Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO CERTIFICADOS DE APREENSÃO DE DINHEIRO EXECUÇÃO DOS ACTOS DO JIC PREENCHIMENTO DE FORMULÁRIO EXECUTIVO FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS REGULAMENTO (EU) 2018/1805 | ||
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Nº do Documento: | RP202404296280/23.6JAPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/29/2024 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/DECISÃO SUMÁRIA | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - De acordo com o disposto nos arts. 18.º, n.º 2, da Lei na 62/2013 (LOSJ), de 26-08, e 41.º, n.º 3, do DL 49/2014, de 27-03, que regulamenta a LOSJ e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (ROFTJ), a execução das decisões correspondentes a actos da competência exclusiva dos magistrados judiciais, designadamente os actos praticados pelo Juiz de Instrução Criminal, cabem aos mesmos ou aos funcionários sob sua dependência funcional. II - No âmbito do Regulamento (EU) 2018/1805, e tendo em conta a declaração que Portugal apresentou ao abrigo do art. 24.º do Regulamento, a autoridade judiciaria portuguesa para o acto de emissão é decalcada das regras de processo penal interno, nenhuma norma impondo entendimento diferente. III - Compete ao Juiz de Instrução Criminal (JIC) a apreensão de dinheiro de determinada conta bancaria no estrangeiro e a sua restituição à ofendida (arts. 181.º, n.º 1, e 268.º, n.º 1, al. c), ambos do CPPenal). IV - Assim, o preenchimento dos formulários a que respeita o Regulamento (EU) 2018/1805 relativos a certificado de apreensão (freezing order) e decisão de restituição são da competência do JIC e dos funcionários sob sua dependência funcional. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 6280/23.6JAPRT-A.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 2 Sumário: ………………………………………………. ………………………………………………. ………………………………………………. Decisão Sumária I. Relatório No âmbito do Inquérito n.º 6280/23.6JAPRT, a correr termos na 4.ª Secção do DIAP de Vila Nova de Gaia, por despacho de 19-12-2023, a Digna Magistrada do Ministério Público que conduzia o inquérito, determinou, para o que aqui importa, o seguinte (transcrição): «6. Certificado de apreensão - Freezing Order e decisão de restituição dos bens apreendidos à vitima Remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução com a seguinte promoção: Exposição sumária dos factos: Os presentes autos tiveram origem na denúncia apresentada por AA dando conta que conheceu um indivíduo através da rede social facebook. No decorrer das conversações o suspeito acabou por se identificar como sendo “BB”, cirurgião ortopédico a viver no ..., utilizador do endereço eletrónico BB@..... e do nº ...75. Este indivíduo, alegando pretender abrir um consultório em Portugal e a pretexto de enviar uma grande soma de dinheiro para o nosso pais, convenceu CC, a partir de Outubro de 2023, a enviar-lhe dinheiro, alegadamente para custear as despesas de transporte junto da transportadora, com quem contactou ..........@....., o que esta fez. A ofendida, crendo na genuinidade da relação que mantinha com o individuo, veio a entregar-lhe por via da relação amorosa que julgavam ter, várias quantias em dinheiro através de transferência para o IBAN ...55, conta domiciliada no Banco 1... e titulada por DD E EE, totalizando as entregas o valor de €9.500,00. Acto contínuo, os suspeitos DD E EE transferiram imediatamente após a transferência do valor de €3.000,00 pela ofendida o valor de €2.950,00 para a conta com o IBAN ...66, conta domiciliada no A..., na Via ..., ..., ..., Italia e após a transferência do valor de €6.500,00 o valor de €6.450,00 para a mesma conta bancária. * Os factos participados, se considerados em abstracto, são subsumíveis à prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelo artigo 217.º e 218.º, ambos do Código Penal. Tendo em vista proceder à apreensão dos valores ilicitamente transferidos, nos termos do Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão disponível em https://www.ejn-crimjust.europa.eu/ejn/libdocumentproperties/EN/3270 - e de perda e artºs 178.º, n.º 1 e 181.º, n.º 1, ambos do Cód. Proe. Penal, solicitando-se urgência atento o perigo de as quantias serem dissipadas, promovo: 1) a emissão de um certificado de apreensão (FREEZING ORDER) do seguinte valor, na seguinte instituição bancária e conta infra identificada, 2) acompanhado de uma decisão de restituição de bens apreendidos à vítima – artigo 29.º do Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão. - por referência à conta bancária com o IBAN ...66, conta domiciliada no A..., na Via ..., ..., ..., Italia, com a correspondente apreensão do saldo existente, ou na negativa dos valores que venham a ser creditados até perfazer o valor de €9.400,00 (nove mil e quatrocentos euros) – cf. fls. 108 - e respectiva devolução para a conta com o IBAN ...05, domiciliada na Banco 2... e titulada pela ofendida CC na medida em que este transferiu tal quantia mediante engano causado por terceiros e ficou lesado nesse valor - ponto 45 e artigo 29.0 do Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão.» Concluídos os autos à Senhora Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal do Porto (Juiz 2), pela mesma foi proferida, em 21-12-2023, a seguinte decisão (transcrição): «É do meu conhecimento funcional que o MºPº, em situações similares à dos presentes autos, envia certidão de apreensão já preenchida, sendo pedido ao JIC apenas a assinatura e aposição de selo branco - Processo 953/22.8PIVNG, DIAP, 4ª Secção, Vila Nova de Gaia. Sendo o MºPº o titular do inquérito, este é o procedimento correto. Assim, devolva para o efeito, deferindo-se ao promovido quanto à ordem judicial , em si, determinando-se, ns termos s efeitos promovidos, a restituição bens apreendidos à vitima, por referência à conta bancária com o IBAN ...66 , conta domiciliada no A..., na Via ..., ..., ..., Italia, com a correspondente apreensão do saldo existente, ou na negativa dos valores que venham a ser creditados até perfazer o valor de €9.400,00 (nove mil e quatrocentos euros) - cf. fls. 108 - e respectiva devolução para a conta com o IBAN ...05, domiciliada na Banco 2... e titulada pela ofendida CC na medida em que este transferiu tal quantia mediante engano causado por terceiros e ficou lesado nesse valor – ponto 45 e artigo 29.º do Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão. DN. Envie cópia do despacho proferido no referido inquérito.» Devolvidos os autos, pela Digna Magistrada do Ministério Público, com data de 08-01-2024, foi proferido o seguinte despacho (transcrição): «Por despacho de fls. 120 a 122, foi promovido pelo Ministério Público a apreensão do saldo de contas bancárias de conta domiciliada no estrangeiro. A providência em causa nos autos é acto da competência do juiz de instrução nos termos e para os efeitos dos artigos 178.º, nº1 e 181.º, ambos do Código de Processo Penal, tal como decorre do despacho judicial que deferiu o promovido de fls. 139. Os actos da competência do juiz são cumpridos no juízo de instrução criminal e não pelo MP e/ ou seus funcionários. Assim, não competindo à signatária o cumprimento do determinado, concretamente o preenchimento do formulário relativo à certidão de apreensão, devolva os autos ao juízo de instrução criminal do Porto, para cumprimento do judicialmente determinado.» E por despacho de 12-01-2024, a Senhora Juiz do Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 2, voltou a manter a sua posição, nos seguintes termos (transcrição): «Com todo o respeito pela promoção que antecede, não se discute aqui se a providência em causa nos autos é ato da competência do juiz de instrução nos termos e para os efeitos dos artigos 178.º, nº 1 e 181.º, ambos do Código de Processo Penal. É obviamente da competência do JIC, sendo que foi proferido despacho no sentido promovido. Não se discute também aqui se os atos da competência do juiz são cumpridos no juízo de instrução criminal e não pelo MP e/ou seus funcionários; os despachos proferidos pelo JIC são cumpridos pelos funcionários judiciais. O que se disse foi que, como aliás foi feito pelo MºPº em processo que se identificou, deve ser o MºPº a preencher o certificado, como ali foi feito e nos termos ali definidos, sendo que o ato concreto pedido ao JIC integra aquele certificado. Como referido pelo MºPº no inquérito que identificamos no nosso último despacho, “A certidão de apreensão que deve ser remetida consta do Anexo 1 do Regulamento. Em face de todo o exposto, tendo em consideração que, nos termos dos artigos 181º, nº 1, 268º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, compete exclusivamente ao Juiz de Instrução a decisão de apreensão de saldos bancários (como supra se promoveu), promove-se que a certidão de apreensão, que se remete já preenchida e deve ser instruída com cópia de fls. 3/31 dos autos, seja assinada pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, com aposição de selo branco e, após, sejam os autos e essa mesma certidão devolvidos a este DIAP, a fim de se proceder ulteriormente à remessa eletrónica à autoridade judiciária de execução competente”. Assim, considerando que a nossa posição apenas secunda uma posição também do MºPº, mantemos o nosso entendimento. Devolva.» * Inconformado com os despachos de 21-12-2023 e de 12-01-2024, veio o Ministério Público dos mesmos interpor recurso, solicitando que sejam revogadas tais decisões e que sejam substituídas por outra que preencha ou ordene o preenchimento do formulário relativo ao certificado de apreensão pelo juiz ou funcionários sob a sua dependência, aduzindo em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «1. O presente recurso vem interposto dos despachos judiciais proferidos em 21.12.2023 e 12.01.2024 os quais, embora tenham deferido a pretensão do Ministério Público de apreensão de saldos bancários de contas sedeadas no estrangeiro, entendem que a execução do despacho judicial concretamente o preenchimento do formulário relativo ao certificado de apreensão anexo ao Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18 compete ao Magistrado do Ministério Público e seus funcionários. 2. No entanto, não é ao Ministério Público nem aos seus funcionários que compete o preenchimento do formulário relativo ao certificado de apreensão uma vez que o mesmo respeita a acto da competência e responsabilidades exclusivas do juiz - artigos 178.º, nºl e 181.º, ambos do Código de Processo Penal. 3. Assim, nos actos da competência exclusiva do juiz de instrução, cabe-lhe a si ou aos funcionários sob sua dependência executar as suas decisões (artigo 18.º, nº2 da Lei nº 62/2013, de 26.08 e artigo 41.º, nº3 do DL n.º 49/2014, de 27 de Março que regulamenta a Lei nº 62/2013, de 26.08 de 26.08). 4. Entendimento diverso viola e subverte, no nosso entender, a organização judiciária vigente e a própria estrutura acusatória do processo penal e o princípio da independência e paralelismo entre as magistraturas, que atribui em exclusivo ao juiz a competência e responsabilidade por actos judiciais em inquérito que contendam com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, quanto a estes, deverá ser o mesmo a executá-los ou a providenciar pela sua execução, pela qual naturalmente se responsabiliza. 5. Exigir-se que recaia apenas sobre o Ministério Público o ónus de se especializar e actualizar constantemente, é subverter a independência e paralelismo das magistraturas (artigo 96.º, nº1 da Lei nº 68/2019, de 17.08), bem como a estrutura acusatória do processo penal e menorizar o importantíssimo papel do juiz de instrução na apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime, pilares que constituem um dos meios mais eficazes de luta contra a criminalidade e que traduzem o empenhamento da União em assegurar uma maior eficácia na identificação, perda e reutilização de bens de origem criminosa, em conformidade com o «Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos». 6. O preenchimento do formulário que visa proceder à apreensão dos saldos bancários de contas domiciliadas no estrangeiro, pelo juiz ou seus funcionários é a única forma do juiz orientar, corrigir e verificar o cumprimento de tais actos e ainda responder por eventuais lapsos ou incorrecções que os mesmos contenham ou pedidos de esclarecimentos que sejam formulados pelos colegas estrangeiros uma vez que, reitera- se, são actos da sua exclusiva responsabilidade e competência. 7. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 178.º, nºl, 181.º, 268.º e 269.º todos do Código de Processo Penal, artigo 18.º, nº2 da Lei nº 62/2013, de 26.08, artigo 41.º, nº3 do DL n.º 49/2014, de 27 de Março e artigo 96.º, nºl da Lei nº 68/2019, de 27.08. 8. Pelo exposto e com os fundamentos expendidos, devem as decisões recorridas ser revogadas.» O recurso foi admitido por despacho de 31-01-2024, tendo sido sustentado nos seguintes termos (transcrição): «Sustentando-se o despacho recorrido, mantém-se que a questão a decidir nada tem a ver com o cumprimento dos despachos judiciais pelos funcionários do juiz, mas apenas com o preenchimento de formulários específicos pelo MºPº, nos moldes em que foi feito no despacho que se junta, sendo que o preenchimento dos mesmos por funcionários extravasa as suas funções, pois não podem ser estes a selecionar os vários itens necessários a consignar, tais como: - O motivo específico da urgência; - Informação sobre os bens abrangidos pela decisão; - Indicação sobre se a decisão diz respeito a um montante em dinheiro; -Motivos que justificam a transmissão da decisão ao Estado de execução; -Motivos para a emissão da decisão de apreensão (Exposição sumária dos factos); -Motivos para a apreensão; -Natureza e qualificação jurídica da infração ou infrações penais que deram origem à emissão da decisão de apreensão e disposição ou disposições legais aplicáveis. Por questões de eficácia da investigação, porque é o MºPº o titular do inquérito, porque o preenchimento de tais formulários integra matéria que necessita de definição jurídica, deve ser o MºPº a proceder ao preenchimento destes formulários específicos, como aliás o fez no processo acima identificado, conforme despacho que se junta ao traslado. Nada mais tenho a acrescentar à decisão recorrida, Vossas Excelências, farão como sempre, Justiça.» * Não foram apresentadas respostas, dado ainda não existirem outros intervenientes nos autos. * Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, sufragando a posição do recorrente. * Atenta a inexistência de outros intervenientes, não foi cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal. * Nada obsta ao conhecimento do recurso. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso. A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se o preenchimento dos formulários a que respeita o Regulamento (EU) 2018/1805 respeitantes a certificado de apreensão (freezing order) e decisão de restituição são ou não da competência dos serviços afectos Juízo de Instrução Criminal. Antes de entrar na análise da questão, não se pode deixar de realçar que causa alguma aflição ver que o sentido de serviço público e a urgência que determinadas questões processuais reclamam são postas em segundo plano, sendo postergados por questiúnculas que não deviam existir. E mais aflitivo é ver que são tomadas posições com relevância no normal e regular andamento dos autos sem que seja avançado um único argumento jurídico. Com efeito, a Senhora Juiz de Instrução baseia a sua posição na circunstância de ser assim que se fez num outro processo, recorrendo mesmo a uma menorização das funções judiciais, argumentando, no fundo, que o Ministério Público é que sabe preencher os formulários e responder às questões que ali são formuladas, incluindo sua definição jurídica. Deixado este reparo, que poderia nada ter a ver com a validade da argumentação do recorrente, há que reconhecer que em concreto que lhe assiste razão. Vejamos. O Tribunal a quo deferiu ao requerido pelo Ministério Público, autorizando a apreensão de dinheiro de determinada conta bancaria no estrangeiro e a sua restituição à ofendida, e fê-lo ao abrigo de competência que considerou pertencer-lhe, nos termos dos arts. 181.º, n.º 1, e 268.º, n.º 1, al. c), ambos do CPPenal. Partindo deste pressuposto, que está correcto, teremos de concordar com a alegação do recorrente de que «a direção do inquérito cabe, em exclusivo, ao Ministério Público, que decide sobre os actos de investigação a realizar e impulsiona a intervenção do Juiz de Instrução nos casos previstos na lei processual penal (artigos 268,º e 269.º do Código Processo Penal), conforme resulta da norma prevista no artigo 263,º do Código Processo Penal em consonância com as normas constitucionais que consagram a estrutura acusatória do processo penal e a autonomia do Ministério Público (cfr. respetivamente artigos 32..º, n.º 5, e 219.º, n.º 2, da CRP). Durante o inquérito, a intervenção do juiz é sempre provocada (artigo 268.º, n.º 2, do Código Processo Penal), tipificada na lei e limitada a específicos actos da sua competência que contendam com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Nos actos da sua competência exclusiva cabe-lhe a si ou aos funcionários sob sua dependência executar as suas decisões (artigo 18.º, nº2 da Lei na 62/2013, de 26.08 e artigo 41.º, n.º3 do DL n.º 49/2014 de 27 de Março que regulamenta a Lei nº 62/2013, de 26.08 de 26.08). A providência em causa nos autos, a apreensão de saldos bancários, é acto da competência exclusiva do juiz de instrução nos termos e para os efeitos dos artigos 178.º, nº1, e 181.º, ambos do Código de Processo Penal, tal corno decorre - de resto - do despacho judicial que deferiu o promovido. Assim, por conseguinte, sendo a apreensão de saldos bancários acto de competência exclusiva do juiz de instrução, a sua decisão será executada pelo juiz e/ou pelos funcionários que estão na sua dependência funcional e não pelo MP e/ou seus funcionários. Com efeito, o investimento exigido ao Ministério Público na constante actualização do conhecimento e ferramentas para aplicação e execução dos mecanismos de cooperação judiciária internacional e da recuperação de activos sobretudo na era moderna da criminalidade organizada e transfronteiriça, terá que ser partilhado pelos Magistrados judiciais, na medida e limites das competências de ambas as magistraturas. Exigir-se que recaia apenas sobre o Ministério Público o ónus de se especializar e actualizar constantemente, é subverter o princípio ela independência e paralelismo das magistraturas (artigo 96.º, nº1 da Lei nº 68/2019, de 17.08), bem como a estrutura acusatória do processo penal e menorizar o importantíssimo papel do juiz de instrução na apreensão e a perda dos instrumentos e produtos cio crime, pilares que constituem um dos meios mais eficazes de luta contra a criminalidade e que traduzem o empenhamento da União em assegurar uma maior eficácia na identificação, perda e reutilização de bens de origem criminosa, em conformidade com o «Programa de Estocolmo - Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos». Tendo em conta a frequente natureza transnacional da criminalidade, é fundamental assegurar a eficácia da cooperação transfronteiriça para apreender e declarar perdidos os instrumentos e os produtos do crime - vide considerandos 4 e 5 do Regulamento 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões ele apreensão. Carece, pois, de cabimento e fundamento legal o entendimento do Tribunal a quo. Já vários arestos se pronunciaram no sentido do entendimento por que pugnamos, embora versando sobre questões concretas diversas, designadamente o Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.06.2006, o Ac. Da Relação do Porto de 06.11.2019, e Ac. Do tribunal da Relação do Porto de 12.01.2022 e de 09.03.2022, todos disponíveis in www.dgsi.pt, o Acórdão da Relação de Évora de 18.07.98, CJ, IV/98, pág. 277, o Ac. Da Relação de Coimbra de 12.03.97, CJ, TOMO 11/97, pág. 43. Ora, o dissídio no caso concreto limita-se à questão de saber quem deverá executar os procedimentos materiais com ao cumprimento do despacho judicial previamente proferido, ou seja, para cumprimento dos actos de competência exclusiva do juiz, ainda que realizados em fase de inquérito, sendo que a resposta terá que ser necessariamente no sentido defendido pela aqui recorrente, ou seja, competirá ao juiz e funcionários afectos à secção judicial de instrução criminal. Nem poderia ser de outra forma uma vez que o preenchimento do formulário que visa proceder à apreensão dos saldos bancários de contas domiciliadas no estrangeiro, pelo juiz ou seus funcionários é a única forma do juiz orientar, corrigir e verificar o cumprimento de tais actos e ainda responder por eventuais lapsos ou incorrecções que os mesmos contenham ou pedidos de esclarecimento que sejam formulados pelos colegas estrangeiros uma vez que, reitera-se, são actos da sua exclusiva responsabilidade e competência.» Como se disse, o Tribunal a quo não avança qualquer argumento jurídico para defender a sua posição, designadamente de que «deve ser o MºPº a preencher o certificado, (…), sendo que o ato concreto pedido ao JIC integra aquele certificado.» Aliás, sempre se dirá que se o pedido ao JIC integra o preenchimento do formulário, como defendeu, então, mal andou a Senhora Juiz ao deferir ao pedido sem que lhe apresentassem o formulário preenchido. Mais, se entendia que alguma questão era menos clara e não permitia o preenchido do formulário, devia ter solicitado ao Ministério Público os necessários esclarecimentos. Mas, na verdade, aquela posição não encontra respaldo na legislação interna e jurisprudência vigentes. Com efeito, de acordo com o disposto nos arts. 18.º, n.º 2, da Lei na 62/2013 (LOSJ), de 26-08, e 41.º, n.º 3, do DL 49/2014, de 27-03, que regulamenta a LOSJ e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (ROFTJ), a execução das decisões correspondentes a actos da competência exclusiva dos magistrados judiciais, designadamente os actos praticados pela Senhora Juiz de Instrução Criminal nestes autos, cabem aos mesmos ou aos funcionários sob sua dependência funcional. A jurisprudência tem acolhido esta posição de forma, ao que se apurou, uniforme, conforme resulta dos arestos mencionados no recurso, embora respeitantes a diferente decisão judicial, pelo que, à semelhança do que se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-11-2019 Relatado por Liliana de Páris Dias no âmbito do Proc. n.º 223/19.9PHVNG-A.P1, acessível in www.dgsi.pt., há que concluir também aqui que «[a] competência material para a prolação da decisão em causa foi absolutamente observada. O dissídio limita-se à questão de saber quem deverá executar os procedimentos materiais com vista ao cumprimento do despacho judicial previamente proferido: os funcionários dos serviços do Ministério Público, como defendido no despacho recorrido, ou os funcionários do Juízo de Instrução Criminal, de acordo com a solução propugnada pelo recorrente», sendo que «a solução propugnada pelo recorrente afigura-se-nos como aquela que melhor se coaduna com a “arquitectura” do sistema e que encontra igualmente eco no art.º 41.º, n.º 3, do DL nº 49/2014, de 27/3, que instituiu o Regime Aplicável à Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (ROFTJ).» Salienta-se ainda o acórdão da mesma Relação de 02-02-2022 Relatado por Amélia Catarino no âmbito do Proc. n.º 14/20.4P5PRT-A.P1, e subscrito pela aqui relatora como adjunta, acessível in www.dgsi.pt. onde se decidiu: «Ora, não há dúvida de que o JIC, por despacho, determinou o perdimento de um bem a favor do Estado. Este despacho configura despacho judicial, suscetível de recurso, cujo cumprimento incumbe aos oficiais de justiça que asseguram, na secretaria do juízo de instrução criminal a regular tramitação dos processos, em conformidade com a lei e na dependência funcional do respetivo magistrado, de acordo com o disposto no artigo 18º, nº2, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto e artigo 41°, nº 3, e 43º, do Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de Março. Assim, não se encontrando os funcionários dos serviços do Ministério Público na dependência funcional do juiz de instrução criminal, está-lhe vedada a possibilidade de lhes dar ordens e instruções, pelo que, forçoso é concluir, de acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/6/2006, citado pelo recorrente, disponível em www.dgsi.pt, que “Para cumprimento dos actos da exclusiva competência do Juiz de Instrução, ainda que realizados no decurso do inquérito – como é o caso da destruição de objectos apreendidos à ordem dos autos - são competentes os oficiais de justiça afetos ao serviço daquele Juiz de instrução.” É facto que, efectuada a notificação do despacho do JIC, o processo volta a ficar sob a alçada exclusiva do Ministério Público, a cujos serviços competirá a realização dos actos materiais subsequentes com vista a dar destino dos bens apreendidos e cujo perdimento foi declarado. Porém, a decisão de perdimento a favor do Estado é judicial e deve ser cumprida pelos serviços que se encontram na dependência funcional do juiz de instrução criminal. Este é também o entendimento perfilhado no Ac. TRG de 05.05.2014, disponivel em www.dgsi.pt, segundo o qual “I. A declaração de perda de bens e valores a favor do Estado assume natureza jurisdicional e exige a intervenção do juiz de instrução, porque fixa com trânsito em julgado a extinção do direito de propriedade do respetivo dono. Diferentemente, a determinação do destino final desses bens e valores constitui um ato de natureza administrativa, que não contende com direitos, liberdades e garantias.” Concluindo, os actos ordenados pelos magistrados judiciais ou do Ministério Público, no inquérito criminal, devem ser executados pelos funcionários que lhes estão funcionalmente subordinados, pois só assim poderão ordenar, orientar e verificar o cumprimento de tais actos, e que se mostra de acordo com o artigo 41.º, n.º 3, do DL nº 49/2014, de 27.03, do ROFTJ, e 118º, nº2, da Lei 63/2013, de 26.08.» Por outro lado, a específica legislação respeitante ao Regulamento (EU) 2018/1805 (doravante, Regulamento) também induz a uma tal solução. Com efeito, a cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e tem como objetivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça (considerandos (1) e (2) do Regulamento. Neste sentido, foram estabelecidas regras que obriguem os Estados-Membros a reconhecer sem mais formalidades as decisões de apreensão e as decisões de perda emitidas por outro Estado-Membro no âmbito de processos em matéria penal e a executá-las no seu território (considerando 12 do Regulamento). De acordo com o disposto na al. a), do n.º 8 do art.º 2.º do Regulamento, sob a epígrafe “Definições”, entende-se por «Autoridade de emissão» no que respeita a uma decisão de apreensão: i) um juiz, tribunal ou magistrado do Ministério Público competente no processo em causa; ou ii) outra autoridade competente designada como tal pelo Estado de emissão com competência em matéria penal para ordenar a apreensão de bens ou executar uma decisão de apreensão nos termos do direito nacional. Além disso, antes de ser transmitida à autoridade de execução, a decisão de apreensão é validada por um juiz, tribunal ou magistrado do Ministério Público no Estado de emissão, após análise da sua conformidade com as condições de emissão de uma decisão de apreensão nos termos do presente regulamento. Caso a decisão tenha sido validada por um juiz, tribunal ou magistrado do Ministério Público, essa autoridade competente pode também ser equiparada a autoridade de emissão para efeitos de transmissão da decisão. Acresce que, nos termos do disposto no art. 24.º do Regulamento, sob a epígrafe “Notificação relativa às autoridades competentes”, ficou estabelecido que até 19 de dezembro de 2020, cada Estado-Membro informa a Comissão da autoridade ou autoridades, na aceção do artigo 2.º, n.ºs 8 e 9, que são competentes nos termos do seu direito, nos casos em que esse Estado-Membro seja o Estado de emissão ou o Estado de execução, respetivamente (n.º 1) e se tal for necessário devido à organização do seu ordenamento jurídico interno, cada Estado-Membro pode designar uma ou várias autoridades centrais que serão responsáveis pela transmissão e receção administrativas das certidões de apreensão e das decisões de perda e pela assistência às respetivas autoridades competentes. Cada Estado-Membro informa a Comissão de qualquer autoridade que designar para esse efeito (n.º 2). Em cumprimento desta concretização, o Estado Português emitiu a declaração consultável in https://www.ejn-crimjust.europa.eu/ejn/libdocumentproperties/PT/3317 NotificRegulamentoEU20181805%20(4).pdf., segundo a qual, e para o que aqui importa: «b) Para efeitos de reconhecimento mútuo de uma decisão de apreensão, são autoridades nacionais competentes, na aceção dos n.ºs 8 e 9 do artigo 2.º do Regulamento: • Enquanto Estado de emissão A autoridade judiciária portuguesa competente para a mesma decisão relativamente a bens situados em Portugal (4.º da Lei n.º 25/2009, de 5 de junho), ou seja: ▪ O Ministério Público, o juiz de instrução, ou o juiz do julgamento, consoante a natureza do bem a apreender e a fase processual; É, ainda, autoridade competente para emitir uma decisão de apreensão a Procuradoria Europeia, sempre que exerça as suas competências de investigação e de promoção da ação penal em território nacional, conforme previsto nos artigos 22, 23 e 25 do Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, circunstância em que é equiparada ao Ministério Público nacional (Lei n.º 112/2019, de setembro).» No fundo, a autoridade judiciaria portuguesa para o acto de emissão é decalcada das regras de processo penal interno, nenhuma norma impondo entendimento diferente do acima indicado quanto ao cumprimento da decisão de apreensão caso ocorresse em território nacional. Aliás, os próprios formulários, acessíveis in https://www.ejn-crimjust.europa.eu/ejn/libdocumentproperties/EN/3270 (Anexo I - certidão de apreensão) dão nota desta opção, especificando-se na sua secção Secção M os dados respeitantes à autoridade de emissão, podendo selecionar-se uma das seguintes alternativas: «- juiz, tribunal, magistrado do Ministério Público - outra autoridade competente designada pelo Estado de emissão», pedindo-se depois a Designação da autoridade, o Nome da pessoa de contacto e a sua Função (cargo/grau).» Esta necessidade de especificação, em coerência com o Regulamento e declaração do Estado português ao abrigo do apontado art. 24.º, demonstra bem que a posição do Tribunal a quo, de que o Ministério Público é a entidade competente para o efeito de cumprimento da decisão, está incorrecta, assim como o está o entendimento de que o formulário tem de ser apresentado ao JIC devidamente preenchido em simultâneo com o pedido de apreensão, que nenhum conforto encontra na lei. Impõe-se, pois, julgar procedente o recurso, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 6, al. d), do CPPenal. * III. Decisão: Face ao exposto, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 6, al. d), do CPPenal, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, determina-se a revogação das decisões recorridas na parte em que recusam o cumprimento do despacho proferido e sua substituição por outra que determine o respectivo cumprimento, com preenchimento e envio dos formulários em causa, pela unidade de processos afecta ao Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 2. Sem tributação (art. 522.º, n.º 1, do CPPenal). Notifique. Porto, 29 de Abril de 2024 (Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo a assinatura autógrafa substituída pela electrónica aposta no topo esquerdo da primeira página) Maria Joana Grácio |