não seja de atender, dever-se-á admitir o recurso como apelação de objeto alargado por via da disciplina conjugada dos artigos 193.º e 636.º do CPC, com as demais consequências legais.”

Responderam os requerentes pugnando pela inadmissibilidade do recurso interposto pelos requeridos.

Bem como pela admissibilidade das suas contra-alegações, nos termos em que foram deduzidas.


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Foram colhidos os vistos legais.

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***


Cumpre, como questão prévia, apreciar da admissibilidade do recurso interposto pelos requeridos, bem como da admissibilidade das contra-alegações dos requerentes, nos termos em que foram apresentadas.

No que à admissibilidade do recurso interposto pelos requeridos/recorrentes concerne, analisada a sua argumentação, reconhece-se que a qualificação do contrato de arrendamento entre as partes celebrado como contrato com prazo certo – incluindo a produção dos efeitos da renovação até 31.01.2025 - ao invés de contrato de duração indeterminada nos termos em que o defenderam, pela inerente força de caso julgado material da decisão proferida que vincula as partes quanto ao assim decidido para futuro, implica uma decisão que lhes é menos favorável dentro do leque das várias soluções plausíveis de direito e nessa medida devem ser considerados como parte vencida para efeitos do artigo 631º nº 1 do CPC.

Pelo que se confirma o juízo de admissibilidade do recurso pelos requeridos interposto.

Quanto à questão das contra-alegações dos requerentes/recorridos a este recurso, deduzidas que foram no articulado de recurso independente pelos mesmos interposto, merece esta atuação análise.

Estando em causa um recurso independente interposto pelos requeridos, aos requerentes que passam a assumir a posição de recorridos, estava facultada a apresentação de contra-alegações (artigo 638º nº 5).

Tratando-se de um recurso de tramitação autónoma, a regra é que também o seja o articulado das contra-alegações que ao recurso interposto responde. Tanto que está este articulado de igual forma sujeito a tributação autónoma.

Assim só não seria no caso de ampliação do objeto de recurso, neste caso sendo tal pretensão suscitada nas contra-alegações ao recurso interposto pela contraparte[2].

A questão da tempestividade da apresentação das contra-alegações argumentada pelos recorrentes – no seu entendimento intempestivas por ainda não se ter iniciado o prazo à data em que são deduzidas - não configura óbice pertinente à sua consideração, quanto mais não fosse por convocação do princípio do aproveitamento dos atos processuais.

A questão está antes no modo do exercício do seu direito a contra-alegar, de forma conjunta, ainda que claramente separada/segmentada, com as alegações do seu próprio recurso.

Tendo os requerentes aproveitado o mesmo ato processual para deduzir em simultâneo requerimento de interposição de recurso e contra-alegar a recurso antes interposto pelos requeridos; fazendo-o, contudo, de forma devidamente autonomizada e procedendo ao pagamento das tributações autónomas devidas por ambos os atos processuais, entende-se nada obstar do ponto de vista processual a tal atuação.

Pelo que também nesta sede nenhuma censura merece o decidido pelo tribunal a quo quanto à posição assumida sobre esta questão (vide o decidido em 26/07/2024 e 02/09/2024.


***

II- Âmbito dos recursos.

Em função do acima decidido, estão submetidos à nossa apreciação dois recursos. Interpostos pelos requerentes e pelos requeridos.

Delimitados como estão os recursos pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das conclusões formuladas pelos apelantes, serem as seguintes as questões submetidas à nossa apreciação:

Do recurso dos requeridos

- Qualificação do contrato de arrendamento celebrado e em causa nos autos como contrato com prazo certo ou de duração indeterminada. E consequências de tal qualificação para o mérito dos autos.

- Exceção de caso julgado (questão suscitada pelos recorridos requerentes em sede de contra-alegações)

E (como questão prévia)

- Admissibilidade da junção de documentos com as contra-alegações de recurso dos recorridos requerentes, para prova da invocada exceção de caso julgado.

Do recurso dos requerentes

- Da admissibilidade da oposição deduzida (vide conclusões I a XXVIII);

- Da nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório (vide conclusões XXIX a XXXIX);

- Da nulidade da decisão proferida em violação do disposto no artigo 15º-F 3 e 4 do NRAU (vide conclusões XL a XLIII);

- Da ineficácia da comunicação de não renovação (vide conclusões XLIV a XLVIII).

E (como questão prévia)

- Da oportunidade da apreciação das questões suscitadas nos primeiros 3 pontos, atento o já decidido e apreciado, mencionado no relatório sobre as alíneas E) a I).


***

III- Fundamentação.

O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

“Da prova documental junta aos autos resultam os seguintes factos com interesse para a apreciação da matéria de exceção invocada:

1. Por documento particular denominado “Contrato de Arrendamento de Duração Limitada” datado de 25.01.2013, AA e CC declararam dar de arrendamento a BB e DD, a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., ... em ....

2. Consta da cláusula 2ª do contrato que este é “pelo prazo de 2 (dois) anos, a contar do dia 1 de fevereiro de 2013, podendo, no entanto, tomar posse desde já, e a terminar no último dia de mês de fevereiro de 2015, sendo as suas prorrogações de igual período, enquanto que por qualquer das partes não for denunciado com antecipação e nos termos legais (artigo 1054º).”

3. A renda inicialmente prevista foi de 400,00 € (quatrocentos euros) e deveria ser paga até ao dia 8 do mês a que dissesse respeito.

4. Os Requerentes em 23.09.2023, através de notificação judicial avulsa, comunicaram aos Requeridos a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, fazendo menção na mesma que o mesmo cessaria em 31 de janeiro de 2024 e que os Requeridos deveriam, por conseguinte, desocupar o locado nessa data.

5. Em 05.02.2024 deu entrada no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, o requerimento dos Requerentes instaurando o presente procedimento especial de despejo.”


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IV- Do erro na aplicação do direito.

Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito.

O conhecimento do objeto de ambos os recursos e das questões nos mesmos suscitadas, será efetuado em função da precedência que aquelas apresentam na relação com o mérito de ambos os recursos – vide artigo 608º ex vi 663º nº 2, ambos do CPC.


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Assim e em primeiro lugar será apreciada a questão da oportunidade das questões suscitadas nos primeiros 3 pontos do recurso dos requerentes/recorrentes.

Ou seja:

- Da admissibilidade da oposição deduzida (vide conclusões I a XXVIII);

- Da nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório (vide conclusões XXIX a XXXIX);

- Da nulidade da decisão proferida em violação do disposto no artigo 15º-F 3 e 4 do NRAU (vide conclusões XL a XLIII);

Todas estas questões estão relacionadas com o entendimento já expresso pelo tribunal a quo quanto à admissibilidade da oposição deduzida.

O despacho que então foi proferido em 21/03/2024 - vide al. E) do relatório, motivou da parte dos requerentes a interposição de recurso, defendendo precisamente que a oposição se deveria ter por não deduzida nos termos do artigo 15º F do NRAU – vide al. G) do relatório.

Alegaram então os requerentes (tal como consta das conclusões deste recurso que não veio a ser admitido):

- atento o não pagamento tempestivo da taxa de justiça, deve ter-se por não deduzida a oposição nos termos e ao abrigo do art. 15º-F/6 do NRAU, com a consequente decisão judicial para entrada imediata no domicílio, como expressamente decorre da lei – art. 15ºEA/1, b) do NRAU;

- O despacho que determinou a notificação dos requerentes para se pronunciarem sobre a matéria de exceção é nulo e de nenhum efeito.

Concluindo, a final, pela procedência do recurso e assim pela revogação do “despacho datado de 21.03.2024 e, em sua substituição ser proferida decisão judicial para entrada imediata no domicílio, com todas as legais consequências.”

O tribunal apreciou a interposição do recurso e concluiu pela sua inadmissibilidade. Nos termos da decisão que se deixou reproduzida na al. I).

Decisão na qual declarou ainda que o meio processual correto para suscitar a questão teria sido o da arguição de nulidade. O que mais considerou não ter sido feito tempestivamente. Implicando a decisão de manter a oposição deduzida.

Concluindo, a final, pela inadmissibilidade do recurso interposto.

Do assim decidido a 22/05/2024 quanto à não admissão do recurso, não foi apresentada reclamação – vide artigo 643º do CPC.

Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, cabe recurso autónomo – artigo 644º nº 2 al. d) do CPC.

Tendo os requerentes recorrido do despacho de 21/03/2024, com fundamento na inadmissibilidade da oposição deduzida, pugnando por decisão em tal sentido e não tendo sido admitido o recurso pelos mesmos interposto, cabia-lhes apresentar reclamação nos termos do artigo 643º do CPC.

Não o tendo feito e assim se tendo conformado com tal decisão, transitou o decidido quanto à não admissão do recurso da decisão que entendeu admissível a oposição.

A questão da admissibilidade da oposição está, como tal, definitivamente julgada.

Consequentemente, não pode agora em sede do presente recurso ser reapreciada de novo a questão da admissibilidade da oposição deduzida, sob pena de violação de caso julgado formal.

Da decisão em causa mais resulta que o tribunal a quo analisou a possibilidade de enquadrar o requerimento na arguição de nulidade processual, e mais declarou que a ser esse o caso, estaria já precludido o direito de a recorrente a suscitar. Por deduzida para além dos 10 dias.

Tendo a recorrente sido notificada do despacho em causa a 22/03/2024 (conforme consta certificado no histórico eletrónico), resulta acertada a afirmação do tribunal a quo de que à data em que é apresentado o requerimento – em 12/04/24 - já haviam decorrido os 10 dias para arguir as nulidades que tivesse por oportunas na sequência da tramitação processual seguida pelo tribunal.

Seja a nulidade por não conhecimento da questão relativa ao pagamento da taxa de justiça; seja pela questão de não ter tido conhecimento dos documentos oferecidos com a contestação e de que necessitaria para exercer o contraditório às exceções invocadas nessa mesma contestação.

Questão – a dos documentos, agora invocada em sede de recurso.

Não o tendo feito tempestivamente, precludiu-se o direito de mais tarde a recorrente arguir tais nulidades.

E sendo assim, forçoso é concluir pela intempestividade da arguição das nulidades que acima aludimos agora em sede de recurso.

Intempestividade que igualmente se verificavam já à data em que os requerentes interpuseram recurso.

Tal como decidido pelo tribunal a quo. No que não merece censura.

Ainda no campo das nulidades, impõe-se concluir pela improcedência da arguida nulidade por violação do princípio do contraditório.

Pois expressamente foram os recorrentes notificados para exercer o contraditório previamente

Não sendo impeditivo de tal exercício a interposição do recurso que não veio a ser admitido.

Da improcedência das nulidades assim notada, resulta também a improcedência da arguida nulidade por excesso de pronúncia que naquelas se sustentava.

Improcedem nestes termos as 3 primeiras questões colocadas à nossa apreciação pelos requerentes/recorrentes.


*

Para apreciação, do recurso dos requerentes, resta a questão da decidida ineficácia da comunicação de não renovação (vide conclusões XLIV a XLVIII).

Esta questão, assim apreciada, tem como pressuposto o prévio entendimento expresso pelo tribunal a quo quanto ao tipo de contrato celebrado (relativamente à sua duração) – contrato a prazo certo, como tal sujeito (entre o mais) à previsão legal do artigo 1097º do CC [para estes contratos, denominados pelo legislador de “prazo certo” rege a subdivisão I – artigos 1095º a 1098º do CC].

Com efeito, a estar em causa um contrato de duração indeterminada, não poderia o senhorio fazer uso do direito de se opor à renovação previsto neste artigo 1097º [para os contratos de duração indeterminada rege a subdivisão seguinte – artigos 1099º e seguintes].

Os requeridos recorrentes defendem precisamente no seu recurso, quanto à duração do contrato, ter sido entre as partes celebrado um contrato com prazo certo, o qual após a primeira renovação passaria a ser um contrato de duração indeterminada, nos termos previstos no artigo 1094º nº 2 do CC.

A qualificação, quanto à sua duração, do contrato em vigor entre as partes à data em que os requerentes comunicaram à não renovação alegada nos autos, é questão prejudicial em relação ao conhecimento da regular comunicação efetuada pelos senhorios.

Pelo que previamente cumpre agora apreciar do objeto do recurso interposto pelos requeridos/recorrentes.


*

Os requeridos recorrentes, como já mencionado, colocam à apreciação deste tribunal a qualificação do contrato em vigor entre as partes à data em que lhes é comunicada a não renovação do mesmo pelos senhorios.

E sobre esta questão, vieram os recorridos/senhorios em sede de recurso excecionar o caso julgado quanto ao assim decidido, perante decisão proferida em outro processo do qual e para prova de tal, ofereceram primeiro cópia e depois certidão com trânsito em julgado da sentença pelos mesmos convocada e demais peças processuais que acompanharam a certidão.

O oferecimento de tais documentos mereceu a oposição por parte dos requeridos, invocando a não tempestividade da sua junção.

Para além de defenderem a não verificação da invocada exceção de caso julgado.

Será em primeiro lugar apreciada a questão da admissibilidade da junção dos documentos oferecidos pelos requerentes/recorridos.

Para tanto importa ter presente que em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC, é admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:

i- Nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.

Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.

Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;

ii- Nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.

Dos pressupostos acima assinalados e no confronto com o que foi alegado pelos recorridos para a junção dos documentos em análise, resulta linear a não verificação de qualquer um dos requisitos assinalados que permitem a junção de documentos em sede de recurso pela parte.

Documentos que a parte justificou antes com a invocação de exceção de caso julgado. Exceção só agora invocada e que como tal constitui questão nova.

Ocorre que embora seja uniforme o entendimento de que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão do recorrente por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, pelo que está vedado ao tribunal de recurso apreciar questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, é também certa a salvaguarda reconhecida à apreciação de exceções de conhecimento oficioso, como é o caso julgado.

E para o seu conhecimento é imprescindível a apreciação dos documentos oferecidos.

Oferecidos com o recurso documentos imprescindíveis à apreciação de exceção de conhecimento oficioso que de outro modo o tribunal deveria diligenciar pela sua obtenção, é tal junção admissível, ainda que não respeite o previsto nos artigos 425º e 651º do CPC.

Motivo porque vai admitida a sua junção, no contexto analisado.

Assim admitida a junção dos documentos invocados pelos recorridos, cumpre apreciar se existe caso julgado quanto à questão invocada pelos recorrentes.

A decisão - sentença, despacho ou acórdão - suscetível de recurso [por contraposição às decisões proferidas no uso de um poder discricionário ou despacho de mero expediente, de simplificação ou agilização processual elencadas no artigo 630º do CPC não passíveis de recurso] faz ou forma caso julgado quando transita em julgado por não ser já suscetível de recurso ou reclamação (artigo 628º do CPC) e assim se tornar imodificável [sem prejuízo das situações excecionais decorrentes dos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência – artigos 688º e segs., do recurso de revisão – artigos 696º e segs. ou das sentenças sujeitas à cláusula “rebus sic stantibus” por condicionadas na sua eficácia ou autoridade à não alteração das circunstâncias que determinaram a condenação – artigo 619º n.º 2 do CPC].

Uma vez transitada em julgado a decisão, produz esta o efeito de “res judicata”, dizendo-se que formam caso julgado formal ou “de simples preclusão ou externo as decisões sobre questões ou relações de caráter processual ou adjetivo (por ex. o conhecimento de exceções dilatórias ou de nulidades processuais” (artigo 620º do CPC), produzindo força obrigatória intraprocessual, “não podendo o juiz, na mesma ação alterar a essa sua anterior decisão”; o que contudo não impede que em outra ação a mesma concreta questão processual seja decidida em sentido divergente pelo mesmo ou por outro tribunal.” O que se justifica por no caso julgado formal estarem em causa apenas interesses de índole e disciplina processual.

Por contraposição diz-se que “as decisões relativas à relação material controvertida ou litigiosa (reconhecimento ou não reconhecimento de direitos substantivos das partes)” formam caso julgado material “substancial ou interno (…) não podendo o mesmo ou outro tribunal ou qualquer outra autoridade, definir de modo diverso, o direito aplicável à relação material litigada” a qual assim assume força vinculativa, obrigatória intra e extraprocessual (artigo 619º n.º 1 do CPC) [cfr. Francisco Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, vol. II ed. 2015 Almedina, p. 595/596].

Doutrinalmente, à eficácia do caso julgado têm sido atribuídas duas formas distintas: “tal eficácia pode consistir num impedimento, proibição de que volte a suscitar-se no futuro a questão decidida – e estamos perante aquilo que nós chamamos função negativa do caso julgado; ou pode consistir na vinculação a certa solução – e estamos perante a função positiva. No primeiro caso, o dever é de non facere, non agere, não discutir; no segundo caso o dever é de facere ou agere, tomar como subsistente a solução julgada.” [cfr. Castro Mendes in “Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil”, edições Ática 42, p. 38].

Distinção esta que a nível jurisprudencial encontrou acolhimento por via da associação da função negativa do caso julgado à exceção do caso julgado e da função positiva do mesmo à autoridade (ou seja, outras manifestações de autoridade) do caso julgado (com correspondência à distinção Carneluttiana entre eficácia direta e reflexa do caso julgado).

Clarificando os limites objetivos do caso julgado conclui o Prof. Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997, págs. 578/9: “Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito) o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.”

E mais adiante acrescenta (in ob. e loc. cit. p. 579) “o caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada. Excluída está, desde logo a situação contraditória (…).

Além disso está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.”

A autoridade do caso julgado implica, portanto, “e independentemente da verificação de uma tríplice identidade integral, o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.” [3]

Do supra exposto ficam assim caraterizados os seguintes conceitos, com relevo para a questão em apreciação:

- caso julgado e seu pressuposto de decisão judicial transitada em julgado;

- caso julgado formal e material;

- função positiva e negativa do caso julgado e com esta distinção conexionada, respeito do caso julgado por via de exceção – quando em processo ulterior se suscite a mesma questão entre as mesmas pessoas como thema decidendum desse segundo processo (verificando-se assim a tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir) e respeito do caso julgado por via de autoridade (outras manifestações de autoridade) do caso julgado, quando a mesma questão entre as mesmas pessoas se suscita em processo ulterior, mas não como thema decidendum, antes e apenas como questão de índole fundamental ou tão só instrumental, ou quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[4] ;

- e ainda quanto aos limites objetivos do caso julgado, a sua abrangência para lá da decisão em si, aos respetivos fundamentos enquanto pressupostos da decisão. Excluindo a eficácia do caso julgado toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.

Finalmente e no que aos limites temporais do caso julgado concerne, importa referir que este se constitui por referência à situação de facto apreciada no momento do encerramento da discussão, em respeito pelo disposto no artigo 611º nº 1 do CPC.

Pronunciando-se sobre os limites temporais do caso julgado, M. Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, ed. Lex de 1997, afirma que “o caso julgado incide sobre uma decisão que deve considerar a matéria de facto tal como ela se apresenta no momento do encerramento da discussão: a sentença deve decidir de acordo com a situação existente nesse momento”, o que justifica pela necessidade de o facto constitutivo, modificativo ou extintivo do direito enquanto facto principal / ou facto essencial (na terminologia do atual artigo 5º nº 1 do CPC) ter de ser alegado pelas partes para que o tribunal do mesmo possa conhecer. Logo apenas podendo ser considerados os factos aportados aos autos até ao encerramento da discussão, tal como decorre do artigo 611º do CPC já citado.

Consequentemente estando vedado às partes em processo posterior, ou no âmbito do mesmo processo e respetivos apensos, invocar factos que contrariam o decidido na sentença transitada, numa manifestação do princípio da preclusão.

Tendo presentes estes considerandos e analisado o pedido e causa de pedir a que respeita a sentença proferida nos autos que correram seus termos sob o nº 3765/19.2T8VFR invocada pelos recorridos e cuja cópia e certidão foram juntos com as contra-alegações de recurso, resulta claro que a causa de pedir não foi a mesma, pois que se reportou a anterior comunicação de não renovação do contrato (de 2018). Ainda que tendo subjacente precisamente a mesma relação contratual de arrendamento, o mesmo fundamento jurídico de atuação (comunicação de não renovação do contrato) e pedindo o despejo, tal como nestes autos.

E se assim é, impõe-se concluir sem necessidade de mais delongas que a exceção de caso julgado / função negativa do caso julgado, dependente da tríplice identidade a que se reporta o artigo 581º do CPC não se verifica.

O alegado pelos recorridos deve ser analisado, contudo, à luz da função positiva do caso julgado, a dita autoridade de caso julgado.

Tal qual resulta dos documentos oferecidos pelos recorridos, na contestação oferecida em tal processo invocaram os mesmos a ineficácia da comunicação da renovação contratual. Mais invocaram a caducidade do direito exercido pelos senhorios e, justificando o alegado, caraterizaram o contrato entre as partes celebrado como um contrato de prazo certo, objeto já de várias renovações. Assim alegaram, entre o mais:

“51.º Ora e conforme Doc. 1 junto pelos AA. que se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, o contrato de arrendamento aqui em questão é de prazo certo pelo período de 2 (dois) anos, a contar do dia 1 de fevereiro de 2013 sendo as suas prorrogações de igual período, enquanto que por qualquer das partes não for denunciado com antecipação e nos termos legais.

52.º Assim, o contrato de arrendamento, com inicio em 1 de fevereiro de 2013, renovou-se a 1 de fevereiro de 2015 até 31 de janeiro de 2017 (1ª renovação), em 1 de fevereiro de 2017 até 31 de janeiro de 2019 (2ª renovação), e novamente a 1 de fevereiro de 2019 até 31 de janeiro de 2021 (3ª renovação).

(…)

73.º Tendo sido celebrado com prazo certo de 2 (dois) anos a contar do dia 01 de fevereiro de 2013, renovando-se automaticamente por iguais períodos, atenda a inexistência de denúncia por parte dos outorgantes, conforme resulta da cláusula 2ª do já referido contrato.”

Realizado julgamento, foi oportunamente em tal processo proferida sentença e nesta elencada como questão a decidir (entre outras):

«(1) Qualificação do contrato celebrado entre as partes: “Contrato de Arrendamento de Duração Limitada”»

Subsequentemente em sede de subsunção jurídica foi afirmado o seguinte:

Posto isto, resultou da factualidade dada como provada que, por acordo escrito

epigrafado Contrato de Arrendamento de Duração Limitada, datado de 25 de janeiro de 2013, os Autores, como primeiros outorgantes e na qualidade de senhorios, declararam dar de arrendamento aos 1ºs Réus, como segundos outorgantes e na qualidade de arrendatários, que declararam aceitar, a fração autónoma designada pela letra “B”, destinada à habitação do tipo T2, sita na Rua ..., ..., ..., em ..., descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº ...22/19930201, pelo prazo de 2 (dois) anos, a contar do dia 1 de fevereiro de 2013 e a terminar no último dia do mês de fevereiro de 2015, sendo as suas prorrogações de igual período, enquanto que por qualquer das partes não for denunciado com antecipação e nos termos legais (art. 1054º).

(…)

Mais resultou apurado que, não obstante as partes terem convencionado o prazo de 2 (dois) anos, a contar do dia 1 de fevereiro de 2013, erradamente se mencionou no contrato que o mesmo terminaria “no último dia de fevereiro de 2015”, quando na realidade, sendo o prazo estabelecido o de dois anos, tal ocorreria em 31 de janeiro de 2015 e assim sucessivamente quanto à(s) renovação(ões) subsequente(s), caso ocorresse(m).

(…)

Não existindo dúvidas quanto à existência da relação contratual de arrendamento entre os Autores e os 1º Réus, vejamos da validade e eficácia da iniciativa do Autor, enquanto senhorio, para se opor à renovação do contrato.

Para apreciar a questão trazida a juízo importa trazer à liça as seguintes normas do Código Civil, em particular os artºs 1054º, 1055º, 1095º, 1096º, 1097º e normas da Lei n.º 6/2006, de 27/2 (NRAU), em particular os artºs 9º, 11º e 12º.

(…)

Analisado o contrato de arrendamento em apreço constata-se que o mesmo foi

celebrado por prazo certo, ou seja, por 2 anos (cfr. cláusula segunda, e artº 1094º, nº 1, do Código Civil). Salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento celebrado por prazo certo renovar-se-á automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração (artº 1096º, nº 1). Por outro lado, qualquer das partes pode opor-se à renovação nos termos do artº 1097º e 1098º.

Do assim transcrito e que resulta da certidão oferecida, resulta não só que os próprios requeridos na anterior ação contra os mesmos instaurada reconheceram (e assim o invocaram) estar o contrato entre as partes celebrado sujeito a prazo certo de dois anos, após o qual foi sucessivamente foi renovado. Como o tribunal em tal ação essa mesma realidade reconheceu, declarando ter o contrato sido celebrado por prazo certo de dois anos, após renovado automaticamente por iguais períodos.

O assim decidido não mereceu censura, tendo transitado em julgado.

Através da autoridade do caso julgado pretende-se precisamente garantir que a definição de uma determinada relação jurídica obtida por via de decisão transitada em julgado não possa vir a ser apreciada diferentemente em subsequente ação, sob pena de ofensa da segurança jurídica.

Estando definitivamente decidido em anterior ação que correu seus termos entre as partes (para além de terceiros fiadores, o que para o caso não releva), que o contrato entre as mesmas celebrado o foi com prazo certo e sujeito a renovações de igual período, aliás em consonância com o que os próprios requeridos ali haviam alegado, fica precludido o direito de verem de novo discutida a mesma questão, visando agora ver declarado que o mesmo contrato foi afinal celebrado com prazo certo, passando a contrato de duração indeterminada após a primeira renovação. Sob pena de violação da autoridade de caso julgado.

Estando esta questão definitivamente decidida em anterior ação que correu seus termos entre requerentes e requeridos, não pode proceder a pretensão dos recorrentes em ver nesta ação reconhecida realidade diversa quanto ao tipo de contrato celebrado.

A autoridade de caso julgado de anterior decisão de mérito, na medida em que tem repercussão direta no mérito da pretensão formulada nesta segunda ação pelos requeridos recorrentes, inviabiliza a sua pretensão recursória.

A qual assim vai julgada totalmente improcedente[5].

Consequentemente ainda que por motivação diversa da invocada na decisão recorrida, julga-se improcedente na totalidade o recurso dos requeridos.


*

Por apreciar, fica a última questão suscitada pelos requerentes recorrentes quanto ao entendimento do tribunal a quo sobre a ineficácia da comunicação de não renovação. Entendimento que teve na sua base a interpretação da redação conferida ao artigo 1096º nº 1 do CC, pela Lei 13/2019. Em causa estando nomeadamente a interpretação a dar à expressão “salvo estipulação em contrário.

Interpretação que tem motivado entendimentos diferentes a nível jurisprudencial e da doutrina, tal qual na decisão recorrida se deixou assinalado de forma cabal e clara.

A motivação que está na base da divergência doutrinal e jurisprudencial, tem sido identificada nas diversas decisões que sobre a matéria se têm pronunciado e que no Ac. TRP de 11/11/2024 n.º de processo 4235/23.0T8PRT.P1 in www.dgsi.pt foram bastamente elencadas[6]. Ac. este em que se seguiu posição diversa da alinhada na decisão recorrida, ou seja, defendendo a imperatividade da norma que estipula o prazo mínimo de 3 anos para a renovação do contrato, sem possibilidade de a afastar.

Em sentido diverso, defendendo ter a norma em questão natureza supletiva, tal como julgado na decisão recorrida, foi decidido nomeadamente no Ac. TRP de 12/07/23[7], bem como no Ac. TRP de 09/10/2023.[8]

Assente que a nova redação conferida ao artigo 1096º pela Lei 13/2019 de 12/02 é aplicável à relação locatícia em discussão nos autos, já que dispõe sobre o conteúdo de relação jurídica já constituída e que se mantém (vide artigo 12º nº 2 do CC), acolhemos a posição seguida neste último Acórdão citado e cuja argumentação por exaustiva se deixa reproduzida:

“Como se deu nota, a equacionada questão não tem obtido uma resposta unívoca quer na doutrina quer na jurisprudência pátrias.

Assim, os sequazes da tese que advoga a natureza cogente da norma, apelam, fundamentalmente, ao seu elemento teleológico, posto que o legislador ao definir um período mínimo de renovação (de três anos), pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria. A liberdade de estipulação fica limitada à possibilidade de ser ou não convencionado a renovação automática do contrato sendo esse o significado que se atribui à expressão “salvo estipulação em contrário”. O prazo de renovação poderá ficar convencionado, desde que respeite o referido mínimo legal de três anos.

Isso mesmo é sustentado por MARIA OLINDA GARCIA[…], a qual, a este respeito, escreve que «atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova por períodos sucessivos de igual duração, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau».

Este posicionamento tem obtido acolhimento em diversos arestos, designadamente dos Tribunais da Relação[…], afirmando-se que, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, quando não o façam somente terão a liberdade para convencionar prazo de renovação superior a três anos, impondo o legislador, de modo imperativo, um prazo mínimo de três anos

Já a posição que qualifica a norma em causa como supletiva assenta, primordialmente, na ideia de que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei.

Isso mesmo é enfatizado por PINTO FURTADO[…] que, a propósito da interpretação da expressão “ou de três anos se esta for inferior” utilizada no nº 1 do art. 1096º, questiona se, com ela, se pretendeu fixar renovações de nunca menos de três anos, concluindo, mais adiante, «que semelhante dúvida é efetivamente dissolvida pelo disposto no art. 1097º/3, na redação da mesma Reforma, segundo o qual “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo”.

O que o legislador agora pretendeu fixar foi apenas que, se a duração contratual estipulada fosse de dimensão inferior a três anos, o senhorio só poderia inicialmente lançar uma oposição à renovação quando preenchidos, no mínimo, três anos sobre a sua celebração.

Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se “renovações” de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual.

Cremos, portanto, e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender».

Em idêntico sentido milita EDGAR MARTINS VALENTE[…], o qual defende que «em termos práticos, caso as partes celebrem contrato de arrendamento para habitação permanente pelo prazo certo de um ano sem convenção em sentido contrário, este, findo o prazo de um ano, renovar-se-á por um período de três anos, não sendo atualmente admissível renovação supletiva por período inferior, ao invés do que sucede se as partes celebrarem um contrato com a duração inicial de, por exemplo, quatro anos, findo os quais, o contrato se renovará por período de tempo de igual duração.

Note-se que as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão, conforme resulta da parte inicial do nº do artigo, tal significando que as referidas regras constantes do preceito alterado apenas serão aplicáveis na ausência de acordo ou estipulação contratual das partes em sentido diverso, sendo certo que na ausência de qualquer disposição diversa das partes, o período mínimo de renovação do contrato é de três anos».

Cotejando a argumentação que tem sido apresentada em sustentação de cada uma das enunciadas posições, afigura-se-nos que o prazo previsto no nº 1 do art. 1096º tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos, desde que as partes nisso tenham convencionado, entendimento que não afronta o espírito do legislador, embora o mesmo se afigure pouco transparente, estando conforme o elemento literal e o elemento sistemático da interpretação da norma em causa.

De facto, como adrede se sublinha no acórdão da Relação de Lisboa de 17.03.2022[…] «quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.

A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.

Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).

Trata-se de uma solução que “foge” à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.

Mas foi a opção do legislador.

O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.

Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objeto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?

Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador “esqueceu-se” de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.

Efetivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art. 1095º do mesmo Código […].

E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.

Ou seja, e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano (duração inicial ou sucessiva de um ano).

Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior proteção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.

Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.

Por fim, refira-se que o processo legislativo […] pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art. 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.

Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.

[…]

Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos.

Uma e outra aceção, encontrando-se por demonstrar.

Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019 […].

Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento.

Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano.

Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art. 405º do Código Civil».

E, em análogo sentido se escreve no já citado acórdão da Relação de Lisboa de 10.01.2023 que «Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.

Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.

Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).

A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.

De facto, a tese segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do artigo 1097º do Código Civil.

Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo, ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº 1 do artigo 1096º.

Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático».

Isso mesmo é igualmente posto em evidência no acórdão desta Relação de 23.03.2023, onde se escreve que “...percorrido o atual regime do arrendamento para habitação com prazo certo, o que dele decorre é que:

- há um prazo mínimo de um ano e um prazo máximo de 30 anos, que são imperativos;

- o arrendamento não pode ter duração inferior a um ano, mas pode durar apenas esse ano, caso se preveja a sua não renovação automática;

- estando prevista a sua não renovação automática, o arrendamento durará menos de três anos se for celebrado pelo prazo de um ou pelo prazo de dois anos.

Vistas estas situações, que resultam da conjugação dos arts. 1095º, nº 2, 1096º, nº 1, e 1097º, nº 3, do Código Civil, realmente não se percebe que nestes casos o legislador não quisesse proteger a segurança e estabilidade do arrendamento por mais tempo e não se tenha preocupado com a situação de desequilíbrio entre senhorio e arrendatário, e só o tivesse pretendido fazer nos casos de renovação automática em que o período inicial de duração fosse de um ou dois anos. Menos se percebe esta discrepância, se considerarmos a posição que defende que apenas o prazo de 3 anos como mínimo para a renovação é imperativo, o que significaria que no caso de contratos celebrados por 4 ou mais anos o prazo de renovação poderia ser fixado em período inferior ao inicial (desde que no mínimo 3 anos): também aqui se poderia questionar o porquê de num contrato com duração inicial de 10 anos se poder fixar a renovação por períodos de 3 anos, inferiores a um terço do período inicial – neste caso já não estaria em causa a estabilidade do arrendamento, nem seria relevante o desequilíbrio de posições entre as partes?

Portanto, o que pode concluir-se em termos de lógica do sistema e de boa interpretação do português utilizado no texto da norma é que o legislador pretendeu que nos casos em que as partes não quiseram regular expressamente essa matéria as renovações automáticas não fossem por períodos inferiores a 3 anos, mas não pretendeu que o não pudessem fazer de modo diferente, unicamente com as exceções já referidas, das quais resulta que:

- tratando-se de arrendamento de duração de um ou dois anos, com renovação automática expressamente prevista, seja qual for o prazo desta, não pode haver oposição à primeira renovação do contrato;

- tratando-se de arrendamento de duração de um ano, com renovação automática expressamente prevista, o prazo da primeira renovação não pode ser inferior a dois anos, já podendo sê-lo o prazo das renovações subsequentes.

Veja-se, aliás, a redação da norma: inicia-se com a expressão “salvo estipulação em contrário”, seguindo-se uma vírgula e depois toda a expressão “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.

Tal significa, em bom português, que a possibilidade de estipulação em contrário abrange toda a hipótese situada após a vírgula, isto é, a possibilidade ou não de renovação do contrato e a respetiva duração da renovação prevista. Ou seja, daí resulta que as partes podem estipular que o contrato não se renova no fim do prazo de duração inicial, podem estipular que se renova sem fixar prazo para o efeito ou remetendo para o prazo previsto na lei, ou podem estipular que se renova por prazo diferente do que consta da lei (nas palavras de Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e atualizada, 2021, pág. 651, “a ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito”).

Só não podem é prever que haja oposição à renovação antes de decorridos três anos desde o início do contrato, atenta a disposição, essa sim imperativa, do nº 3 do art. 1097º do Código Civil. O que apenas significa que nos contratos em que não haja cláusula a prever a não renovação automática, a sua duração será no mínimo de 3 anos, mas daí nada se pode inferir para os períodos ulteriores, posto que esta norma nada estabelece quanto a estes».

Portanto, de acordo o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na sua atual redação, o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.

Este é, porém, o regime supletivo nele previsto para a renovação automática dos contratos de arrendamento com prazo certo.

Com efeito, o uso da expressão “Salvo estipulação em contrário” no início do dispositivo em causa apenas pode querer significar que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.

É claramente o que, quanto a nós, resulta da interpretação literal do preceito, mas que igualmente é apontada por uma interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.

Se a lei permite que os contratos de arrendamento possam ser celebrados pelo prazo de um ano, de acordo com o n.º 2 do artigo 1095.º, se a lei nem sequer veda a possibilidade de, por acordo, as partes excluírem a renovação automática do contrato, não faria qualquer sentido que impusesse, sem admissão de poderem as partes convencionarem prazo inferior, um prazo mínimo de três anos para a renovação automática do mesmo contrato.”

Concluindo, sendo nosso entendimento o de que o legislador ao salvaguardar estipulação em contrário, permitiu às partes convencionar prazos de renovação distintos do prazo mínimo de 3 anos indicado no artigo 1096º para a renovação contratual, impõe-se confirmar a decisão recorrida também neste segmento.

Uma vez que o contrato em causa nos autos teve início em 01.02.2013, renovou-se o mesmo nos dias 01.02.2015, 01.02.2017, 01.02.2019, 01.02.2021 e no dia 01.02.2023 por mais dois anos.

A comunicação de oposição à renovação constante do ponto 4 dos factos provados posterior à renovação de 2023, enviada a setembro de 2023 foi como tal ineficaz, tal como decidido pelo tribunal a quo.

Implicando a improcedência da pretensão dos requerentes/recorrentes.


***


IV. Decisão.

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedentes ambos os recursos interpostos por requerentes e requeridos, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 2025-02-10

(M. Fátima Andrade)

(Manuel Fernandes)

(Ana Olívia Loureiro – vencida nos termos da declaração de voto) - [Declaração de voto: Acompanhando toda a demais fundamentação do acórdão, voto de vencida a decisão na parte em que julgou improcedente o recurso dos recorrentes/requerentes do procedimento especial de despejo, no seguimento do entendimento por mim expresso no acórdão de 11-11-2024, no processo 4235/23.0T8PRT.P1, referido na nota 6, por entender que a melhor interpretação a dar ao artigo 1096º, número 1 do Código Civil é a de que o mesmo possibilita às partes a estipulação de contrato a termo certo, com afastamento da possibilidade da sua renovação, impondo todavia, quando tal acordo inexista, que as renovações automáticas tenham um prazo mínimo de três anos, apenas podendo tais renovações ser impedidas por via da declaração atempada de oposição às mesmas. Em face desse entendimento, e remetendo para a fundamentação do referido Acórdão, teria considerado válida e eficaz a oposição à renovação enviada em setembro de 2023 para operar a partir de 01-02-2024.]

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[1] Nos termos da decisão que aqui deixamos reproduzida:
“Referência 16012218:
AA e CC instauraram no BAS procedimento especial de despejo contra BB e DD.
Notificados, BB e DD vieram opor-se ao procedimento especial de despejo por requerimento datado de 28 de fevereiro de 2024 no qual se defendem por exceção e por impugnação.
Distribuídos os autos ao presente juízo local cível, foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique os Requerentes AA e CC para, querendo, se pronunciarem sobre a matéria de exceção deduzida pelos Requeridos – cfr. artigo 15.º-H, n.º 3, última parte da Lei n.º 6/2006, de 27.02.
Prazo: 10 dias.”
Deste despacho, AA e CC interpuseram recurso de apelação com subida em separado e efeito suspensivo, com fundamento nos artigos 638.º, n.º1 e 644.º, n.º 2, als. d) e h), 645.º, n.º2 e 647.º, n.º3, alínea b), todos do CPC.
Alegam, em síntese, que o despacho é nulo uma vez que com a oposição ao procedimento especial de despejo, BB e DD não procederam ao pagamento da taxa de justiça devida o que constitui pressuposto processual e, portanto, o tribunal, alegam, não pode conhecer de mérito e, em vez do despacho de que recorrem, deveria ter proferido despacho a determinar a entrada imediata no domicílio, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 15.º-EA.
Da (in)admissibilidade do recurso
Na sequência da instauração no BAS do procedimento especial de despejo por AA e CC, notificados, BB e DD vieram opor-se por requerimento datado de 28 de fevereiro de 2024 no qual se defendem por exceção e por impugnação.
O procedimento foi recebido pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio e remetido para o presente juízo local cível.
Da análise do formulário da oposição verificamos que consta a menção “pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo”. Não obstante, com os documentos que instruem a oposição, foi junto documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça no valor de 25,50 € com o descritivo “Execuções - diligências não realizadas por oficial de justiça - Tabela II A”.
Ora, tendo em conta que o valor da renda do contrato em causa é de 400,00 € mensais, o valor da ação é de 12.000,00 € - cfr. artigo 26.º do D.L. n.º 1/2013, de 07 de janeiro e, portanto, a taxa de justiça devida pela oposição é de 306,00 € - cfr. artigo 22.º do D.L. n.º 1/2013 e tabela II “Oposição à execução (…) até 30.000,00 €”.
Por outro lado, dispõe o artigo 15.º-C da Lei n.º 6/2006, de 27.02 que “1 – O requerimento só pode ser recusado se:
(…)
h) Não se mostrar paga a taxa;”.
Acresce que o n.º 2 do artigo 145.º do CPC estabelece que “A junção de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.”.
Finalmente, estabelece o artigo 9.º, n.º 2 do D.L. 1/2013, de 07.01 que “Compete exclusivamente ao tribunal, para o qual o BAS remete o processo após a apresentação da oposição, a análise dos requisitos da oposição, nomeadamente os previstos no n.º 6 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.”
Resulta da conjugação das disposições legais transcritas que os Requeridos não pagaram a taxa de justiça devida e pela oposição.
Assim, não restam dúvidas que deveria o tribunal ter apreciado a falta de pagamento da taxa de justiça devida e que não o tendo feito omitiu uma formalidade que a lei exige.
A propósito das nulidades processuais, a omissão descrita apenas poderia ter enquadramento no n.º 1 do artigo 195.º do CPC que estabelece que “(…) a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” Sendo certo que a nulidade prevista no artigo não é de conhecimento oficioso e deve ser invocada no prazo de 10 dias, previsto no artigo 149.º do CPC – cfr. artigos 196.º e 199.º do CPC.
Ora, os Requerentes interpuseram recurso do despacho invocando uma nulidade processual e fizeram-no no prazo de 18 dias após a sua notificação [15 dias mais 3 dias úteis].
Resulta do exposto que ainda que o tribunal considerasse a invocação da nulidade, a mesma seria extemporânea.
No que diz respeito ao recurso, não se admite por inadmissibilidade legal. De facto, sendo invocada uma nulidade processual, o seu conhecimento compete ao tribunal a quo, tanto mais que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º– cfr. artigo 630.º, n.º 2 do CPC.
Ver acórdão da Relação de Lisboa de 10-05-2018 no âmbito do processo n.º 1905/13.4TYLSB-F.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
Custas a cargo dos Requerentes.”
[2] Vide neste sentido Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição atualizada em anotação ao artigo 633º do CPC, p. 113 a 116 e 121; ainda o mesmo autor em anotação ao artigo 638º, p. 170 a 172.
[3] Vide Ac. STJ de 27/09/2018, Relator Tomé Gomes in www.dgsi.pt
[4] Vide Ac. STJ acima citado.
[5] Cfr. neste sentido Ac. TRL de 21/12/2021, nº de processo 131/21.3T8PDL.L1-7; Ac. TRE de 13/01/2022, nº de processo 260/21.3T8STR.E1; Ac. TRP de 13/04/2021, nº de processo 7834/19.0T8VNG-A.P1, todos in www.dgsi.pt
[6] Ac. este relatado pela aqui 2ª adjunta.
[7] Em que interveio como 1º adjunto o também 1º adjunto nestes autos. Acórdão proferido no processo 19506/21.1T8PRT-A.P1 publicado in www.dgsi.pt
[8] Em que a ora relatora interveio como 1ª adjunta, proferido no processo 1467/22.1YLPRT.P1 publicado in www.dgsi.pt