Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
934/21.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20240321934/21.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Afiguram-se adequados os valores de 30000 EUR e 25000 EUR para, respetivamente, compensar o dano biológico e danos não patrimoniais de Autora, a qual:
. sofreu acidente de viação enquanto passageira, com 54 anos, sem exercer atividade profissional, ficou a padecer de défice funcional permanente de 12 pontos, com necessidade de realização de esforços suplementares para realizar atividades, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 3, prejuízo sexual de grau 2, tendo ficado internada e com necessidade de realização de vários exames.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 934/21.9T8PNF.P1

João Venade.

Isabel Rebelo Ferreira.

Ana Márcia Vieira.


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1). Relatório.

AA, residente na Rua ..., ..., Marco de Canaveses,

propôs contra

A..., S.A., com sede na Av. ..., Lisboa,

Ação declarativa, com processo comum, pedindo a sua condenação no pagamento de 146.000 EUR, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento e a ressarcir-lhe, no futuro, os danos que se venha a apurar serem causa direta e necessária das lesões sofridas com o evento, conforme alegado nos artigos 47.º e 48.º da petição inicial.

O sustento da ação radica em acidente de viação de que foi vítima enquanto passageira de veículo automóvel, sendo a responsabilidade pelo acidente do veículo segurado na Ré.


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A Ré contestou, negando a responsabilidade exclusiva no acidente do veiculo por si segurado; mas refere que já pagou 14.363,66 EUR à Autora que assim devem ser descontados na indemnização que vier a ser atribuída.

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Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixando-se como

. objeto do litígio:

«a) Da verificação dos pressupostos legais da responsabilidade extracontratual emergente de acidente de viação;

b) Na positiva, da avaliação dos danos e do quantum indemnizatório.»

Fixaram-se factos assentes e elencaram-se, como temas de prova, quarenta e seis factos controvertidos.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença onde se decidiu julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência:

«a) condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 15.636,34, a título de indemnização remanescente pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos deste a citação da ré e até integral e efectivo pagamento;

b) condenar a mesma ré a pagar à autora a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da prolação da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;

c) condenar a ré a pagar à autora a indemnização a liquidar em incidente de liquidação de sentença, respeitante aos custos periódicos futuros com a compra de novas canadianas, quando as que for usando chegarem ao fim da sua vida útil;

d) no mais, absolve-se a ré do remanescente do pedido contra ela deduzido.».


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Inconformados, recorrem Autora e Ré, formulando as seguintes conclusões:

Autora:

«1ª O presente recurso reporta-se apenas à matéria de facto e de direito e visa apelar à modificação, para mais, do valor atribuído a título de danos patrimoniais e não patrimoniais conexos com o 12 (doze) pontos de défice funcional permanente da integridade físico psíquica/dano biológico

2ª Está assente que a A. ficou a padecer de um dano biológico de 12 pontos, de que resultam, entre outras limitações devidamente discriminadas na matéria dada como provada, que, para se movimentar, precisa de se apoiar em duas canadianas.

3ª Apesar disso, sobre a importância de tal objetiva realidade – 12 pontos de dano biológico, de que resulta ter de se apoiar em duas canadianas para se movimentar – o Tribunal fez constar o seguinte:

- “Assim, se a autora optou, legitimamente, por não querer exercer aquelas actividades, pois não pretende padecer aqueles esforços suplementares, a sua indemnização não poderá abarcar as consequências desta sua decisão, mas apenas o dano efectivo sofrido de uma IPP de 12 pontos.

Quanto a esta incapacidade, existe um dano biológico, que assenta no dano da incapacidade permanente parcial para as actividades habitualmente exercidas pela autora, para as quais o exercício está condicionado pelos 12 pontos daquela incapacidade, a implicar esforços suplementares.

4ª Ora, como é óbvio, incapacidade parcial permanente e dano biológico são formas diferentes de valorar o dano corporal.

Com os três exemplos que, abaixo, vamos citar, tentaremos explicitar as dúvidas que a, de alguma forma, complexa questão suscita.

5ª Salvas as devidas exceções – a qualquer cidadão que leve a cabo as tarefas apuradas quanto à A., com as limitações fixadas nos presentes autos, teria, como é óbvio, de ser atribuída IPATH (incapacidade permanente absoluta para a trabalho habitual).

6ª Se a A. tivesse ficado a padecer de uma IPP de 12% não estaríamos, garantidamente, a interpor o presente recurso, uma vez que os montantes atribuídos, aí sim, até se mostrariam aceitáveis.

7ª Dito o acabado de expor, esclarece-se que este recurso visa apelar à modificação, para mais, dos valores atribuídos pelos danos patrimoniais e não patrimoniais e incide sobre matéria de direito e de facto.

8ª Quanto à matéria de facto incorretamente julgada – a parte 1 versa sobre os pontos 28, 33, 40 e 45 e a parte 2 sobre os pontos 2, 3, 5, 7 e 10 (pontos assentes como não provados) - al. a) do art. 640º do CPC, de que destacamos os seguintes aspetos:

- parte 1 - que a A. carece de duas canadianas para conseguir movimentar-se (2%); que ficou a padecer de uma IPP de 12 pontos compatível “compatíveis com o exercício da sua actividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe; que antes do embate confecionava as refeições para a sua família, efetuava a limpeza da casa, lavava a loiça, lavava a roupa, passava a ferro, sacudia cortinas, tratava do seu quintal onde cultivava batatas, cebolas, alfaces, tomates, feijão e ainda cuidava de sua mãe que, para ajudar nas despesas que a própria gerava no agregado familiar, lhe atribuía normalmente a quantia média mensal de € 300,00, que continua a sentir dores na bacia e nas costas/lombares, agravadas sempre que faz algum esforço físico, que sente desconforto por carecer da ajuda de canadianas para se movimentar, que tem vindo a sentir dificuldade no relacionamento sexual com o seu marido, situação que a entristece, tendo uma repercussão a este nível do grau 2 numa escala de 7 graus de gravidade crescente – pontos 25, 28 e 37;e,

que nasceu em ../../1964 (ponto 38), após a data da consolidação das lesões, a autora decidiu continuar a não cuidar da sua mãe, porquanto entendeu não querer desenvolver esforços suplementares proporcionais à sua apurada IPP para levar a cabo tal tarefa (ponto 40), deixou de dançar e de efetuar caminhadas – atividades lúdicas de que retirava prazer, que era uma pessoa diligente, alegre e que gostava de trabalhar, que a situação supra descrita tem vindo a causar-lhe muita tristeza, a dificultar o relacionamento com o seu marido, designadamente em termos de adequado débito conjugal e, por último e mais uma vez, que ontinua a precisar do apoio de canadianas para se movimentar (pontos 41 a 48).

 9ª Quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa – no que à parte 1 diz respeito, a A. indica a factualidade constante dos pontos 25, 34, 35 e 48, de que destaca a repetida afirmação de que a carece do apoio de duas canadianas para se deslocar, que “continua a sentir dores na bacia e nas costas/lombares, agravadas sempre que faz algum esforço físico, que sente desconforto por carecer da ajuda de canadianas para se movimentar.

10ª É certo que à supra indicada matéria fáctica apenas foram atribuídos 12 pontos de dano biológico, todavia, também é certo que nos termos do relatório de fls. consta que O(a) Examinando(a) é dextro(a) e apresenta marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas marcha com a ajuda de duas canadianas, porque não aguenta mal começa a andar (sente-se mais confiante); em casa quando tem onde agarrar-se vai andando sem canadianas”.

11ª Foi, sem dúvida, o supra descrito 2º § da pág. 14 da perícia que deu causa ao desacerto da decisão, uma vez que é facto notório que a matéria assente nos pontos 25, 34, 35 e 48 é incompatível com a factualidade, igualmente dada como provada, nos pontos 28 (2ª parte), 29 a 31 e 32 (1ª parte).

12ª Que a A. - antes do embate, confecionasse as refeições para a sua família, sendo doméstica, e levasse a cabo as demais tarefas discriminadas nos pontos 28, 29, 30 e 31, acima indicados, não temos dúvidas, todavia, concluir que, com as limitadoras sequelas discriminadas na factualidade assente nos pontos 25, 34, 35 e 48, continua a conseguir fazê-lo com os esforços acrescidos correspondentes a uma IPP de 12%, - isso não!...

13ª Por um lado, é objetivamente impraticável e, por outro, como abaixo explicitaremos, o facto de constar da perícia que “as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”, não significa, de forma alguma, que tais esforços suplementares correspondam a 12% de IPP.

14ª A propósito de situação muito similar, mas até menos grave quanto à necessidade de uso de canadianas, apelamos à atenção para a seguinte jurisprudência: - 5º e 6º §s da pág. 22, do Acórdão do TRP, Proc. 2624/17.8T8PNF.P1, de 13/10/2020, consta o seguinte:

- “Regressando ao caso dos autos entendemos que, com vista à fixação do “quantum” indemnizatório, terá que se atender, antes de mais, ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer (34 pontos), sendo que este défice é impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual de cantoneiro, embora se considere que conseguirá realizar outras atividades profissionais, devendo, porém, evitar as que exijam a realização de esforços acrescidos com os membros inferiores. Ou seja, o autor não poderá continuar a trabalhar como cantoneiro, mas abre-se a possibilidade de poder exercer outras atividades profissionais que não exijam a realização de esforços acrescidos com os membros inferiores.

Só que a questão que legitimamente se colocará é a de saber que atividades poderão ser essas (sublinhado nosso). Com efeito, estamos perante um cidadão humilde, sem qualificações, que exerce uma atividade para a qual é decisivo o esforço físico e que à data do acidente contava já com 54 anos de idade. Ora, as atividades que alternativamente poderá desempenhar à de cantoneiro de limpeza (por exemplo, a de servente de construção civil) envolvem todas elas a realização de esforços físicos que demandam a utilização dos membros inferiores.

A dependência da canadiana para o autor significa a sua “morte” profissional e este é, neste segmento indemnizatório, o aspeto de maior relevância que, naturalmente, se terá de conjugar com os outros fatores referidos na decisão recorrida (idade do autor; tempo provável de vida ativa; rendimento auferido).

15ª Quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa – no que à parte 2 – factualidade não provada respeitante aos pontos 2, 3, 5, 7 e 10 (pág. 9) assentes como não provados, a A. indica parte dos depoimentos das três testemunhas ouvidas.

16ª O BB – no 3º momento da gravação - dia 10/10/2023, das 12:30 às 12:38 disse o seguinte_00:55 a 01:10 - que a A. vai cozinhando, mas que o faz com a ajuda de uma cadeira ou outra coisa; 00:25 a 00:30 – confirma necessidade do uso de duas canadianas; 02:45 a 03:04 –que quando estão na cama e ele se vira, que ela se queixa, que não lhe pode tocar; que quando vai para o banho tem que lhe lavar os pés e que a ajudar a calçar-se; 03:02 a 03:10 – confirma que às vezes toma medicação; 03:40 a 04:10 – declara que fazia caminhadas, que ia a bailaricos e que devido ao acidente “morreu tudo”;

17ª A CC, no dia 10/10/2023, das 14:07 às 14:23 declara o seguinte: 02:50 a 03:24 – que a mãe não consegue fazer praticamente nada porque não se aguenta muito tempo de pé; que quer lavar loiça, mas que não se aguenta das pernas, tem que se encostar, é por isso que ela anda com as muletas; 04:40 a 05:03 – que a mãe, lá em casa, fazia tudo; 05:07 a 05:33 – que a mãe trabalhava um grande quintal; 05:45 a 07:00; que a avó dava 300€ e ajudava nas compras. Que gostava de ir a ..., que a mãe, às vezes toma medicação para as dores; 07:59 a 08:54 – que a mãe costumava ir sempre à missa, que a encontra muitas vezes a chorar.

18ª O DD, no dia 10/10/2023, das 14:29 às 14:34, declara o seguinte: 01:52 a 02:30 – que a A. cultivava o quintal, mas que com muletas não consegue; 03:10 a 03:30 – que a A. ia aos bailaricos, mas que com muletas não consegue mesmo.

19ª Quanto à decisão a proferir sobre as questões de facto impugnadas – especificamente quanto à parte 1 – os pontos 28, 33, 40 e 45 devem ser objeto das seguintes alterações:

Ponto 28 – “Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a Autora ficou com uma IPP de 12 pontos, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe.”

- deve ser alterada para: “Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a A. ficou com um DFPIFP dano biológico/ DFPIFP de 12 pontos, incompatível com o exercício da sua actividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe.”;

Ponto 33 – Devido às sequelas das lesões acima descritas, a A. passou a ter que desenvolver esforços suplementares proporcionais à incapacidade de 12 pontos para levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar com diligência e prazer.

- deve ser alterada para: Devido às sequelas das lesões acima descritas, ficou incapacitada de para levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar com diligência e prazer.

Ponto 40 – Após a data da consolidação das lesões, a autora decidiu continuar a não cuidar da sua mãe, porquanto entendeu não querer desenvolver esforços suplementares proporcionais à sua apurada IPP para levar a cabo tal tarefa.

- deve ser alterada para: “Após a data da consolidação das lesões, a autora ficou impossibilitada de continuar a cuidar da sua mãe e de realizar as tarefas respeitantes ao exercício das atividades indicadas nos pontos 29, 30, e 31 da matéria assente;

Ponto 45 – “A A. deixou de dançar e de efetuar caminhadas – atividades lúdicas de que retirava prazer, isto em virtude de a realização das mesmas a obrigar a fazer esforços suplementares proporcionais à sua incapacidade de 12 pontos.

- deve ser alterada para: devido às sequelas apuradas, a A. deixou também de dançar e de efetuar caminhadas.

20ª É certo que, com base na 2ª parte do acima citado excerto da perícia – “as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.”, todavia, quando do mesmo relatório, para além de constar que “O(a) Examinando(a) é dextro(a) e apresenta marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas marcha com a ajuda de duas canadianas, porque não aguenta mal começa a andar (sente-se mais confiante); em casa quando tem onde agarrar-se vai andando sem canadianas (SIC; que “continua a sentir dores na bacia e nas costas/lombares, agravadas sempre que faz algum esforço físico – ponto 34.”; “sente desconforto por carecer da ajuda de canadianas para se movimentar - ponto 35;

- que continua a precisar do apoio de canadianas para se movimentar – ponto 48; não há como não concluir que a A. está incapacitada de levar acabo as tarefas respeitantes às atividades diárias indicadas na matéria assente.

21ª O erro que imputamos à decisão radica, essencialmente, no acima indicado ponto da perícia (“as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”) e na indevida correspondência assente entre 12 pontos de dano biológico e 12% de IPP.

22ª Relativamente à decisão a proferir sobre os pontos 2, 3, 5, 7 e 10 (parte 2) – pág. 9 da sentença, defendemos que os pontos acima enumerados devem passar de não provados para provados, com a seguinte redação:

- Ponto 2 - “À presente data (por referência à data da propositura da acção), a A. continua totalmente incapacitada ou tivesse ficado com uma incapacidade total permanente”;

- Alterar apenas para provado – o que deve ocorrer tendo em conta o teor das concretas passagens supra indicadas e, bem assim, a matéria assente nos factos provados 25, 35 e 48;

- Ponto 3 – “À data da propositura da acção e como consequência das sequelas sofridas, a autora continua a carecer, por vezes, da ajuda de 3ª pessoa para fazer a sua higiene pessoal, para subir e descer escadas e para o transportar e acompanhar à fisioterapia”;

Alterar para: À data da propositura da ação (30/03/2021) e como consequência das sequelas sofridas, a A. continuava, por vezes, a carecer da ajuda de 3ª pessoa para fazer a sua higiene pessoal, para subir e descer escadas e para a transportar e acompanhar à fisioterapia.

- Ponto 5 – “Devido às sequelas apuradas, a autora tivesse ficado totalmente incapaz de levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar”;

Alterar para: Devido às sequelas apuradas, a A. ficou incapacitada de levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar.

- Ponto 7 – “Devido às lesões e sequelas apuradas, a autora tenha, por vezes, que recorrer medicação para dormir”;

Alterar para: Devido às lesões e sequelas apuradas, a A. carece, por vezes, de recorrer a medicação para dormir.

- Ponto 10 – “Após a data da consolidação das suas apuradas lesões, a Autora tivesse ficado impossibilitada de visitar familiares e amigos e de tratar da sua higiene pessoal”;

Alterar para: Após a data da consolidação das lesões, a A. passou, por vezes, a carecer de ajuda de 3ª pessoa para tratar da sua higiene pessoal.

23ª No que respeita ao objetivo e motivação do presente recurso, na parte respeitante à matéria de direito, resumidamente, visamos demonstrar o desacerto da decisão quanto à subsunção da matéria apurada e a apurar – apontamos erros nas duas vertentes – e, por outro lado, que os valores atribuídos à A. são injustificadamente exíguos.

24ª Quanto às normas violadas – indicamos a al. a) do nº 1 do art. 639º do CPC.

Efetivamente, ao fazer corresponder 12 pontos de dano biológico, de uma sinistrada que apresenta marcha claudicante e que carece do apoio de duas canadianas para se movimentar, a 12% de IPP (incapacidade parcial permanente) – duas realidades, como abaixo se explicitará, de natureza objetivamente distinta, o Tribunal violou o disposto nos artigos 607º, nº 4, do CPC e, bem assim e também, o disposto nos arts. 562º, 564º e 566º, nº 2, todos do C.C. e, com especial acuidade, desde logo por uma questão de respeito pelo princípio da igualdade consagrado no art. 13 da Constituição (C.R.P.), disposto no nº 3 do art. 8º, igualmente do C. C. Convenhamos que o montante fixado, como abaixo se evidenciará, não é escasso, é escassíssimo.

25ª Motivação aduzida na sentença na parte respeitante ao Direito, o Tribunal após definir, muito bem, o âmbito legal dos direitos na situação dos autos, fez constar que se provou que “a autora nasceu em ../../1964 e, à data dos factos, era doméstica e cuidadora da mãe - pág. 16, 4º §

26ª Acrescentando, de seguida: “Porém, de acordo com a matéria de facto apurada e não apurada, designadamente aquela que supra se discriminou, para o cálculo desta indemnização entende-se que deverá ser levado em linha de conta o salário mínimo nacional para o trabalho doméstico em vigor à data dos factos (….), sendo que o salário mínimo nacional para o trabalho doméstico em vigor à data dos factos era de € 600,00 (cfr. DL n.º 117/2018, de 27/12). – 5º e 6º § da pág. 17.

27ª No 7º § da pág. 17, o Tribunal concluiu que a A. ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 12%, compatível, por isso, com a sua atividade habitual de doméstica e de cuidadora da mãe, sendo que “Não se provou, portanto, que a autora tivesse ficado, em termos permanentes, totalmente incapaz de exercer aquelas actividades habituais, provando-se apenas que para as desenvolver a autora tem de fazer esforços suplementares proporcionais à sua incapacidade de 12 pontos (último § da pág. 17) e continuando nos dois §s seguintes (1º e 2º da pág. 18) a qualificar dano biológico como incapacidade.

28ª Ora, é exatamente a indevida qualificação a que supra nos reportamos que está na origem da injusta exiguidade do valor ordenado pagar à A. As mãos servem para agarrar, transportar, defender, etc. e as pernas, essencialmente, para caminhar.

29ª Alguém quem tem de ocupar as mãos a agarrar/segurar duas canadianas para se conseguir movimentar, que sente dores na bacia e nas costas, agravadas sempre que faz esforços, como é que pode levar a cabo a factualidade assente nos pontos 29 a 32?!

30ª Daí que, se os 12 pontos de dano biológico da A., a terem sido avaliados ao abrigo da tabela nacional de incapacidades para os acidentes de trabalho, teriam de corresponder, como explicitado supra, uma IPATH e a nunca menos de 50%, aí sim, de incapacidade parcial permanente – cfr. excertos do acórdão proferido no Proc. 2624/17.8 T8PNF.P1, TRP, datado de 13/10/2020, com destaque para a relevante circunstância do, pelo facto de o A. carecer de se apoiar numa canadiana, o TRP ter concluído que ficou incapaz para a profissão habitual sem possibilidade de reconversão.

31ª Usando o critério aplicado aos 12% de IPP, mas ajustando-o para uma IPP nunca inferior a 50%, a indemnização a atribuir à A., apenas a título de dano patrimonial, teria de ascender a 125.000€.

32ª É facto notório que qualquer empregada doméstica, ou mesmo apenas doméstica, que careça do apoio de duas canadianas para se movimentar, está, passe a expressão, arrumada, porque impossibilitada de levar cabo as habituais lides caseiras, incluindo cultivo de quintal, ajudar a mãe, etc.

33ª Na jurisprudência citada, atrevemo-nos a defender que em nenhum caso as sequelas são efetivamente tão limitadoras da qualidade de vida dos sinistrados como aquelas de que a A. ficou a padecer.

– A este propósito, apelamos à atenção para os Acórdãos proferidos nos seguintes processos: 721/18.1T8PNF.P1, TRP, datado de 11/01/2021; 2624/17.8T8PNF.P1, TRP, datado de 13/10/2020 e 1539/20.7T8PNF.P1, TRP, datado de 04/05/2022 (3 exemplos citados, todos eles do Juízo Central Cível de Penafiel);

34ª a que acrescem os demais igualmente citados, a saber: Acórdão do STJ de 29.10.2019, proc. 683/11.6TBPDL.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt. - 250.000,00€; Acórdão do STJ de 19.9.2019, proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt - 200.000,00€; com uma incapacidade avaliável em 30 pontos não impeditiva do exercício da sua atividade profissional, a um lesado de 36 anos de idade, que auferia retribuição não inferior a 700,00€ mensais como eletricista, foi fixada indemnização por dano biológico em 100.000,00€ [Acórdão do STJ de 13.7.2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.].

35ª Relativamente às lamentáveis consequências da vertente não profissional do dano biológico da A., por comparação com as dos AA. dos 3 (três) exemplos citados é que a situação se nos afigura muito complexa. Perder uma mão é muito complicado. Perder a capacidade de se movimentar com a pernas é-o ainda mais porque muito mais limitador!

36ª Com vista à manutenção de razoável desempenho físico e ao atenuar os efeitos do avançar da idade, o que a Medicina mais recomenda é que as pessoas caminhem, nadem, dancem, se mexam – numa palavra – se movimentem.

37ª É cientificamente pacífico que só dessa forma – com apropriado movimento - se previnem doenças, obesidade, perda de massa muscular, etc. Que vida vai fazer uma humilde mulher – à data do acidente com 54 anos (nascida em ../../1964) e atualmente com 59, a carecer da ajuda de duas canadianas para se movimentar!? Efetivamente,

38ª no facto 25, fez-se constar, que “À presente data (por referência à data da propositura da acção), em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. desloca-se com a ajuda de duas canadianas (sublinhado nosso), no facto 48, que “A A. continua a precisar do apoio de canadianas para se movimentar”; e,  no facto 34 - que continua a sentir dores na bacia e nas costas/lombares, agravadas  sempre que faz algum esforço físico”.”.

39ª Atenta a realidade supra enunciada, é caso para perguntar o seguinte: como é que alguém que carece da ajuda de duas canadianas para se movimentar tem capacidade física para o exercício da sua atividade habitual de serviços domésticos e cuidadora  da sua mãe (facto 28), para efetuar a limpeza da casa, lavar a loiça, lavar roupa, passar a ferro, sacudir cortinas (facto 30); para trabalhar/cultivar o seu quintal, onde semeava e colhia batatas, cebolas, alfaces, tomates, feijão (facto 31).

40ª E, para rematar a “confusão”, como é que é possível concluir-se que alguém com as limitações elencadas nos factos 25, 34 e 48 pode ter decidido continuar a não cuidar da sua mãe, porquanto entendeu não querer desenvolver esforços suplementares proporcionais à sua apurada IPP para levar a cabo tal tarefa.

 41ª Na situação dos autos, ao confundir dano biológico com incapacidade profissional, isto é, pontos por percentagem, o Tribunal acaba por mandar pagar menos exatamente onde, devido ao disposto nos artigos 562º e 567, nº 2 do C.C., podia e devia mandar pagar mais.

42ª Relativamente ao montante ajustado ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais da R.te/A., e a acrescer aos argumentos já acima aduzidos (conclusão 17ª) defendemos ser igualmente pertinente o seguinte:

- O Tribunal, com base no salário para o serviço doméstico, no valor de 600€, apurou para 12% de incapacidade €30.000€. Todavia, é por demais evidente que se a capacidade da A. tivesse sido avaliada ao abrigo da legislação infortunística, lhe teria sido atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

43ª Se tal tivesse acontecido – o que ocorreu, aliás, nas três situações supra indicadas, a A. teria direito a uma pensão vitalícia e atualizável, correspondente ao valor obtido com base nos cálculos a seguir indicados: 50% da retribuição anual = 600€ x 14 = €8.400,00 : 2 = 4.200€ 8.400€ x 12% = 1.008€ : 5 = 201€ Somando as duas parcelas, legalmente imperativas e irrenunciáveis, obtemos como pensão anual, vitalícia e atualizável, a quantia de 4.401€.

Tendo em conta a esperança de vida das mulheres – 83,52 – se a A. viver até aos 83 anos, sem considerar outros valores e, bem assim, a significativa atualização da pensão que, como tudo sugere, vai ocorrer, receberia a quantia de 127.629€.

44ª Especificamente a título de dano patrimonial, a A., porque à data desconhecedora das sequelas que lhe viriam a ser fixadas, peticionou apenas a escassa quantia de 100.000€. Assim, tendo em conta as efetivas sequelas de que ficou a padecer, com gravíssimos reflexos ao nível patrimonial e não patrimonial, e, bem assim, os bem mais elevados valores sentenciados na jurisprudência citada, deverá levar o Tribunal, ao abrigo do princípio do pedido global, mandar pagar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 146.000€.

45ª Como referimos acima, em substância, existe matéria dada como provada que é inconciliável, nomeadamente o exercício da atividade profissional de doméstica e cuidadora com o uso de duas canadianas. É facto notório que alguém que tenha de usar duas canadianas fica incapaz para exercer, se não a totalidade das tarefas (doméstica e cuidadora), a sua grande maioria.

46ª Assim, apesar de entendermos que é notório que, na prática, a A. está incapaz para a sua profissão habitual, na eventualidade de o Venerando Tribunal vir a ficar com dúvidas sobre tal questão, peticiona-se que, ao abrigo do disposto no art. 411º do CPC, ordene a remessa do processo para devido esclarecimento de tais factos – nomeadamente mediante perícia a levar a cabo pelo Centro de Reabilitação ... (CRP...) – com vista ao apurar das concretas tarefas que a A. deixou de poder exercer pelo facto de ter passado a carecer de usar duas canadianas.

Concluindo, defendemos que ao decidir nos termos expostos, o Tribunal violou o disposto nos arts. 607º, nº 4, do C.P.C., e, bem assim e também, o disposto nos arts. 562º, 564º e 566º, nº 2, todos do C.C., devendo, por isso alterar-se a decisão nos termos supra peticionados;

todavia, se assim se não entender, com a finalidade de se vir a lograr adequado apuramento e enquadramento das limitações físicas resultantes das sequelas  substantivamente apuradas, requer-se seja ordenada a baixa do  processo baixe à 1ª instância, para se vir a proceder às necessárias diligências probatórias (art. 411º do CPC), com o que se fará adequada e equitativa justiça.».


*

Ré.

«1) Deve ser alterado o ponto 5 dos factos provados para “5. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o Sr. BB parou no STOP e verificou que não se aproximava nenhum veículo em sentido contrário vinda do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, quando arrancou para iniciar a marcha com vista ao seu atravessamento com o objectivo de passar a circular na rua ....”

2) Os concretos meios de prova que conduzem a essa conclusão são depoimento da testemunha EE, nas concretas passagens de 00;04:43 a 00.06:30; o depoimento da testemunha BB, nas concretas passagens de 00:14:15 a 00:15:07) conjugados com o croquis policial integrado no auto junto como doc.3 com a contestação e a distância do entroncamento à curva de cerca de 80m (cfr. ponto 14 dos factos provados);

3) Deve ser eliminado dos elenco dos factos dados como provados o que consta do ponto 7 com fundamento no depoimento da testemunha EE (concreta passagem de minutos 00:04:04 a 00:04:43), do depoimento da testemunha BB, (concretas passagens de minutos 12:39 a 13:31 e de minutos 14:15 a 15:07), conjugados com o auto junto como doc.3 com a contestação da ré – quanto à largura da via;

4) Por outro lado, o concreto ponto de facto 8 dos factos dados como “provados” deve ser alterado para: “7. E, só depois de arrancar para iniciar ao atravessamento da via com o objectivo de passar a circular na rua ..., só avistou o veículo ..-OM-.. quando já estava a meio da manobra de mudança de direcção” com fundamento na reapreciação do depoimento da testemunha BB, (passagem de minutos 00:14:15 a 00:15:07), croquis do auto policial e medidas de projeção do ZR;

5) Deve ser acrescentado aos factos provados o ponto 1 dos factos considerados não provados com o teor “1. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas nos factos provados, o condutor do veículo OM circulava a uma velocidade nunca inferior a 70km/ quando avista o “ZR”;

6) A pretendida alteração funda-se na apreciação conjugada do o relatório fotográfico junto como doc.5 com a contestação atenta a deformação pós-embate nas viaturas intervenientes, as projecção e arrastamento lateral do “ZR” por pelo menos 4m com o embate (retirado do croquis policial), o tempo e distâncias percorridas por ambos os veículos antes da colisão, extraídos da conjugação da largura da via no croquis policial (3,80m), a distância de 80m da curva (onde surgiu o “OM” quando o “ZR” já iniciava a travessia até ao local de embate) retirados do depoimento da testemunha BB - passagem de 00:14:15 a 00:15:07 acima transcrita, conjugados com a simples aritmética e regras da experiência comum permite concluir que o “OM” circulava a uma velocidade não inferior a 90km/h ;

7) Por isso mesmo, no caso em apreço, com base nos factos adquiridos e na sua conjugação com as regras da experiência comum, sempre deveria o Tribunal ter concluído que o “OM” não podia vir a circular a menos de 70km/h já com alguma parcimónia, devendo em consequência transferir-se o ponto 1 dos factos não provados, para o acrescentar ao rol dos factos provados;

8) Dos factos provados nos pontos 6. e ainda 5 e 7, com a alteração que dos mesmos se espera, resulta que o condutor do “ZR” cumpriu integralmente o preceito em causa, parando no eixo da via, antes de iniciar a manobra e só o fazendo quando se apercebeu que o podia fazer por não avistar qualquer veículo na via até à curva a 80m de distância;

9) Perante um sinal “Stop” (B2) assinalado por sinal vertical e ainda por marca de paragem M8, deve o condutor observar o prescrito no art.º 21º B2 do Regulamento de Sinalização de trânsito “paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar;

10) No caso, apurou-se que ele parou, e só avançou quando não existiam visíveis na via, veículos a que devesse ceder a passagem, já que o “OM” ainda não lhe era visível na saída da curva, respeitando assim a sinalização vertical que disciplinava a circulação no entroncamento, não tendo praticado nenhum acto ilícito e muito menos culposo;

11) Pelo contrário, considerando que estávamos dentro de uma localidade (cfr. doc.1 com a contestação, numa numa via marginada com edificações e muito tráfego (cfr. ponto 15 dos factos provados) com entroncamento, em que a velocidade máxima de 50km/h (art. 27.º do CE) deveria ser especialmente moderada (art. 25.º n.º 1 alineas c) e h) do CE), é evidente que a responsabilidade é exclusivamente imputável a culpa do condutor do “OM”, neste caso terceiro, responsabilidade que nos termos do disposto no art.º 505.º do CCiv, afasta a responsabilidade pelo risco de circulação do “ZR”;

12) Sendo a responsabilidade pelo acidente imputável a um terceiro, ainda que a A. não o tenha demandado, não pode ser exigida a reparação dos danos sofridos pela A. à aqui ré cujo veículo seguro em nada contribuiu para o acidente, devendo a sentença condenatória recorrida ser revogada em conformidade;

Caso assim não se entenda e sem prescindir,

13) Uma vez que a A. não desenvolvia qualquer profissão remunerada, nem sequer que o tencionava vir a fazer, não revelando quaisquer qualificações que pudessem permitir um juízo de possibilidade sequer desse cenário, tendo 53 anos e ficado com uma IPG de 12 pontos, sem qualquer perda ou redução efectiva de retribuição, nem exigência de esforços acrescidos para manter o rendimento do trabalho (que não tem), não podia fixar-se em, valor superior a € 15.000,00 a indemnização pelo dano patrimonial biológico emergente dos 12 pontos de IPG e da sua afectação quer na vi pessoal quer no rebate profissional;

14) Dado que a A. já antes do acidente era uma pessoa com problemas de saúde, evidenciados nos pontos 49 e 50 dos factos provados, ainda que, obviamente, tenha padecido de sofrimento considerável no período de quantum doloris de grau 5 no período de tratamento, e bem assim, na deterioração da sua mobilidade e disposição, na sequência das sequelas de 12 pontos de IPG que, se manifestam em dor e sofrimento com caracter de permanência, afigurava-se mais ajustado fixar em € 15.000,00 a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., impondo-se a devida redução;

15) Devendo ainda o Tribunal considerar os casos similares, tendo por base a situação do o Ac. RP de 9/12/2020 (in www.dgsi.pt, Prooc.264/18.3T8VLG.P1), com bastante semelhança com o presente caso, ainda que com mais sofrimento físico pelas cirurgias e longo período de reabilitação no caso do acórdão, em que a lesada era também dois anos mais nova, deve reduzir-se a indemnização no presente para €30.000,00, sendo € 15.000,00 a título de danos patrimoniais e outros € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais;

16) A esse valor de € 30.000,00 deve ser abatido o valor de € 14.363,66, já adiantado pela R. perfazendo o valor total a pagar de € 15 636,34;

17) Com a prolacção da sentença proferida, violou o tribunal a quo o normativo constante nos artigos 341.º, 341.º, 349.º, 494.º, 505.º do CCiv, artigos 3º, n.º 2, 11º n.º 2, e 13º n.º 1 e 2, 25.º n.º 1 alíneas c) e h), 27.º, 30º, n.º 1, 35º, n.º 1, e 44º, do Código da Estrada, em vigor à data da prática dos factos e artigos 5.º, 607.º, n.º 4 e n.º 5 do CPCiv.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento à presente apelação, alterando-se a decisão recorrida nos pontos da matéria de facto acima impugnados, e revogando-se a sentença proferida, julgar a acção improcedente absolvendo-se a re dos pedido formulado, ou reduzindo-se a condenação a um máximo de € 15 636,34, por ser de inteira justiça.».


*

As questões a decidir são:

. apreciação da matéria de facto referente à dinâmica do acidente (recurso da Ré) e das concretas repercussões para a Autora das lesões advindas do acidente;

. valores atribuídos a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.


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2). Fundamentação.

2.1). Foram julgados provados os seguintes factos:

«1. No dia 11/06/2019, cerca das 15 horas, na E. N. ..., no entroncamento desta via com a rua ..., que dá acesso ao B... e C..., na cidade de Penafiel, ocorreu um embate, no qual foram intervenientes o Sr. BB como condutor da viatura ligeira, matrícula ..-..-ZR, modelo ..., e o veículo matrícula ..-OM-.., marca Opel, conduzido pelo Sr. FF (alínea A) dos factos assentes).

2. A Autora seguia como passageira no veículo de matrícula ..-..-ZR (alínea B) dos factos assentes).

3. O Sr. BB circulava com o sentido de marcha Portagens de Penafiel Norte – centro da cidade de Penafiel e pretendia passar a circular na rua ... (alínea C) dos factos assentes).

4. Sucedeu que, quando o ..., por si conduzido, se encontrava sensivelmente ao meio da hemi-faixa esquerda da via para, de seguida, entrar na rua ..., foi embatido na parte lateral direita pelo OM (alínea D) dos factos assentes).

5. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o Sr. BB percecionou o aparecimento da viatura OM vinda do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, quando se encontrava a começar a arrancar para iniciar ao seu atravessamento com o objectivo de passar a circular na rua ....

6. O veículo ... (..-..-ZR) seguia na EN ... no sentido NW/SE, até que se imobilizou, junto ao eixo da via, no STOP aí existente, com a intenção de virar à esquerda para a Rua....

7. E, quando começou a arrancar para iniciar ao atravessamento da via com o objectivo de passar a circular na rua ..., apesar de nesse momento ter avistado, no seu campo visual, em sentido contrário, o veículo ..-OM-.., por acreditar que ainda tinha tempo de fazer a travessia, continuou com a manobra de mudança de direção.

8. Depois de iniciar a marcha, estando já a meio da hemi-faixa contrária, dá-se o embate supra descrito.

9. Esse embate ocorre entre a lateral direita do veículo ZR e a frente do “OM”.

10. Sendo, por via disso, o veículo ZR projectado, lateralmente, pelo menos 4 metros para a sua traseira esquerda, indo embater num terceiro veículo de matrícula ..-..-ZQ – que se encontrava parado no mesmo entroncamento na dita Rua ..., mas na faixa destinada ao sentido contrário que o condutor do “ZR” pretendia tomar.

11. O condutor do veículo “OM” não travou antes de embater no “ZR”.

12. A colisão provocou uma destruição da parte lateral direita do veículo, com a compressão das duas portas para o interior do veículo e forçando o empenho da estrutura sólida e reforçada da carroçaria ao nível do eixo e da base da mesma.

13. Deu-se a deformação da frente do “OM” com a destruição dos faróis, para-choques, capot, guarda-lamas e empeno com recuo do eixo dianteiro direito.

14. Atento o sentido do “OM”, antes do acidente, a via faz uma curva à direita, atento aquele sentido, sob um túnel, findo o qual se acentua a descida em recta de cerca de 80 m até ao local em que se deu o embate.

15. No local, a via é marginada por edificações, e apresenta sempre tráfego de pessoas e veículos.

16. Do local do embate e no dia do mesmo, a., em situação de politraumatizada, foi transportado em viatura do INEM para o Centro Hospitalar ... Epe - de seguida apenas CH... (alínea E) dos factos assentes).

17.À entrada do qual lhe foram diagnosticadas as seguintes lesões: 9.1 – Trauma torácico – fratura do arco posterior da 7ª e 10ª costela direita e do 1º ao 4º arco costais esquerdos; 9.2 – trauma abdominal fechado – fratura do baço com hematoma sub-capsular e contusão do rim direito; 9.3 – fratura das apófises transversas de L4 9.4 – fratura da apófise transversa de L5; 9.5 – fratura bilateral das asas do sacro e fratura do ramo isquiopúbico direito (alínea F) dos factos assentes).

18. Devido às lesões careceu de internamento desde a data do acidente (11/06/2019) até ao dia 27/06/2019 (alínea G) dos factos assentes).

19. Por causa das lesões, efetuou, no próprio dia do evento, diversos curativos (alínea H) dos factos assentes).

20. A Autora, em 28/06/2019, tentou pôr-se de pé, todavia, devido ao esforço e às dores intensas que resultaram do embate, desmaiou.

21. A filha da A. – CC – contactou o INEM que veio em socorro da A. e a transportou, de imediato, para a unidade de cuidados intermédios do CH....

22. Porque se tenham constatado novas lesões – do baço – a A. iniciou tratamento às lesões ora constatadas e ficou internada desde 28/06/2019 até 12/07/2020.

23. Data em que teve alta com marcação de consulta para o dia 18/07/2019 – a que compareceu.

24. Depois disso realizou vários outros exames, teve que comparecer também a mais de 20 consultas – situação de cuidados médicos que foi ocorrendo no CH... e no Hospital da Santa Casa da Misericórdia ....

25. À presente data (por referência à data da propositura da acção), em consequência das lesões e sequelas sofridas, a A. desloca-se com a ajuda de duas canadianas.

26. A A. efetuou fisioterapia no CH... e no Hospital da Santa Casa da Misericórdia ....

27. Uma vez em casa, foi, ainda, por conta da Ré, diversas vezes assistida por fisioterapeuta - tratamentos que, entretanto, foram suspensos pela mesma em agosto de 2020.

28. Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a Autora ficou com uma IPP de 12 pontos, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe.

29. A Autora antes do embate confecionava as refeições para a sua família, sendo doméstica.

30. Efetuava a limpeza da casa, lavava a loiça, lavava a roupa, passava a ferro, sacudia cortinas.

31. Tratava do seu quintal onde cultivava batatas, cebolas, alfaces, tomates, feijão.

32. E ainda cuidava de sua mãe que, para ajudar nas despesas que a própria gerava no agregado familiar, lhe atribuía normalmente a quantia média mensal de € 300,00.

33. Devido às sequelas das lesões acima descritas, a A. passou a ter que desenvolver esforços suplementares proporcionais à incapacidade de 12 pontos para levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar com diligência e prazer.

34. A Autora continua a sentir dores na bacia e nas costas/lombares, agravadas sempre que faz algum esforço físico.

35. Sente desconforto por carecer da ajuda de canadianas para se movimentar.

36. Passou a ter mais dificuldades para adormecer e para manter o sono.

37. Tem vindo a sentir dificuldade no relacionamento sexual com o seu marido, situação que a entristece, tendo uma repercussão a este nível do grau 2 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

38. A autora nasceu em ../../1964 (certidão de nascimento junta aos autos a 11/06/2021).

39. Desde o acidente e até à data da consolidação médico legal das suas lesões e por causa delas, a A. deixou de cuidar da sua mãe e deixou de receber da mesma a quantia média mensal de € 300,00.

40. Após a data da consolidação das lesões, a autora decidiu continuar a não cuidar da sua mãe, porquanto entendeu não querer desenvolver esforços suplementares proporcionais à sua apurada IPP para levar a cabo tal tarefa.

41. Devido às lesões e por causa dos tratamentos a que foi sendo sujeita, a A. sofreu transtorno e dores, sendo estas de grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

42. Foi sujeita a inúmeros tratamentos, períodos de internamento, consultas, exames, etc..

43. Durante o período de recuperação e até a data da consolidação médico legal das suas lesões, ocorrida em 12/10/2020, ficou impossibilidade de visitar familiares e amigos.

44. De tratar da sua higiene pessoal.

45. A A. deixou de dançar e de efetuar caminhadas – atividades lúdicas de que retirava prazer, isto em virtude de a realização das mesmas a obrigar a fazer esforços suplementares proporcionais à sua incapacidade de 12 pontos.

46. A A. era uma pessoa diligente, alegre e que gostava de trabalhar.

47. A situação supra descrita tem vindo a causar-lhe muita tristeza, a dificultar o relacionamento com o seu marido, designadamente em termos de adequado débito conjugal.

48. A A. continua a precisar do apoio de canadianas para se movimentar.

49. Além de epilepsia, a A. padecia já de outros problemas de saúde, como dislipidemia associada a hipertensão arterial, problemas gástricos e obesidade.

50. Já antes do embate, a Autora padecia de patologia degenerativa de discartrose em L5-S1 com evidente constrangimento a nível lombar.

51. Em 12/10/2020 a A., a solicitação da Ré, deslocou-se a ... para efeitos de consulta de avaliação de dano corporal pelo Dr. GG, o qual, após a observar, concluiu nos termos expressos no relatório de avaliação junto com a petição inicial como documento n.º 2 que se dá como reproduzido e integrado para todos os efeitos legais (alínea I) dos factos assentes).

52. Realizado o exame de avaliação de dano referido em 20º da PI, com base no mesmo e nos demais dados recolhidos, a R. apresentou à A. uma proposta de indemnização de € 12.188,00 (facto aceite por acordo na audiência de julgamento), com o esclarecimento que a autora não aceitou a proposta.

53. E, por lapso, procedeu à transferência da quantia de € 14.363,66 em 5/3/2020, para a conta da autora, mediante transferência (facto aceite por acordo da autora na audiência de julgamento).

54. À data do embate encontrava-se transferida para a Ré a responsabilidade por acidentes de viação causados pelo ZR, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ... (alínea J) dos factos assentes).».

E resultaram não provados:

«1. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas nos factos provados, o condutor do veículo OM circulava a uma velocidade nunca inferior a 70km/ quando avista o “ZR”.

2. À presente data (por referência à data da propositura da acção), a A. continua totalmente incapacitada ou tivesse ficado com uma incapacidade total permanente.

3. À data da propositura da acção e como consequência das sequelas sofridas, a autora continua a carecer, por vezes, da ajuda de 3ª pessoa para fazer a sua higiene pessoal, para subir e descer escadas e para o transportar e acompanhar à fisioterapia.

4. O quintal da autora referido nos factos provados tivesse uma área superior a 1500 m2, e bem assim que a autora tratasse de algumas árvores de fruto (cerejeiras, limoeiros, laranjeiras, ameixoeiras, etc..

5. Devido às sequelas apuradas, a autora tivesse ficado totalmente incapaz de levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar.

6. Devido às lesões e sequelas apuradas, a autora tivesse passado a sentir, por vezes, libertação de gazes pela vagina devido a fístula recto-vaginal.

7. Devido às lesões e sequelas apuradas, a autora tenha, por vezes, que recorrer medicação para dormir.

8. A autora deixou de cumprir as suas obrigações religiosas.

9. Em consequência das apuradas lesões e sequelas, a autor esteja com uma depressão.

10. Após a data da consolidação das suas apuradas lesões, a Autora tivesse ficado impossibilitada de visitar familiares e amigos e de tratar da sua higiene pessoal.

11. A A. continua a precisar do apoio de medicação e poderá vir a carecer de cirurgia à coluna, na eventualidade de as dores se agravarem.».


*

2.2). Do mérito dos recursos.

A). Impugnação da matéria de facto.

A1). Da Ré.

Uma vez que é questionada a dinâmica do acidente, iniciaremos a análise da impugnação dos factos pelo recurso desta recorrente.

A mesma pretende que sejam alterados os seguintes factos:

Facto provado 5.

Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o Sr. BB percecionou o aparecimento da viatura OM vinda do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, quando se encontrava a começar a arrancar para iniciar ao seu atravessamento com o objetivo de passar a circular na rua ....

Pretende a seguinte redação:

Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o Sr. BB parou no STOP e verificou que não se aproximava nenhum veículo em sentido contrário vinda do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, quando arrancou para iniciar a marcha com vista ao seu atravessamento com o objetivo de passar a circular na rua ....

Factos provados 7 e 8.

E, quando começou a arrancar para iniciar ao atravessamento da via com o objetivo de passar a circular na rua ..., apesar de nesse momento ter avistado, no seu campo visual, em sentido contrário, o veículo ..-OM-.., por acreditar que ainda tinha tempo de fazer a travessia, continuou com a manobra de mudança de direção.

Depois de iniciar a marcha, estando já a meio da hemi-faixa contrária, dá-se o embate supra descrito.

Pretende que tais factos resultem não provados.

Facto não provado 1.

Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas nos factos provados, o condutor do veículo OM circulava a uma velocidade nunca inferior a 70km/ quando avista o “ZR”.

Pretende que o facto resulte provado.

Com o devido respeito pela opinião desta recorrente, pensamos que não tem sustento mínimo a sua pretensão. Invocar o depoimento do militar da G. N. R. EE para sustentar qualquer outro facto que não seja que elaborou a participação e recolheu depoimentos não pode merecer acolhimento positivo já que o mesmo nada viu do acidente.

E invocar a favor da tese da recorrente o depoimento do condutor do veículo segurado (BB), que admitiu que viu um carro que lhe pareceu longe e que podia passar mas que não deu e que não mediu bem também é algo que não se nos afigura de merecer procedência. O teor dos citados factos 5, 7 e 8 retratam fielmente o que ocorreu na audiência de julgamento (mediante o que o indicado condutor referiu), não podendo merecer a visão que a recorrente pretende nem há qualquer outro meio de prova que possa alterar os factos.

No que respeita à velocidade a que seguia o veículo, como se nos afigura correto, o condutor do veículo segurado não consegue indicar qual seria (repetindo várias vezes que não sabia nem podia saber a que velocidade seguia o outro veículo).

Não há qualquer dado objetivo que permita concluir, com o mínimo de segurança, qualquer grau da velocidade a que o mesmo veículo seguia antes de embater no veículo segurado na recorrente.

As afirmações e conclusões efetuadas nas alegações de recurso apenas o são, pois invocar o peso do veículo que embateu sem o referir (e sem estar demonstrado) e sem se demonstrar que cálculo seguro existe que possa fazer concluir por uma velocidade, não se nos afigura algo que possa ter sucesso.

Mesmo o mais ponderado raciocínio (na nossa visão) de que que o veículo segurado na recorrente foi arrastado e tal só poderia suceder por o outro veículo vir animado de alguma velocidade é algo que, sendo correto, por si só não permite concluir qual seria a velocidade pois:

. pode o condutor desse veículo não ter travado (como consta da participação) e ter embatido no veículo segurado na recorrente com toda a potência que resulta da conjugação da massa e velocidade;

. o ângulo de embate pode também ter tido efeito nesse efeito;

. não se sabe sequer que velocidade imprimia o condutor ao veículo segurado na recorrente, velocidade essa que pode ter contribuído para aquele arrastamento, …, .

Ou seja, são variáveis que, no caso concreto, não merecem a possibilidade de resultar a prova da velocidade, mínima ou máxima ou de algum modo concretamente fixada, pelo que a não prova do mesmo facto foi correta.

Improcede assim a totalidade da argumentação de facto da recorrente.


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A2). Da Autora.

Apesar de se nos afigurar, com o devido respeito, algo confuso o modo como o recurso é exposto e configurado (com alguns saltos na indicação do que se pretende e denominando meios probatórios outros factos), pensamos que estão cumpridos todos os requisitos para ser apreciada esta impugnação, percebendo-se na íntegra o que se pretende (perceção que também a recorrida teve).

Assim:

Factos não provados.

2. À presente data (por referência à data da propositura da acção), a A. continua totalmente incapacitada ou tivesse ficado com uma incapacidade total permanente.

3. À data da propositura da acção e como consequência das sequelas sofridas, a autora continua a carecer, por vezes, da ajuda de 3ª pessoa para fazer a sua higiene pessoal, para subir e descer escadas e para o transportar e acompanhar à fisioterapia.

5. Devido às sequelas apuradas, a autora tivesse ficado totalmente incapaz de levar a cabo o essencial das tarefas e atividades que antes conseguia efetuar.

7. Devido às lesões e sequelas apuradas, a autora tenha, por vezes, que recorrer a medicação para dormir.

10. Após a data da consolidação das suas apuradas lesões, a Autora tivesse ficado impossibilitada de visitar familiares e amigos e de tratar da sua higiene pessoal.

Vejamos então.

Quanto ao ponto 2, a recorrente, em rigor, não pretende uma alteração pois quer que fique a constar que a Autora continua a carecer do apoio de duas canadianas para se conseguir movimentar, ou seja, não pretende que se prove que a recorrente tem uma incapacidade permanente total, ou que esteja totalmente incapacitada.

Diga-se que a não prova desta total incapacidade é manifesta e resulta de dois relatórios periciais (de 12/01/2022 e 22/03/2023) sendo que o facto provado 48 já contém que a Autora continua a precisar do apoio de canadianas para se movimentar.

Em relação ao ponto 3, também os relatórios médico-legais não mencionam que a recorrente precise de ajuda de terceiros, nem a mesma o refere nas queixas subjetivas desses mesmos relatórios (menciona que tem mais dificuldade em vestir-se e realizar higiene). É natural que, tendo de usar canadianas, ocasionalmente possa alguém ajudá-la nalguma atividade, como por exemplo a referida subida/descida de escadas mas o que a recorrente alega é que, estando totalmente incapacitada, precisa de canadianas e ocasionalmente da ajuda de 3.ª pessoa para subir e descer escadas e ir à fisioterapia (artigo 17.º, da petição inicial), o que não é o se demonstra: a recorrente, não estando totalmente incapacitada, move-se com canadianas, não havendo informação médica que demonstre que precise de 3.ª pessoa para realizar aquelas tarefas.

Relativamente ao ponto 5, as tarefas que a recorrente ficou incapacitada de realizar já constam do facto provado 45 – dançar e efetuar caminhadas -, sendo que as restantes realizará com mais dificuldades (a recorrente, ao ser ouvida pelo médico que elaborou relatório, menciona que não consegue, por exemplo, realizar tarefas no quintal, mencionando que realiza outras com dificuldade e que não se sente com capacidade para cuidar da mãe.

Mesmo que uma testemunha (DD, conhecido da recorrente por ser da mesma freguesia) o afirme, o certo é que medicamente tal não foi comprovado.

O ponto 7 não tem a mínima comprovação médica ou documental, sendo insuficiente o marido referir que, por vezes, toma medicação até porque a recorrente já afirmou que, antes do acidente, tomaria medicação (ao que se julga, para ansiedade, referindo a mesma que seria epilepsia – relatório de neurologia junto com o último relatório médico-legal) pelo que teria que estar medicamente demonstrado que também tomava medicação para dormir, o que não sucede.

Por fim, em relação ao ponto 10, também essa impossibilidade de visitas não resulta dos relatórios médicos legais nem dos depoimentos indicados pela recorrente.

Improcede assim toda esta argumentação.


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Factos provados.

Facto 28.

Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a Autora ficou com uma IPP de 12 pontos, compatíveis com o exercício da sua atividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe.

Pretende que o facto passe a ter a seguinte redação:

Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a Autora ficou com um DFPIFP dano biológico/ DFPIFP de 12 pontos, incompatível com o exercício da sua atividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe.

Vejamos.

O que resulta do relatório médico legal é que Autora/recorrente ficou a padecer de um défice funcional permanente de 13 pontos (sendo 100 pontos correspondente à totalidade da integridade física), com necessidade de realização de esforços suplementares para exercer as suas atividades.

Ultrapassada a questão de afinal serem 12 pontos, atento um lapso no cálculo (por defeito) do valor final, o que resulta é a prova d este défice e a existência da necessidade de realização de esforços suplementares; não resulta a total incapacidade para a recorrente as exercer, nomeadamente a de a recorrente poder cuidar de sua mãe.

Naturalmente que, quem passou a necessitar da ajuda de canadianas para se movimentar, necessidade essa causada pelo acidente (factos provados 25 e 48), além de ver limitada essa atuação (cuidar de terceira pessoa), para a realizar tem de efetuar esforços suplementares. E são estes os que resultam da análise médico-legal e não que esteja impossibilitada de o fazer. Percebemos que, com tal limitação, possa ser difícil (ou até impossível), no caso, uma filha ajudar a mãe a caminhar, a levantar-se da cama, dar-lhe banho, mudar-lhe fraldas; porém, desconhece-se totalmente que tipo de ajuda necessitava e (eventualmente necessita) a mãe da recorrente. Não foi alegada qualquer factualidade e, consequentemente, não se provou, que permitisse descortinar que tipo de ajuda estava em causa (sendo que a filha da recorrente, HH, referiu alguns problemas nas idas à casa de casa de banho da sua avó mas não concretizou que, por exemplo, que estivesse acamada ou impossibilitada de caminhar por si – terá problemas de demência, claramente não demonstrados medicamente nos autos -).

O conhecimento das efetivas necessidades da mãe da recorrente seriam fundamentais para se poder aquilatar se, com aquela movimentação realizada com o auxílio de canadianas, tal ajuda a prestar pela recorrente era inviável; não se conhecendo as mesmas, não estando refletida essa impossibilidade em relatório médico-legal, não se pode concluir que a Autora ficou impossibilitada de cuidar da sua mãe.

Nem é caso (como subsidiariamente mencionado no recurso) de diligenciar por novos meios de prova para se apurar essa alegada impossibilidade pois, atendendo ao que foi alegado e à prova que se efetuou, esta foi adequada e suficiente – duas perícias médico-legais, bastante completas sobre o estado de saúde da Autora, testemunhas – para se poder demonstrar, ou não, que existia tal impossibilidade.

Assim, não resultando do exame médico que a recorrente esteja impossibilitada de exercer atividades que antes exercia (para além das que se provou que deixou de fazer), desde logo não se podia concluir pela referida impossibilidade.

O facto em causa será apenas alterado para retratar o que resulta do relatório médico-legal – está em causa não uma I. P. P. mas um agora denominado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos, implicando esforços suplementares (estes já resultando do facto 33 mas que devem estar ligados diretamente à ideia da possibilidade de realização de tarefas).

Deste modo, o facto 28 passa a ter a seguinte redação:

Em consequência das sequelas causadas pelo embate acima referido, a Autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física-psíquica de 12 pontos, compatíveis com o exercício da sua atividade habitual de serviços domésticos e cuidadora da sua mãe, com necessidade de realização de esforços suplementares.

O facto 40, também impugnado, tem a seguinte redação: Após a data da consolidação das lesões, a autora decidiu continuar a não cuidar da sua mãe, porquanto entendeu não querer desenvolver esforços suplementares proporcionais à sua apurada IPP para levar a cabo tal tarefa.

A recorrente pretende que resulte provado que ficou impossibilitada de continuar a cuidar da sua mãe e de realizar as tarefas respeitantes ao exercício das atividades indicadas nos pontos 29, 30, e 31 dos factos provados.

Já mencionamos que tal impossibilidade não está medicamente comprovada; por outro lado, a recorrente não indica qualquer meio de prova (testemunha, documento, …) de onde resulte que a recorrente afinal não optou por deixar de cuidar de sua mãe. Assim, podendo até ser causa de rejeição parcial desta parte da impugnação da matéria de facto (artigo 640.º, n.º 1, b), do C. P. C.), o certo é que não temos qualquer base para concluir o contrário do que o tribunal recorrido entendeu: a Autora optou por deixar de cuidar da sua mãe.

Outras questões são aferir se se pode considerar uma opção totalmente livre ou se, pelo contrário, se foi condicionada pelo défice de que passou a sofrer e em que medida tal opção pode afetar a indemnização a atribuir.

Em termos de factualidade, seja porque a impossibilidade em causa não resulta medicamente demonstrada seja porque não temos qualquer prova de onde resulte que a Autora afinal não optou por deixar de cuidar de sua mãe, não há motivo para alterar os factos 28 e 40, improcedendo esta argumentação.

Vejamos agora o facto 45, que tem a seguinte redação:

A Autora deixou de dançar e de efetuar caminhadas – atividades lúdicas de que retirava prazer, isto em virtude de a realização das mesmas a obrigar a fazer esforços suplementares proporcionais à sua incapacidade de 12 pontos.

A recorrente pretende que se altere para devido às sequelas apuradas, a Autora deixou também de dançar e de efetuar caminhadas; pensamos que a esta redação é mais precisa. Na verdade, o que resulta das conclusões médico-legais, na parte repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer (correspondendo à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades) é que se fixou tal repercussão no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta que está impedida de fazer caminhadas e participar em convívios dançantes. Ou seja, o perito médico-legal concluiu que a Autora/recorrente sofre daquele grau de repercussão por estar impedida de fazer caminhadas e dançar por força das lesões causadas pelo acidente.

Daí que não é necessário redigir que deixou de fazer tais atividades por as mesmas exigirem esforços suplementares proporcionais a 12 pontos, podendo estar a sugerir-se que, mais uma vez, a recorrente quis deixar de as realizar por sofrer aquele défice. O perito médico-legal analisou o quadro da recorrente, as suas queixas e o que mencionava que tinha deixado de fazer e concluiu que a mesma não pode realizar aquelas atividades, sendo esta a conclusão que deve ficar retratada nos factos.

Deste modo, o facto 45 passa a ter a seguinte redação:

Por força das lesões sofridas com o embate acima referido, a Autora deixou de dançar e de efetuar caminhadas.


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Não há mais questões de facto a apreciar.

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B). Do direito.

Recurso da Autora e Ré.

B1). Do dano biológico.

Lendo o douto recurso da Autora, pensamos não errar quando referimos que o único valor concreto que a parte questiona é o atribuído a título de dano biológico que terá sido fixado em 30000 EUR (denominando-o o tribunal recorrido de danos patrimoniais), a que depois se descontou o valor já recebido pela Autora (14363,66 EUR, tendo assim direito a receber 5636,34 EUR).

Todos os outros valores não são questionados pela recorrente (20000 EUR a título de danos não patrimoniais, absolvição quanto ao pedido de 6000 EUR a título de perdas salariais e remessa para incidente de liquidação quanto a custos periódicos de aquisição de canadianas). Mas também se verifica que continua a pedir que se condene a Ré em 146000 EUR, o que abrange o pedido na íntegra.

Daí que, para nós, o recurso, à partida, poderia incidir unicamente sobre o valor que era concretamente analisado; no entanto, uma vez que, também a alegação da vertente jurídica do recurso se afigura pouco clara, à cautela e tendo por base o disposto no artigo 635.º, n.º 3, do C. P. C. (na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente), apenas apreciaremos se se deve manter a decisão sobre a indemnização sobre danos não patrimoniais e absolvição pelo pagamento de 6 000 EUR de perdas salariais (a questão da remessa para incidente de liquidação nem sequer é aflorada em qualquer pormenor, seja a nível fáctico seja a nível de direito).

Deste modo, atentemos no dano biológico.

É abundante a menção a este dano na jurisprudência, ora reportando-se ao mesmo como um dano patrimonial ou não patrimonial, consoante a situação, ou a eventualmente a um tertium genus. No Ac. do S. T. J. de 17/01/2023, processo n.º 5986/18.6T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt, menciona-se: «I. O dano biológico, ainda que lhe possa ser conferida autonomia, cabe no dualismo dano patrimonial/dano não patrimonial (não é um “tertium genus”), podendo ter e traduzir-se numa vertente patrimonial e numa vertente não patrimonial, sendo que, quando apenas está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico”, cuja indemnização também cobre a perda de potencialidades e de oportunidades profissionais (não havendo lugar à fixação dum montante indemnizatório por uma IPP que, em tal hipótese, nem sequer existe).

Também o Ac. do S.T.J. de 13/04/2021, processo n.º 448/19.7T8PNF.P1.S1, ECLI:PT:STJ:2021:448.19.7T8PNF.P1.S1.F4[1], menciona que «este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoa e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.

Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.».

Temos assim, que, no caso concreto, tendo a recorrente ficado a padecer de um défice funcional permanente da sua integridade física de 12 pontos que, permitindo o exercício da sua atividade, no entanto lhe exige maiores esforços, há que indemnizar este dano biológico, ainda na vertente patrimonial (tal como referido na decisão sob recurso), com recurso à equidade[2].

Não exercendo a recorrente qualquer atividade profissional, o valor a encontrar não se deve sustentar em retribuições salariais pois a sua situação não tem total equivalência com a de um trabalhador/prestador de serviços que, continuando a desempenhar a sua função e a receber a sua retribuição, no entanto tem de se esforçar mais para continuar a desemprenhar essa função e, assim, continuar a receber correspetivo do seu esforço. Mas admite-se que se possa aferir quanto é que o referido défice poderia significar para o profissional que padecesse de igual limitação para se encontrar uma eventual base de trabalho para o juízo equitativo o qual assentará na procura de decisões semelhantes, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do C. C.. Vejamos então.

O acidente ocorreu em 11/06/2019, sendo que, nessa data, a retribuição mínima mensal garantida estava fixada em 600 EUR (Decreto-Lei n.º 117/2018, de 27/12). Uma vez que não consta que a lesada exercesse qualquer tipo de função remunerada à data do acidente, poderia ser esse o valor a atender para efeitos de uma desvalorização funcional do seu corpo.

Outra possibilidade seria atender ao valor do salário médio que se praticava em Portugal nessa altura já que se procuraria encontrar um valor que se fixasse na média e não no nível mais inferior de remuneração, tendo em atenção as qualificações da vítima, seja a nível escolar seja a nível de aptidões para o desempenho de atividades.[3]

No entanto, no caso concreto, desconhece-se qualquer qualificação que a recorrente possa ter a nível de formação ou de capacidade para desempenho de funções, pelo que aquele valor de 600 EUR acaba por ser o adequado para se encontrar uma base de trabalho pois não temos elementos para crer que pudesse encontrar uma ocupação profissional que nos permitisse concluir que o seu rendimento poderia ser mais alto do que aquela retribuição mínima.

Deste modo, há que procurar aferir qual seria o valor hipotético correspondente ao esforço suplementar que a lesada tinha de desenvolver para poder ter um rendimento equivalente a 600 EUR, tendo aquele défice de 12 pontos; tal valor tem por referência toda a sua vida (cuja esperança de vida é, atualmente, de 83,5 anos para as mulheres[4]) pois é no decurso desta que vai sofrer aquela diminuição no seu corpo.

Aquando do acidente, a recorrente tinha 54 anos de idade, pelo que ainda poderia viver cerca de 28 anos e 6 meses.

Por mês, perderia 72 EUR (600 EUR x 12 pontos/%); num ano, com 12 meses (uma vez que não desempenhava qualquer função remunerada), deixaria de auferir 864 EUR.

Deste modo, em 28 anos, deixaria de auferir 24192 EUR, a que acrescem seis meses (432 EUR), no total de 24624 EUR.

Este seria uma base de cálculo para se ponderar o valor a atribuir a um trabalhador, que auferisse a retribuição mínima mensal garantida em termos do dano biológico.

Importa agora, na nossa visão, aferir o quadro fáctico global da recorrente para encontrar um valor que se possa considerar justo e equitativo, ponderando que:

. este défice incide sobre uma pessoa com aquela mencionada idade, já com problemas físicos anteriores (epilepsia, dislipidemia associada a hipertensão arterial, problemas gástricos, obesidade, patologia degenerativa de discartrose em L5-S1 com constrangimento a nível lombar – factos 49 e 50 -), o que aponta que, no futuro, será um défice que vai dificultar patentemente a sua mobilidade face àquela limitação lombar;

. optou por não cuidar de sua mãe por não querer desenvolver esforços suplementares atento o seu défice funcional de 12 pontos (facto provado 40). Já referimos que não se pode, na nossa visão, dar como provado que a recorrente ficou impossibilitada de cuidar de sua mãe; mas pensamos ser ponderado concluir que, quem já sofria daquelas limitações e vê acrescer um défice que importa mais esforço (usar canadianas), teve uma opção menos livre de deixar de cuidar da mãe do que a pessoa que não sofreria daquele défice. Daí que este dano biológico também teve de ter reflexo nessa decisão, o que acaba por ser uma consequência a nível da recorrente enquanto pessoa – sofrendo daquele défice, tomou uma decisão de não cuidar da mãe que também a diminuiu como pessoa pois deixou de realizar uma atividade que antes fazia -.

Não podemos medir esta decisão em termos de causa-efeito, ou seja, nem se pode afirmar que foi só por causa do défice que assim decidiu nem que o défice teve uma importância diminuta; mas entende-se que se pode concluir que é um fator a atender para uma maximização da valoração deste dano biológico sofrido pela recorrente.

Outros aspetos já foram ponderados pelo tribunal recorrido em sede de indemnização por danos não patrimoniais (reflexos da limitação no seu dia-a-dia, onde não se incluiu a ponderação de deixar de cuidar da mãe já que se entendeu tratar-se de uma mera opção).[5]

Em termos de decisões dos tribunais, podemos referir os Acórdãos do S. T. J. de:

. o mencionado na nota 5, de 13/07/2017 (também mencionado pela recorrente) – défice funcional de 30 pontos, lesado com 36 anos, indemnização de 100000 EUR;

. 19/02/2015, processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1 – défice de 12 pontos, indemnização por danos corporais emergentes de acidentes de viação, Sumários de acórdãos (2015 - outubro de 2019)– 25000 EUR:

. 17/10/2019, processo n.º 3717/16.4T8STB.E1. S1, citado no Ac. do S.T.J. de 06/05/2021, processo n.º 1169/16.8T9AVR.P2.S1 – défice de 11 pontos, com esforços suplementares e maior penosidade no desempenho de atividades profissionais, bem como restrições à realização de atos normais da vida corrente, familiar e social; à data do acidente, exercia a atividade de motorista de transportes públicos, que não ficou impossibilitado de continuar a exercer, 35 anos à data do acidente – 40000 EUR:

. 05/05/2020, processo n.º 224/13.0T2AND.P1.S1 – lesada com 37 anos à data do acidente, défice funcional de 12 pontos, ECLI Jurisprudência Portuguesa: 25000 EUR:

. 30/06/2020, processo n.º 313/12.9TBMAI.P1.S1 - Sumários - lesado de 49 anos na data da alta, com défice de 12 pontos, obrigando a esforços suplementares no exercício da atividade profissional habitual e que aufere um rendimento anual líquido de € 11.877,84: 30000 EUR:

. o citado Ac. do S.T.J. de 06/05/2021 – défice de 10 pontos, com esforço suplementar na atividade de inspetor chefe da Polícia Judiciária, 49 anos: 38000 EUR (www.dgsi.pt).

Os Acs. do S.T.J. de 29/10/2019, processo n.º 683/11.6TBPDL.L1.S1 (défice funcional de 53 pontos, em que há prova de incapacidade absoluta de uma enfermeira exercer a sua profissão) ou o de 19/09/2019, processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1 já acima citado (défice funcional de 32 pontos, com impossibilidade absoluta para o lesado exercer a sua profissão de mecânico), não têm reflexo positivo na situação dos autos pois não se apura tal impossibilidade.

Tudo ponderado, pensamos que o valor fixado de 30000 EUR se revela adequado.

Estamos perante uma pessoa que já não é jovem, sofria de dificuldades de anteriores de movimentação que, em conjunto com as que ficou a padecer do acidente, certamente vão completar um quadro de agravamento nessa mobilidade, já tendo reflexos sérios a nível de locomoção (realizar caminhadas) e que também interfere com a sua realização enquanto pessoa, nomeadamente na falta de cuidar de sua mãe.

Por outro lado, não tem de desenvolver um maior esforço físico no quadro de uma atividade profissional, o que poderia ser mais exigente em termos de manter o seu posto de trabalho e eventualmente conseguir progredir na carreira laboral.

Improcedem assim, nesta parte, o recurso da Autora/recorrente e improcede também o da Ré que pretendia que o valor de 30000 EUR fosse reduzido.


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B3). Perdas salariais.

Nada iremos acrescentar ao já mencionado na decisão recorrida; na verdade, não se provando que a recorrente tenha ficado impossibilitada de poder cuidar de sua mãe, a sua decisão de deixar de o fazer não pode encontrar um nexo de causalidade entre as suas lesões e essa decisão. Assim, não se pode considerar que, por força da maior dificuldade em desempenhar funções por causa do défice funcional de que ficou a padecer, tenha ficado impossibilitada de receber o valor de 300 EUR/mês.

Mantém-se esta decisão.


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Recurso da Ré.

B3). Danos não patrimoniais.

A recorrente pretende que o valor fixado de 20000 EUR seja reduzido para 15000 EUR. Menciona que não há dúvidas que estes danos sofridos pela aqui recorrida merecem ser indemnizados, mas em valor inferior, citando Ac. da R.P. de 09/12/2020, processo n.º 264/18.3T8VLG.P1, www.dgsi.pt, que fixa essa indemnização em 20500 EUR, numa situação em que a lesada tinha 53 anos, foi submetida a intervenções cirúrgicas, exercia a profissão de empregada doméstica, ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 11 pontos, sem repercussão na atividade profissional habitual, mas que implica esforços suplementares.

Com o devido respeito, afigura-se-nos que aquela decisão não será a mais apta a considerar que o valor deve ser fixado em 15000 EUR pois, além daquelas similitudes com o caso dos autos (com um défice inferior em 1 ponto), temos também um quantum doloris de grau 5 e dano estético de grau 3, como nos presentes autos mas, aqui, acresce um dano nas atividades desportivas e de lazer e a nível sexual de grau 2.

Pensamos que o valor encontrado não pode ser efetivamente reduzido, podendo ver-se nas decisões que são citadas aquando da análise do dano biológico que os valores aí encontrados são de, respetivamente, 20000 EUR, 60000 EUR (num défice de 32 pontos), 35000 EUR, 35000 EUR, (… - no último a questão destes danos não foi apreciada quanto ao seu valor).

São valores que se revelam próximos do fixado pelo tribunal recorrido.

Também o Ac. do S.T.J. de 26/01/2017, processo n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, www.dgsi.pt, fixou em 30000 EUR uma lesada com défice de 13 pontos, com menor quantum doloris (4) mas com um quadro mais severo a nível psicológico ou da R.G. de 19/01/2023, processo n.º 1814/20.0T8VCT.G1, no mesmo sítio – 30000 EUR -, para lesado com 42 anos, défice funcional de 12 pontos, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 2 -.

Assim, pensamos que o valor em causa não deve ser reduzido, improcedendo, também aqui, o pedido pela recorrente seguradora.


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Recurso da Autora.

B3). Danos não patrimoniais.

Já vimos os valores acima mencionados; atente-se no quadro fáctico de que padece a Autora e aqui relevante:

. esteve internada desde 11/06/2019 até 27/06/2019;

. em 28/06/2019, tentou pôr-se de pé mas, devido ao esforço e às dores intensas que resultaram do embate, desmaiou;

. constataram-se novas lesões (baço), iniciando tratamento, ficando internada desde 28/06/2019 até 12/07/2019;

. depois realizou vários outros exames, teve que comparecer a mais de 20 consultas;

. continua a sentir dores na bacia e nas costas/lombares, agravadas sempre que faz algum esforço físico;

. sente desconforto por carecer da ajuda de canadianas para se movimentar, passou a ter mais dificuldades para adormecer e para manter o sono;

. devido às lesões e por causa dos tratamentos a que foi sendo sujeita, sofreu transtorno e dores, sendo estas de grau 5;

. durante o período de recuperação e até a data da consolidação médico legal das suas lesões, ocorrida em 12/10/2020, ficou impossibilidade de visitar familiares e amigos, de tratar da sua higiene pessoal;

. deixou de dançar e de efetuar caminhadas;

. tudo lhe causa tristeza, dificultando o relacionamento com o seu marido, designadamente em termos de convivência sexual;

Pensamos que o valor pode ser um pouco mais superior, tendo em atenção a sua idade, as dores que sofreu e que vai sofrendo, a impossibilidade de realizar determinadas tarefas es consequências a nível psicológico, nomeadamente no relacionamento com o marido.

Assim, reputa-se adequado fixar o valor para indemnizar este dano não patrimonial em 25000 EUR.


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3). Decisão.

Pelo exposto, decide-se:

1). Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora e totalmente improcedente o recurso da Ré e, em consequência:

1.1). Alterar a quantia fixada a título de indemnização por danos não patrimoniais para 25000 EUR.

1.2). Manter a parte restante do decidido.

Custas do recurso da Autora a cargo de recorrente e recorrida, na proporção dos respetivos decaimentos.

Custas do recurso da Ré a cargo da recorrente.

Registe e notifique.


Porto, 2024/03/21.
João Venade
Isabel Ferreira
Ana Vieira
_______________
[1] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:448.19.7T8PNF.P1.S1.F4/
[2] O citado Ac. do S.T.J. de 13/04/2021 também menciona o motivo de os valores constantes da tabela da Portaria n.º 377/08, de 26/05 serem meramente indicativas, tal como o do S.T.J. de 19/09/2019, processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt.
[3] Em 2019, o salário médio era de 1 277 EUR - https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDEwMQcAtbrWAgUAAAA%3d
[4] https://www.pordata.pt/portugal/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo+(base+trienio+a+partir+de+2001)-418-5194
[5] Explanando o que pode ser ponderado no dano biológico e ser reservado para os danos não patrimoniais, veja-se o Ac. S.T.J. de 13/07/2017, processo n.º 3214/11.TBVIS.C1.S1, www.dgsi.pt).