Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1521/21.7T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
FURTO DE VEÍCULO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202404041521/21.7T8VCD.P1
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A dificuldade em fazer a prova de que o veículo foi furtado para efeitos de accionamento do seguro que cobre o risco de furto ou roubo do mesmo, essa circunstância, por si, não é suficiente para em acções deste género nos afastarmos das regras legais do ónus da prova e do regime imperativo consagrado no artigo 347.º do Código Civil.
II - A formalização da queixa de furto junto das autoridades policiais traduz um mero indício, um facto indiciário, ainda que importante, para prova do furto, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova .
III - O juízo probatório a empreender ao nível da alegado desaparecimento do automóvel contra a vontade do seu detentor deve centrar-se, no essencial, na formulação de um juízo de verosimilhança suficiente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas, as quais se traduzem, então, na fundada probabilidade de tal veículo ter sido deixado pelo autor, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar por este descritas, com a constatação do seu desaparecimento sem motivo aparente.
IV - Os documentos nos quais estejam reduzidas a escrito as declarações prestadas pela parte a um perito averiguador da ré-seguradora em sede de processo interno desta, não podem valer como meio de prova, porquanto, na produção desse meio de prova não foram asseguradas um conjunto de garantias, entre elas a de esse meio de prova ser produzido em audiência contraditória, com prestação de juramento, advertências legais, registo do depoimento, etc. (arts.513º e segs do CPC).
V - A obtenção dos depoimentos pela pessoa contratada pela seguradora e a sua invocação em tribunal, seria um modo de contornar as regras da produção antecipada de prova (arts. 420 e 421, ambos do CPC.)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1521/21.7T8VCD.P1
Origem:Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 2

Relator: Francisca da Mota Vieira

1ºAdjunto: Aristides Rodrigues de Almeida

2º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira

Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

AA, solteiro, maior, residente na Rua .... poente, ... Póvoa de Varzim, veio propor a presente acção declarativa contra A..., S. A. (actualmente designada B..., S. A.), pessoa colectiva n.º ...31, com sede na Avenida ..., ... Lisboa, pedindo a condenação da Ré no pagamento do valor de €14.348,11, acrescido dos respectivos juros de mora, vincendos até efectivo e integral pagamento.

Para tal alegou, em síntese, que era proprietário do veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo ... 5, com a matrícula ..-BA-..; que celebrou um contrato de seguro com a Ré que cobria, entre o mais, o furto da viatura, sendo atribuída à mesma o valor de €12.870,00; que o seguro foi contratado por intermédio de mediador; que no dia 07/12/2018, entre as 22h00 e as 23h00 horas, o veículo foi furtado; que participou o aludido furto à polícia e comunicou oportunamente à Ré a ocorrência do mesmo; e que a Ré recusou proceder ao pagamento do valor da viatura ao Autor, invocando que o furto foi simulado.

Citada a Ré, veio a mesma apresentar contestação, invocando, em síntese, que o furto havia sido simulado, apresentando a sua justificação para obter tal conclusão.

O Autor respondeu, reafirmando a efectiva ocorrência do furto.

Foi realizada audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador e fixado o objecto do litígio e temas da prova.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo a mesma decorrido sob a observância de todo o formalismo legal, como da respectiva acta consta e foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente o pedido formulado pelo Autor AA e, em consequência, absolveu a Ré, A..., S. A. (actualmente designada B..., S. A.) do pedido por aquele formulado.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação e formulou extensas conclusões, num total de 98 ( noventa e oito ), as quais, devido à sua extensão, não se reproduzem, revelando no essencial as conclusões que o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto julgada provada e não provada, (questão que adiante será analisada e decidida) pugnando pela sua alteração em conformidade, dali retirando as consequências a nível do enquadramento jurídico da questão-de-facto, concluindo pela procedência do recurso.

A ré apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:

- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;

- do mérito da decisão recorrida.

III. FUNDAMENTAÇÃO.

3.1. Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

1 – Matéria de facto provada

É a seguinte a matéria de facto dada como provada:

1. O Autor é dono, legitimo possuidor e condutor habitual do veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-BA-.. e data de primeira matrícula de Dezembro de 2005.

2. A 8 de Novembro de 2017, o Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º ...81, através de mediador credenciado pela Ré, “B...”, com sede na Rua ..., ... Póvoa de Varzim.

3. Através deste contrato, a Ré garantiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo do Autor (seguro obrigatório de responsabilidade civil, pelo qual o Autor transferiu para a Ré a eventual obrigação de ressarcir os danos causados a terceiros pela circulação daquele veículo) e ainda o ressarcimento dos danos próprios que o Autor viesse a sofrer, nomeadamente em caso de furto/roubo do seu veículo.

4. Em caso de furto ou roubo, ficou o veículo seguro pelo valor de € 12.870,00, não tendo ficado estipulada qualquer franquia. 

5. O referido contrato esteve em vigor desde 08/11/2017até 07/05/2019.

6. Era o Autor quem sempre conduzia o referido veículo, o que geralmente sucedia mais aos fins de semana, uma vez que no seu dia a dia, e por ser mais económico, utilizava um outro veículo seu, da marca Peugeot, modelo .... 

7. No dia 7 de Dezembro de 2018, cerca das 22h00 horas, o Autor, na companhia da sua namorada BB, estacionou o referido veículo da marca BMW, junto de outros veículos, do lado direito, e mais ou menos a meio, da Rua ..., na cidade de Vila do Conde.

8. A aludida rua consubstancia uma artéria bem iluminada à noite, com cerca de 8 m de largura e de sentido único de circulação, com trânsito de peões e automóveis com boa fluidez.

9. A indicada rua possui diversos prédios de andares localizados precisamente em frente ao local de onde o veículo foi estacionado, com janelas e varandas voltadas precisamente para esse lugar.

10. O Autor desligou o veículo, saiu do mesmo juntamente com a namorada e trancou as respectivas portas.

11. O Autor e a namorada dirigiram-se para a C..., sita na Avenida ..., ..., na cidade de Vila do Conde, a fim de lá jantarem.

12. Cerca das 23h00 horas, o Autor e a namorada regressaram ao veículo, sendo que o mesmo não se encontrava no local onde fora deixado, assim como os bens que estavam no seu interior, designadamente, a ficha de inspecção e seguro do veículo, um telemóvel da marca NOKIA e um casaco, tudo propriedade do Autor.

13. O local onde o veículo se deveria encontrar não apresentava vestígios de arrombamento, designadamente vidros partidos.

14. Face a isto, a namorada do Autor dirigiu-se à C... para que o dono chamasse a polícia, e o Autor voltou ao início da Rua ... e perguntou a uma senhora que estava a entrar numa casa se tinha visto alguma coisa, obtendo resposta negativa.

15. Nesse momento, passou pelo local um carro patrulha da PSP, a quem o Autor fez sinal de ajuda e informou que o seu veículo havia desaparecido.

16. Os agentes da PSP informaram o Autor que para lançarem o alerta do furto do veículo, o Autor teria de apresentar queixa do sucedido, e, para tanto conduziram o Autor e a namorada à esquadra da PSP, em Vila do Conde, para que aquele formalizasse a respectiva queixa.

17. Cerca das 23h33 horas, o Autor apresentou na Esquadra da PSP, em Vila do Conde, queixa por furto do seu veículo.

18. No dia 10 de Dezembro de 2018, Segunda-Feira, o Autor, através do seu mediador de seguros, CC, contactou a Ré, informando-a da ocorrência de furto do veículo e fornecendo-lhe os elementos necessários à instrução do respectivo processo.

19. Mercê da participação de sinistro recebida, a Ré ordenou uma averiguação aos factos que lhe foram participados pelo Autor.

20. A viatura em causa encontrava-se associada a um contrato “Via Verde”, não existindo registos da passagem da mesma por quaisquer pórticos após o seu desaparecimento.

21. Durante o processo de averiguação, o Autor comunicou aos averiguadores da Ré que o carro se encontrava em muito bom estado de conservação, sem qualquer avaria, apenas tendo sido efectuada uma revisão e codificada uma nova chave.

22.Em virtude de tal comunicação, o Autor redigiu a seguinte declaração:

“Comprei o carro em Novembro de 2017 através do custo justo e que era propriedade de um senhor e o negócio foi feito com ele e a esposa. Disseram que estavam a vender o carro pk ele estava com uma doença oncológica. Paguei o carro a pronto na totalidade em dinheiro pk tinha vendido uma carrinha Audi ... 2013. O carro ..-BA-.. não tinha qualquer avaria. Fiz apenas uma revisão no meu mecânico DD – …, em .... A única vez que recorri à marca “D...” Póvoa de Varzim foi para fazer uma chave pk quando comprei apenas deram uma e foi para codificar. No dia 7/11/2018 fui jantar ao restaurante ... e estacionei o carro na Rua ..., ... quando cheguei ao local o carro não estava onde tinha estacionado. Não havia vestígios ”vidros” que me leva-se a pensar que fosse assaltado par roubar. A minha namorada que tava comigo voltou ao restaurante para pedir o número polícia e eu agardei no local para ver se via alguém que pudesse perguntar. Entretanto passou um carro do PSP e fui ao encontro deles e disse que me roubaram a viatura, tendo eles “2 agentes” perguntado se tinha a certeza se deixei no local. E disseram que tinha que participar na esquadra onde me desloquei. Entretanto a minha namorada, BB, regressou ao local e com ela vinha o dono do restaurante. O carro tinha cerca de meio depósito de gasóleo que tinha metido na semana anterior. Tinha via verde mas ainda não cancelei para ver se há registos de passagem após aquele dia. Tenho em posse o documento único e as das chaves. O carro quando não usado ficava na garagem do edifício onde me encontro a viver a minha namorada “Avenida ..., ....”

23. Tal declaração foi ditada pelo perito averiguador ao Autor, que a escreveu e assinou, tendo por base o relato previamente realizado por este.

24. A 12 de Fevereiro de 2019, o Autor remeteu à Ré os demais documentos por esta solicitados, nomeadamente, o original da declaração da Esquadra da Polícia de Segurança Pública de Vila do Conde a certificar que, nessa data, a viatura constava como furtada no Sistema Estratégico de Informações da PSP, cópia do documento único do veículo automóvel, cópia do seu cartão de cidadão e o seu NIB para efectuarem a transferência bancária do valor da indeminização devida.

25. A solicitação dos peritos da Ré, o Autor entregou-lhes as duas chaves do seu veículo.

26. Da análise das chaves, cujos últimos registos eram datados, respectivamente, de 15/10/2017 e de 12/07/2018, vinham elencadas anomalias no motor.

27. Por via de tais registos, os averiguadores dirigiram-se à oficina D..., tendo tomado conhecimento que o veículo BA tinha estado nas instalações daquela oficina no dia 06/10/2018 para efectuar um diagnóstico ao motor, pois este componente apresentava uma acentuada perda de rendimento.

28. Tal diagnóstico efectuado à viatura, com o custo associado de € 56,00, pago pelo Autor, revelou a existência de uma avaria ao nível do sexto cilindro do motor, porque o mesmo apresentava danos, cujo valor de reparação ascendia a cerca de € 8.000,00.

29. O Autor havia sido informado, aquando da realização do diagnóstico, da existência da avaria, tendo pleno conhecimento da mesma.

30. Em face de tudo o exposto, no dia 15/02/2019, o averiguador da Ré encontrou-se de novo com o Autor e confrontou-o com o facto de o veículo seguro apresentar um registo de várias avarias no motor, bem como a existência do histórico de realização de um diagnóstico ao motor, efectuado no dia 06/10/2018, na D..., S. A. da Póvoa de Varzim, incompatível com as declarações que lhe tinha prestado. 

31. O Autor então confirmou ao averiguador da Ré que, de facto, se tinha deslocado à oficina da D..., na Póvoa de Varzim, para efectuar um teste ao motor no veículo seguro pois este apresentava perda de rendimento, quando em andamento.

32. O Autor esclareceu que tal diagnóstico tinha sido inconclusivo, pelo que, na sequência do mesmo, não tinha sido realizada qualquer reparação ao veículo naquela oficina, acabando por reparar o problema em causa na oficina de um amigo, situada em ....

33. Segundo o Autor, esse seu amigo detectou a avaria que causava a perda de rendimento do motor, quando em andamento, situando-se a mesma ao nível do filtro de partículas, que estava entupido.

34. O Autor mais referiu que o filtro de partículas foi retirado, tendo o motor começado a funcionar normalmente.

35. O aludido filtro de partículas foi efectivamente retirado, mas em data anterior aos problemas de rendimento do motor.

36. O veículo seguro dispõe de um sistema electrónico de bloqueio do motor que não é fácil de ultrapassar em pouco tempo e, sobretudo, sem o recurso a ferramentas electrónicas, as quais implicam a permanência do autor do furto dentro do veículo durante muito tempo, até lograr desbloquear esse sistema electrónico.

37. Perante os factos acima expostos, em 26 de Março de 2019, a Ré remeteu carta ao Autor a declinar a sua responsabilidade no sinistro aqui em causa, por considerar não ter existido furto.

38. Por despacho de 23 de Abril de 2019, foi determinado o arquivamento do processo de inquérito resultante da queixa apresentada pelo Autor, uma vez que, não obstante as diligências efectuadas no sentido da localização dos autores dos factos denunciados, não foi possível proceder à identificação do(s) agentes(s) dos crimes indiciados nos autos.

39. A 7 de Fevereiro de 2020, a aqui mandatária do Autor remeteu correio electrónico para a linha de sinistros da Ré solicitando que esta esclarecesse a que elementos se referia na sua carta e que averiguação foi efectuada, uma vez que as diligências realizadas pelas entidades policiais foram no sentido de tal veículo ter sido furtado, constando o mesmo na sua base de dados como furtado.

40. A Ré, por correio electrónico remetido a 18 de Fevereiro de 2020, respondeu o seguinte:

“Em resposta ao mesmo, cumpre-nos informar que, para esclarecimento do furto participado, tornou-se necessária a intervenção do nosso departamento técnico especializado. 

Dos elementos apurados, resultou a conclusão oportunamente transmitida ao seu constituinte, onde esta seguradora declinou a responsabilidade. 

Com efeito, atendendo ao acima exposto e reiterando a informação ora transmitida, os elementos que determinaram que não se encontravam reunidos os pressupostos para atender à pretensão reclamada, constituem o processo interno da seguradora e apenas em sede própria, poderão os mesmos ser disponibilizados. 

Em face do exposto, reportamo-nos para a decisão transmitida que determina a não assunção da responsabilidade, pelos prejuízos reclamados.”

41. Até à presente data, o veículo do Autor consta como furtado no Sistema Estratégico de Informações da Polícia de Segurança Pública.

42. Até à data da propositura da acção, a Ré nada pagou ao Autor.

2 – Matéria de facto não provada

Com relevo para a decisão, resulta como não provado o seguinte facto:

1. Que o veículo do Autor tivesse sido furtado.

3.2.  Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

3.2.1.O recorrente impugna a decisão de julgar provados os factos vertidos nos pontos 7, 21, 26 a 31 e 34 a 36 da decisão sobre a questão de facto, bem como, a decisão de julgar não provados o facto vertido no nº1, isto é, “Que o veículo do Autor tivesse sido furtado”.

Mais pretende o aditamento aos factos provados dos seguintes factos:

“43. É possível aceder eletronicamente ao veículo igual ao do Autor, sem que tal deixe vestígios, tais como vidros partidos.

44. À data do desaparecimento do veículo, o Autor já tinha seguro contra todos os riscos há mais de um ano, e era habitual o Autor subscrever tal tipo de seguro.

45. O Autor quando se apercebeu do desaparecimento do veículo ficou triste.

46. O capital de 12.870,00€, contratado para danos próprios furto ou roubo, foi estabelecido pela Ré.

47. O Autor adquiriu o veículo a um particular pelo valor de 15.000,00€.

48. O veículo do Autor foi furtado.”

Relativamente aos factos impugnados mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da referida decisão, consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando ao seu conhecimento.

Os factos em apreço, no essencial, prendem-se com a ocorrência do sinistro (o furto do veículo).

Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

E porque o caso assim o exige, importa salientar que o nosso sistema, como é sabido, consagra o princípio da livre apreciação da prova, conforme, art 127º do CPC, a significar que o julgador não está sujeito às regras rígidas da prova tarifada.

O que, não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.

Assim, o juiz deve apreciar a matéria de facto de acordo com as regras de lógica e de experiência reconduzindo os fundamentos a critérios objetivos para que a decisão possa ser objetivável e assim oponível a terceiros a fim de as partes poderem exercer o seu direito ao recurso. O que se pretende dizer com tornar a decisão objetivável é poder olhar para ela e identificar claramente cada um dos fundamentos e o que o juiz pretende dizer com eles para que as partes possam impugná-los, exercendo o direito ao recurso. (Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I Coimbra, Edições Almedina, 2ª Edição, 2018, p. 110).

E como tem sido salientado na jurisprudência (conforme evidenciado, entre outros, no Acórdão deste Tribunal  da Relação do Porto de 23.02.2023, in proc nº30/21.9T8PVZ.P1, subscrito pela ora relatora, enquanto adjunta, no qual, foi apreciado e decidido um caso idêntico ao destes autos), “ a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). O poder soberano que o Tribunal exerce, impondo às partes, mais que os efeitos jurídicos dos factos, os efeitos práticos da decisão jurisdicional, supõe e exige, como matriz radical da sua própria legitimidade, não uma qualquer probabilidade (apenas mais provável que não) mas um alto grau de probabilidade.”

“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso,( critério que deve ser adequado a cada caso em concreto. Donde resulta que, em princípio, se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.”

Noutro plano, relacionado  com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus, importa convocar os artigos 342º, 346.º do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil que indicam a parte a quem cabe o ónus de prova e mandam que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova.

Posto isto, e porque releva para o caso, importa salientar a propósito de  casos idênticos aos dos autos em que as partes incluem num contrato de seguro a cobertura do risco do furto do bem segurado, que se o autor invoca a titularidade de um direito indemnizatório que lhe assiste por via da celebração de um contrato de seguro com a ré, em consequência de se ter verificado um furto, é a ele que incumbe a prova da verificação do furto, uma vez que este surge como elemento constitutivo do seu direito – cfr. art. 342º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.

Neste sentido, escreve-se o seguinte no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2012 (proc. 118/11.4 TVLSB.L1-6, disponível in www.dgsi.pt):

“Tratando-se, (…), de acção indemnizatória, destinada à reparação de um dano contratualmente seguro (no caso a perda do veículo, bem móvel com o inerente valor económico, por ter sido objecto de furto e não ter sido recuperado), é patente que ao A./Apelante competia, na economia desta acção, alegar e provar um conjunto de factos geradores desse dever de indemnizar, traduzidos, designadamente, no facto/sinistro (furto do veículo), no valor da cobertura do bem (pelo qual se mede o quantum indemnizatório, dentro das forças/capital do seguro), no nexo de causalidade e na operância da respectiva cobertura, decorrente esta do contrato de seguro celebrado, pois que se trata aqui de elementos constitutivos do direito pretendido”.

É certo que as partes  não podem deixar de saber – principalmente a seguradora, devido à actividade que exerce – que a prova inequívoca da verificação do furto é, senão impossível, pelo menos muito difícil porque a subtracção da coisa, que caracteriza o furto (art. 203 do Código Penal), se faz, na maior das vezes, de forma sub-reptícia, sem que o proprietário da coisa se dê conta de tal subtracção. Por isso, não se pode exigir que se faça a prova com toda a certeza do furto, devendo ela fazer-se por meio de indícios, entre eles o mais forte e com valor bastante, o da formalização de uma queixa junto das autoridades policiais, feita em circunstâncias tais que não ponham em causa a seriedade da mesma, ou seja, que apontem para a sua verosimilhança.

Mas, por outro lado quando não se tem acesso ao bem, como é o caso da seguradora, também é muito provar que o bem não foi furtado.

Por isso, em casos como o dos autos, o que se  justifica é que o autor, tendo apresentado a queixa pela ocorrência do furto junto das entidades policiais, forneça ao tribunal elementos probatórios coadjuvantes que permitam formular um juízo de verosimilhança relativamente à queixa apresentada e que se objetivem  factualmente na fundada probabilidade do veículo ter sido estacionado nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas naquela queixa e de ter desaparecido daquele lugar sem motivo  aparente, conforme  Ac. Rel. Guimarães de 16.5.2019, proc. 3164/17.0 T8VNF.G1, disponível in www.dgsi.pt., citado no Ac deste Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2019, in Proc nº 1521/17.1T8AMT.P1

A significar que pese embora não ignoremos a dificuldade em fazer a prova de que o veículo foi furtado para efeitos de accionamento do seguro que cobre o risco de furto ou roubo do mesmo,[1] essa circunstância, por si, não é suficiente para em acções deste género nos afastarmos das regras legais do ónus da prova e do regime imperativo consagrado no artigo 347.º do Código Civil, as quais, enquanto, modelações legais do princípio da livre apreciação da prova, razão pela qual, em respeito pelas regras do Estado de Direito democrático que balizam o âmbito dos poderes dos vários órgãos de soberania, devem ser acatados pelo julgador de modo estrito.[2]

Desse modo, em situações idênticas às dos autos, não existe meio de prova que seja, pela sua própria natureza, isto é, abstractamente, mais valioso que outro.

A revelar, que nos afastamos do entendimento de alguma jurisprudência, designadamente o acórdão da Relação de Lisboa de 22-11-2018, proferido no processo n.º 18262/17.2T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, no qual se considerou que: “não se pode exigir que se faça a prova com toda a certeza do furto, devendo ela fazer-se por meio de indícios, entre eles o mais forte e com valor bastante, o da formalização de uma queixa junto das autoridades policiais, feita em circunstâncias tais que não ponham em causa a seriedade da mesma, ou seja, que apontem para a sua verosimilhança”.

Assim, por forma a estabelecer as bases da apreciação da impugnação de facto, reforçamos que a formalização da queixa de furto junto das autoridades policiais traduz um mero indício, um facto indiciário, ainda que importante, para prova do furto, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova .

De resto, qualquer   auto ou a participação policial propriamente dita é, no tocante aos factos controvertidos cuja ocorrência importa averiguar, um meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, a ponderar pelo julgador na formação da sua convicção, sem estar dispensado de analisar a restante prova produzida, em ordem a apurar da verificação dos factos, só assim podendo concluir se tal participação foi (ou não) “feita em circunstâncias tais que não ponham em causa a seriedade da mesma, ou seja, que apontem para a sua verosimilhança”.

A revelar que a mera participação do alegado furto às autoridades policiais nada prova acerca da ocorrência do sinistro, pois que o auto de denúncia, provando apenas que a denunciante fez determinadas declarações, não prova que essas declarações correspondam à realidade.

Assim, ainda que não se revele exigível ao autor que, nas circunstâncias enunciadas, faça prova direta e pessoal do desaparecimento do veículo, o juízo probatório a empreender ao nível da alegado desaparecimento do automóvel contra a vontade do seu detentor deve centrar-se, no essencial, na formulação de um juízo de verosimilhança suficiente para sustentar uma adequada confirmação das questões de facto enunciadas, as quais se traduzem, então, na fundada probabilidade de tal veículo ter sido deixado pelo autor, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar por este descritas, com a constatação do seu desaparecimento sem motivo aparente.[3]

E porque também releva para o caso em apreço, importa salientar que as declarações/ depoimentos escritos obtidos por peritos -averiguadores contratados pela seguradora em sede de processo interno de averiguação de sinistros não podem valer como meio de prova, o que, de resto, tem sido salientado em vários arestos.

Estes documentos podem ser vistos de duas perspetivas: por um lado, tratam-se de documentos particulares, onde o eventual lesado faz determinadas afirmações perante alguém que foi contratado pela seguradora para fazer a investigação dos factos; mas, por outro lado, tais documentos podem ser vistos como prova obtida através de um certo processo.

Ora, enquanto produto de um certo processo, as provas obtidas num processo só podem ser usadas noutros sob certas condições: desde logo, aquele tem de ser um processo contraditório e, depois, tem de ser um processo contra a parte contra a qual são invocadas (art.421º 1, do CPC).

Assim, por exemplo, declarações da parte prestadas perante o perito-averiguador da Seguradora não devem, nem podem ser utilizados – mesmo que às vezes o sejam… - num processo civil, pois que naqueles outros essa pessoa não foi parte, nem, principalmente, houve contraditório…

E se assim é, no caso em apreço, os documentos  nos quais estejam reduzidas a escrito as declarações prestadas pelo ora autor a um perito averiguador da ré em sede de processo interno desta, não podem valer como meio de prova, porquanto, na produção desse meio de prova não foram asseguradas um conjunto de garantias, entre elas a de esse meio de prova ser produzido em audiência contraditória, com prestação de juramento, advertências legais, registo do depoimento, etc. (arts.513º e segs do CPC).

Para além disso, a obtenção dos depoimentos pela pessoa contratada pela seguradora e a sua invocação em tribunal, seria um modo de contornar as regras da produção antecipada de prova (arts. 420 e 421, ambos do CPC), regras que aliás não fariam sentido – não precisariam de existir – se as coisas se pudessem passar como a seguradora pretende.

Quer isto dizer que os documentos dos autos que se traduzem na redução a escrito das declarações prestadas pelo autor perante peritos-averiguadores contratados pela ré não constituem meios de prova e por isso não podem ser invocados neste processo nessa qualidade.

Só podem valer como princípio de prova, sujeitos à livre apreciação da prova.

A revelar que esses documentos não corporizam factos que devem ser vertidos na decisão sobre a matéria de facto relevante.

3.2.2

Em consequência do exposto, impõe-se antes de tudo o mais, retirar da factualidade julgada provada os itens  21º, 22º, 23º,  29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, o que, se determina..

Prosseguindo,

Eliminados os itens 21º, 22º, 23º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º dos factos provados, a impugnação da matéria de facto fica sem objecto relativamente aos itens 21º, 29º, 30º, 31 º e 34º dos factos provados.

E, assim, dos factos impugnados restam os itens 7º, 26º a 28º, 35º e 36º e facto não provado que aqui se reproduzem:

“7. No dia 7 de Dezembro de 2018, cerca das 22h00 horas, o Autor, na companhia da sua namorada BB, estacionou o referido veículo da marca BMW, junto de outros veículos, do lado direito, e mais ou menos a meio, da Rua ..., na cidade de Vila do Conde.

26. Da análise das chaves, cujos últimos registos eram datados, respectivamente, de 15/10/2017 e de 12/07/2018, vinham elencadas anomalias no motor.

27. Por via de tais registos, os averiguadores dirigiram-se à oficina D..., tendo tomado conhecimento que o veículo BA tinha estado nas instalações daquela oficina no dia 06/10/2018 para efectuar um diagnóstico ao motor, pois este componente apresentava uma acentuada perda de rendimento.

28. Tal diagnóstico efectuado à viatura, com o custo associado de € 56,00, pago pelo Autor, revelou a existência de uma avaria ao nível do sexto cilindro do motor, porque o mesmo apresentava danos, cujo valor de reparação ascendia a cerca de € 8.000,00.

35. O aludido filtro de partículas foi efectivamente retirado, mas em data anterior aos problemas de rendimento do motor.

36. O veículo seguro dispõe de um sistema electrónico de bloqueio do motor que não é fácil de ultrapassar em pouco tempo e, sobretudo, sem o recurso a ferramentas electrónicas, as quais implicam a permanência do autor do furto dentro do veículo durante muito tempo, até lograr desbloquear esse sistema electrónico.

Bem como ao facto julgado não provado: (Não provado 1. Que o veículo do Autor tivesse sido furtado.)

Apreciemos então a impugnação dos factos:

Concretizando:

Relativamente ao ponto 7 da matéria de facto provada o apelante alega que não pode constar que o Autor estacionou o referido veículo “cerca das 22 horas”.

Convoca as suas declarações de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas BB e EE, concluindo que tal terá ocorrido entre as 21:30 horas e as 21:40 horas do dia 07 de dezembro de 2018.

Relativamente aos itens 26º a 28 dos factos provados o apelante alega:

Quanto ao item 26ª: “Deverão, igualmente, ser excluídos da matéria de facto provada os pontos 26 a 31, 34 e 35.

Vejamos, a fundamentação do Tribunal a quo quanto a esta factualidade:

“No que concerne ao facto provado n.º 26, sem prejuízo das inúmeras discrepâncias que ocorreram, no decurso do julgamento, quanto às concretas avarias detectadas pelas chaves, respectiva data de detecção e eventual resolução das mesmas (designadamente, devido à dissemelhança do resultado de análise às chaves juntos como documentos n.ºs 3 e 5 da contestação, não só entre si, como igualmente como confrontado com o ofício da E... junto a 07/02/2023), relativamente às quais a própria testemunha FF não foi capaz de dar uma justificação cabal, não deixou o Tribunal de aceitar que, ainda assim, as chaves efectivamente indicavam alguns problemas no motor (ainda que porventura entretanto resolvidos).”-sublinhado nosso.

Assim, o Tribunal recorrido admite que existiram inúmeras discrepâncias quanto às avarias detectadas pelas chaves, respectiva data de detecção e eventual resolução das mesmas, e isto porque, entende que os documentos juntos como documentos n.ºs 3 e 5 da contestação são díspares entre si, e ambos são diferentes do ofício da E... junto aos autos a 07/02/2023, e que a testemunha FF não foi capaz de dar uma justificação cabal para tais discrepâncias.

Ora, face a tais discordâncias, sempre teria o Tribunal a quo de considerar as indicadas avarias, nomeadamente no motor, como não provadas.

O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas.

Tal como sucedeu in casu, uma vez que sem qualquer prova de suporte (o Tribunal a quo não esclarece a razão por que, ainda assim, aceitou a existência de avarias no motor), tal factualidade foi dada como provada, sem qualquer especificação dos fundamentos que foram decisivos para o seu julgamento como provado (artigos 607º nº 4 e 662º nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil).

E, sem a ressalva de que tais anomalias no motor poderiam, entretanto, ter sido resolvidas, factualidade que tem interesse para o desfecho da lide, uma vez que a Recorrida sustenta toda a sua defesa numa alegada avaria do motor existente à data do furto.

Temos, assim, que deverá ser excluído, por não provado, o ponto 26 da matéria de facto provada.”

Quid iuris?

Nesta parte, cumpre referir que no essencial o apelante limita-se manifestar a sua discordância quanto à motivação do tribunal recorrido concluindo que não existe prova para suportar o facto vertido no item 26º dos factos provados.

Reapreciados os documentos juntos com a contestação referentes à leitura das duas chaves do veículo verificamos que foram juntas como documentos nº3 e nº4  a informação das chaves da viatura, bem como, os documentos 6 e 7 relativos a novas leituras dessas chaves, sendo que, dos depoimentos das testemunhas GG, coordenador dos peritos averiguadores que presta serviços para a Ré e FF, supervisor -coordenador que  nessa qualidade  prestou serviços à ré, resultou para nós esclarecida a diferença de registos das duas leituras, concretamente, foi devida  à utilização em cada um das leituras de distintos software .

E quanto ao documento junto aos autos a 7.02.2023, relativo à análise das chaves feita na concessionária E... a pedido do tribunal, verificamos, que também contem registo distinto daquelas outras leituras de chaves.

De resto, porque foi o Autor que entregou essas chaves à ré no âmbito do processo interno desta para averiguações, conforme declarado por este no requerimento de 3.03.2022,  pelo qual este se pronunciou sobre as exceções arguidas na contestação, deveria o Autor, uma vez que impugnou  quanto à autoria, teor, letra e assinatura e exatidão mecânica as  leituras das chaves feitas a pedido da ré e juntas com a contestação e não o fez, deveria o autor,  relativamente à análise das chaves feita a pedido do tribunal , esclarecer a razão das chaves apresentarem como data da última actualização da primeira e segunda chaves,  respectivamente, 12.07.2018 e 15.10.2017, datas anteriores à alegada deslocação do autor e da sua namorada no veículo alegadamente furtado no dia 7.12.2018 na Rua ..., na cidade de Vila do Conde.

Este esclarecimento deveria ter sido dado pelo Autor, e não foi, porquanto, em princípio, as chaves deveriam ter o registo de cada utilização da viatura !!

Assim, está fortemente criada a seguinte suspeita: a ser verdade a alegação da petição, isto é, deslocação do Autor e namorada no citado veículo BMW no dia 7.12.2018, as chaves que foram analisadas não eram aquelas que eram usadas pelo autor nesse dia !!!

Posto isto, uma vez que as leituras das chaves e respectivas discrepâncias não permitem afastar o valor indiciário das leituras das chaves que constam dos documentos nºs 6 e 7 da contestação, porquanto, ignoramos  qual o software e qual o equipamento e nível de atualização respectivo  usados na leitura das chaves feita na concessionária E..., essas leituras serão objecto da  livre apreciação da prova por parte deste tribunal.

Assim, a critica que o apelante faz à motivação do tribunal a quo nesta parte não serve para infirmar a convicção alcançada pelo tribunal a quo relativamente ao item 26 dos factos provados.

E relativamente aos itens 27º e 28º dos factos provados alega o apelante:

“…a testemunha GG limitou-se a narrar ao Tribunal aquilo que alguém lhe disse na oficina D..., não concretizando sequer de quem se tratava- DEPOIMENTO TESTEMUNHA: GG, MINUTO 05:03 a 05:40.

Ora, cabia à Recorrida, para prova da factualidade alegada, indicar as pessoas da D... com conhecimento directo dos factos. O que não fez.

E, uma vez mais, estamos perante um testemunho indireto, o qual contêm a versão e interpretação dos factos feitas por outrem, reiterando-se aqui tudo o que anteriormente se afirmou relativamente a este tipo de depoimento.

Por seu turno, a testemunha FF foi clara ao afirmar que não falou com ninguém, incluindo o Recorrente, nem se deslocou à D..., conforme acima já referido - DEPOIMENTO TESTEMUNHA: FF, MINUTO 32:24 a 32:26.

Deste modo, não se compreende em que medida o seu depoimento contribuiu para a prova dos factos descritos nos pontos 27 a 32 da matéria de facto provada.

Por seu turno, a testemunha HH, à data e atualmente chefe da oficina da D..., admitiu que esta situação não passou por si, afirmando recordar-se das datas, porque tinha visto os documentos nesse dia- DEPOIMENTO TESTEMUNHA: CHEFE DE OFICINA DA D..., DE SEU NOME HH, MINUTO 01:29 a 02:16.

Não se recordando o que se teria passado, mas face aos documentos que leu naquele dia do julgamento seria uma falha/reclamação do cliente no sistema de injecção e foi isso que foi verificado - DEPOIMENTO TESTEMUNHA: CHEFE DE OFICINA DA D...,S.A., DE SEU NOME HH, MINUTO 02:46 a 02:54.

Acrescentando uma estimativa de reparação de 8.000,00€-DEPOIMENTO TESTEMUNHA: CHEFE DE OFICINA DA D..., DE SEU NOME HH, MINUTO 13:53 a 13:56.

Deste modo, esta testemunha não teve qualquer participação na intervenção a que o veículo foi sujeito no dia 06/10/2018, nem falou com o Recorrente nessa ocasião - DEPOIMENTO TESTEMUNHA: CHEFE DE OFICINA DA D..., DE SEU NOME HH, MINUTO 16:19 a 16:23.

Limitando-se a testemunha a interpretar os documentos juntos pela D... no dia do julgamento (20/06/2023), conforme se extrai das suas declarações a instâncias do ilustre mandatário da Recorrida:

“Não consigo. Se eu ler o que diz no documento…

Posto isto é uma leitura que eu estou a fazer, agora não me recordo o que é que, quase há cinco anos atrás”

-DEPOIMENTO TESTEMUNHA: CHEFE DE OFICINA DA D..., DE SEU NOME HH, MINUTO 04:15 a 04:28. Sendo que a testemunha afirmou perante o Tribunal que não era sua a letra aposta nos referidos documentos juntos na audiência de julgamento - DEPOIMENTO TESTEMUNHA: CHEFE DE OFICINA DA D..., DE SEU NOME HH, MINUTO 19:26 a 19:28.

Ora, se a testemunha não efetuou o diagnóstico/reparação da viatura no dia 06/10/2018, não falou com o Recorrente nesse dia, nem elaborou, preencheu e assinou os documentos juntos em sede de audiência de julgamento, como pode o Tribunal a quo considerar que a testemunha HH confirmou que foi realizado, a 06/10/2018, o diagnóstico à viatura do Autor, a pedido deste, tendo sido detectados problemas no sexto cilindro do motor, que diminuía de forma séria o seu rendimento e que levava a um acréscimo do consumo de combustível?

Mais, conforme referido, esta testemunha limitou-se a interpretar os documentos juntos em sede de audiência de julgamento, pelo que não se aceita a alegação do Tribunal a quo de que as suas declarações foram corroboradas pelo teor dos referidos documentos.

Já quanto ao alegado valor da reparação diga-se que existe contradição entre o depoimento desta testemunha e o depoimento da testemunha GG, o qual afirmou que lhe fora dito na oficina D... que a reparação seria de 4.000,00€ - DEPOIMENTO TESTEMUNHA: GG, MINUTO 06:17 a 06:29..

Ora, atenta a diferença de valores, nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que a reparação ascenderia ao maior desses valores.

Importa agora referir que muito se estranha que, sendo a oficina D... uma concessionária da BMW, à data de tal diagnóstico, e uma vez que se tratava de uma alegada grande reparação, não tenha sido prestado e entregue ao cliente (Recorrente) um orçamento do custo da referida reparação.

Para além disso, a testemunha GG afirmou que as avarias do motor ficam registadas nas chaves, e que o sistema vai limpando as ocorrências mais antigas, substituindo-as pelas mais recentes-(DEPOIMENTO TESTEMUNHA: GG, MINUTO 03:39 a 40:37).

Assim sendo, tendo sido feito um diagnóstico ao motor do veículo em 06/10/2018, e alegadamente detetada avaria ao nível do sexto cilindro do motor, sempre esta avaria teria de constar da informação armazenada (e posteriormente descarregada) nas chaves.

O que, incompreensivelmente, não aconteceu.

Já relativamente às alegadas contradições nas declarações do Recorrente, nomeadamente da descarga elevada de bateria, convêm referir que esta avaria consta quer dos documentos 4 (pág. 2) e 7 (pág. 3) juntos com a contestação, quer do ofício da E... junto aos autos a 07/02/2023 (pág. 2 da chave 2).

E, nas suas declarações, o que o Recorrente referiu é que o único aviso de alerta que existia no veículo era o de elevada descarga de bateria (DEPOIMENTO AUTOR: AA, MINUTO 18:58 a 19:23), tendo acrescentado, posteriormente, que na referida oficina da D... foi informado que o veículo estaria “abafado” (DEPOIMENTO AUTOR: AA, MINUTO 19:51 a20:04)

Mais referindo que não notava a perda de rendimento, porque o veículo tinha muitos cavalos (DEPOIMENTO AUTOR: AA, MINUTO 21:58 a 22:33), sendo que o veículo circulava, inclusive em auto estrada e em data posterior a outubro de 2018, conforme passagens da Via Verde que entregou ao perito averiguador da Ré, Sr. II, nunca tendo sido necessário recorrer à assistência em viagem (DEPOIMENTO AUTOR: AA, MINUTO 32:59 a 33:36).

Aliás, a testemunha JJ, a instâncias da mandatária do Autor/Recorrente afirmou que o veículo circulava (DEPOIMENTO TESTEMUNHA: JJ, MINUTO 09:35 a 10:00).

E, esta testemunha não confirmou que o Autor/Recorrente lhe relatou que o motor não tinha rendimento.”

Quid Iuris ?

Nesta parte, importa referir que procedemos a reprodução das declarações-depoimento de parte do autor , AA,  depoimentos das testemunhas BB (esposa do Autor), CC (mediador de seguros que efectuou o contrato com a Ré), DD (proprietário de uma oficina onde o Autor colocou o carro e amigo do Autor), EE (dono do restaurante onde o Autor alegadamente se encontrava aquando do desaparecimento da viatura), GG (averiguador da Ré que analisou o sinistro), FF (averiguador supervisor da Ré que igualmente analisou o sinistro), HH (mecânico da D...) e JJ (mecânico que teve intervenção na viatura do Autor antes de 06.10.2018).

O Tribunal  reapreciou ainda os documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente, o título de registo de propriedade junto como documento n.º 1, o contrato de seguro celebrado com a Ré junto como documento n.º 2, o auto de denúncia de furto do veículo junto como documento n.º 3, o e-mail enviado à Ré junto como documento n.º 4, a carta a enviar o original dos documentos à Ré junta como documento n.º 5, a declaração de entrega das chaves junta como documento n.º 6, a carta de declinação de responsabilidade da Ré junta como documento n.º 7, o e-mail remetido à Ré junto como documento n.º 8, o e-mail de resposta da Ré junto como documento n.º 9, a certidão do processo-crime de furto denunciado pelo Autor junto como documento n.º 10 e a declaração policial junta como documento n.º 11.

Levou igualmente em conta o teor dos documentos juntos com a contestação da Ré, designadamente, a factura de aquisição de uma chave junta como documento n.º 1, a informação das chaves da viatura junta como documento n.º 3 e a nova informação das chaves junta como documento n.º 5.

Por fim, reapreciamos o ofício da E... junto a 07/02/2023 e a factura e informação de serviço realizada pela D... à viatura do Autor em 06/10/2018, junta aos autos a 20/06/2023.

E reapreciados que foram esses meios de prova diremos o seguinte:

O autor nas declarações que prestou, no essencial, tentou reforçar a alegação vertida na petição inicial, referindo ter-se deslocado juntamente com a sua namorada no veículo dos autos até à rua localizada nas proximidades do restaurante onde estacionaram o veículo,  referiu o local onde estacionou o veículo bem como as alegadas circunstâncias do furto, prosseguiu relatando terem-se deslocado a pé ao restaurante próximo localizado noutra rua onde jantaram, bem como, referiu que após o jantar ao regressarem à rua onde o veículo estava estacionado este não se encontrava no local onde tinha sido estacionado.

Instado sobre se o veículo padecia de  avarias no motor, o autor, sustentou a versão vertida no requerimento de resposta às exceções da contestação, junto a 03.03.2022, referindo que o motor do seu veículo nunca teve problema no motor,  referiu que no veículo apareceu um alerta de descarga elevada de bateria que motivou a sua ida ao concessionário e relatou que apenas se dirigiu à oficina da testemunha JJ uma única vez, já após o motor apresentar problemas de funcionamento, e que o filtro foi limpo e novamente colocado no veículo, o que resolveu os problemas do motor.

Por seu lado a namorada, actualmente sua esposa, BB, depôs de forma contida, respondendo às perguntas que lhe foram feitas de modo a confirmar a alegação feita na petição relativamente à alegada ocorrência do furto do veículo e às características do local onde a viatura ficou estacionada.

EE (dono do restaurante onde o Autor se encontrava aquando do desaparecimento da viatura), no essencial, apenas confirmou que o autor e a sua actual mulher chegaram ao restaurante próximo das 9.30, bem como,  relatou o que o autor e a namorada lhe fizeram sobre o alegado desaparecimento do veículo, referindo que o autor mostrava-se  triste. Todavia, resulta deste depoimento que a testemunha não viu o autor e a namorada a estacionarem o veículo em causa, nem viu o veículo.

As testemunhas GG (averiguador da Ré que analisou o sinistro), FF (averiguador supervisor da Ré que igualmente analisou o sinistro), ambos revelaram terem tido intervenção na averiguação dos factos relatados pelo autor na participação que fez à seguradora, descrevendo as diligências que fizeram para apuramento dos factos .

Assim, estas testemunhas - averiguadores da ré- relataram que perante o relatório da leitura das informações contidas nas chaves do veículo, se dirigiram à oficina da concessionária da marca(a D...) e que aí tomaram conhecimento de que o veículo seguro ali tinha estado em 06/10/2018 para efectuar um diagnóstico ao motor, pois este componente apresentava uma acentuada perda de rendimento.

Estes depoimentos destes peritos averiguadores foram corroborados pelos três documentos juntos pelo concessionário da marca em 20/06/2023, dos quais resulta que o veículo seguro deslocou-se à oficina do indicado concessionário da marca e 06/10/2018, data em que o próprio autor aí reportou uma perda de rendimento do motor como causa dessa deslocação.

E no tocante ao valor da reparação da avaria verificada no sexto cilindro do motor, verificamos  que o valor de € 8.000,00 foi referido pela testemunha HH, chefe de oficina da BMW, que, perante a documentação junta pela concessionária da BMW, reconheceu-a como emanada daquela entidade e que, perante a sua experiência profissional, a reparação do problema diagnosticado ao motor do veículo seguro implicava um custo de cerca de 8.000,00€, justificando de forma suficiente e clara esse valor.

Pelo que, não merece censura o relato que a propósito o tribunal a quo faz deste último depoimento:

“Por sua vez, a testemunha HH confirmou que foi realizado, a 06/10/2018, o diagnóstico à viatura do Autor, a pedido deste, tendo sido detectados problemas no sexto cilindro do motor, que diminuía de forma séria o seu rendimento e que levava a um acréscimo do consumo de combustível. A aludida testemunha mais referiu que a reparação do motor teria um custo elevado, de cerca de € 8.000,00.

As suas declarações foram integralmente corroboradas pelo teor dos referidos documentos juntos a 20/06/2023, que demonstram a indicação de tais problemas”

É certo que, na qualidade de “peritos averiguadores” da seguradora, no âmbito da averiguação que fizeram, é compreensível que as testemunhas GG (averiguador da Ré que analisou o sinistro), FF (averiguador supervisor ), tenham falado com o autor-apelante e também com a testemunha JJ, recolhendo os respectivos declarações-depoimentos, fazendo, nos respectivos depoimentos, pontuais referências ao que lhes foi então transmitido, designadamente, na parte em que o Autor contrariou o depoimento desta testemunha e negou a existência de problemas no motor assim como o diagnóstico feito ao motor na concessionária BMW. Mas isso em nada invalida os seus depoimentos, apenas poderá significar que, nessa parte, se trataram  de depoimentos indiretos, os quais,  não se deixa de poderem ser (livremente) valorados pelo tribunal, sobretudo em casos como o dos autos, em que se averigua a veracidade da participação de furto de veículo feita por acto voluntário do autor, ocorrência que não objecto de prova presencial de qualquer testemunha.

A respeito do valor probatório do depoimento indireto, veja-se, a título exemplificativo, os acórdãos do STJ, cujos sumários, disponíveis para consulta em www.stj.pt, citamos:

- de 22-11-2007, na revista n.º 3082/07 - 1.ª Secção, conforme se alcança do respetivo sumário: “Apesar de o julgador ter de usar das máximas cautelas na valoração das provas indirectas, designadamente depoimentos indirectos, esses meios probatórios não estão proibidos, havendo até situações em que são as únicas provas possíveis de recolher e de aceitar, como as que respeitem a factos passados na intimidade do lar”.

- de 22-04-2008, na revista n.º 878/08 - 7.ª Secção: I - O valor da prova não depende da sua natureza (directa ou indirecta), mas fundamentalmente da sua credibilidade. II - Assim, a prova testemunhal indirecta, ainda que seja o único meio probatório produzido, beneficia do valor jurídico reconhecido pelos arts. 392.º e 396.º do CC, nada obstando, pois, à sua admissibilidade e valoração.

- de 08-05-2008, na revista n.º 755/08 - 2.ª Secção: “I - A força probatória dos depoimentos (directos ou indirectos) das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (arts. 396.º do CC e 655.º do CPC) (…)”.

Acresce que, apesar de o Autor, no seu depoimento de parte, ter referido que apenas se deslocou à D... a 06/10/2018 porque o mesmo apresentava descarga elevada de bateria e que nunca se apercebeu da perda de rendimento do motor, a versão por si trazida mostra-se infirmada pelos documentos de 20/06/2023 (onde resulta que uma das queixas do Autor relativas à viatura é, precisamente, a perda de rendimento), bem como pelo depoimento da testemunha JJ.

Mais.

A testemunha JJ, que tem uma oficina onde o autor se deslocou para reparar o veículo relatou de forma segura e revelando conhecimento directo que o Autor se deslocou duas vezes à sua oficina: uma, no âmbito da qual o motor não aparentava ter problemas, tendo sido retirado o filtro de partículas; e uma outra, em que o Autor se queixava da perda de rendimento do motor, não tendo podido resolver o problema, situando esta última antes de 6.10.2018.

A este propósito cumpre salientar que o Autor, não acompanhou esse depoimento, porquanto, relatou que apenas se dirigiu à oficina da testemunha JJ uma única vez, já após o motor apresentar problemas de funcionamento, e que o filtro foi limpo e novamente colocado no veículo, o que resolveu os problemas do motor.

Assim, no confronto das duas versões, a da Testemunha JJ e aquela do Autor, considerando o interesse directo deste no desfecho da ação, o que não se verifica por parte da testemunha, considerando que o relato da  aludida testemunha corresponde ao  diagnóstico realizado na D... em 06/10/2018 e junto aos autos a 20/06/2023, naturalmente, que este tribunal privilegia este depoimento em desfavor das declarações do autor.

Assim, reapreciada a prova produzida e atrás convocada este colectivo de juízes convenceu-se que efectivamente o veículo BMW propriedade do autor no dia 06/10/2018, data do  diagnóstico ao motor feito na concessionária a pedido do autor, apresentava uma acentuada perda de rendimento, que se revelou ser derivada de uma avaria ao nível do sexto cilindro do motor, cujo valor de reparação ascendia a cerca de € 8.000,00.

Assim, não pode deixar este Tribunal da Relação deixar de consignar que o Autor faltou à verdade nas declarações que prestou ao tribunal.

Assim, repetimos: O Autor, quando questionado acerca dos problemas da viatura, referiu que não se apercebeu da perda de rendimento do motor, o que foi desmentido pela testemunha HH e, sobretudo, pelos documentos juntos em 20/06/2023.

Por outro lado, o Autor igualmente asseverou em Tribunal que o filtro de partículas foi limpo e novamente colocado no veículo, o que resolveu o problema, o que foi expressamente negado pela testemunha JJ, tendo a testemunha afirmado que o filtro foi removido, e que tal remoção foi em data anterior ao surgimento dos problemas da viatura, sendo que não foi capaz de diagnosticar convenientemente os mesmos.

Da análise conjugada das declarações do Autor, resulta cabalmente que o mesmo faltou à verdade e, à medida que as suas falsidades iam sendo detectadas, modelava a narrativa de modo a apresentar uma versão alternativa plausível perante as circunstâncias que iam surgindo.

Assim, também para nós, esse facto – problemas graves no motor com perda de rendimento – encontra-se solidamente demonstrado.

No que tange ao facto provado n.º 36, este está suportado nos depoimentos das testemunhas GG e de FF, que permitiram concluir pela efectiva existência de mecanismos de segurança da viatura destinados a evitar que a mesma seja acedida electronicamente por terceiros.

Mais.

Da reapreciação da prova, verificamos, conforme resulta do contrato de seguro junto como documento n.º 2 da petição inicial, que o Autor renovou o seguro contra todos os riscos em 08/11/2018, momento em que comprovadamente já tinha conhecimento dos problemas no motor, do potencial custo para reparação e do valor do seu veículo.

Ora, estes factos, por si, revelam ser não conforme ao normal procedimento do homem médio, que nessas circunstâncias o autor-apelante tenha aceite fazer o pagamento de um prémio de seguro tão elevado para um veículo que o Autor sabia estar comprometido no seu valor e utilidade.

Aliás, como bem refere o tribunal recorrido, por sua vez, sendo o veículo datado de Dezembro de 2005, a inspecção obrigatória do mesmo teria que ocorrer até ao final daquele mês de Dezembro de 2018, sendo que os problemas de rendimento do motor poderiam não levar à aprovação do veículo para circulação.

Em síntese, o momento em que o furto ocorreu, conjugado com as diversas coincidências temporais da renovação do seguro e necessidade da realização de inspecção, colocam dúvidas ao Tribunal sobre a ocorrência do furto.

Assim, como elementos que colocam em causa a ocorrência do furto, temos a existência de problemas no motor, cuja causa terá sido detectada cerca de dois meses antes do desaparecimento da viatura, e cuja reparação ascenderia a € 8.000,00.

A renovação do seguro contra todos os riscos em 08/11/2018, momento em que comprovadamente já tinha conhecimento dos problemas no motor, do potencial custo para reparação e do valor do seu veículo.

Os problemas de rendimento do motor, que não foram reparados, poderiam não levar à aprovação do veículo na inspecção obrigatória que teria de ocorrer no mês de Dezembro de 2018.

Em síntese, o momento em que o furto ocorreu, conjugado com as diversas coincidências temporais da renovação do seguro e necessidade da realização de inspecção, criaram neste colectivo de juízes sérias dúvidas sobre a veracidade da alegada ocorrência do furto do veículo BMW, modelo ..., com a matrícula ..-BA-.., nas circunstâncias de tempo e espaço descritas na petição.

Acresce que as sérias dúvidas criadas abarcam também a alegação da petição do autor na parte em que referiu que no dia 7 de Dezembro de 2018, cerca das 22h00 horas, o Autor, na companhia da sua namorada BB, estacionou o referido veículo da marca BMW, junto de outros veículos, do lado direito, e mais ou menos a meio, da Rua ..., na cidade de Vila do Conde.

É que revelando-se estranhas as circunstâncias em que o alegado furto ocorreu tornou-se exigível para nós que fosse feita pelo autor prova consistente sobre a alegada circulação do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na petição, o que, este não logrou fazer, irrelevando, nestas circunstâncias, o facto do autor e a sua namorada terem jantado no restaurante da testemunha EE (dono do restaurante onde o Autor se encontrava aquando do desaparecimento da viatura), que, no essencial, apenas confirmou que o autor e a sua actual mulher  chegaram ao restaurante próximo das 9.30 e que posteriormente esta mais tarde voltou ao restaurante informando que o veículo do autor tinha desaparecido.

De resto, conforme resulta provado, o lugar em que o veículo foi deixado corresponde a uma artéria com movimento, com visibilidade, e que, embora possível, é difícil e leva tempo aceder eletronicamente à viatura.

Tais circunstâncias tornam improvável que qualquer pessoa se aventurasse a protagonizar o furto do veículo seguro naquele local e naquela hora, sempre sujeito a ser detectado por qualquer pessoa que por ali passasse.

Efectivamente, da prova reapreciada resulta que a única testemunha que referiu esse facto foi a sua esposa, que, na altura era sua namorada, depoimento que pela relação conjugal verificada e interesse manifesto no desfecho da ação, não logrou convencer-nos sobre a veracidade da alegada circulação do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na petição e ulterior desaparecimento.

Aqui chegados, reapreciadas os meios de provas e relativamente aos factos impugnados decidimos eliminar o facto vertido no item 7 dos factos provados, manter os factos vertidos nos itens 26º a 29º, 35º e 36º dos factos provados e o item 1º dos factos não provados.

Finalmente o apelante pretende o aditamento aos factos provados dos seguintes factos:

“43. É possível aceder eletronicamente ao veículo igual ao do Autor, sem que tal deixe vestígios, tais como vidros partidos.

44. À data do desaparecimento do veículo, o Autor já tinha seguro contra todos os riscos há mais de um ano, e era habitual o Autor subscrever tal tipo de seguro.

45. O Autor quando se apercebeu do desaparecimento do veículo ficou triste.

46. O capital de 12.870,00€, contratado para danos próprios furto ou roubo, foi estabelecido pela Ré.

47. O Autor adquiriu o veículo a um particular pelo valor de 15.000,00€.

48. O veículo do Autor foi furtado.”

Questão prévia:

Antes de mais, para evitar referências inúteis às razões alegadas no que respeita à factualidade vertida aos sobreditos pontos 43 a 47, verificamos que se trata de matéria de facto não alegada pelo apelante e, como tal, insusceptível de ser apreciada e julgada provada nesta sede, não merecendo qualquer provimento a impugnação nesta parte.

No que respeita ao aditamento do facto vertido no ponto 48º, na medida em que já foi por nós exaustivamente apreciada, com reapreciação das provas convocadas, a alegada ocorrência do furto nas circunstâncias vertidas na petição, tendo este tribunal fundamentado de forma que se nos afigura bastante a convicção formada sobre esse facto, damos aqui por reproduzida essa fundamentação, e, assim, decidimos pelo não provimento da impugnação também nesta parte.

3.3. Do Mérito da Decisão:

Como emerge do regime plasmado nos arts. 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nº 1, do CPC, da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões têm um papel decisivo, não só no levantamento das questões controversas apresentadas ao tribunal superior como, sobretudo, na fixação do objeto do recurso, logo se compreendendo quão importantes elas são para o tribunal ad quem na definição dos seus poderes de cognição. Em suma: as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.

No caso, retira-se das conclusões do recurso, que a pretensão do Recorrente encontrava-se totalmente dependente da procedência da impugnação da matéria de facto por si apresentada, o que, não veio a verificar-se.

Assim não está posta em causa pelo Recorrente a apreciação jurídica da causa feita na sentença proferida, mas antes e apenas a decisão de facto, a qual foi mantida por este tribunal da Relação.

Não há assim motivo para a alteração da sentença proferida que se confirma.

Sumário.

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IV - DELIBERAÇÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo apelante, e, assim, confirmamos a sentença recorrida.

As custas deste recurso serão pagas pelo recorrente.





Porto, 04.04.2024
Francisca da Mota Vieira
Aristides Rodrigues de Almeida
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Ac deste Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2023, acima citado, onde se escreveu: “Por outro lado, tanto quanto vemos, a constatação correcta da dificuldade de provar determinados factos, que não é exclusiva das acções com este objecto e se intensifica quando estão em causa, por exemplo, factos negativos ou factos futuros, qualquer que seja a acção onde devem ser provado, não pode justificar que se atribua a um acto voluntário e livre do próprio interessado (o deslocar-se a um posto de policia para apresentar uma queixa) que é insusceptível de qualquer controlo ou fiscalização um valor probatório que manifestamente este não pode ter, atenta a sua natureza, origem e facilidade. Não é certamente por acaso que a lei penal consagra em os vários tipos legais de crime, o crime de simulação de crime (artigo 366.º do Código Penal) punindo-o com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”
[2] Cfr. Ac deste Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2023, acima citado.
[3] Ac TRG 16.05.2019, proc nº 3164/17.0T8VNF.G1.