Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS CUNHA RODRIGUES CARVALHO | ||
Descritores: | INCAPACIDADE PERMANENTE DANO PATRIMONIAL INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP2024112119165/21.1T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - É inquestionável que a incapacidade permanente correspondente a uma desvalorização funcional, uma afectação permanente físico-psíquica de 2 (dois) pontos, determinada de acordo com a Tabela de Avaliação do Dano Físico em Direito Civil, que não provoque perda de ganho, traduzindo uma maior penosidade para o trabalho é indemnizável. II - Tal dano deverá ser considerado um dano de natureza patrimonial, traduzido num lucro cessante (art. 564º, nº 1, 2ª parte, do C.C), e, como tal, avaliado à luz de critérios de equidade nos termos do artº566º nº3 do CC. III - Para o efeito impõe-se considerar o grau de incapacidade, idade do lesado, esperança de vida, salário médio nacional que o efectivo, a antecipação duma só vez do capital e outros factores (imponderáveis) como sejam: a incerteza sobre as alterações ao estado de saúde em cada momento, efectivo tempo de vida, as alterações das taxas de remuneração do capital e da inflação, a evolução dos índices económicos, as alterações aos valores de remuneração do trabalho, a imprevisibilidade de manutenção dos postos de trabalho, etc.. IV - O juízo de equidade relevante à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais nos termos do artº496 nº4, 1ª parte, do CC., que necessariamente se apoia nas circunstâncias do caso, deve ser mantido se não tiver ultrapassado os limites de discricionariedade permitida, assim não se revelando compaginável com os critérios jurisprudenciais genericamente adoptados. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 19165/21.1T8PRT.P1
Acordam na 3º Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. AA veio interpor contra A..., SA, acção declarativa de condenação na forma de processo comum.
Pede-se:
- a condenação da R. a pagar, a título de indemnização, a quantia líquida de € 149.547,28 (cento e quarenta e nove mil quinhentos e quarenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), por todos os danos sofridos em resultado do acidente, tudo acrescido de actualização,
- acrescido de juros à taxa de 8% ao ano[1],
- e ainda juros à taxa legal desde a citação (compatível com o mecanismo da correção monetária da obrigação de indemnizar (…);
- a ministrar diretamente, no futuro, todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, fisioterapia e psiquiatria ou,
- a suportar aqueles custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, tratamentos, fisioterapia e psiquiatria.
Mais se pede
- em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, que a sua liquidação seja remetida para execução de sentença (cfr. arts. 564º nº 2 e 569º do CC e 556º, nº 1, al. b) e nº 2 e 358º do CPC),
- sem prejuízo do valor da perda de retribuição que o demandante irá sofrer, quer no período de clausura hospitalar, quer no período de recuperação,
- Sendo que, por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer-se que seja a sua liquidação remetida para execução de sentença (cfr. arts. 564º nº 2 e 569º do CC e 556º, nº 1, al. b) e nº 2 e 358º do CPC).”
Invoca-se[2] para o efeito ter-se sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, como consequência de acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor de veículo, cuja responsabilidade civil decorrente da sua circulação se alega ter sido transferida para a ré.
A ré contestou.
Aceita a factualidade respeitante ao sinistro e a consequente responsabilidade do condutor do veículo cuja responsabilidade civil, decorrente da sua circulação, para ela se mostrava transferida.
Assumindo a sua obrigação de, ao abrigo de tal contrato, indemnizar o autor, mas impugnando a extensão e quantitativo dos peticionados danos.
Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho previsto no n.º 1 do art. 596.º do CPC, identificando-se o objeto do litígio e fixando-se os temas da prova:
Existência, conteúdo e avaliação dos danos sofridos pelo autor.
Agendada e realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final:
- Condenar a ré no pagamento ao autor das quantias € 320,00 (trezentos e vinte euros) e de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais, quantias estas a actualizar de acordo com os índices de inflação do país desde 27-05-2020 e até esta data e a partir desta data acrescidas de juros sobre os montante assim obtidos, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de juro civil, - Condenar a ré no pagamento à autora da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a data da prolação da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de juro civil. - Absolver a ré do demais peticionado.
* Do assim decidido interpôs a R. recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A indemnização pelo dano patrimonial decorrente da afectação definitiva da integridade física e psíquica do Autor deverá ser fixada em € 10.000,00;
2. A compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor deverá ser fixada em € 8.000.00;
3. Ao não interpretar da forma acima assinalada, o Tribunal a quo violou os artigos 496.º e 566.º do CC.
4. O recurso deverá ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida nos segmentos impugnados, sendo substituída por decisão nos termos supra exarados. * O A. apresentou as contra-alegações tendo em suma pugnado pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo. * O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
* O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade: E julgou não provada a seguinte factualidade:
II. É consabido que resulta dos artº635ºnº3 a 5 e 639 nº1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[3], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar as seguintes questões[4]:
- A indemnização pelo dano patrimonial decorrente da afectação definitiva da integridade física e psíquica do Autor em 2 pontos (aputados de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades) que se fixou em € 15.000,00 mostra-se ajustada atento o critério legal que emerge do artigo 564º nº1, 2ª parte, e 566 nº3, ambos do CC?
- A compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor fixada em € 25.000.00 corresponde à correcta aplicação do critério que emerge do artº496 nº1e 4 do CC?
* A indemnização respeitará tanto aos danos patrimoniais - procurando-se colocar o lesado, na medida do possível, na situação que estaria se o acidente não tivesse ocorrido (teoria da diferença), computando-se a indemnização em dinheiro se a reconstituição in natura não for possível -, como aos danos não patrimoniais - Cfr. artº 562º, 564º, 566º e 496º, todos do Cód. Civil.
A reconstituição material é o fim da lei e consiste na remoção directa do dano real à custa do responsável visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens e dos direitos sobre estes.
Todavia, nem sempre a reconstituição material é possível. Quando tal sucede há que substituí-la por indemnização em dinheiro tal como se dispõe no artº566 nº1 do C.C..
O caso dos autos, em nenhum dos seus segmentos indemnizatórios agora postos em crise, revela essa possibilidade, donde ter-se quantificado a indemnização substitutiva.
São estes montantes fixados pelo tribunal que estão em causa.
Primeira questão.
É a seguinte a fundamentação do Tribunal a quo a propósito da 1º questão:
«Pretende também o autor ser indemnizado pela afectação definitiva da sua integridade física e psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, quantificada pelo relatório médico legal em 2 pontos. Este défice funcional permanente da integridade físico-psíquica corresponde à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica do autor, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as profissionais, familiares, sociais, de lazer e desportivas. Ora a ocorrência de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica tanto pode implicar uma diminuição da capacidade de ganho efectiva (caso em que o lesado deverá ser ressarcido por esse prejuízo económico real, devendo o valor da indemnização corresponder ao mesmo), como pode não ter qualquer repercussão nessa sua capacidade de ganho. Estes casos são aqueles em que, como acontece no caso concreto, a capacidade de trabalho é afectada, mas os rendimentos de trabalho se mantêm inalteráveis, o lesado precisa de fazer mais esforço, mas não deixa de poder realizar o seu trabalho. Entende-se que, mesmo nestes casos, tal dano tem que ser indemnizado. De facto, o lesado, por um lado, tem que fazer um maior esforço para desempenhar as suas funções e, por outro, não deixa de ver diminuída a sua valorização no mercado de trabalho. Tal dano tem que ser considerado um dano patrimonial (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 21-03-2013, em www.dgsi.pt), já que incide sobre a força de trabalho, que é, em si, um bem patrimonial porque propicia rendimentos e, porque se prolonga ao longo da vida do lesado, também um dano futuro. Trata-se, no entanto de dano de difícil quantificação. Não admira, assim, que a jurisprudência para o efeito se tenha socorrido de vários métodos e critérios: com o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, o recurso a fórmulas matemáticas, o recurso a critérios para cálculo do usufruto para fins fiscais. Mas o que acontecia é que todas as fórmulas puramente matemáticas, fixas, acabavam por não conseguir contemplar e avaliar cada situação em toda a sua especificidade e complexidade. Assim, começou a ganhar projecção o critério que, para cálculo desta indemnização, atendia ao tempo provável de vida activa do lesado, determinando o valor da indemnização de forma a que esta representasse um capital produtor do rendimento que, por força da sua incapacidade, aquele deixaria de futuro, previsivelmente de auferir, reconhecendo, no entanto, a tais cálculos a natureza de índices meramente informadores da fixação do montante da indemnização, meros instrumentos de orientação, que não dispensavam o recurso à equidade. Trata-se de um método que apresenta como defeito o facto de partir de previsões económicas que cada vez mais se revelam falíveis. E, face às diferentes taxas de capitalização assumidas, nem sequer conduziu a uma desejável harmonização das indemnizações a fixar. Daí que alguma jurisprudência já apareça a defender a fixação desta indemnização com base apenas na equidade. E, como já se referiu, a Portaria 377/2008, de 26/05, tem apenas por fim o estabelecimento de regras e princípios tendentes a agilizar a apresentação de propostas indemnizatórias adequadas numa fase pré-judicial. Não se impõe, assim, a mesma aos tribunais. Em casos como o dos autos (em que não há uma efectiva perda de capacidade de ganho) ter-se-á que ter mais em causa a equidade que factores de índole matemática. No caso dos autos, provou-se que aquando do acidente, o autor desempenhava funções de Operador Laser, situação que ainda se mantinha à data de propositura da acção, auferindo mensalmente, a título de vencimento, o rendimento anual bruto de €23.099,55. Em resultado das sequelas dos ferimentos sofridos, o autor deixou de conseguir fazer, com a mesma facilidade e desenvoltura, as mesmas tarefas e trabalhos um dia inteiro. E se até ao momento do sinistro, no exercício da sua profissão, carregava pesos, fazia agachamentos para carregar matérias-primas e colocava-as em máquinas que executavam o corte a laser, actualmente não consegue fazer agachamento sem sentir dor, diminuiu a rapidez na execução das tarefas, desempenhando todas as tarefas com menos destreza, maior dificuldade e mais lentidão. E com bastantes dores. Tudo contribuindo para uma quebra na sua produção laboral. Tendo isso em conta, bem como o facto que o autor à data do acidente tinha 32 anos (podendo a sua vida profissional prolongar-se até aos 65/70 anos), que o défice permanente de integridade físico-psíquica que sofreu foi de apenas 2 pontos e desempenhava actividade profissional em que auferia o rendimento anual bruto de €23.099,55, parece adequado atribuir a este título o valor indemnizatório de €15.000,00 (quinze mil euros).»
Configuramos a decisão posta em crise como uma decisão rigorosa e com arrimo no que resulta, na nossa óptica, da melhor doutrina e jurisprudência.
E assim o afirmamos apesar do valor arbitrado a título de danos patrimoniais dizer respeito a uma situação de incapacidade permanente parcial sem perda de ganho[5]/[6].
É inquestionável que a incapacidade permanente geral (IPG), total ou parcial – no caso o A., de acordo com a Tabela de Avaliação do Dano Físico em Direito Civil, sofreu uma desvalorização funcional, uma afectação permanente físico-psíquica de 2 (dois) pontos -, ainda que não provoque perda de ganho, ainda que não se materialize em perda de rendimentos, traduz uma maior penosidade para o trabalho[7].
Tal «dano» deverá ser considerado um dano de natureza patrimonial[8], traduzido num lucro cessante (cfr. art. 564º, nº 1, 2ª parte, do C.C) e como tal avaliado à luz de critérios de equidade que não através de qualquer forma matemática, cálculo financeiro (ou outros formas como as mencionadas na sentença recorrida).
De facto, o recurso às fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, podendo servir de instrumento de trabalho, com uma vocação de criar alguma uniformidade de cômputos, jamais poderá substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de sãos critérios de equidade, de resto em obediência ao comando do n.º 3 do art.º 566 do CC[9].
E desses critérios, por de equidade de tratar, impõe-se que não se trate exactamente da mesma forma quem, em resultado de uma incapacidade, não logra manter o mesmo rendimento que até então recebia, neste caso sendo importante partir desse facto, do seu rendimento efectivo como valor-base, conjugado com o grau de incapacidade, sua idade e esperança de vida profissional, igualmente o facto de o capital ser antecipado duma só vez.
Já nos casos em que não há perda de rendimento, o caso, sob pena de tratamento igual do que desigual é, impõe-se considerar todos aqueles factores mas, relevar, não já o rendimento efectivo mas o salário médio nacional[10].
Não é de olvidar também “não se poder afirmar que, apesar de na data do julgamento não resultar demonstrada a quebra de rendimentos por força da incapacidade, no futuro tal quebra não ocorrerá e, tendo presente os critérios de razoabilidade e previsibilidade, deverá até afirmar-se que em princípio ocorrerá» – Cfr. neste sentido, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 23/10/2003, disponível em www.dgsi.pt.[11]
Dizer também que, como resulta provado, havendo maior esforço para obter o mesmo rendimento, esse acréscimo, em circunstâncias normais se não ocorresse o handicap, trariam ao A. mais rendimento, dado que deverá servir de coadjuvante no uso dos critérios de equidade para ajustar a indemnização devida, como o deve ser o facto de a progressão profissional poder ficar relativamente comprometida, nessa medida acarretando menor expectativa de obter-se maior rendimento no futuro.
Relevando os factos dados como provados, ou seja, além do mais, idade do A., data da consolidação das lesões, défice funcional permanente de 2 pontos, a evolução da esperança de vida à nascença em Portugal[12], a rondar os 80 anos, o salário médio em 2021[13], a antecipação do capital, outrossim o que tudo o mais que atrás por acréscimo se foi respigando[14], não encontramos à luz do critério de equidade previsto no artº566 nº3 do CC adjuvantes que imponham alterar o valor arbitrado pelo Tribunal a quo neste segmento da indemnização que se analisa e por se mostrar adequada e equitativa, estando em linha com outras indemnizações para situações paralelas fixadas na jurisprudência.[15]
Improcede, pois, neste segmento, o presente recurso.
* 2ª questão.
É a seguinte a fundamentação do Tribunal a quo a propósito da 2ª questão:
«Pretende, ainda o autor ser indemnizado por danos não patrimoniais. Ficou provado que com o embate o autor, sofreu diversos ferimentos, nomeadamente, uma fractura exposta do joelho direito, deslocação do tornozelo esquerdo, ferida aberta no joelho esquerdo, e múltiplas feridas cutâneas abrasivas extensas no flanco esquerdo, cotovelo e antebraço esquerdo. Tendo sido transportado pelos serviços de emergência médica (INEM), ao serviço de Urgência do Hospital de São João, a fim de receber assistência médica. E, após a realização de diversos exames, designadamente ecografia abdominal, raio-x ao tórax, joelhos e tornozelo esquerdo, e TAC à cabeça, foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho direito, ficando internado até ao dia 29 de Maio de 2020. Durante esse internamento, o autor foi submetido a diversos tratamentos e recuperações dolorosas. Depois da alta passou a ser seguido na Consulta Externa daquele estabelecimento de saúde e, posteriormente, nos serviços clínicos da seguradora, onde se deslocou algumas vezes. Nos meses seguintes ao acidente o autor esteve privado da sua normal mobilidade e inteiramente dependente, para tomar banho e vestir-se da ajuda de terceira pessoa, in casu a sua esposa. Isto porque tinha a perna direita imobilizada e posteriormente em recuperação e inicialmente diversas escoriações por todo o corpo, o que o impedia de realizar sozinho qualquer tipo de tarefa que implicasse a mobilização da perna direita. O autor, naquele período, sentiu dores fortes. Tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos. Tendo passado um longo e doloroso período de recuperação, de quase 12 meses. Essas dores e a falta de mobilidade causaram-lhe angústia e grande sofrimento. Passada essa fase aguda da doença, e apesar dos tratamentos a que se submeteu, o autor ficou a padecer definitivamente de dores no joelho direito e ainda de dor à palpação. A sua filha reclama bastante atenção, pedindo-lhe que brinque com ela, pedidos a que o autor esteve impedido de atender, pelos motivos acima aduzidos, o que lhe causou dor e sofrimento. Ficou ainda com uma cicatriz quelóide dolorosa facilmente ulcerável no joelho direito, com mais de 10 cm; uma cicatriz quelóide dolorosa e ulcerável no joelho esquerdo e amiotrofia da coxa direita. Sentindo complexo quanto à sua aparência, em virtude das cicatrizes que ostenta, o que muito o angustia, ao ponto de ter vergonha ao frequentar uma praia, por exibir aquelas cicatrizes. Os vários tratamentos, as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida. Em virtude dessas sequelas o autor sente cansaço, incómodo e fenómenos dolorosos ao nível dos membros inferiores. O que o incapacita para qualquer actividade desportiva que implique o uso do membro inferior direito. O autor, à data do acidente, praticava kickboxing, corrida e futebol, tendo sido forçado a cessar a prática daquelas actividades, por força das sequelas e dores que sente. À data do acidente era fisicamente bem constituído, saudável e escorreito, sem mazelas. Era activo, trabalhava, fazia caminhadas e praticava desporto. E cuidava do seu aspecto físico. Passando desde o acidente passou a sofrer de irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares, tornando-se irritável e de humor deprimido. A consolidação das suas lesões foi fixada no dia 26-05-2021. Com Período de Repercussão Temporária Absoluta na actividade profissional, de 27/05/2020 a 15/10/2020. Período de Repercussão Temporária Parcial na actividade profissional, de 16/10/2020 a 26/05/2021 E período de Défice Temporário Total de 3 dias.
Os danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico nesta sua vertente, consubstanciada nas maiores dificuldades e sofrimentos do dia a dia familiar e social) apenas são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº1, do Código Civil). Essa gravidade tem que ser aferida segundo um modelo objectivo, e não tendo em vista a particular sensibilidade ou falta dela do lesado. No entanto, embora, na apreciação da gravidade do dano, não se deva ter em conta aqueles elementos subjectivos, a verdade é que nunca se deverá perder de vista as circunstâncias do caso concreto. Além do mais, esta gravidade tem ainda que ser aferida atendendo-se à função de tutela do direito: a gravidade do dano deve ser tal que fique justificado a atribuição de uma compensação pecuniária (Antunes Varela, ob. cit. pág. 600). Face ao exposto e provado, parece que o dano não patrimonial sofrido pelo autor revestiu gravidade que justifica a sua reparação. Quanto ao montante da indemnização a atribuir, diz a lei que se terá que atender a juízos de equidade, ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso, tendo-se em atenção o disposto no art. 494º do Código Civil (art. 496º, n.º 3, do Código Civil). Tendo em conta o já exposto sobre as circunstâncias do caso e os critérios de tal norma, parece que se revela adequado e que será de atribuir, a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de €25.000,00.»
Segundo o artigo 496º nº 1 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Avaliar pecuniariamente estes danos[16] é tarefa melindrosa que reclama o apego à equidade como decorre do artº496 nº4 do CC.
Todavia, na sua fixação, para além das circunstâncias do artigo 494º do Código Civil, há que ter em conta os padrões definidos pela jurisprudência.
Os traços fundamentais necessários para individualizar a situação vertente está muito competentemente resumida nos factos que a 1º instância alinhou e que atrás se convocaram.
Com respaldo neles dizer com o Ac. do STJ de 22.02.2017 (Lopes do Rego) que «ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência actualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, ponderadas a gravidade da lesão sofrida (…), envolvendo nomeadamente» uma fractura exposta do joelho direito, deslocação do tornozelo esquerdo, ferida aberta no joelho esquerdo, e múltiplas feridas cutâneas abrasivas extensas no flanco esquerdo, cotovelo e antebraço esquerdo, cirurgia, dores, internamento, tratamentos dolorosos[17]: «pelo contrário, neste quadro factual, o que seria totalmente desproporcionado e incompatível com tais critérios jurisprudenciais actualmente prevalecentes seria o arbitramento de uma quantia do tipo da proposta pela seguradora /recorrente, arbitrando ao lesado o irrisório montante de» de €8.000,00.
«Deste modo, perante a manifesta insuficiência do valor indemnizatório proposto pela seguradora e seguindo a via metodológica atrás enunciada, considera-se - ponderada também a culpa exclusiva do segurado no acidente - que não merece censura, perante a especificidade do caso concreto, o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €25.000.».
III. Nestes termos e pelos fundamentos que antecedem, nega-se provimento ao recurso, confirmando inteiramente o decidido pela 1º instância.
Custas pela recorrente.
** SUMÁRIO …………………………. …………………………. ………………………….
Porto, 21/11/2024. Carlos Cunha Rodrigues Carvalho Isabel Silva Ernesto Nascimento ________________________________ [6]Está provado: As sequelas supra referidas acarretam para o autor, de acordo com a Tabela de Avaliação do Dano Físico em Direito Civil uma desvalorização funcional, uma afectação permanente físico-psíquica de, 2 (dois) pontos. Em resultado das sequelas que apoquentam o autor, este não consegue fazer, com a mesma facilidade e desenvoltura, as mesmas tarefas e trabalhos um dia inteiro. Até ao momento do sinistro relatado, o autor, no exercício da sua profissão, carregava pesos, fazia agachamentos para carregar matérias-primas e colocava-as em máquinas que executavam o corte a laser. Actualmente, o autor não consegue fazer agachamento sem sentir dor. Dadas as limitações, a rapidez na execução das tarefas diminuiu drasticamente, desempenhando assim todas as tarefas com menos destreza, maior dificuldade e mais lentidão. Para além de que, o autor desempenha o seu trabalho com bastantes dores. O que acarreta uma quebra na sua produção laboral.
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