Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
402/21.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: ATO DE COMÉRCIO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
DANO DE PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RP20240909402/21.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - De harmonia com a primeira frase da segunda parte do artigo 2º do C. Comercial, são comerciais os actos e obrigações do comerciante, assim os reservando às sociedades comerciais e a todos os que fazem do comércio profissão.
II - São actos de comércio subjectivos todos os actos e responsabilidades do comerciante, nos moldes traçados no art. 13.º do C. Comercial, que não pertençam a um género que não tenha, pelo menos, uma espécie comercial, e que tenham sido praticados ou assumidos no exercício do seu comércio, presumindo-se, salvo prova em contrário, que efectivamente o foram, e cabendo ao comerciante o ónus da prova em contrário.
III - O artigo 471.º do Código Comercial só se aplica estando em causa contrato de compra e venda que corresponda a um dos tipos descritos nos artigos 469.º e 470.º do Código Comercial.
IV - A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado, correspondendo o vício a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, representando a desconformidade uma discordância ao fim acordado.
V - Por força do disposto no nº1 do artigo 916º do Código Civil, para que haja responsabilidade pela venda de coisa defeituosa é necessário que o comprador, previamente, denuncie ao vendedor o vício ou falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver actuado com dolo e, nos termos do nº2, a denúncia deve ser feita até 30 dias, depois de conhecido o vício, e nos seis meses posteriores à entrega da coisa. Assim, o comprador tem seis meses a contar da entrega da coisa para descobrir o defeito e, depois de descoberto o defeito, tem trinta dias para comunica-lo ao vendedor.
VI - A garantia de bom funcionamento, prevista no artigo 921º do Código Civil, visa reforçar a posição jurídica do comprador e enquadra-se na responsabilidade objectiva do vendedor, pelo que a cláusula contratual através da qual as partes acordam afastar a garantia de bom funcionamento não colide com as regras da responsabilidade subjectiva.
VII - Integrando o direito de propriedade, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição que envolve até o direito de não usar, a privação do uso reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património.
VIII - Na fixação equitativa do dano de privação do uso do veículo - na falta de quantificação objectiva desse dano - justifica-se o recurso, como referência, ao valor de locação, por ser o preço mais próximo que o mercado oferece para a utilização de um bem e que corresponde ao dispêndio que seria feito se o lesado procurasse um bem substitutivo através da locação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 402/21.9T8VNG.P1




Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeira Adjunta: Desembargadora Teresa Maria Sena Fonseca; e

Segunda Adjunta: Desembargadora Ana Olívia Esteves Silva Loureiro

I_ Relatório

A..., Lda. intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B..., S.A., anteriormente designada C..., S.A., pedido a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre ambas com fundamento no dolo ou, subsidiariamente, por erro sobre o objecto do negócio e, em consequência, a condenação da Ré a devolver à Autora o preço de €38.130,00, pago pela escavadora; e no pagamento, a título de indemnização, das quantias despendidas em benfeitorias necessárias e na reparação do veículo, no valor de €1.800,00 ou, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de €1.800,00.

Subsidiariamente, pede a Autora:

- a condenação da Ré a reparar a escavadora identificada, com substituição da redutora;

- a condenação da Ré a pagar a título de indemnização a quantia de €904,73 mensais, desde a citação até à entrega da escavadora devidamente reparada.

Alegou, em síntese, que:

_ Comprou, à Ré, em 22/07/2020, a máquina escavadora, marca LIEBHERR, modelo R934C SN: WLHZ0918EZC023542, usada, pelo preço de €38.130,00 (€31.000,00 + IVA à taxa de 23%) e que esta lhe garantiu que, apesar de usada, aquela máquina se encontrava em bom estado de funcionamento padecendo, apenas, das deteriorações e do desgaste inerentes ao uso normal.

_ Examinou a máquina à procura de defeitos visíveis e verificou que a mesma funcionava, assumindo que necessitaria de algumas reparações e substituições de peças, nomeadamente, substituição de alguns acessórios e reparação de algumas componentes, mas que não comprometiam o funcionamento da máquina, não tendo desmontado a máquina, pelo que não pôde verificar se a mesma padecia de algum vício que pusesse em causa o seu funcionamento e lhe retirasse qualquer interesse ou valor comercial.

_ Em 6 de Agosto de 2020, comprou um “Balde para Escavadora”, pelo peço de €2.706,00; em 30 de Setembro de 2020, efectuou reparações, no valor de €1.051,00; e em 15 de Outubro de 2020, comprou “Ripper para escavadora 30T” e “Cavilha de engate rápido DN80 para Ripper”, pelo preço de €3.370,20.

No início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho, a máquina adquirida à Ré deixou de funcionar.

Apurada a causa da avaria, constatou a A. que a redutora havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento, adulteração que foi feita pela R. por forma a que mesma pudesse funcionar o tempo necessário para que a máquina fosse vendida.

_ A R. sabia que a modificação efectuada apenas permitiria funcionar com a escavadora por um curto espaço de tempo.

_ Se a A. tivesse sabido que a redutora estava avariada e que tinha sido adulterada, carecendo de ser reparada/substituída, nunca teria adquirido aquela escavadora.

_ A R. actuou com o objectivo conseguido de enganar a A., levando-a a adquirir uma máquina avariada.

_ A reparação da máquina tem o custo de €10.116,75 (€8.225,00 + IVA).

_ A Autora necessitava de uma escavadora no imediato para realizar obras que lhe haviam sido adjudicadas, razão pela qual, quando a escavadora vendida pela Ré deixou de funcionar, viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de outra, tendo celebrado com o Banco 1..., em 23 de Novembro de 2020, um contrato de locação financeira que tem por objecto o aluguer com opção de compra de uma Escavadora Rotativa de Rastos da marca HITACHI, no valor de €52.275,00, pelo qual paga mensalmente a quantia de €904,73.

Caso se entenda que o negócio celebrado entre Autora e Ré não é anulável por dolo ou erro sobre o objecto, a máquina vendida pela Ré padece de avaria/defeito grave que impede o seu normal funcionamento. A autora apenas tomou conhecimento do defeito e dos actos praticados para o dissimular em 18 de Novembro de 2020 e, nesse mesmo dia, entrou em contacto com o vendedor da máquina, não tendo o mesmo dado qualquer solução à reclamação apresentada, razão pela qual um representante da Autora se deslocou às instalações da Ré para falar com a administração, mas não foi recebido, tendo enviado a 23 de Novembro de 2020 a carta registada com aviso de recepção.

_ A Ré, por força do convencionado entre as partes e dos usos, está obrigada a garantir o bom funcionamento da máquina vendida independentemente de culpa, sendo o prazo de garantia de 6 meses (artigo 921.º CC ex. vi artigo 3.º C.Com.); a máquina foi entregue em 22 de Julho de 2020; a Autora tomou conhecimento do defeito e reclamou-o em 18 de Novembro de 2020, isto é, quatro meses depois da entrega, pelo que estão preenchidos os pressupostos legais para que a Ré seja condenada a reparar a máquina substituindo a redutora.

_ A Autora teve de alugar uma máquina para substituir a escavadora vendida pela Ré, pagando mensalmente a quantia de €904,73, constituindo o aluguer mensal um prejuízo que aquela não teria se a máquina vendida não padecesse do vício supra referido, concluindo que tem direito, a título de indemnização, à quantia mensal €904,73 desde a citação até à efectiva e cabal reparação da máquina, substituindo a redutora.

I.1_Citada, a Ré contestou e deduziu reconvenção.

Na contestação, apresentou defesa por impugnação e por excepção.

Alegou, em síntese, que:

_ A Autora comprou, no dia 21/07/2020, a máquina escavadora à empresa C..., SL, que a havia adquirido, no dia 18/10/2019, num leilão online realizado na plataforma D....

_ A máquina escavadora foi transportada para a sede da empresa C..., SL, no dia 28/10/2019 e entregue nas instalações daquela, no dia 02/11/2019.

_ Nos termos das cláusulas 14 e 16 da Plataforma de Compra e Venda Online D..., a leiloeira não se responsabiliza por qualquer informação, dano, defeito ou prejuízo que advém dos equipamentos adquiridos naquela Plataforma.

_ A Ré vendeu a máquina nas exactas condições em que a adquiriu no leilão, não tendo adulterado ou alterado a máquina escavadora para que a mesma funcionasse apenas e só para a Autora a poder adquirir, tendo se limitado a adquirir uma máquina que não viu, inspecionou ou reclamou de qualquer defeito, seja a que título for, e procedido à sua posterior revenda à Autora.

_ A R., em momento algum, garantiu que a máquina estava em bom estado de funcionamento, bem pelo contrário, limitou-se a transmitir à Autora que se tratava de uma máquina usada e que não garantia qualquer anomalia que a mesma tivesse, tanto assim é que a Autora, no dia 17/07/2020, aceitou a proposta para a aquisição da máquina, estando perfeitamente ciente que a C..., S.A. não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição.

_ Para além da advertência da inexistência de garantia constante da proposta de compra e venda subscrita pela A., a mesma foi disso informada e alertada novamente, em sede de factura de compra, onde consta de igual forma a menção de que a “C..., S.A. não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição. Cabe ao comprador confirmar a informação e suportar o custos de todas e quaisquer reparações que venham a ser necessárias, condições que inclusive influenciam o preço.”

Conclui que a A. não podia ignorar que estava a adquirir uma máquina usada e sem qualquer tipo de garantia por parte da R., não havendo qualquer uso ou costume que criassem a obrigação de garantia de bom funcionamento por parte desta.

_ Aquando da deslocação às instalações da R., a Autora foi acompanhada de um mecânico da sua confiança para inspecionar e analisar a máquina escavadora LIEBHERR, não tendo reclamado qualquer tipo de defeito ou outra situação, e menos ainda, uma alegada adulteração e actuação fraudulenta por parte da R. na redutora da máquina.

_ A máquina adquirida pela A. tinha mais de 10 anos e o seu preço era aproximadamente 1/8 do preço de uma máquina nova semelhante que tem um custo de cerca de 242.000,00€ + IVA.

_ A máquina escavadora esteve na disponibilidade da A. desde o dia 22/07/2020, sendo que alegadamente, na tese da A., terá deixado de funcionar ao fim de 100 horas de trabalho, e apenas terá verificado a avaria na redutora no dia 18/11/2020, ou seja, cerca de 4 meses após a aquisição da máquina.

_ Autora e Ré são sociedades comerciais pelo que se trata de contrato de compra e venda mercantil, sendo aplicável o artigo 471º do Código Comercial que prevê um regime de denúncia dos defeitos da coisa objeto do contrato diverso do previsto no Código Civil, nos termos do qual “as condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no acto da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou não as examinando, não reclamar dentro de oito dias”.

_ Assim, ainda que se considere que a A. não examinou a máquina aquando da sua entrega, a mesma teve na sua disponibilidade a máquina durante cerca de 4 meses (desde 22.07.2020), sem nunca ter reclamado perante a R. qualquer tipo de defeito ou avaria, quando o podia ser feito, no prazo de 8 dias após a entrega da mesma, mas nunca passados cerca de 4 meses após a perfeição do contrato.

_ A Autora disponha de meios suficientes para poder inspecionar e examinar a máquina no prazo de 8 dias após a entrega, o que manifestamente não aconteceu, limitando-se a adquirir alegadamente acessórios por desgaste da mesma.

_ Se a A. teve a oportunidade de adquirir diversos acessórios para fazer face ao desgaste da máquina, também podia perfeitamente ter detectado de imediato a alegada avaria na redutora da máquina, só não o fazendo por manifesta falta de diligência que só a si é imputável, podendo e devendo ter diligenciado pelo concreto apuramento das condições da máquina, particularmente, quando havia sido alertado, por diversas vezes, que a compra que fazia não tinha qualquer garantia de bom funcionamento.

_ Assim, ainda que se possa admitir por hipótese académica que o prazo de 8 dias para a denúncia dos defeitos possa ocorrer após a entrega da máquina por incapacidade de a examinar devidamente, o início desse prazo deverá contar-se a partir do momento em que A., se actuasse com a diligência exigível ao tráfego comercial, teria descoberto os defeitos, ou seja, no prazo de 8 dias após a data de 22.07.2020, e nunca apenas em 18.11.2020.

_ Ainda que se aplicasse ao caso a lei civil, a exclusão da garantia de bom funcionamento resultaria sempre dos usos e do princípio da boa fé e do equilíbrio das prestações: a política comercial da R. é clara e transparente, uma vez que vende as máquinas usadas no estado em que se encontram, sem qualquer garantia de bom funcionamento, principalmente no que respeita a defeitos mecânicos não detectáveis a olho nu de que possam padecer; não presta assistência técnica às máquinas por si vendidas e não tem forma de saber o estado exacto em que as máquinas se encontram a nível mecânico quando são por ela adquiridas por serem equipamentos sujeitos a grande desgaste, por terem muita idade, por serem adquiridas em Plataformas Online sem qualquer análise/inspecção prévia e por serem vendidas a um preço muito inferior às suas equivalentes no estado de novas.

Concluiu que o esgotamento do prazo de oito dias, previsto no artigo 471º do Código Comercial, fez caducar todos os direitos que, em princípio, podiam advir para o comprador do inadimplemento do vendedor.

Deduziu reconvenção, alegando que uma máquina escavadora semelhante à vendida à A. tem um custo mensal, em caso de aluguer, de cerca de €8.158,00, sendo o custo da hora de uma máquina semelhante à dos presentes autos de cerca de €35,00.

Concluiu, pugnando pela improcedência da acção e, em caso de procedência da acção intentada pela A., anulando-se a venda da máquina, seja julgada procedente, por provada, a reconvenção e a reconvinda condenada a pagar-lhe a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), correspondente ao período durante o qual usufruiu da máquina (100 hora de trabalho / um custo mensal em caso de aluguer, de cerca de €8.158,00/ cerca de €35,00/hora), acrescida de juros de mora desde o dia 22/07/2020 até ao efectivo e integral pagamento.

I.2_ A Autora apresentou réplica, alegando que os efeitos da anulação estão expressamente previstos na lei: restituição de tudo quanto foi prestado. Esses efeitos são retroactivos e tudo se passará como se a máquina nunca tivesse sido entregue à A., pelo que, não tem a R. direito a ser “compensada” pelas horas em que a A. trabalhou com a máquina.

I.3_Realizada a audiência prévia, foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.

I.4_ Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar:

1) a presente acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e em consequência:

a)- condenar a R. a reparar a escavadora identificada em 3), substituindo a redutora;

b)- condenar a R. a pagar à A., a título de indemnização, a quantia de 904,73 Euros mensais desde a citação até à entrega da escavadora referida em 3) devidamente reparada;

c)- absolver a R. do demais peticionado;

2) a reconvenção improcedente, por não provada, e em consequência absolver a A. do pedido reconvencional.

Custas da acção e da reconvenção pela R. (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Registe e notifique. “

I.5_ Inconformada com a sentença, a interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:

(…)

I.6_ Notificada, a Autora/Recorrida apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.

Invocou a litigância de má-fé da Recorrente, com fundamento nos artigos 46, 47, 48 e 49 e XXIV, XXV, XXVI, XXVII e XXVIII das suas conclusões, alegando que:

“De facto, conforme decorre do artigo 13 dos factos provados “no início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho a maquina referida em 3) deixou de funcionar tendo sido levada para as instalações da empresa auto mecânica E... Lda. a fim de se apurar a origem da avaria”.

Do artigo 26 dos factos provados consta: “razão pela qual quando a escavadora vendida pela Ré deixou de funcionar, a Autora viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de outra.”

Torna-se, pois bastante claro que a Recorrida viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de uma máquina quando a mesma deixou de funcionar, isto é, no início do mês de novembro de 2020.

Questão diferente é quando a Requerida tomou conhecimento através da empresa Auto mecânica agostinha sousa da origem da avaria Tal facto conforme artigo 30 dos factos provados só veio a ocorrer em 18 de novembro de 2020.

A Recorrente ao alegar uma putativa incoerência nos factos provados, e “um juízo de adivinhação” quando é notório que foi dado como provado que a Recorrida providenciou pela aquisição de uma outra máquina quando a mesma avariou (início de novembro) e não quando teve conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular (18 de Novembro de 2020).

Está claramente a litigar de má-fé, invocando factos que sabem não ser verdadeiros, com objetivo de deduzir pretensão a que sabe não ter direito, pelo que deve ser condenada como litigante de má-fé ao pagamento de uma multa e de indemnização à parte contrária de valor nunca inferior a 922,50€”.

I.7_ Por despacho de 29/1/2024, foi admitido o recurso.

I.8_ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II_ Questões a decidir

Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do CPC, é pelas conclusões do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, perante as conclusões constantes das alegações da Recorrente há que apreciar as seguintes questões:

1_ Impugnação da decisão da matéria de facto por referência:
(i) Facto ínsito no ponto 13 dos factos provados [No início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho, a máquina referida em 3) deixou de funcionar tendo sido levada para as instalações da empresa Auto Mecânica E... Lda. a fim de se apurar a origem da avaria]: deve ser carreado para os factos não provados.
(ii) Ponto 14 dos factos provados [Já nas instalações da referida empresa, a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento]: deve passar a ter a seguinte redacção: “14) Nas instalações da empresa Auto Mecânica E... Lda., a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento”.
(iii) Facto ínsito no ponto 25 dos factos provados [25) A A. necessitava de uma escavadora no imediato para realizar obras que lhes haviam sido adjudicadas] e facto ínsito no ponto 26 dos factos provados quando a escavadora vendida pela R. deixou de funcionar, a A. viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de outra]: deve ser eliminado o primeiro e o segundo carreado para a matéria de facto não provada.
(iv) Factos ínsitos nos pontos 30 [30) A A. apenas tomou conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular em 18 de novembro de 2020.], 31 [31) Nesse mesmo dia entrou em contacto com o vendedor da máquina, o funcionário da R., AA, pessoa com quem a A. sempre contactou e com quem negociou os termos da venda.], 32 [32) O referido vendedor não deu qualquer solução à reclamação apresentada.], 33 [33) Razão pela qual um representante da A. se deslocou às instalações da R. para falar com a administração, mas não foi recebido.] e 36 [36) A A. tomou conhecimento do defeito e reclamou-o em 18 de Novembro de 2020.] dos factos provados: devem ser carreados para os factos não provados.
(v) Facto ínsito no ponto 37 [A Autora alugou a máquina referida em 27) para substituir a escavadora vendida pela R.] dos factos provados: deve ser alterada a sua redação para “37) A Autora alugou a máquina referida em 27)”.
(vi) Facto ínsito no ponto 38 [Pelo aluguer da máquina a A. paga mensalmente a quantia de 904,73 Euros.] dos factos provados: deve ser carreado para os factos não provados.
(vii) Factos constantes dos pontos m) [m) A R. limitou-se a adquirir uma máquina que não via, inspecionou ou reclamou de qualquer defeito seja a que título for, tendo simplesmente procedido à posterior revenda à aqui A.], o) [o) Aquando da aquisição da máquina escavadora por parte da R. em momento algum foi garantido à mesma que a máquina apresentava as características elencadas ou que estava perfeitamente apta para trabalhar], q) [q) A A. bem sabia que adquiria uma máquina usada sem garantia de qualquer bom funcionamento, isto é, que comprava a máquina sem qualquer garantia] e s) [s) Desta forma, a A. não podia ignorar que estava a adquirir uma máquina usada e sem qualquer tipo de garantia por parte da R.] dos factos não provados: devem ser transferidos para os factos provados.

2_ Natureza do contrato estabelecido entre Autora e Ré e caducidade dos direitos exercidos pela primeira.

3_ Direito da Autora à reparação da máquina escavadora, adquirida à Ré: cláusula de exclusão da garantia de bom funcionamento.

4_ Direito da Autora à indeminização pela privação do uso da máquina escavadora.

5_ Litigância de má-fé da Recorrente.

III_ Fundamentação de facto

Pelo Tribunal a quo foram considerados, na decisão recorrida, os seguintes factos:

“A) Factos Provados

1) A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social as actividades de construção civil e obras públicas, transformação de granitos e rochas afins, exportação e importação de granitos, comercialização de granitos, extracção de granito ornamental e rochas similares, aluguer de máquinas e equipamentos;

2) A R. é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à actividade de comércio, importação e exportação, aluguer com ou sem operador, manutenção e reparação de todo o tipo de máquinas e ferramentas novas e usadas, nomeadamente destinadas à construção civil;

3) Em 22 de Julho de 2020, a R. vendeu à A. uma máquina escavadora usada, marca LIEBHERR, modelo R934C SN: WLHZ0918EZC023542, pelo preço de 38.130,00 Euros (31.000,00 + IVA à taxa de 23%);

4) A A. examinou a máquina à procura de defeitos visíveis e verificou que a mesma funcionava, assumindo que necessitaria de algumas reparações e melhorias, nomeadamente, substituição de alguns acessórios e reparação de algumas componentes, mas que não comprometiam o funcionamento da máquina;

5) A A. não desmontou a máquina nem pôde verificar se a mesma padecia de algum vício que pusesse em causa o seu funcionamento e lhe retirasse qualquer interesse ou valor comercial;

6) Razão pela qual aceitou adquirir a escavadora pelo preço proposto pela R., estando ciente que dado tratar-se de uma máquina usada teria de suportar os custos com pequenas reparações e substituições de peças;

7) O que efectivamente veio a suceder;

8) Em 6 de Agosto de 2020 comprou um “Balde para Escavadora; largura 1,47 m; ref. CAT325BLN” pelo peço de 2.706,00 Euros;

9) Em 30 de Setembro de 2020 mandou que se efectuassem as reparações melhor discriminadas na fatura ...87 de 30-09-2020 pelo preço de 1051,00 Euros;

10) Em 15 de Outubro de 2020 comprou “Ripper para escavadora 30T” e “Cavilha de engate rápido DN80 para Ripper” pelo preço de 3.370,20 Euros;

11) A A. suportou estas reparações e nada reclamou da R.;

12) O preço convencionado teve em atenção o facto de se tratar de uma máquina usada que pudesse necessitar de algumas reparações, mas apta para desempenhar a actividade, isto é, que não padecesse de vício grave que impossibilitasse o seu uso/funcionamento;

13) No início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho, a máquina referida em 3) deixou de funcionar tendo sido levada para as instalações da empresa Auto Mecânica Agostinho Sousa, Lda a fim de se apurar a origem da avaria;

14) Já nas instalações da referida empresa, a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento;

15) A peça apresentava claros sinais de desgaste e necessitava de ser substituída para que a escavadora funcionasse;

16) A redutora foi adulterada nos termos referidos em 14) supra por forma a que pudesse funcionar;

17) A R. sabia que o motor do giro tinha sido mexido;

18) Se a redutora não tivesse sido alterada, a escavadora não funcionaria e a A. nunca a teria comprado;

19) A redutora da máquina vendida pela R. já estava avariada tendo sido submetida a uma alteração que dissimulou a anomalia;

20) Nunca o negócio se teria concretizado se a A. tivesse conhecimento desse facto;

21) Por se tratar de um vício não aparente e a máquina funcionar, a A. não conseguiu detectá-lo quando a examinou;

22) A reparação da máquina ascende a, pelo menos, 11.609,50 Euros;

23) A A. adquiriu a máquina no pressuposto de que a mesma não padecia de nenhum vício ou avaria que impedisse a sua utilização ou que diminuísse o seu valor;

24) Se a A. tivesse sabido que a redutora estava avariada e que tinha sido adulterada, carecendo de ser reparada/substituída, nunca teria adquirido aquela escavadora;

25) A A. necessitava de uma escavadora no imediato para realizar obras que lhes haviam sido adjudicadas;

26) Razão pela qual, quando a escavadora vendida pela R. deixou de funcionar, a A. viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de outra;

27) Em 23 de Novembro de 2020 celebrou com o Banco 1... um contrato de locação financeira que tem por objecto o aluguer com opção de compra de uma Escavadora Rotativa de Rastos da marca HITACHI no valor de 52.275,00 Euros;

28) As reparações efectuadas e pagas pela A. valorizaram a máquina em montante não inferior a 1.800,00 Euros;

29) A máquina vendida pela R. padece de avaria que impede o seu normal funcionamento;

30) A A. apenas tomou conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular em 18 de Novembro de 2020;

31) Nesse mesmo dia entrou em contacto com o vendedor da máquina, o funcionário da R., AA, pessoa com quem a A. sempre contactou e com quem negociou os termos da venda;

32) O referido vendedor não deu qualquer solução à reclamação apresentada;

33) Razão pela qual um representante da A. se deslocou às instalações da R. para falar com a administração, mas não foi recebido;

34) Tendo enviado a 23 de Novembro de 2020 a carta registada com AR que se junta como docs. 10, 11 e 12, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;

35) A máquina foi entregue em 22 de Julho de 2020;

36) A A. tomou conhecimento do defeito e reclamou-o em 18 de Novembro de 2020;

37) A Autora alugou a máquina referida em 27) para substituir a escavadora vendida pela R.;

38) Pelo aluguer da máquina a A. paga mensalmente a quantia de 904,73 Euros;

39) A R. comprou no dia 21/07/2020 a máquina escavadora à empresa C..., SL;

40) A empresa C..., SL adquiriu no dia 18/10/2019 a máquina escavadora num leilão online realizado na plataforma D...;

41) A máquina escavadora foi transportada no dia 28/10/2019 e entregue nas instalações C..., SL, em ..., no dia 02/11/2019;

42) Nos termos das cláusulas 14, 15 e 16 da Plataforma de Compra e Venda Online D..., a leiloeira não se responsabiliza por qualquer informação, dano, defeito ou prejuízo que advém dos equipamentos adquiridos naquela Plataforma;

43) Nos termos e condições constantes da Plataforma D... a compradora é a única responsável pela averiguação da veracidade das informações aí transmitidas e por todos os prejuízos que possa ter com a aquisição dos equipamentos;

44) A A. no dia 17/07/2020 aceitou a proposta para a aquisição da máquina em discussão nos presentes autos;

45) Consta da proposta de venda os seguintes dizeres a “C..., S.A. não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição. Cabe ao comprador confirmar a informação e suportar os custos de todas e quaisquer reparações que venham a ser necessárias, condições que inclusive influenciam o preço.”;

46) Na factura de compra consta a menção de que a “C..., S.A. não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição. Cabe ao comprador confirmar a informação e suportar os custos de todas e quaisquer reparações que venham a ser necessárias, condições que inclusive influenciam o preço.”

47) A A. aquando da deslocação às instalações da R. experimentou 2 máquinas da R., tendo optado pela máquina adquirida e em discussão nos presentes autos.

48) A A. deslocou-se às instalações da R. com um mecânico da sua confiança para inspecionar e analisar a máquina escavadora LIEBHERR, sendo que não reclamou qualquer tipo de defeito ou outra situação e uma alegada adulteração e actuação fraudulenta por parte da R. na redutora da máquina;

49) A máquina nova semelhante à adquirida pela A. tem um custo de cerca de 242.000,00€ + IVA.


*

B) - Factos não provados

Não resultaram provados outros factos com relevo para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) A R. garantiu à A. que a máquina referida em 3) se encontrava em bom estado de funcionamento padecendo apenas das deteriorações e do desgaste inerentes ao uso normal;
b) Por se tratar de uma reparação dispendiosa, a R. decidiu adulterar a redutora nos termos referidos em 14) supra por forma a que esta pudesse funcionar o tempo necessário para que a máquina fosse vendida;
c) A R. sabia que a modificação efectuada apenas permitiria funcionar com a escavadora por um curto espaço de tempo;
d) O suficiente para que a máquina fosse vendida e o cliente enganado;
e) A redutora da máquina foi adulterado por forma a dar a aparência de que funcionava e não padecia de qualquer vicio que lhe retirasse interesse ou valor comercial;
f) A artimanha usada pela R. foi determinante para enganar s A. e convencê-la a fazer o negócio;
g) A redutora da máquina vendida pela R. foi submetida a uma alteração que não teve por objectivo repará-la, mas tão somente dissimular o defeito e permitir a venda da máquina;
h) A R. actuou com o objectivo conseguido de enganar a A., levando-a a adquirir uma máquina avariada;
i) A reparação da máquina ascende ao montante de 10.116,75 Euros (8.225,00 Euros + IVA);
j) A R. sabia e não podia ignorar, até porque for informada pela A, que a máquina era muito necessária,

k) A R. adquiriu e vendeu a máquina nas exactas condições em que a adquiriu m leilão realizado na Plataforma D...;

l) A R. não adulterou ou alterou a máquina escavadora para que a mesma funcionasse apenas e só para a A. a poder adquirir, e menos ainda, procedeu a qualquer adulteração ou intervenção na redutora através do seu corte e enchimento com solda para ter movimento;

m) A R. limitou-se a adquirir uma máquina que não via, inspecionou ou reclamou de qualquer defeito seja a que título for, tendo simplesmente procedido à posterior revenda à aqui A.;

n) A R procede à aquisição de máquinas usadas em diversas Plataformas Online de compra e venda de máquinas usadas para posteriormente as colocar no mercado português;

o) Aquando da aquisição da máquina escavadora por parte da R. em momento algum foi garantido à mesma que a máquina apresentava as características elencadas ou que estava perfeitamente apta para trabalhar;

p) A R. transmitiu à A. que não garantia qualquer anomalia existente na máquina;

q) A A. bem sabia que adquiria uma máquina usada sem garantia de qualquer bom funcionamento, isto é, que comprava a máquina sem qualquer garantia;

r) A R. compra todas as máquinas usadas que tem para venda em Portugal no estrangeiro, em Plataformas Online, pelo que nunca poderia garantir fosse o que fosse, e menos ainda, o bom funcionamento da mesma;

s) Desta forma, a A. não podia ignorar que estava a adquirir uma máquina usada e sem qualquer tipo de garantia por parte da R.;

t) Uma máquina escavadora semelhante à vendida à A. tem um custo mensal em caso de aluguer, de cerca de 8.158,00€;

u) Desta forma, o custo hora de uma máquina semelhante à dos presentes autos é de cerca de 35,00€/hora, o que perfaz a quantia de pelo menos 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros) pelo uso e fruição da máquina durante 100 horas.”.

III_ Fundamentação de direito

1ª Questão

Dissente a Recorrente da decisão da matéria de facto por referência aos seguintes pontos:
(i) Facto ínsito no ponto 13 dos factos provados [No início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho, a máquina referida em 3) deixou de funcionar tendo sido levada para as instalações da empresa Auto Mecânica E... Lda. a fim de se apurar a origem da avaria]: deve ser carreado para os factos não provados.
(ii) Ponto 14 dos factos provados [Já nas instalações da referida empresa, a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento]: deve passar a ter a seguinte redacção: “14) Nas instalações da empresa Auto Mecânica E... Lda., a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento”.
(iii) Facto ínsito no ponto 25 dos factos provados [25) A A. necessitava de uma escavadora no imediato para realizar obras que lhes haviam sido adjudicadas] e facto ínsito no ponto 26 dos factos provados quando a escavadora vendida pela R. deixou de funcionar, a A. viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de outra]: deve ser eliminado o primeiro e o segundo carreado para a matéria de facto não provada.
(iv) Factos ínsitos nos pontos 30 [30) A A. apenas tomou conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular em 18 de novembro de 2020.], 31 [31) Nesse mesmo dia entrou em contacto com o vendedor da máquina, o funcionário da R., AA, pessoa com quem a A. sempre contactou e com quem negociou os termos da venda.], 32 [32) O referido vendedor não deu qualquer solução à reclamação apresentada.], 33 [33) Razão pela qual um representante da A. se deslocou às instalações da R. para falar com a administração, mas não foi recebido.] e 36 [36) A A. tomou conhecimento do defeito e reclamou-o em 18 de Novembro de 2020.] dos factos provados: devem ser carreados para os factos não provados.
(v) Facto ínsito no ponto 37 [A Autora alugou a máquina referida em 27) para substituir a escavadora vendida pela R.] dos factos provados: deve ser alterada a sua redação para “37) A Autora alugou a máquina referida em 27)”.
(vi) Facto ínsito no ponto 38 [Pelo aluguer da máquina a A. paga mensalmente a quantia de 904,73 Euros.] dos factos provados: deve ser carreado para os factos não provados.
(vii) Factos constantes dos pontos m) [m) A R. limitou-se a adquirir uma máquina que não via, inspecionou ou reclamou de qualquer defeito seja a que título for, tendo simplesmente procedido à posterior revenda à aqui A.], o) [o) Aquando da aquisição da máquina escavadora por parte da R. em momento algum foi garantido à mesma que a máquina apresentava as características elencadas ou que estava perfeitamente apta para trabalhar], q) [q) A A. bem sabia que adquiria uma máquina usada sem garantia de qualquer bom funcionamento, isto é, que comprava a máquina sem qualquer garantia] e s) [s) Desta forma, a A. não podia ignorar que estava a adquirir uma máquina usada e sem qualquer tipo de garantia por parte da R.] dos factos não provados: devem ser transferidos para os factos provados.

1.1_ Facto ínsito no ponto 13 dos factos provados [No início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho, a máquina referida em 3) deixou de funcionar tendo sido levada para as instalações da empresa Auto Mecânica Agostinho Sousa, L.da a fim de se apurar a origem da avaria]

Insurge-se a Recorrente com a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo por referência ao facto ínsito no ponto 13, sustentando que:

_ o ponto 13 constitui transcrição integral do artigo 14º da petição inicial que se mostra impugnado no artigo 2º da Contestação, pela Recorrente;

_ ouvido o depoimento integral da testemunha BB, o mesmo não menciona em momento algum quando é que a máquina foi colocada nas suas instalações e nada diz sobre o número de horas que a máquina terá trabalhado e, menos ainda, faz qualquer referência a 100 horas de trabalho da máquina e que após esse número de horas, tenha deixado de funcionar;

_ a máquina em causa possui um mecanismo de controlo de horas sendo que a Recorrida, em momento algum juntou qualquer documento para sustentar o por si alegado.

Cumpre apreciar e decidir.

Analisados os articulados, o facto ínsito no ponto 14 dos factos provados mostra-se, efectivamente, impugnado pela Ré (cfr. artigo 2º da contestação e artigo 14º da petição).

O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto a este facto no depoimento das testemunhas CC e BB, referindo que esta “constatou que a máquina apresentava as anomalias referidas em 14) e 15)”.

Ouvida a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora, constata-se que assiste razão à Recorrente, não tendo a testemunha BB mencionado qualquer data, nem o número de horas que a máquina trabalhou ou quando a mesma deixou de funcionar. O seu conhecimento dos factos sobre os quais depôs advém de, no exercício da sua actividade como mecânico, ter observado a máquina, após a mesma ter deixado de funcionar, tendo confirmado ser da sua autoria a declaração junta com a petição inicial, datada de 18 de Novembro de 2018. O seu depoimento incide, essencialmente, sobre a patologia que a máquina apresentava quando a observou e à qual se reporta a declaração junta com a petição inicial e cuja autoria confirmou, bem como o seu teor. É certo que a declaração está datada de 18 de Novembro de 2020 mas, do seu teor não resulta que a intervenção da testemunha, na qualidade de mecânico, ocorreu no mês de Novembro de 2020 ou em qualquer outro mês o mesmo sucede com o seu depoimento. Resulta, apenas, que em 18 de Novembro de 2020 já havia sido detectada a causa do não funcionamento da máquina. Acresce, ainda, que pela testemunha foi negado que a máquina tivesse sido levada para as suas instalações, contrariamente ao que foi consignado no ponto 13 dos factos provados.

Foi, ainda, inquirida a testemunha CC, técnico de contas. Declarou a testemunha que presta serviços para a Autora, desde a sua constituição, na qualidade de técnico de contas, e que possui conhecimento sobre o tipo de máquinas objecto destes autos, o que motivou ter sido mandatado por aquela para adquirir a máquina, o que sucedeu, pelo que tem conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs. Ouvido o depoimento prestado por esta testemunha, a primeira observação que se impõe é a forma entusiasmada como depôs, demonstrando interesse quanto ao desfecho da causa. Em segundo lugar, a intervenção que teve ao longo de todo o acontecimento histórico extravasa a actividade exercida por um Técnico de Contas: a testemunha adquiriu a máquina; deslocou-se às instalações da Ré para falar com a sua administração sobre a avaria da máquina e perante a recusa desta em falar consigo, decidiu recorrer a outros meios; e foi quem interveio no contrato de leasing celebrado em 17 de Novembro de 2020. Ao longo do seu depoimento, a testemunha declarou “eu paguei-lhes a máquina” e, logo de seguida, corrigiu e disse “a empresa pagou a máquina”; “os nossos planos”, rectificando logo de seguida “os da empresa”; “eu tive de comprar a seguir”, corrigindo, de imediato, “a empresa teve de comprar a seguir”; ao Ilustre Mandatário da Ré, respondeu que “tinha dinheiro para comprar a máquina a si [à Ré] e a outros”; “antes de comprar à Ré, já tinha estado no F... a ver a máquina”; “em Junho de 2020, tinha estado a ver a máquina…” que “acabei por ir lá buscá-la”, em 17 de Novembro de 2020. A forma entusiasmada como depôs espelha uma relação com a Autora que extravasa a mera prestação de serviços na qualidade de Técnico de contas e interesse no desfecho da presente acção, o que não pode deixar de ser ponderado na valoração do seu depoimento.

Do depoimento da testemunha CC não resulta qual a data em que a máquina avariou, nem qual a data em que a Autora tomou conhecimento do motivo da avaria. Sobre o número de horas que a máquina trabalhou, a testemunha, Técnico de contas a prestar serviço para a Autora nessa qualidade, declarou “só em Setembro/Outubro é que a máquina ficou pronta para trabalhar”; “iniciaram” os trabalhos de extracção de granito, em Outubro; “trabalharam à volta de 100 horas”, tendo então a máquina deixado de funcionar. Questionada sobre o número de horas que a máquina trabalhou, referiu a testemunha que a máquina “tinha à volta de cem horas, não sei se 90 horas”. Sendo esta a única prova efectuada, mostra-se insuficiente para permitir a formação da convicção do Tribunal quanto ao número de horas que a máquina funcionou. A testemunha avançou com os números 90 e 100 – podendo ter avançado qualquer outro número -, sem explicar como chegou a esse número de horas e como tem conhecimento dessa informação, considerando que a sua prestação de serviços para a Autora é na qualidade de Técnico de Contas. Desde Setembro/Outubro, a máquina trabalhou 90/100 horas, numa obra apenas? Durante quantos dias? Uma hora por dia? Nem esclareceu se a avaria ocorreu ainda no mês de Outubro ou já no mês de Novembro. Não esclareceu, ainda, em que data foi a Autora informada, pela testemunha BB, do motivo da avaria.

Sendo esta a prova, encontra-se demonstrado apenas que por carta datada de 23/11/2020, enviada nessa data à Ré, e por esta recebida em 25/11/2020 – cfr. documentos 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial -, a Autora relatou àquela que adquirida a máquina, em 22/7/2020, “passado dois meses, em que apenas trabalhou cerca de +/- 100 horas (…), no início de Novembro de 2020, a mesma avariou”, facto que já consta da matéria de facto provada (ponto 34). Dessa carta resulta, apenas, a comunicação de um facto e não o acontecimento comunicado, nem a data em que a máquina avariou e a data na qual a Autora tomou conhecimento da causa da avaria.

Decorre, ainda, do cotejo dos depoimentos das testemunhas AA e CC que o envio da carta datada de 23/11/2020 foi precedido da deslocação da segunda testemunha às instalações da Ré.

Por último, importa atender à prova pericial e aos esclarecimentos prestados, em audiência, pelo Senhor Perito. Do relatório pericial resulta com toda a clareza que a máquina deixou de funcionar. E quando é que esse facto ocorreu? Em audiência, o Senhor Perito sentiu necessidade de esclarecer que é muito difícil quantificar o tempo porque o trabalho de soldadura vai levar a que haja um enfraquecimento da zona que está contínua à zona que está a ser soldada. E esse enfraquecimento, ou seja, a diminuição da resistência desse material que é contíguo é directamente proporcional à temperatura a que esteve sujeita aquela soldadura, à temperatura e ao tempo”. Acrescentou o Senhor Perito, “eu não sei posso, especular sobre as temperaturas porque foi feita uma solda mas não sei em quanto tempo foi feita à temperatura mais alta, essa soldadura”, esclarecendo que estando em causa duas variáveis, tempo e a temperatura, não consegue precisar qual o nível de enfraquecimento que o trabalho de soldadura provocou na máquina.

Desconhecendo estas duas variáveis, o Senhor Perito avançou que depois da redutora cortada e enchida com solda, a máquina poderá ter avariado na sequência de ter estado a trabalhar durante dois/três meses, com uma cadência de oito horas de trabalho.

A apreciação e conclusão do Senhor perito não permitem o apuramento da data em que a máquina deixou de funcionar e o número de horas que funcionou, ao serviço da Autora, se oito horas por dia, durante dois/três meses; se apenas durante 100 horas; ou um número de horas diverso.

Repare-se que o depoimento prestado pela testemunha CC, Técnico de contas da autora, é muito vago quanto à data na qual a máquina foi colocada a trabalhar, tendo referido “iniciámos os trabalhos em Outubro, de extracção de granito”, sem indicar se no início, meio ou final do mês e que a máquina “tinha à volta de 100 horas, não sei se 90 horas” quando avariou. Repare-se que 90/100horas, numa cadência de 8 horas por dia, representa, no máximo, treze dias, o que significa data muito anterior ao início do mês de Novembro.

Procede, assim, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao ponto 13 dos factos provados e, em consequência, decide-se:
i. Alterar a redacção do ponto 13 dos factos provados, passando a constar do mesmo:
Em data não concretamente apurada mas não posterior a 18 de Novembro de 2020, a máquina referida em 3) deixou de funcionar tendo sido solicitada a intervenção da empresa Auto Mecânica E... Lda. a fim de ser apurada a origem da avaria.

ii. Aditar aos factos não provados o ponto v), com a seguinte redacção:

v) A máquina referida no ponto 3 dos factos provados tenha deixado de trabalhar no início do mês de Novembro de 2020 e com apenas 100 horas de trabalho e, nessa sequência, tenha sido levada para as instalações da empresa Auto Mecânica E... Lda. a fim de se apurar a origem da avaria.

1.2_ Facto provado 14 [Já nas instalações da referida empresa, a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento] dos factos provados

Em resultado da eliminação do ponto 13 da matéria de facto, por si pugnada, advoga a Recorrente que o ponto14 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: “14) Nas instalações da empresa Auto Mecânica E... Lda., a máquina foi vistoriada tendo-se concluído tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento”.

Na sequência do já exposto a propósito do ponto 13 da matéria de facto e sem necessidade de mais considerandos, procede, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto, passando o ponto 14 a ter a seguinte redacção:

14) Vistoriada a máquina pela empresa Auto Mecânica E... Lda., concluiu esta tratar-se de uma avaria da redutora que havia sido cortada e enchida com solda para ter movimento.

I.3_ Facto ínsito no ponto 25 dos factos provados [25) A A. necessitava de uma escavadora no imediato para realizar obras que lhes haviam sido adjudicadas] e facto ínsito no ponto 26 dos factos provados quando a escavadora vendida pela R. deixou de funcionar, a A. viu-se obrigada a providenciar pela aquisição de outra]

Insurge-se a Recorrente com o facto que consta do ponto 25 dos factos provados, sustentando que consiste na transcrição integral do artigo 38º da petição inicial, impugnado no artigo 2º da contestação e trata-se de uma alegação genérica, abstrata e meramente conclusiva, desprovida de sustentação factual objetiva, isto é, que obras a Recorrida tinha em curso, ou lhe haviam sido adjudicadas e que faziam com que a mesma necessitasse de uma escavadora”.

Em resultado da eliminação do ponto 25 da matéria de facto, advoga a Recorrente que deve ser eliminado o ponto 26 da matéria de facto provado, passando o mesmo a constar da matéria de facto não provada.

Cumpre apreciar e decidir.

Consta da decisão recorrida que se encontram “provados por documentos e acordo das partes, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, do Código Processo Civil, os factos insertos em (…) 29) a 36)…”.

Lidos os articulados, assiste razão à Recorrente quanto à impugnação do facto em causa, na sua contestação (artigo 2º da constelação). Analisados os documentos juntos aos autos, do respectivo teor não resulta o facto vertido no ponto 25 dos factos provados.

É efectivamente conclusivo o teor do ponto 26 dos factos provados, pelo que deve ser eliminado da decisão da matéria de facto.

No que tange ao ponto 25, a Autora não alegou – nem demonstrou – os pertinentes factos dos quais se possa extrair a necessidade, “no imediato”, de uma escavadora, para realizar obras. O depoimento da testemunha CC foi a única prova produzida sobre essa realidade. No entanto, esta testemunha CC, Técnico de contas da autora e, como tal, conhecedora dos contratos por esta celebrados, não indicou, no seu depoimento, qualquer obra em concreto a iniciar ou em curso, para a qual necessitasse de uma escavadora.

Pelo exposto, procede a impugnação, pelo que se elimina da decisão da matéria de facto o ponto 26 e transfere-se o ponto 25 para a matéria de facto não provada, aditando-se a esta o ponto x) com a seguinte redacção:

x. A Autora necessitasse de uma escavadora, no imediato, para realizar obras que lhes haviam sido adjudicadas.

I.4_ Factos ínsitos nos pontos 30 [30) A A. apenas tomou conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular em 18 de novembro de 2020.], 31 [31) Nesse mesmo dia entrou em contacto com o vendedor da máquina, o funcionário da R., AA, pessoa com quem a A. sempre contactou e com quem negociou os termos da venda.], 32 [32) O referido vendedor não deu qualquer solução à reclamação apresentada.], 33 [33) Razão pela qual um representante da A. se deslocou às instalações da R. para falar com a administração, mas não foi recebido.] e 36 [36) A A. tomou conhecimento do defeito e reclamou-o em 18 de Novembro de 2020.] dos factos provados.

Insurge-se a Recorrente com os factos que constam dos pontos 30, 31, 32, 33 e 36 dos factos provados, sustentando que não se encontram admitidos por acordo das partes, nem consta dos autos qualquer documento demostrativo de tais factos.

Cumpre apreciar e decidir.

Consta da decisão recorrida que o Tribunal a quo considerou que se encontram “provados por documentos e acordo das partes, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, do Código Processo Civil, os factos insertos 29) a 36).

No artigo 25º da contestação, a Recorrente impugnou a factualidade alegada pela Autora/Recorrida quanto à data na qual a máquina deixou de funcionar, à data na qual a Autora constatou a avaria na redutora. Situação diversa ocorre com os factos alegados nos artigos 50º, 51º e 52º e no segmento final do artigo 57º da petição.

Assim, encontra-se admitido por acordo que:

_ No dia 18 de Novembro de 2020, a autora entrou em contacto com o vendedor da máquina, o funcionário da R., AA, pessoa com quem a A. sempre contactou e com quem negociou os termos da venda.

_ O referido vendedor não deu qualquer solução à reclamação apresentada, razão pela qual um representante da A. se deslocou às instalações da R. para falar com a administração, mas não foi recebido.

_ A reclamou o “defeito” da máquina, em 18 de Novembro de 2020.

No artigo 49º da petição, alegou a Autora que “… apenas tomou conhecimento do defeito e dos atos praticados para o dissimular em 18 de novembro de 2020”, convocando o documento nº 7 junto com esse articulado.

O documento nº7 junto com a petição inicial consiste numa declaração da autoria da empresa Auto Mecânica E... Lda., assinada pela testemunha BB – que confirmou o teor da declaração, no depoimento prestado em audiência -, datada de 18 de Novembro de 2020 e de cujo teor resulta, apenas, que “a redutora da máquina (…) danificou-se devido ao pinhão ter desgastado as estrias, verificou-se que esta tinha sido modificada (cortada e enchida com solda para ter movimento), por este meio fragilizou a peça…”.

Demonstrado está apenas que em 18 de Novembro de 2018, a Autora já tinha conhecimento de que a redutora havia sido cortada e enchida com solda, mas deste facto não se pode extrair que só nessa data tomou conhecimento dessa realidade. Da prova produzida, conforme acima explicado, não resulta que apenas em 18 de Novembro de 2020, tenha sido detectada a avaria e a sua causa, bem como que a Autora só nessa data tenha tomado conhecimento que a redutora havia sido cortada e enchida com solda.

Procede, assim, parcialmente a impugnação e, em consequência:
i. Transfere-se o facto constante do ponto 30 dos factos provados e o segmento inicial do ponto 36 dos factos provados para os factos não provados, aditando-se aos mesmos o ponto z) com a seguinte redacção: A Autora tenha tomado conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular apenas em 18 de Novembro de 2020.
ii. O ponto 30 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: No dia 18 de Novembro de 2020, a Autora já tinha conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular.
iii. O ponto 31 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: No dia 18 de Novembro de 2020, a Autora entrou em contacto com o vendedor da máquina, o funcionário da R., AA, pessoa com quem a A. sempre contactou e com quem negociou os termos da venda.
iv. Confere-se ao ponto 36 dos factos provados a seguinte redacção: A Autora reclamou o defeito em 18 de Novembro de 2020.

Procede, assim, parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 30, 31 e 36, nos termos enunciados, improcedendo, no mais.

1.5_ Facto ínsito no ponto 37 [A Autora alugou a máquina referida em 27) para substituir a escavadora vendida pela R.] dos factos provados: deve ser alterada a sua redação para “37) A Autora alugou a máquina referida em 27)”.

Insurge-se a Recorrente contra a decisão da matéria de facto por referência ao ponto 37 dos factos provados, alegando que a Recorrida formalizou um contrato com vista à aquisição de uma máquina nos termos enunciados no ponto 27 da matéria de facto, mas desse facto não se pode concluir que a máquina tenha sido alugada “… para substituir a escavadora vendida pela R.”, posição que sustenta na data da factura proforma junta com o contrato de locação financeira, de 17 de Novembro de 2020, ou seja, precisamente um dia antes de detectados, pela Recorrida, os alegados defeitos na máquina adquirida e que motivaram o envio de uma carta registada no dia 23 de Novembro de 2020.

Cumpre apreciar e decidir.

Consta da decisão recorrida que “os factos insertos (…) em 37) (…) foram confirmados pela testemunha CC, sendo que o tribunal considerou igualmente, quantos aos factos referidos em 27) e 38), o documento 9 junto com a petição inicial (contrato de locação financeira), que atesta, como transmitido pela mesma testemunha, a celebração do contrato de locação financeira e o valor mensal do aluguer”.

A argumentação da Recorrente assenta no pressuposto de que a Autora tomou conhecimento que a máquina não funcionava e a causa do não funcionamento, em 18/11/2020. Conforme já se explicou, não se encontra demonstrada a data na qual ocorreu a avaria da máquina, bem como a data a qual a Autora tomou conhecimento da causa da avaria. O que se encontra demonstrado é, apenas, que em 18 de Novembro de 2020, já era conhecido da autora, quer o não funcionamento da máquina, quer a sua causa, ou seja, que a redutora havia sido cortada e enchida com solda. Assim, não merece acolhimento a argumentação expendida pela Recorrente.

Consta dos autos o contrato mencionado no ponto 27 dos factos provados, datado de 23/11/2020, acompanhado de uma “factura pró-forma”, datada de 17/11/2020, e a factura/recibo da qual consta o número daquele contrato, referente à segunda renda e com data de vencimento em 25/12/2020. Destes documentos resulta que as negociações com vista à celebração do contrato decorreram desde, pelo menos, 17 de Novembro de 2020.

Ouvida a gravação do depoimento prestado pela testemunha CC cujo conhecimento directo advém de ter sido quem interveio na negociação com o locador, e articulando o seu depoimento com os documentos referidos no parágrafo anterior, concorda-se com o Tribunal a quo, por referência ao ponto 37.

Improcede, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.

1.6_ Facto ínsito no ponto 38 [Pelo aluguer da máquina a A. paga mensalmente a quantia de 904,73 Euros.] dos factos provados

Insurge-se a Recorrente contra a decisão da matéria de facto por referência ao ponto 38 dos factos provados, sustentando que o facto em causa não se encontra provado por documento, por acordo das partes ou por prova testemunhal. Dos autos não consta qualquer documento comprovativo do pagamento, pela Recorrida, da quantia de €904,73, por mês, por conta do aluguer mensal da máquina identificada em 27 da matéria de facto provada. Do documento nº 9 resulta que o valor mensal a pagar pela Recorrida será de €904,73, mas, no entanto, nenhum documento foi junto comprovando a transferência bancária para o Banco 1..., nesse valor.

Cumpre apreciar e decidir.

Da reapreciação da prova, em particular do contrato junto como documento nº 9 e da factura/recibo junta como documento nº13, resulta, apenas, que a Autora, ao celebrar o acordo identificado como contrato nº ...09, vinculou-se à obrigação de proceder ao pagamento da quantia de €904,73, por mês. A factura-recibo contém a menção “válido como recibo após boa cobrança”. Não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo do débito dessa quantia, na conta bancária da titularidade da Autora, sendo esse o meio de pagamento fixado no contrato, não constituindo a prova testemunhal meio de prova bastante para demonstra tal facto.

Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto e, em consequência:
i. Transfere-se o facto constante do ponto 38 dos factos provados para os factos não provados, aditando-se aos mesmos o ponto aa) com a seguinte redacção: Pelo aluguer da máquina referida no ponto 27, a Autora pague mensalmente a quantia de €904,73.
ii. O ponto 38 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: No contrato de locação financeira referido no ponto 27, a Autora assumiu a obrigação de pagar mensalmente a quantia de €904,73.

1.7 _ Factos constantes dos pontos m) [m) A R. limitou-se a adquirir uma máquina que não via, inspecionou ou reclamou de qualquer defeito seja a que título for, tendo simplesmente procedido à posterior revenda à aqui A.], o) [o) Aquando da aquisição da máquina escavadora por parte da R. em momento algum foi garantido à mesma que a máquina apresentava as características elencadas ou que estava perfeitamente apta para trabalhar], q) [q) A A. bem sabia que adquiria uma máquina usada sem garantia de qualquer bom funcionamento, isto é, que comprava a máquina sem qualquer garantia] e s) [s) Desta forma, a A. não podia ignorar que estava a adquirir uma máquina usada e sem qualquer tipo de garantia por parte da R.] dos factos não provados.

Insurge-se a Recorrente com a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo por referência aos pontos m), o), q) e s) dos factos não provados, pretendendo que os mesmos sejam transferidos para os factos provados, o que sustenta com o depoimento prestado pela testemunha AA e pelo legal representante da Ré.

Cumpre apreciar e decidir.

No que tange ao facto constante do ponto m) dos factos não provados, a única prova produzida consiste nas declarações prestadas pelo legal representante da ré.

Sobre a valoração das declarações de parte, como referido no Acórdão de 20/6/2016, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Processo nº 2050/14.0T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt:

Dúvidas não existem de as declarações de parte que, diga-se, divergem do depoimento de parte, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. Não se pode olvidar que, como meio probatório são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Efectivamente, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Não obstante o supra referido, o certo é que são um meio de prova legalmente admissível e pertinentemente adequado à prova dos factos que sejam da natureza que ele mesmo pressupõe (factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que as partes tenham conhecimento directo).Todavia, tais declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (466.º, n.º 3, do CP Civil) e, nessa apreciação, engloba-se a sua suficiência à demonstração do facto a provar. A afirmação, peremptória e inequívoca, de as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, não é correta, porquanto, apresentada sem qualquer outra explicação, não deixaria de violar, ela mesma, a liberdade valorativa que decorre do citado n.º 3 do artigo 466.º do CPC. Mas compreende-se que, tendencialmente as declarações das partes, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentem, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar.

Neste contexto de suficiência probatória, e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova (e só assim pode ser, respeitando o princípio que se consagra no artigo 466.º, n.º 3 do CPC) parece-nos claro que nunca pode estar em causa a violação da norma constitucional que salvaguarda a tutela efectiva do direito (artigo 20.º, n.º 5, da CRP). Evidentemente que, perspectivando de modo inverso o problema, também a admissão da prova por declaração de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos constitutivos do direito invocado por mero efeito das declarações favoráveis, não deixaria de violar a norma constitucional, na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa–e aí, sem tutela efectiva–a parte contrária.

Como assim, a prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466.º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir”.[1]

Revertendo ao caso dos autos, a Recorrente sustenta a sua pretensão recursória relativamente ao ponto m) nas declarações prestadas pelo seu representante legal que, desacompanhado de qualquer outro elemento de prova, constitui meio de prova insuficiente para se considerar demonstrado o facto constante do ponto m) [m) A R. limitou-se a adquirir uma máquina que não via, inspecionou ou reclamou de qualquer defeito seja a que título for, tendo simplesmente procedido à posterior revenda à aqui A.], improcedendo, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.

No que respeita à matéria de facto constante dos pontos o), q) e s), foi inquirida a testemunha CC que foi quem assinou a proposta, em representação da Autora, convocando-se o acima exposto sobre o interesse da testemunha CC no desfecho da presente acção. Foi, ainda, inquirida a testemunha AA, vendedor da Recorrente que atendeu CC, tendo decorrido entre ambas as testemunhas as negociações que culminaram na celebração do contrato de compra e venda da máquina, razão pela qual tem conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs. Foi, ainda, a testemunha AA que atendeu CC, quando esta se deslocou às instalações da Recorrente com o propósito de apresentar reclamação e falar com elementos da administração.

O legal representante da Recorrente não interveio nas negociações estabelecidas com a Autora, na pessoa de CC. No entanto, resulta das suas declarações que a Recorrente adquire máquinas usadas e que as máquinas avariadas “são vendidas à parte, o que não é o caso” e que tratando-se de máquina que não trabalha “é vendida num lote à parte”; as máquinas “avariadas (…) que não tem possibilidade de se mover e carregar-se por meios próprios, elas são vendidas à parte”, daqui resultando que a Recorrente vendeu à Autora uma máquina que funcionava.

Ouvida a gravação dos depoimentos prestados por ambas as testemunhas, a testemunha CC declinou qualquer informação sobre a inexistência de garantia prestada pela Recorrente. Declarou a testemunha AA que os equipamentos são vendidos com prévia proposta de cujo teor consta que não é prestada garantia pela Ré, não se recordando, no caso concreto, se explicou a CC que a máquina era vendida sem garantia. Referiu que “os clientes leem a proposta” e caso “lhe perguntassem por alguma garantia”, explicaria que a venda era efectuada sem garantia. Decorre do depoimento da testemunha AA desconhecer como foi o processo de negociação, em concreto, da máquina objecto destes autos. O mesmo sucede com a testemunha DD que prestou trabalho, como pintor, para a Recorrente entre 2017 e 2021.

Da proposta junta com a contestação (nº5), assinada pela testemunha CC, não consta qualquer característica da máquina mas, apenas, a identificação da mesma.

Sendo esta a prova testemunhal produzida, não se encontra demonstrado que não tenha sido garantido à Autora que a máquina apresentava as características elencadas ou que estava perfeitamente apta para trabalhar” (alínea o).

Assume, no entanto, neste ponto, particular importância a prova documental. A Ré juntou aos autos, com a contestação, a proposta assinada pela testemunha CC, datada de 17/7/2020 e de cujo teor consta, a anteceder essa assinatura: “C..., S.A. não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição. Cabe ao comprador confirmar a informação e suportar os custos de todas e quaisquer reparações que venham a ser necessárias, condições que inclusive influenciam o preço.”

A Autora não impugnou esse documentou. A testemunha CC admitiu ter assinado a proposta, acrescentando que não leu o teor da mesma por se encontrar de “boa fé”.

Assim, por referência ao ponto q) o que resulta da prova é, apenas, que CC assinou a proposta, datada de 17/7/2020 e de cujo teor consta a referida cláusula.

O ponto s) contêm um facto conclusivo, pelo que deve ser eliminado da decisão da matéria de facto - alínea c) do nº 2 do artigo 662º, do CPC.

Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto e, em consequência:
i. Elimina-se, dos factos não provados, o ponto q) e adita-se aos factos provados o ponto 50, com a seguinte redacção:
A Autora assinou a proposta de compra e venda da máquina identificada no ponto 3 dos factos provados, constando da mesma, a preceder a sua assinatura, a cláusula - mencionada no ponto 45 – “a C..., S.A. não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição. Cabe ao comprador confirmar a informação e suportar os custos de todas e quaisquer reparações que venham a ser necessárias, condições que inclusive influenciam o preço.”
ii. Elimina-se da decisão da matéria de facto, o ponto s) dos factos não provados.


*

Procede, assim, parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos enunciados.

*

2ª Questão

Dissente a Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo no que respeita à natureza jurídica do contrato celebrado entre si e a Recorrida, advogando que a relação contratual em causa – estabelecida entre duas sociedades comerciais por quotas conforme resulta dos pontos 1 e 2 da matéria de facto provada – consubstancia um contrato de compra e venda comercial, nos termos do disposto nos artigos 13º, nº 2 e 2º, 2ª parte, do C.Com e, consequentemente, a reclamação/denúncia por defeitos da coisa vendida deve ser feita no prazo de 8 dias, previsto no artigo 471.º do Código Comercial, não lhe sendo aplicável o regime dos artigos 913º, e seguintes do Código Civil.

Cumpre apreciar e decidir.

Não suscitou controvérsia a qualificação do contrato como de compra e venda.

Dispõe o artigo 2.º do Código Comercial que “Serão considerados atos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.

Sem pretensões de delongas a propósito da interpretação dessa norma e das múltiplas divergências doutrinárias e jurisprudenciais que tem vindo a ocasionar, o Código Comercial acolheu um critério misto na determinação do que são actos comerciais, fazendo a destrinça entre actos objectivamente comerciais e subjectivamente comerciais (em atenção à natureza de comerciantes dos intervenientes no contrato).

São actos de comércio objectivos aqueles que o artigo 2º do Código Comercial refere na sua primeira parte, isto é, os que são especialmente previstos – como actos de comércio – no Código Comercial, nas leis extravagantes que substituíram partes revogadas do mesmo Código e na demais legislação mercantil.

Como referem Pedro País de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos[2], estes actos mantêm a qualificação mercantil, independentemente de serem praticados por comerciantes ou não comerciantes e dentro ou fora do exercício do comércio. São também objectivamente comerciais as actividades (empresas) listadas no artigo 230º do Cód. Comercial e são actos objectivamente comerciais os actos que constituem os seus núcleos fundamentais.

São actos de comércio subjectivos aqueles previstos na segunda parte do artigo 2º do Código Comercial, isto é, “todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.

De harmonia com a primeira frase da segunda parte do artigo 2º do C. Comercial, são comerciais os actos e obrigações do comerciante, assim os reservando às sociedades comerciais e a todos os que fazem do comércio profissão (art. 13.º do Cód. Comercial).

Para a concretização do segmento “desde que não tenham natureza exclusivamente civil”, é necessário verificar se o acto ou a responsabilidade em questão pertence a um género que tenha, ou não tenha, uma espécie com natureza mercantil. Têm, assim, natureza exclusivamente civil, todos os actos e responsabilidades cujo género não comporte uma espécie comercial[3].

Referem Pedro País de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais que o sentido do último segmento do artigo 2º do C. Comercial é o seguinte: ”salvo se do próprio acto, nas suas circunstâncias concretas, resultar que foi praticado pelo comerciante fora do exercício do seu comércio. Na orientação amplificadora que é característica do sistema do Código Comercial, a 2ª parte do seu artigo 2º, estabelece uma presunção de que os actos e responsabilidades do comerciante se inserem no seu comércio; mas esta presunção é ilidível, sendo admitida a prova do contrário. A expressão «o contrário» liga-se a todos os actos e obrigações dos comerciantes».

Podemos concluir que são actos de comércio subjectivos todos os actos e responsabilidades do comerciante, nos moldes traçados no art. 13.º do C. Comercial, que não pertençam a um género que não tenha, pelo menos, uma espécie comercial, e que tenham sido praticados ou assumidos no exercício do seu comércio, presumindo-se, salvo prova em contrário, que efectivamente o foram, e cabendo ao comerciante o ónus da prova em contrário.

Revertendo aos presentes autos, a relação contratual estabelecida entre Recorrente/Ré e Recorrida/Autora consubstancia um contrato de compra e venda - arts. 874º e 879º do CC -, subjectivamente, comercial e não civil, pois se trata de uma venda entre comerciantes - sociedades comerciais (cfr. artº 13º do C.Com) -, presumindo-se a sua comercialidade de acordo com o artº 2º do Código Comercial.

Revestindo a compra e venda a natureza comercial, atendendo aos seus sujeitos nos sobreditos termos, é-lhe aplicável a disciplina do Código Comercial, por força do seu artigo 1º.

Aqui chegados, a questão que importa resolver é a seguinte: sendo comercial o contrato de compra e venda, aplica-se o artigo 471º do Código Comercial ou o artigo 916º do Código Civil ?

Dispõe o artigo 471º do Código Comercial que:

“As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamou contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamou dentro de 8 dias;

§ único. O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no acto da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado”.

Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 14/3/2024[4], que “…o artigo 471.º do Código Comercial só deve aplicar-se:
I. — desde que o contrato de compra e venda corresponda a um dos tipos descritos nos artigos 469.º e 470.º do Código Comercial,
II. — desde que o risco de defeito ou o risco de desconhecimento do defeito seja agravado pelas circunstâncias da conclusão dos tipos de contrato de compra e venda descritos nos artigos 469.º e 470.º do Código Comercial — e, em especial, da circunstância de o contrato não ter sido concluído à vista das mercadorias (7)”[5].
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 30/5/2023[6]:“I - O art. 471.º do CCom aplica-se às vendas sobre amostra ou por designação de padrão e às vendas de coisas que não estejam à vista nem possam designar-se por um, não constituindo um regime especial quanto à denúncia de defeitos na compra e venda comercial.”
Refere o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 8/9/2020[7]:
«Esclarecendo que os “artigos 469.º e 470.º do Código Comercial regulam especialmente os contratos de compra e venda comercial não à vista”, Maria de Fátima Ribeiro[4] conclui (a págs. 32/33) o que ora se transcreve: “O artigo 469.º do Código Comercial determina que a venda se considera sempre feita “debaixo da condição de a coisa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada. E o artigo 471.º do mesmo Código dispõe que o negócio se torna perfeito se o comprador examinar as coisas no ato de entrega e não reclamar, ou se, não as examinando logo, não reclamar no prazo de oito dias a contar dessa data, por se considerar “não verificada” a desconformidade de que trata o artigo 469.º. A solução legal prevista no artigo 469.º do Código Comercial visa tutelar os interesses do comprador, que corre o risco de adquirir mercadoria que não tem presente – e espera que a mercadoria que lhe venha a ser entregue corresponda à mercadoria que ele compraria se pudesse tê-la tido perante si e examinado aquando da celebração do contrato. Por seu turno, o artigo 471.º do Código Comercial visa conciliar a proteção especial que a lei confere ao comprador da coisa não à vista com a tutela dos interesses do vendedor – para que este não suporte, durante um período muito alargado, a incerteza relativamente à transação em causa. (…) Também na situação regulada no artigo 470.º deve entender-se que existe negócio perfeito desde a respetiva conclusão, cabendo ao comprador, no caso de inconveniência, um direito potestativo extintivo. A desconformidade e a inconveniência a que se refere o artigo 471.º consiste em vícios identificáveis à vista, ou através de simples exame que um comprador, atuando com normal diligência (a exigível ao comerciante do ramo), realizaria ordinariamente se estivesse a comprar as coisas em causa à vista, pois a tutela que a lei lhe confere é precisamente a de o proteger do risco de ter celebrado um contrato de compra e venda de coisas não à vista. Deste modo, o disposto no artigo 471.º é estritamente aplicável à desconformidade entre a mercadoria comprada e a mercadoria entregue e à inconveniência – e não aos defeitos de que a mesma mercadoria possa padecer, a menos que se trate de defeitos tão aparentes que teriam impedido a compra à vista da mesma mercadoria” (sublinhado nosso).[5]»
No caso dos autos, a compra e venda entre Autora e Ré não se enquadra em qualquer dos tipos descritos nos artigos 469º e 470º do Código Comercial. Em segundo lugar, a Autora/Recorrida pretende reagir contra um defeito do bem vendido que não consiste em desconformidade ou inconveniência, ou seja, contra um problema que não é decorrência do risco de ter contratado sem a presença do bem vendido, pelo que é aplicável o regime civil e não a norma especial do artigo 471º.
Dispõe o artigo 913.º do Código Civil:
«1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria».
Refere Pedro Romano Martinez[8] que «a coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado» e acrescenta que «o vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado. Os vícios e as desconformidades constituem o defeito da coisa. (…) Quando não houver acordo específico das partes acerca do fim a que a coisa se destina atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (913º, nº2, CC). Há um padrão normal relativamente à função de cada coisa, e é com base nesse padrão que se aprecia da existência do vício. Por exemplo, pressupõe-se que a máquina funcione ou que na casa não haja infiltrações de água. O critério funda-se num padrão de normalidade, que corresponde ao tipo ideal».
Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[9], “...O artigo 913º cria um regime especial (…) para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas:
a) Vício que desvalorize a coisa;
b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada;
c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
(…)
Como disposição interpretativa, manda o nº 2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria. Assim, um automóvel é feito para circular; uma casa de moradia para habitar; um celeiro para guardar cereais; uma adega para guardar vinho; uma instalação eléctrica para dar luz ou energia, etc.”.
Por último, a responsabilidade derivada da venda de coisa defeituosa só existe no caso de defeito oculto, ou seja, “aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente[10].
Resulta da matéria de facto provada que a R. vendeu à A. uma máquina escavadora que apresentava, na data da sua aquisição, uma avaria na redutora. Esta avaria na redutora impede a Autora de utilizar a máquina escavadora. A. examinou a máquina à procura de defeitos visíveis e verificou que a mesma funcionava, assumindo que necessitaria de algumas reparações e melhorias, nomeadamente, substituição de alguns acessórios e reparação de algumas componentes, mas que não comprometiam o funcionamento da máquina. O preço convencionado teve em atenção o facto de se tratar de uma máquina usada que pudesse necessitar de algumas reparações, mas apta para desempenhar a actividade, isto é, que não padecesse de vício que impossibilitasse o seu uso/funcionamento. Assim, apresentando a máquina uma imperfeição que respeita às qualidades normais que uma máquina escavadora apresenta e que impede a realização do fim a que se destina, trata-se de venda de coisa defeituosa, sendo o vício oculto pois, só era detectável se desmontada a máquina.
Escreve Pedro Romano Martinez [11], “As consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se atentos três aspectos: em primeiro lugar, na medida em que se trata de um cumprimento defeituoso, encontram aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual (arts. 798º ss. Código Civil); segundo, no art. 913º, nº1, do Código Civil faz-se uma remissão para a secção anterior (…). Terceiro, nos artigos 914º ss. CC, para a compra e venda de coisas defeituosas, estabeleceram-se algumas particularidades”. Assim, “[n]os termos gerais, incumbe ao comprador a prova do defeito (art. 342º, nº l Código Civil) e presume-se a culpa do vendedor, se a coisa entregue padecer de defeito (art. 799º, nºl, Código Civil)”.
De harmonia com o art. 914º do Código Civil, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa. Esta obrigação só existe na medida em que seja possível a sua realização. Tem igualmente direito a pedir uma indemnização, nos termos gerais dos artigos 562º e seguintes do Código Civil. Essa indemnização baseia-se na culpa do vendedor, nos termos do artigo 908º do Código Civil, por remissão do artigo 913º, nº1 do Código Civil. Assim, o vendedor será responsável na medida em que tenha culpa – cfr. artigo 915º do CC -, culpa que se presume (artigo 799º, nº1, do CC).
Porém, por força do disposto no nº1 do artigo 916º do Código Civil, para que haja responsabilidade pela venda de coisa defeituosa é necessário que o comprador, previamente, denuncie ao vendedor o vício ou falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver actuado com dolo e, nos termos do nº2, a denúncia deve ser feita até 30 dias, depois de conhecido o vício, e nos seis meses posteriores à entrega da coisa.
Assim, o comprador tem seis meses a contar da entrega da coisa para descobrir o defeito; depois de descoberto o defeito, o adquirente tem trinta dias para o comunicar ao vendedor.
Estando em causa um prazo de caducidade, o ónus de alegação e de prova recai sobre o vendedor, no caso, sobre a Recorrente (artigo 342º, nº2, do CC).
Revertendo ao caso dos autos, da matéria de facto provada não resulta qual a data em que a Autora/Recorrida tomou conhecimento que a máquina apresentava a redutora cortada e enchida com solda mas, apenas, que em 18 de Novembro de 2020, já tinha conhecimento desse facto. Por carta de 23 de Novembro de 2020, deu a conhecer à Recorrente/vendedora que a máquina escavadora apresentava a redutora cortada e enchida.
Assim sendo, não se encontra demonstrado o decurso de um período superior a um mês entre o conhecimento do defeito e a denúncia. A autora intentou a presente acção em 15 de Janeiro de 2021, ou seja, em momento prévio ao termo do prazo de seis meses a contar da data da entrega da máquina.
Pelo exposto, os direitos da Autora, exercidos nestes autos, não se extinguiram, por caducidade, por aplicação do 916º do Código Civil.
Improcede, assim, o recurso, nesta parte.

3ª Questão

Insurge-se a Recorrente contra a sua condenação a reparar a máquina escavadora, mediante a substituição da redutora, advogando que dos pontos 45 e 46 da matéria de facto provada resulta a exclusão da garantia de bom funcionamento da máquina aquando da celebração do contrato com a Recorrida. Conclui que o tribunal, ao decidir nos termos enunciados, fê-lo em violação do disposto no artigo 921º do Código Civil.

Percorrendo a matéria de facto provada, assiste razão à Recorrente quanto à venda ter sido efectuada “sem qualquer garantia de bom funcionamento” pois, da proposta de compra e venda da máquina identificada no ponto 3 dos factos provados, entregue pela Autora, à Ré, consta que esta “não confirma e/ou, não garante ano, horas e km’s dos equipamentos, vende sem qualquer garantia de bom funcionamento ou outra e sem obrigação de substituição. Cabe ao comprador confirmar a informação e suportar os custos de todas e quaisquer reparações que venham a ser necessárias, condições que inclusive influenciam o preço.” . Todavia, tal cláusula não exclui a sua responsabilidade de reparar a máquina escavadora, nos termos fixados na sentença recorrida.

Dispõe o nº1 do artigo 921º do Código Civil que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substitui-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.”

No artigo 921º do Código Civil está em causa a responsabilidade objectiva. A regra é a da responsabilidade subjectiva (arts. 798º e 483º, nº1, do CCivil), só existindo obrigação de indemnizar independente de culpa quando a lei o especifique (art. 483º, nº2, do Código Civil). Estabelecida a garantia de bom funcionamento, sendo defeituosa a coisa, o vendedor responde por força dessa cláusula, mesmo que não tenha culpa. Diversamente, na responsabilidade decorrente do artigo 913º do Código Civil, aplicam-se as regras gerais da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa do vendedor se a coisa for entregue com defeito, incumbindo a prova deste ao comprador. São, assim, diferentes os pressupostos da responsabilidade decorrente do artigo 913º do Código Civil e da responsabilidade decorrente do artigo 921º do mesmo diploma.

O afastamento da garantia de bom funcionamento não colide com as regras da responsabilidade subjectiva (arts. 798º e 483º, nº1, do C. Civil). Escrevem Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira[12], “A garantia de bom funcionamento visa reforçar a posição jurídica do comprador num cenário de defeito da coisa. Neste sentido, não afasta o regime legal previsto nos artigos 913º do Código Civil, mas complementa-o, ao investir o comprador, perante o diagnóstico de um defeito da coisa, no poder jurídico de exigir, junto do vendedor, a reparação da coisa ou a sua substituição, nos termos do artigo 916º.”.

Pronunciando-se sobre a garantia de bom funcionamento, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 17/12/2020[13]:

Face à qualidade dos seus intervenientes e as finalidades atribuídas ao contrato, resulta patente que a Autora não age na qualidade de consumidora, pelo que fica afastada a aplicação ao caso da garantia concedida ao consumidor, regulada de modo autónomo (no Decreto-lei 67/2003, de 8 de abril). Determina o artigo 921º do Código Civil que se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

No presente caso não se demonstrou, nem convenção das partes, nem usos, que criassem a obrigação de garantia de bom funcionamento, nem se encontra lei especifica que o determine, face à natureza do contrato, bilateralmente mercantil.

Tal não implica, no entanto, que o comprador esteja desprovido de proteção quando se demonstre a venda de bem defeituoso. Se se apurar que na coisa ocorreu defeito após a celebração do contrato e esta é entregue nessas condições, “estaremos perante uma situação de cumprimento defeituoso, se o defeito é imputável ao vendedor (artigo 918º), ou de risco, em princípio a cargo do comprador, na hipótese contrária (artigo 796º, n.º 1)C:\Documents and Settings\mcordas\Ambiente de trabalho\Processo 3097-06.0TBVCT.G1.S1.doc - _ftn1”.

Assim, a circunstância de a Ré ter excluído, por convenção, a garantia de bom funcionamento da máquina, não exclui os direitos da Autora, com fundamento nas regras gerais da responsabilidade contratual.

Como referido pelo Tribunal a quo, a máquina escavadora apresenta um vício que impede a realização do fim a que se destina (cfr. art.º 913.º do Código Civil), ou seja, a máquina escavadora é uma coisa defeituosa”, pelo que “assiste à Recorrida/Autora o direito, nos termos do art.º 914.º do Código Civil, de exigir do vendedor a sua reparação”.

Escreve Luís Manuel Teles Menezes Leitão[14] O fundamento desta obrigação é a garantia edilícia prestada pelo vendedor, no âmbito da qual resulta que ele garante tacitamente a inexistência de defeitos no bem vendido, tendo assim que o reparar ou substituir, salvo se naturalmente o vendedor tiver conhecimento do vício ou da falta de qualidades da coisa”. Acrescenta que “o regime de garantia edílicia não assenta numa responsabilidade objectiva do vendedor mas apenas numa presunção de culpa relativamente à venda da coisa com defeitos, que pode ser elidida mediante a demonstração de que o vendedor se encontrava numas situação de desconhecimento não culposo dos defeitos da coisa”.

Como referido pelo Tribunal a quo, a Ré “não logrou demonstrar que a A. conhecia a avaria na redutora da máquina escavadora e que ela própria desconhecia sem culpa tal avaria”, sendo lhe exigível que “vistoriasse previamente a máquina que ia vender de forma a assegurar-se que não estava a vender um bem que padecia de defeitos, tanto mais que sabia que o motor do giro da máquina tinha sido mexido”. Acrescenta que “o facto de a R. não garantir o bom funcionamento da máquina da escavadora[cfr. factos vertidos em 45) e 46)] apenas poderia excluir a aplicabilidade do disposto no art.º 921.º do Código Civil (…), mas já não excluir o regime das coisas defeituosas previsto nos art.ºs 913.º a 918.º do Código Civil”, concluindo que “a R. está obrigada a reparar a máquina escavadora que vendeu à A.”, decisão com a qual se concorda.

Improcede, assim, o recurso, nesta parte.

4ª Questão

Insurge-se a Recorrente contra a condenação no pagamento, a título de indemnização, da quantia mensal de €904,73, desde a citação até à entrega da escavadora devidamente reparada.

Sustenta que “claudicando a prova sobre o efetivo e real pagamento da quantia mensal de 904,74€ e de que a máquina adquirida identificada no ponto 27 da matéria de facto provada era para substituir a escavadora que originou os presentes autos”, não existe prova do dano, pressuposto essencial da responsabilidade civil, pelo que não deverá ser condenada no pagamento de qualquer quantia mensal, devendo revogar-se a decisão recorrida por erro de julgamento, sob pena de violação do disposto no artigo 798º e ss. do Código Civil.

Vejamos se assiste razão à Recorrente.

Consta da decisão recorrida que em 23 de Novembro de 2020, a A. celebrou com o Banco 1... um contrato de locação financeira que tem por objecto o aluguer com opção de compra de uma Escavadora Rotativa de Rastos da marca HITACHI, no valor de €52.275,00, para substituir a escavadora vendida pela R., sendo que pelo aluguer da máquina paga mensalmente a quantia de 904,73 Euros.

Concluiu o Tribunal a quo que “[e]m virtude do incumprimento pela R. da obrigação de reparar a escavadora, a A. tem sofrido um prejuízo mensal, correspondente ao valor do aluguer da Escavadora Rotativa de Rastos da marca HITACHI, de € 904,73, o qual apenas cessará com a entrega da escavadora devidamente reparada”.

Em face da alteração da decisão da matéria de facto, não se encontra demonstrado o pagamento da quantia mensal de €904,73, mas, apenas, que no referido contrato de locação financeira (ponto 27), a Autora assumiu a obrigação de pagar mensalmente a quantia de €904,73.

Escreve Luís Manuel Teles Menezes Leitão[15] que «em virtude da remissão do artigo 913º, in fine, aplica-se, em sede de venda de coisas defeituosas, o artigo 907º, sendo a referência ao incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato naturalmente substituída pela referência à obrigação de reparar ou substituir a coisa, referida no artigo 914º», estando o vendedor «sujeito, nos termos gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (art. 798º ss.), impossibilidade culposa (arts801 e ss.) ou mora no cumprimento (art 804º e ss.).». Conclui, «[n]ada impede, por isso, que também na venda de coisa defeituosa o comprador peça indemnização ao vendedor pelo incumprimento da obrigação de reparar ou substituir a coisa ou por mora nesse cumprimento. O artigo 910º, nº1, aplicável por força do artigo 913º, admite efectivamente um concurso de pretensões neste âmbito ao referir que “a correspondente indemnização acresce à regulada nos artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum”.»[16].

Assim, é cumulável o pedido de reparação da máquina defeituosa vendida com o pedido de indemnização pelo prejuízo resultante da paralisação dessa máquina durante o período em que a Recorrente não cumprir a obrigação de reparar a máquina adquirida.

Não é unívoca, nem na doutrina, nem na jurisprudência, a resposta à questão da ressarcibilidade da privação do uso, existindo duas concepções antagónicas:
a. A primeira[17], no sentido de que a indemnização exige que o lesado prove a concreta existência de prejuízos decorrentes da não fruição do bem, v.g. pela demonstração das utilidades concretas do bem privado que cessaram de ser aproveitadas ou o não recebimento de rendas que o imóvel lhe poderia ter proporcionado, caso o mesmo não estivesse ocupado;
b. A segunda[18], assente no pressuposto de que a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade.

Na primeira corrente, a resposta que tem sido dada parte basicamente da aplicação da teoria da diferença. Quando a indemnização é negada invoca-se a falta de prova de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento.[19]

Para a segunda corrente, a admissibilidade da indemnização, é sustentada, como explica António Santos Abrantes Geraldes[20], pela “constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que deve ser considerada, tudo se resumindo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória”.

Conclui António Santos Abrantes Geraldes [21] queprovado que a indisponibilidade do bem foi causa directa da redução ou perda de receitas ou da perda de oportunidade de negócios, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes”. Mas, mesmo que nada se apure a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, os argumentos anteriormente aduzidos a respeito da indemnização pela privação do uso de veículos automóveis justificam, “mutatis mutandis”, a atribuição de uma compensação monetária ao lesado pelo período correspondente ao impedimento ou à redução dos seus poderes de fruição ou de disposição.

Esta corrente é igualmente perfilhada por Luís Menezes Leitão [22] defendendo que «entre os danos patrimoniais, incluiu-se naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha contratado. Efetivamente, o simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano».[23]

Existe uma terceira posição, de alguma forma intermédia entre as duas antecedentes, indicada por Maria da Graça Trigo[24], que parte da exclusão da reparação do dano em abstracto mas, num segundo nível admite como suficiente a prova da ocorrência de danos concretos com base numa presunção[25].

Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 23/2/2023[26], “…é nossa convicção que - no seguimento de resto de jurisprudência que nesta matéria é prevalecente - a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que é lícito ao proprietário gozar, de acordo com o preceituado no artigo 1305.º do Código Civil, isto é, o uso e fruição da coisa”.

No Acórdão desta Relação de 20/5/2024, proferido no processo nº 6323/19.8T8MTS.P1(disponível em ww.dgsi.pt), relatado pela ora relatora, já foi perfilhado igual entendimento. Nesse Acórdão, defendeu-se que “É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Todavia, isso não significa que o chamado "dano da privação do uso" deva incluir-se na categoria do dano abstracto, sob pena de se afrontarem juízos assentes em padrões de normalidade. Esta integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição, conforme acima referido. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.”

Como refere Nuno Alexandre Pires Salpico[27], “Provada a utilização normal do bem privado (especialmente se o bem privado for um bem económico de relevância geral para a vida) é possível presumir, segundo o curso normal das coisas, que essa privação trouxe um conjunto de prejuízos para o lesado, sendo os mesmo calculáveis ao abrigo do artigo 566º, nº3 do CC. Reparae.se que a mera demonstração da utilização normal do bem privado é suficiente para revelar que pelo menos alguma utilidade foi frustrada (…) independentemente de se saber da extensão e soma de utilidade advindas daquela utilização”.

Em suma, integrando o direito de propriedade, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar, a privação do uso reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património[28].

Transpondo tais princípios para os presentes autos, da matéria de facto provada resulta que a Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto social as actividades de construção civil e obras públicas, transformação de granitos e rochas afins, exportação e importação de granitos, comercialização de granitos, extracção de granito ornamental e rochas similares, aluguer de máquinas e equipamentos. Em 22 de Julho de 2020, adquiriu à R. uma máquina escavadora usada, marca LIEBHERR, modelo R934C SN: WLHZ0918EZC023542, pelo preço de 38.130,00 Euros (31.000,00 + IVA à taxa de 23%). Em 23 de Novembro de 2020, a Autora, ora Recorrida, celebrou com o Banco 1... um contrato de locação financeira que tem por objecto o aluguer com opção de compra de uma máquina escavadora rotativa de rastos da marca HITACHI, no valor de €52.275,00, para substituir a escavadora vendida pela Recorrente, ficando obrigada a pagar o aluguer daquela máquina, no valor mensal de €904,73. Desde, pelo menos, 18 de Novembro de 2020, que não funciona a máquina adquirida à Ré. Por carta de 23 de Novembro de 2020, a Autora comunicou à Ré o sucedido com a máquina.

Concluiu o tribunal a quo que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil, com o que se concorda, pelo que assiste o direito, à autora, à indemnização pelos dias de paralisação da máquina até ao momento em que seja a mesma reparada, importando aferir qual o quantum dessa indemnização.

O valor da indemnização fixado pelo Tribunal a quo teve por referência uma máquina escavadora de valor superior à adquirida e a renda devida no âmbito de um contrato de locação financeira.

Dispõe o artigo 566º, nº3, do Código Civil que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Verificado o dano de privação do uso do veículo, na falta de quantificação objectiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respectiva compensação.

Na fixação equitativa do dano de privação do uso tem sido utilizado, como referência, o valor de locação[29], por ser o preço mais próximo que o mercado oferece para a utilização de um bem e que corresponde ao dispêndio que seria feito se o lesado procurasse um bem substitutivo através da locação[30] .

Na reconvenção, a Recorrente alegou que o aluguer de uma máquina similar à máquina objecto destes autos implica um custo de cerca de €35,00 por hora, correspondendo ao valor de €8.158,00 por mês. Assim, considerando que o valor peticionado pela Autora é bastante inferior ao indicado pela Recorrente como correspondente ao custo do aluguer por si indicado, concorda-se com o valor fixado pelo Tribunal a quo.

Improcede o recurso, nesta parte, confirmando-se a decisão recorrida.


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Embora com fundamentação não totalmente coincidente, confirma-se a sentença recorrida, improcedendo o recurso.

5ª Questão

A Recorrida pediu a condenação da Recorrente como litigante de má-fé, no pagamento de multa e de indemnização, sustentando que esta «ao alegar uma putativa incoerência nos factos provados” e “um juízo de adivinhação” quando é notório que foi dado como provado que a Recorrida providenciou pela aquisição de uma outra máquina quando a mesma avariou (início de novembro) e não quando teve conhecimento da avaria e dos actos praticados para a dissimular (18 de Novembro de 2020)», está a litigar de má-fé pois, invoca factos que não são verdadeiros com o objectivo de deduzir pretensão a que sabe não ter direito.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o nº2 do artigo 542º do Código de Processo Civil que “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

As partes estão vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio. Se, com propósito malicioso, a parte pretende convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe não ser legítima, ou que não pode ignorá-lo, distorcendo ou omitindo a verdade dos factos, fizer do processo um uso reprovável ou deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar, actua de má fé e, por essa razão, pode e deve ser sancionada em multa e indemnização à parte contrária, se o pedir.

A Recorrente alicerça as suas pretensões recursórias num quadro factual diverso do considerado provado pelo Tribunal a quo e em erro na aplicação do direito. Não consubstancia litigância de má-fé a dedução de pretensão que vem a decair por mera fragilidade da prova e de não se convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento ou resultar da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, ou mesmo, convencida que lhe assiste razão, vê os seus argumentos afastados por razões mais ponderosas ou legalmente fundadas.

Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 12/11/2020[31], a má fé pressupõe “uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva”, o que não se verifica no caso.

Face ao exposto, entende este tribunal que não se mostram ultrapassados, no caso sub judice os limites da “litigiosidade séria" que "dimana da incerteza” [32], não se verificando os pressupostos da condenação da Recorrente como litigante de má-fé.

Improcede, assim, o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.


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Custas

Ainda que a impugnação da decisão da matéria de facto tenha sido parcialmente procedente, revelou-se inócua para as demais pretensões recursórias que não obtiveram provimento.

Assim, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente e da Recorrida, na proporção de 7/8 e 1/8, considerando que a primeira não obteve vencimento e foi improcedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pela segunda (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


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V_ Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:
a. julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, sem prejuízo da alteração e aditamento dos factos provados e não provados, nos termos enunciados;
b. julgar improcedente o incidente de litigância de má-fé, deduzido pela Recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente e Recorrida, na proporção de 7/8 e 1/8, Recorrente - cfr. artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil.


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Sumário:

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Porto, 9/9/2024.
Anabela Morais
Teresa Fonseca
Ana Olívia Loureiro

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[1] No mesmo sentido, Acórdão proferido, no processo nº 1028/21.2T8VFR-B.P1, acessível em www.dgsi.pt:

“II - A prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial que constitua a causa de pedir ou em que se baseie a exceção invocada.
III- Portanto, será num contexto de suficiência probatória e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova que as declarações de parte devem ser analisadas.
[2] Pedro País de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, vol. I, 2ª ed., Almedina, 2020, pág. 71.
[3] Pedro País de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, vol. I, 2ª ed., Almedina, 2020, pág. 71.
[4] Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 14/3/2024, no processo nº2731/21.2T8GMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] A anotação 7 tem o seguinte teor: “Cf. Filipe Cassiano Santos, Direito comercial português, vol. i — Dos actos de comércio às empresas: o regime dos contratos e mecanismos comerciais no direito português, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 149: “… o artigo 471.º do Código Comercial vale apenas para os casos em que o contrato é celebrado sem a presença do bem vendido e isso pode acarretar um desfasamento entre aquilo que é entregue e aquilo que fora identificado a partir de uma amostra ou descrição genérica ou suposto em face de uma impossibilidade de identificação”.
[6] Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30/5/2023, no processo nº3807/17.6T8VFR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão de 8/9/2020, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 74988/18.9YIPRT.P1,  acessível em www.dgsi.pt. As anotações  4 e 5 constantes desse Acórdão têm o seguinte teor:
[4]“A desconformidade e o artigo 471.º do Código Comercial: âmbito e aplicação do regime”, in AB INSTANTIA, Ano I, n.º 2, Almedina, Abreu Advogados, págs. 13 e ss.
[5] Dizendo noutro passo, ainda na pág. 32, que se o defeito não pode ser detetado à primeira vista já não estamos perante uma desconformidade, mas perante um incumprimento do contrato, regulado nos artigos 913 e ss. do CC, porquanto “qualquer vício da mercadoria comprada não à vista que consista num defeito não identificável através de exame que tipicamente se realiza na compra à vista não é desconformidade ou inconveniência, nem defeito aparente – pelo que o regime aplicável será, no caso, aquele que resulta da lei civil”.
[8] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos, Compra e Venda, Locação, Empreitada, 2ª ed, Almedina, 2003, págs. 130 e 131.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1986, págs. 210 e 211.
[10] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos, Compra e Venda, Locação, Empreitada, 2ª ed, Almedina, 2003, págs. 132 e 133.
[11] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos, Compra e Venda, Locação, Empreitada, 2ª ed, Almedina, 2003, págs. 135.
 
[12] Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos Em Especial, coordenação de António Agostinho Guedes e Júlio Vieira Gomes, Lisboa, Universidade Católica Editora,  2023, pág. 192.
[13] Acórdão de 17/12/2020, do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 303/19.2T8VNF.G1 , acessível em www.dgsi.pt.
[14] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações – Contratos em Especial, vol. III, 14ª edição, Almedina, 2022, pág. 125.
[15] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações – Contratos em Especial, vol. III, 14ª edição, Almedina, 2022, pág. 126.
[16] No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 7/2/2013, proferido no processo nº 106/07.5TBODM.L1-6, acessível em www.dgsi.pt: “Como decorre dos art. 908º, 909º e 911º, nº 1, o comprador pode cumular o pedido de indemnização quer com o pedido de anulação do contrato, quer com o pedido de redução do preço. Nenhuma menção é feita concretamente à possibilidade de o comprador ser indemnizado no caso de optar pelo cumprimento do contrato através do exercício do direito à reparação da coisa ou à sua substituição. Mas tal menção não é necessária.
Na verdade, o direito à reparação ou substituição da coisa previsto no art. 914º tem subjacentes os princípios gerais consagrados no Código Civil de que o contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406º nº 1), o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762º nº 1) e, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento (art. 817º).
Além disso, vigora no Código Civil o princípio geral de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação é responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Assim, como se exarou no Ac do STJ de 10/7/2003 – Proc. 04B029 (in
www.dgsi.pt) «Além do direito à indemnização conexo com o de anulação por dolo ou erro, do contrato de compra e venda defeituosa, existe um outro direito de indemnização decorrente das regras gerais do direito da responsabilidade civil, e, designadamente do artigo 798º do Código Civil, baseado no cumprimento defeituoso, e no qual encontra guarida, por exemplo, a reparação do prejuízo resultante da paralisação da coisa vendida durante o tempo da reparação».
[17] Nesse sentido, Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, volume I, pp. 590, 594-596: “Na verdade não é a simples impossibilidade de usar que está em causa, mas a impossibilidade de se satisfazer por essa via uma necessidade concreta”. Em sentido idêntico, Ana Mafalda de Miranda Barbosa, em Lições de Responsabilidade Civil, Cascais, Principia, 2017,pág. 339.  Jurisprudência citada por Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, volume I, p. 571 notas 1642 e 1643.
[18] Defendendo que a simples privação do uso é ressarcível, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I volume, pp. 48 e ss.; Américo Marcelino, Acidentes de viação e responsabilidade civil, 11.ª edição, Lisboa, Petrony, 2012, pp. 379-380; Luís de Menezes Leitão, , Direito das Obrigações, volume I, p. 301 e nota 739; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, p. 777, nota 3: “O dano da privação do uso é ressarcível de acordo com os princípios gerais da responsabilidade civil, ainda que se reconduza a puro e simples impedimento da utilização”.
[19] Neste sentido, Acórdão do STJ de 04-05-2010, processo n.º 727/06.3TBBCL.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ de 03-05-2011, processo n.º 2618/05.06TBOVR.P1, consultável em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ de 12-01-2012, processo n.º 1875/06.5TBVNO.C1.S1.
[20] Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, 3ª Edição, Almedina, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3ª edição, pág. 59.
[21] Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, 3ª Edição, Almedina, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3ª edição, págs 92 e 93.
[22] Direito das Obrigações, vol. I, pág. 297.
[23] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 29-11-2005, processo n.º 05B3122, consultável via www.dgsi.pt; o Acórdão do STJ de 05-02-2009, processo n.º 08B3994, consultável via www.dgsi.pt; o Acórdão do TRG de 07-11-2019, processo n.º 15/18.2T8AMR.G1, consultável via www.dgsi.pt.
[24] Maria da Graça Trigo, em  “Responsabilidade Civil, Temas Especiais”, UCP, pág. 59.
[25] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15-11-2011, processo n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1; o Acórdão do STJ de 27-11-2018, processo n.º 78/13.7PVPRT.P2.S1, consultável via www.dgsi.pt; o Acórdão do TRL de 25-02-2021, processo n.º 400/18.0T8LRS.L1-6, consultável via www.dgsi.pt.
[26] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/2/2023, proferido no processo nº 213395/21.7T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.p.:
[27] Nuno Alexandre Pires Salpico, Cálculo de Danos e Equidade, Almedina, 2023, pág. 266.
[28] Neste o sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-6-01, in CJSTJ, tomo II, pág. 124, onde se considerou a indemnização correspondente ao valor de uso de um andar “independentemente da prova de qualquer dano sofrido pelos proprietários do andar, sendo bastante a demonstração de que o seu ocupante o usa sem título legítimo”; e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6-6-91, in CJ, tomo III, pág. 173, onde se atribuiu uma indemnização pelo facto de o comodatário não ter entregado o prédio ao proprietário, apesar de não se ter provado que este o teria arrendado.

[29] Acórdão do STJ de 23-11-2011, processo n.º 397-B/1998.L1.S1. No sumário do acórdão do STJ de 11-12-2012, processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1, consultável via http://www.gde.mj.pt/jSTJ.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ff604450d36c079880257adb0034746b?OpenDocument constatam-se os seguintes critérios: “o grau de violação dos deveres que integram a relação obrigacional, a facturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, o tempo média da sua utilização e os serviços que o lesado deixou de efectuar, bem como o aproveitamento do motorista em outras viaturas”.

[30] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/3/2022, proferido no processo nº 768/21.0T8VIS.C1.G1, consultável via www.dgsi.pt:” “À míngua de quaisquer outros elementos, temos que nos socorrer dos parâmetros que a jurisprudência tem fixado em situações algo semelhantes, pois a ponderação prudencial inerente à equidade também é sensível ao estabelecimento de critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade (art. 8º, nº 3, do CC)”.
[31] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/11/2020, proferido no proc. 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[32] Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, página 26.