Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2212/22.7T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE MARTINS RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
REPARAÇÃO DE ELETRODOMÉSTICO
DANO INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RP202501132212/22.7T8GDM.P1
Data do Acordão: 01/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Um orçamento de reparação, desacompanhado de qualquer outro meio de prova, não é idóneo para se apurar o montante do dano.
II – A reparação de um eletrodoméstico integra um contrato de prestação de serviço, uma vez que o de empreitada, enquanto realização de uma obra, traduz-se na construção de uma inexistente ou na transformação ou modificação (ainda que de reparação) relevante de uma existente, dado que a coisa não é nem criada nem sequer modificada; o objetivo pretendido, o resultado é o de consertar um bem que não funciona ou não funciona corretamente.
III – Estando comprovada a existência de um dano indemnizável, mas não definido o seu montante, deverá ser proferida condenação em montante a liquidar em execução de sentença, a menos que claramente se afigure que eventual incidente (nos termos do art.º 358.º e seguintes do C.P.C.) para tal será um ato inútil, por não haver qualquer prova nova a produzir e aquele, em última análise, ter de ser determinado de acordo com juízos de equidade, em conformidade ao disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, C.C.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 2212/22.7T8GDM.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.ª Adjunta: Ana Paula Amorim e
2.º Adjunto: Manuel Fernandes.
ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação de condenação, com processo comum, é autor (A.) AA, titular do N.I.F. ......, residente na Rua ..., n.º ..., 4.º direito, ... ..., e é ré (R.) “A..., Lda”, titular do N.I.P.C. ..., com sede na Avenida ..., ... ..., Vila Nova de Famalicão.
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Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para o objeto do presente recurso.
1) Aos 14/04/2023 foi proferida a sentença objeto deste recurso.
1.1) O processado foi nela resumido pela seguinte forma:
O A. alegou que “contratou os serviços da Ré para reparação de uma máquina de lavar loiça instalada na cozinha da sua habitação, sita na Rua ..., n.º ..., 1.º esq., ..., Gondomar. Assim, no início do mês de maio de 2020, os funcionários da Ré deslocaram-se à sua habitação para proceder ao levantamento da máquina, levando-a para as suas instalações para reparação, após o que, no dia 15/05/2020, a mesma foi entregue e instalada pelos funcionários da Ré na cozinha da habitação do Autor. Sucede, porém, que, no dia 20/05/2020, o Autor utilizou a aludida máquina de lavar loiça pela primeira vez, após a sua reparação, tendo-a deixado em funcionamento durante a noite. No dia seguinte de manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha, a qual se estendeu à sala da habitação, o que provocou danos no piso flutuante da sala e nos móveis da cozinha, cujo valor de reparação dos móveis e substituição do piso flutuante foi orçamentado em € 4.070,69. O Autor contactou imediatamente a Ré, dando-lhe conhecimento do que havia sucedido, sendo que esta assumiu que o seu funcionário não havia testado a máquina e, nessa sequência, participou o sinistro à sua seguradora B... que, por sua vez, não assumiu a reparação dos danos provocados na habitação do Autor, por o sinistro não ter enquadramento nas garantias da apólice subscrita pela Ré. Mais alega que, em 15/03/2021, a Ré foi interpelada para proceder ao pagamento do montante de € 4.070,69, tendo esta declinado a sua responsabilidade pela reparação dos danos provocados, com a inundação, nos móveis da cozinha e piso flutuante da sala da habitação do Autor. Além do mais, refere que, por isso, não procedeu à reparação dos danos existentes na cozinha e sala da sua habitação e que, em 19/03/2021, procedeu à venda do imóvel, reduzindo o respetivo preço de venda em € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para substituir o piso flutuante da sala e para reparar os armários da cozinha. Mais aduz que, durante 20 meses, o Autor e o seu agregado familiar estiveram privados do uso e fruição da aludida máquina de lavar loiça, além de que, sofreram incómodos e perda de qualidade de vida, uma vez que os danos resultantes da inundação afetaram o conforto da habitação e a normal utilização dos seus espaços e dos eletrodomésticos.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, alegando que, efetivamente, a Ré se obrigou a proceder à reparação da máquina de lavar loiça do Autor, sendo que, após a sua reparação, o técnico procedeu à sua reinstalação na habitação deste, procedendo a todas as ligações, mormente a da água, tendo ficado a torneira aberta. Mais refere que, alguns dias depois, a Ré recebeu uma reclamação do Autor alegando uma inundação na cozinha com origem na máquina de lavar loiça, sendo que, nessa sequência, comunicou o sinistro à sua seguradora “Companhia de Seguros B..., S.A”, com quem celebrou um contrato de seguro multirriscos, titulado pela apólice n.º .... Aduz, ainda, que a seguradora declinou a sua responsabilidade, em virtude de o sinistro não ter ocorrido na reinstalação, mas em momento posterior e, como tal, não é possível aferir se o sucedido se ficou a dever a erro do funcionário da Ré. Ademais, alega que a Ré nunca assumiu qualquer responsabilidade sobre o sinistro, pese embora reconheça que não foi efetuado qualquer teste aquando da reinstalação da máquina, uma vez que o procedimento normal é os clientes testarem os equipamentos por si mesmos e darem, conhecimento à Ré de qualquer problema, isto porque os seus clientes, na maioria das vezes, não estão disponíveis a pagar o valor relativo ao tempo que o técnico tem que aguardar para que os programas sejam efetuados. Por fim, impugna os valores peticionados pelo Autor a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, assim como, dispensada a prolação do despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova, ao abrigo do disposto no artigo 597.º, alínea e) do Código de Processo Civil”.
1.2) Do dispositivo de tal sentença consta o seguinte:
Nestes termos e nos fundamentos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decido condenar a Ré A..., Lda. a pagar ao Autor AA, a quantia de € 4.070,69 (quatro mim e setenta euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.
Custas a cargo do Autor e Ré na proporção fixada([1]).
Registe e notifique”.
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2) Aos 25/05/2023 foi interposto recurso pela R., pretendendo a reapreciação da prova produzida e a alteração da decisão da matéria de facto (pretendendo, nesta parte, que os factos provados nos números 5, 6, 7 e 17 sejam considerados não provados).
Foram formuladas as seguintes conclusões([2]):
A) O que está em causa nos presentes autos é saber se a douta sentença recorrida julgou corretamente a questão subjacente aos autos e se os pedidos efetuados pelo Recorrido/Autor na sua petição inicial, foram bem decididos ao terem sido julgados parcialmente procedentes.
B) Realizada a audiência de julgamento foi, entre outra, dada como provada a seguinte matéria de facto: (…) 5. No dia seguinte pela manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha, a qual se estendeu à sala da habitação. 6. Na sequência da inundação, o piso flutuante da sala levantou da sua estrutura normal e plana e os móveis da cozinha onde se encontrava embutida a máquina de lavar loiça ficaram com o contraplacado a desfazer-se. 7. O valor da reparação dos danos referidos em 6., designadamente para a substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, foi orçamentado em € 4.070,69. (…) 17. Em dezembro de 2021, o Autor procedeu à venda da sua habitação, tendo reduzido o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para reparar o piso flutuante da sala e os móveis da cozinha.
C) - Da reapreciação da prova gravada: pontos da matéria de facto incorretamente julgados: Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como em face dos documentos constantes dos autos, impunha-se decisão diferente quanto à matéria de facto, entendendo a Recorrente que, perante a prova realizada (ou melhor, falta dela) o Tribunal a quo não deveria ter dado como provada a matéria de facto constante dos pontos 5., 6., 7. e 17, supra transcritos.
D) Tal convicção decorre, quer dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos gravados em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas do Autor/Recorrido, BB e CC que, em nosso entender, impunham uma decisão diversa em face do conteúdo dos mesmos a seguir identificados.
E) Os depoimentos destas testemunhas não são esclarecedores, nem suficientes para fazer prova do alegado pelo Autor, nomeadamente quanto aos prejuízos sofridos por este e montante dos referidos prejuízos e, como tal, deveriam ter sido desvalorizados, não só pelo facto da testemunha BB ser mulher do Recorrido/Autor e a testemunha CC ser amigo e padrinho do filho do Autor, o que fez com que tais depoimentos estejam muito longe de ser isentos e credíveis, bem como por estarem cheios de imprecisões, contradições e lacunas e não se focarem em factos, mas antes em meras considerações e suposições.
F) Resulta do depoimento da testemunha BB, cujo registo fonográfico (gravado em 22/02/2023, com início aos 09:58:18 minutos e fim aos 10:13:06). Nesse depoimento a testemunha não sabe concretizar os danos ocorridos e onde estes ocorreram (começa por dizer que “os móveis da cozinha ficaram danificados, ficaram todos empolados”, porque a água passou por baixo do móvel para a sala e levantou o soalho todo e, posteriormente, a instâncias da Sra. Juíza, já refere que só ficou danificado o móvel da ilha e só na parte de baixo deste); - Não soube, igualmente, precisar a distância entre a máquina em causa e o soalho da sala, referindo apenas que era pouca a distância, acabando por responder (mas porque foi “conduzida” a essa resposta), que seria cerca de um metro; - Relativamente ao montante dos danos, apesar de ser a proprietária dos bens em causa, não sabe como foi obtido o orçamento junto aos autos pelo Autor, seu marido, nem o seu valor, nem quais as reparações que seria necessário fazer, referindo, apenas, que foi “lá alguém” ver os danos e dar um valor pelos estragos e que é o marido que sabe tudo; - Referiu que não fizeram qualquer reparação dos danos porque não tinham dinheiro, mas tendo em conta que a inundação ocorreu em maio de 2020 e que o Autor só vendeu a casa em dezembro de 2021, é pouco credível que tenham mantido os danos (chão “todo danificado”, “todo aberto” e “empolado”, segundo depoimento da testemunha) sem qualquer reparação durante um ano e sete meses!!! - Não soube esclarecer (referiu, inclusive, que não sabia), o motivo pelo qual, segundo a versão do Autor - corroborada pelo depoimento desta testemunha -, descontaram 5.000,00 € ao preço da venda da casa, por acordo com o comprador, por causa dos danos que este teria de reparar, quando os danos estavam orçamentados em apenas cerca de € 4.000,00
G) O depoimento da testemunha CC, (gravado em 22/02/2023, com início aos 10:13:39 minutos e fim aos 10:23:02 minutos), pouco ou nada acrescentou aos factos em discussão, sendo, inclusive, contraditório em alguns aspetos com o depoimento da testemunha BB. Contudo, foi mais esclarecedora do que a testemunha BB (proprietária da casa e mulher do Autor) quanto à localização da máquina e dos danos, porquanto referiu que a máquina estava encastrada num balcão que fazia costas para a sala (e não numa ilha), pois tratava-se duma kitchenette, sendo que, “quando termina o balcão começa o chão da sala”, sendo esse móvel onde estava a máquina encastrada que faz de divisão para a sala, não existindo, assim, qualquer outra divisão (parede) entre a cozinha e a sala, descredibilizando a versão da testemunha BB, a qual não faz qualquer sentido ao referir que a máquina estava a um metro da sala, quando a cozinha/kitchenette é no mesmo espaço da sala, é uma só divisão.
H) O Recorrido/Autor não apresenta uma única prova dos danos “alegadamente” ocorridos, da sua extensão, e, acima de tudo, que comprove o respetivo valor, já que não efetuou qualquer reparação e, consequentemente, não teve quaisquer custos, limitando-se a juntar aos autos um orçamento, sendo que, dos depoimentos das suas testemunhas, não resulta, igualmente, provado que danos existiram em concreto e qual o valor desses danos já que as mesmas desconheciam estes factos.
I) O tribunal recorrido, justificou a existência de danos nos móveis e no pavimento da sala, com base nas “próprias regras da experiência comum”, o que demonstra que não foi feita qualquer prova nesse sentido que pudesse sustentar a sua decisão, caso contrário não seria necessário recorrer às regras da experiência comum, e, para determinar o montante da indemnização a pagar pela Recorrente ao Autor, o tribunal a quo baseou-se, apenas, no referido orçamento, junto pelo Autor/Recorrido na sua P.I, como Doc. n.º 2.
J) Um orçamento não constitui um documento fiável e suficiente para comprovar qualquer pagamento e valor de danos, uma vez que o simples orçamento não significa que as reparações tenham sido de facto realizadas (aliás, in casu, não chegou sequer a efetuar-se qualquer reparação, facto que foi dado como provado, conforme ponto 16).
K) Além disso, não foi junto, além do referido orçamento, qualquer documento de suporte, comprovativo das reparações aí discriminadas, ou que pudesse verificar as mesmas, através da experiência comum, mormente fotos, em que se verificasse a extensão dos danos, aliás, o normal, no mínimo, seria indicar a pessoa que efetuou o orçamento como testemunha, o que não sucedeu.
L) O tribunal a quo jamais poderia ter dado como provado - como efetivamente fez – que o valor da reparação dos danos sofridos com a inundação ascende à quantia de € 4.070,69, com base, unicamente, no orçamento junto pelo Autor, não obstante ter considerado igualmente provado que não tendo o Autor procedido à reparação dos danos existentes nos móveis da cozinha onde a máquina de lavar loiça se encontrava embutida, assim como, os danos existentes no piso flutuante da sala, aquando a venda da sua habitação reduziu o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador pelos danos existentes.
M) Mais se diga que a própria sentença recorrida refere que o valor dos danos se trata duma estimativa: (…) a Ré terá, pois, de pagar ao Autor o montante € 4.070,69, que foi o valor estimado para a reparação e que, tal como resultou provado, se repercutiu no preço da venda do imóvel.
N) O Tribunal a quo não fez uma correta apreciação dos factos em mérito, entendendo a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter considerado como não provados os factos constantes dos pontos 5., 6. e 7. da matéria de facto dada como provada, uma vez que tais factos não resultaram provados em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, pelos depoimentos das supra mencionadas testemunhas do Autor/Recorrido, nem do documento/orçamento junto, pelo Autor, com a P.I. como Doc. n.º 2.
O) Em virtude do desconhecimento demonstrado pelas testemunhas arroladas pelo Autor e da falta de fiabilidade do documento/orçamento junto pelo mesmo aos autos, errou o Tribunal recorrido ao proferir a sentença ora em crise, devendo, nessa medida, ser a referida prova reapreciada e em consequência dar-se provimento ao presente recurso.
P) DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, Nº 1, al. b), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A decisão proferida pelo Tribunal deverá declarar quais os factos que este julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Q) O Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção, quanto aos danos sofridos e respetivo valor, nos depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Autor e no documento junto aos autos, como Doc. n.º 2 (orçamento), limitando-se a dizer que os factos provados se basearam “nos depoimentos prestados pelas testemunhas BB (esposa do Autor) e CC (amigo do Autor), que não obstante as relações de parentesco e amizade que detêm com o Autor, depuseram de forma isenta e credível, não oferecendo quaisquer dúvidas acerca da respetiva credibilidade”.
R) Afigura-se que tais depoimentos não foram apreciados de forma razoável e adequada, podendo, em tais circunstâncias, concluir-se que a formação da convicção do tribunal a quo não é suficientemente sólida e assenta em padrões de probabilidade, não sendo capaz de afastar a situação de dúvida razoável.
S) E a prova documental junta aos autos, nomeadamente o orçamento (Doc. n.º 2), conjugada com os referidos depoimentos das testemunhas do Autor, não permite, com suficiente segurança e no respeito pelas regras probatórias, dar como provada a matéria em causa.
T) As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.º 341º do CC).
Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art.º 362º do CC). Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objeto. Todas as espécies de prova têm como finalidade única formar a convicção do juiz a respeito de determinados factos (os que interessam à solução do litígio); a prova documental é uma prova real que põe o juiz em presença dum objeto material que lhe representa o facto a averiguar, é a prova mediante um objeto material destinado a dar ao juiz a representação dum facto.
A distinção entre o documento e a declaração (que o documento representa) serve para esclarecer a eficácia probatória do documento narrativo, que constitui sempre prova indireta do facto narrado - assim, por exemplo, o recibo (documento) que o credor passa ao devedor não prova diretamente o pagamento, só prova que o credor escreveu ou mandou escrever a declaração; esta é que, por sua vez, prova o pagamento. (…) Um relatório de peritagem, ou um orçamento, é insuficiente para corporizar pedido que deverá radicar na sequente e efetiva reparação com a menção do preço ou do custo do que foi realmente executado e aplicado, traduzida em adequada “documentação de suporte” (v. g., “folha de obra” e subsequente fatura ou fatura-recibo). – Vide Acórdão do T.R.C., de 09/11/2021 – Proc. n.º 3755/19.0T8LRA.C1, in www.dgsi.pt
U) um orçamento não é um documento que comprove que existiu qualquer pagamento ou foi efetuada qualquer reparação, muito menos quando vem acompanhado de nenhum documento de suporte (p. ex., uma ficha de obra, ficha dos materiais a usar e respetivos custos) que justifique as reparações a fazer, os materiais a usar e respetivos custos. As insuficiências de tal documento não poderão ser supridas pela prova pessoal produzida em audiência de julgamento (ainda que conjugada com a prova documental disponível).
V) Ter-se-á, pois, de concluir que não são inteiramente claras as circunstâncias da pretensa reparação dos alegados danos nos móveis e no piso da sala e do inerente dispêndio, pela simples razão de que nada do que foi junto aos autos o pode comprovar!
W) Por outro lado, tal insuficiência não foi suprida pela prova pessoal produzida em audiência de julgamento, em regra, inadequada para atingir tal desiderato, sendo que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art.º 414º do CPC).
X) A determinação do quantum indemnizatório derivado da imputada indevida atuação da Ré/Recorrente, pressuporia, necessariamente, o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual que suporta a pretensão deduzida em juízo, o que não sucedeu.
Y) Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja um dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém, importando indemnizar os prejuízos causados por esse facto (art.º 483º do CC). – Cfr. Acórdão do T.R.C., de 09/11/2021 – Proc. n.º 3755/19.0T8LRA.C1, in www.dgsi.pt
Z) Assim, os elementos apurados não permitem a apreciação equitativa do valor do dano ou sequer determinar a sua ulterior liquidação [cf. art.ºs 562º, 563º e 566º do CC e 609º, n.º 2 do CPC].
AA) O ónus da prova incumbia ao Autor, o Tribunal a quo, no caso de falta ou insuficiência de provas, teria que de desatender a sua pretensão. Por conseguinte, face ao incumprimento do ónus probatório (e consequente impossibilidade de quantificação do prejuízo, pelas razões supra descritas) e mostrando-se violadas disposições legais, ter-se-á de dar diferente resposta da encontrada na 1ª instância.
BB) Nos meios de prova nos quais o Tribunal recorrido sustentou a sua fundamentação –, não se vislumbra como é que algum deles poderia ajudar o tribunal recorrido a determinar o valor dos danos sofridos pelo autor, podendo-se concluir que o modo como o Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção, quanto ao valor dos danos a reparar, não se afigura legalmente suficiente, pois não cumpre a exigência legal de fundamentação, bem como a formação de tal convicção não é suficientemente sólida e assenta em padrões de probabilidade, não sendo capaz de afastar a situação de dúvida razoável.
CC) 1. O dever de fundamentação da sentença tem assento constitucional e constitui uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso 2. Este dever abrange realidades distintas (mas conexas) que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respectiva fundamentação de direito e a explicitação das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto. 3. Esta parte da fundamentação tem sido designada por motivação da decisão de facto e consiste no exame crítico da prova. 4. O juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. 5. E no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros 6. O exame crítico da prova não precisa ser exaustivo. 7. Importante é que, tendo presente o dever de fundamentação e os objectivos que a mesma visa alcançar, o julgador se empenhe na sua explicitação e não se escude em fórmulas vazias destituídas de qualquer densidade que nada dizem e por isso nada fundamentam. 8. É nula a sentença por falta de falta de fundamentação se na análise crítica da prova testemunhal se limita a dizer que os factos provados se basearam «no depoimento das testemunhas, que revelaram um conhecimento direto dos factos atenta a proximidade que tinham com a impugnante, para além de que se mostraram objetivos, claros e informadores». (T.C.A. Norte - Acórdão de 2016-05-25 - Processo n.º 00724/04.3BEVIS).
DD) Ora, no caso vertente, ao analisar-se a sentença aqui recorrida, não se consegue retirar uma fundamentação bastante para justificar a procedência do pedido efetuado pelo Recorrido/Autor.
EE) É, pois, manifesto que o Tribunal recorrido não cumpriu com o disposto no artigo 615º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil, que o obriga a especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção ao fixar o valor dos prejuízos em 4.070,69 €.
FF) Pelo que, sem prejuízo do que supra se alega, sempre se dirá que tal sentença é nula por falta de fundamentação, numa violação clara do disposto nos artigos 154º e 615º alínea b) todos do Código de Processo Civil e artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
GG) Ora, conforme vimos, constata-se que a matéria de facto dada como provada, não o deveria ter sido, o que, consequentemente e logicamente, conduziria a uma decisão diversa da que foi proferida.
HH) Isto porque, dos factos apurados em sede de julgamento, mormente dos depoimentos supra transcritos, bem como do orçamento junto, não resulta que os danos sofridos pelo Autor tenham sido no valor de 4.070,69 €, como determina a sentença recorrida.
II) E porque a sentença recorrida entra em contradição com os seus próprios fundamentos, ou seja, da referida sentença resulta que o autor teve um prejuízo de € 5.000,00, por ter reduzido o preço da venda do imóvel em consequência dos danos sofridos e que não reparou. Porém, contrariamente aos fundamentos por si invocados na douta sentença (acima expostos) e não obstante aceitar que o Autor não executou qualquer reparação dos danos, tendo, apenas, descontado ao comprador o valor de 5.000,00 € na venda da casa, o tribunal a quo decidiu, sem mais, fixar o valor dos danos a pagar pela Ré em 4.070,69 €, o que demonstra que a douta decisão está em contradição com a sua fundamentação.
JJ) Acresce, ainda, que na fundamentação de direito, a douta a sentença refere que “(…) decorre das próprias regras da experiência comum, que os danos causados nos móveis e no pavimento da sala são compatíveis com a inundação ocorrida, pois que são o resultado da concentração de água em excesso que, naquele tipo de materiais, provoca o seu empolamento e levantamento. (…)”.
KK) Ou seja, o tribunal recorrido baseou-se, por um lado, nas regras da experiência comum para determinar a existência e o tipo de danos que o Autor teve e, por outro, no orçamento junto pelo Autor, o que é completamente contraditório, na medida em que ou se faz prova (no caso, documental) ou se seguem as regras da experiência comum, pois o documento em causa – orçamento - se serviu de suporte para determinar o valor do dano, também deveria servir para determinar que tipo de danos existiram.
LL) A sentença sob recurso padece, assim, de nulidade por violação do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil e do artigo 483º do Código Civil, devendo ser revogada.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, nos termos das conclusões referidas supra e revogando a douta decisão impugnada, farão Vossas Excelências a habitual, Justiça.
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3) No dia 05/07/2023 o A. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões([3]).
I. – O recurso apresentado pela Recorrente, vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal ad quo, com o seguinte teor: “Decisão Final: Nestes termos e nos fundamentos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decido condenar a Ré A..., Lda. a pagar ao Autor AA, a quantia de € 4.070,69 (quatro mim e setenta euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado”.
II. Com a ressalva do devido respeito por opinião diversa, o Douto acórdão em questão, não padece de errónea aplicação do direito bem como não padece de errónea apreciação da prova
III. Em homenagem à justiça, e em abono da legalidade a decisão aqui recorrida dever-se-á manter.
IV. Alega a Ré, aqui Recorrente, que: “perante a prova realizada (ou melhor, falta dela) o Tribunal a quo não deveria ter dado como provada a matéria de facto constante dos pontos 5., 6., 7. e 17., supra transcritos.
V. Tal convicção decorre, quer dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos gravados em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas do Autor/Recorrido, BB e CC que, em nosso entender, impunham uma decisão diversa em face do conteúdo dos mesmos a seguir identificados.” Isto porque, os depoimentos destas testemunhas – que infra se transcreverão – nada ou pouco vieram a acrescentar, não são esclarecedores, nem suficientes para fazer prova do alegado pelo Autor, nomeadamente quanto aos prejuízos sofridos por este e montante dos referidos prejuízos.
VI. Aliás, estes depoimentos deveriam ter sido desvalorizados não só pelo facto da testemunha BB ser mulher do Recorrido/Autor e a testemunha CC ser amigo e padrinho do filho do Autor, o que fez com que tais depoimentos estejam muito longe de ser isentos e credíveis, bem como por estarem cheios de imprecisões, contradições e lacunas e não se focarem em factos, mas antes em meras considerações e suposições, como veremos infra, pelo que, não deveriam ter merecido minimamente a credibilidade do tribunal”.
VII. A Recorrente alega a falta de credibilidade das testemunhas arroladas pela Ré quer pela sua proximidade familiar, quer pela relação de amizade, tentando abalar a força probatórias dos seus testemunhos que, no entanto, foram isentos e credíveis, bem como precisos no que toca á descrição dos danos e à sua extensão. E tal ficou inequivocamente provado em audiência de discussão e julgamento, tanto é que o tribunal a quo deu como provados os factos que se elencam:
“ - 5. No dia seguinte pela manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha, a qual se estendeu à sala da habitação.
- 6. Na sequência da inundação, o piso flutuante da sala levantou da sua estrutura normal e plana e os móveis da cozinha onde se encontrava embutida a máquina de lavar loiça ficaram com o contraplacado a desfazer-se.
- 7. O valor da reparação dos danos referidos em 6., designadamente para a substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, foi orçamentado em €4.070,69.
VIII. Em dezembro de 2021, o Autor procedeu à venda da sua habitação, tendo reduzido o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para reparar o piso flutuante da sala e os móveis da cozinha”.
IX. Mas não somente no depoimento das testemunhas arroladas pelo Autor se fundamentou o tribunal a quo para formar a sua convicção.
X. Teve em ainda em consideração os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente, seus funcionários, e cuja credibilidade não abalou nas suas alegações.
XI. Designadamente o depoimento da testemunha DD, funcionário da Recorrente que “Confirmou, ainda, que os danos causados pela inundação eram visíveis no pavimento da sala e no móvel onde a máquina de lavar se encontrava embutida, mormente ao nível do rodapé”.
XII. Relativamente ao valor da reparação dos danos, designadamente para a substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, o Tribunal valorou o orçamento junto aos autos com a petição inicial sob Doc. 2. Com efeito, pese embora a Ré impugne tal documento, a verdade é que se limitou a alegar que desconhece “se era necessário a remoção de tal quantidade de soalho” e que não aceita “a necessidade de folhear os móveis da cozinha”, não logrando provar qualquer facto de onde se possa concluir que o orçamento apesentado pelo Autor é excessivo ou desproporcionado.
XIII. Logo naufraga a falta de fiabilidade do documento alegada pela Recorrente.
XIV. O orçamento além de quantificar o valor dos estragos, também os identifica. Demonstrou ainda inequivocamente o valor de prejuízo do Autor que o Autor reduziu 5.000,00€ no preço de venda da fração, confirmado também pelo depoimento das testemunhas arroladas.
XV. Não tendo o Autor procedido à reparação dos danos existentes nos móveis da cozinha onde a máquina de lavar loiça se encontrava embutida, assim como, os danos existentes no piso flutuante da sala, aquando a venda da sua habitação reduziu o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador pelos danos existentes.
XVI. Para prova deste facto, a convicção do Tribunal assentou, “mais uma vez, nos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC, não restando qualquer dúvida que não tendo o Autor capacidade económica para proceder à reparação dos danos causados nos móveis da cozinha e no pavimento da sala, cujo valor ascendia ao montante de € 4.070,69, não teve outra alternativa a não ser reduzir o preço da venda do imóvel por forma a compensar o comprador dos danos existentes na habitação”.
XVII. Pelo que, sem prejuízo do que supra se alega, sempre se dirá que tal sentença é nula por falta de fundamentação, numa violação clara do disposto nos artigos 154º e 615º alínea b) todos do Código de Processo Civil e artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Alega ainda a recorrente a violação do disposto no artº 615º nº 1 al b), cominada com a nulidade da sentença, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
XIX. O tribunal especificou devidamente os fundamentos de facto conforme supra se demonstrou, e os fundamentos de direito.
XX. Deste modo, os funcionários da Ré descuraram o dever lateral ou acessório de instalarem a máquina de lavar loiça na habitação do Autor sem qualquer desconformidade, ou seja, deixando-a a funcionar normalmente, o que, de facto, não ocorreu. Com efeito, face à desconformidade entre a conduta devida e a conduta realizada, conclui-se pela ilicitude de tal atuação. Ademais, não se provou qualquer facto impeditivo, extintivo ou modificativo do direito peticionado pelo Autor, assim como, a Ré não logrou ilidir a presunção prevista no artigo 799.º do Código Civil, nomeadamente provando que a falta de cumprimento não procedeu de culpa sua.
XXI. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, tem-se por verificado o cumprimento defeituoso do contrato por parte da Ré, pelo que a mesma está obrigada a indemnizar o Autor pelos prejuízos causados.
XXII. Nos termos do artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
XXIII. Mais se provou, que não tendo o Autor procedido à reparação dos danos existentes nos móveis da cozinha onde a máquina de lavar loiça se encontrava embutida, assim como, os danos existentes no piso flutuante da sala, aquando a venda da sua habitação reduziu o preço da venda do imóvel no montante de €5.000,00, por forma a compensar o comprador pelos danos existentes.
XXIV. Ora, atento os factos provados, uma vez que os danos causados na habitação do Autor são uma consequência direta e necessária da inundação ocorrida por causa da mangueira de abastecimento de água da máquina ter ficado com uma fuga, além de que, não é possível a reconstituição natural do dano, a Ré terá, pois, de pagar ao Autor o montante € 4.070, 69, que foi o valor estimado para a reparação e que, tal como resultou provado, se repercutiu no preço da venda do imóvel”.
XXV. Pugnou ainda a Recorrente pela nulidade da sentença por violação do disposto na alínea c) do nrº 1 do Artº 615º porquanto os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa.
XXVI. E continua: “Ora, conforme vimos, constata-se que a matéria de facto dada como provada, não o deveria ter sido, o que, consequentemente e logicamente, conduziria a uma decisão diversa da que foi proferida”.
XXVII. Baseou-se pois, a alegação da Recorrente, na matéria que foi dada como provada, não o deveria ter sido.
XXVIII. Conclui-se que a matéria foi dada como provada face aos depoimentos das testemunhas (quer as arroladas pelo Autor, quer as arroladas pela Ré), bem como da análise da prova documental junta.
XXIX. Pelo que não se vislumbra que fundamentos estejam em oposição com a decisão,
XXX. Nem que os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa.
TERMOS EM QUE, Se REQUER a Vªs. Exas. se dignem manter a sentença recorrida nos presentes autos, com todos os devidos e legais efeitos.
ASSIM, COMO SEMPRE, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS SERENA, OBJECTIVA E SÃ JUSTIÇA!
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4) Aos 18/09/2023, foi proferido despacho a admitir corretamente o requerimento de interposição de recurso, como sendo de apelação, a subir nos autos e com efeito devolutivo, nos termos dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1, do C.P.C., tendo ainda sido determinada a apresentação dos autos à anterior juíza titular para que se pronunciasse sobre as arguidas nulidades – o que foi efetuado por despacho datado de 01/11/2023, tendo concluído que não tinham sido cometidas.
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5) Aos 24/07/2024 os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
As questões (e não razões ou argumentos) decidendas consistem em saber se:
1) A sentença padece das nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do C.P.C.
2) A decisão da matéria de factos constante dos factos provados n.º 5, 6, 7 e 17 deve ser alterada, sendo agora considerados não provados.
3) O Direito se mostra corretamente aplicado aos factos.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos

Na sentença recorrida foi proferida a seguinte decisão da matéria de facto([4]), dando nós por reproduzida a motivação constante da mesma:
A. Factos provados
Com relevância para a decisão da presente causa, resultou provado que:
1. O Autor solicitou à Ré os serviços de reparação de uma máquina de lavar loiça instalada na cozinha da sua habitação, sita na Rua ..., n.º ..., 1.º esquerdo, ..., Gondomar.
2. No início do mês de maio de 2020, os funcionários da Ré deslocaram-se à habitação do Autor para proceder ao levantamento da máquina de lavar loiça, transportando-a para reparação nas suas instalações.
3. No dia 15/05/2020, os funcionários da Ré deslocaram-se à habitação do Autor e procederam à instalação da máquina de lavar loiça na cozinha, efetuando as ligações das tubagens de fornecimento de água e esgotos, sem terem testado o seu funcionamento.
4. No dia 20/05/2020, o Autor utilizou a máquina de lavar loiça pela primeira vez, após a sua reparação, deixando-a em funcionamento durante a noite.
5. No dia seguinte pela manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha, a qual se estendeu à sala da habitação.
6. Na sequência da inundação, o piso flutuante da sala levantou da sua estrutura normal e plana e os móveis da cozinha onde se encontrava embutida a máquina de lavar loiça ficaram com o contraplacado a desfazer-se.
7. O valor da reparação dos danos referidos em 6, designadamente para a substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, foi orçamentado em € 4.070, 69.
8. O Autor comunicou, de imediato, à Ré o sucedido, tendo efetuado uma reclamação por escrito com o seguinte teor:
“A máquina de lavar louça, veio de ser reparada pela empresa A..., na colocação da mesma o técnico não instalou corretamente o tubo que liga a máquina à torneira, essa má colocação, originou uma fuga de água que inundou a cozinha e sala.
Danificando os móveis da cozinha e o soalho flutuante da sala.
Podendo visualizar os estragos causados, marcando dia e hora a combinar. (…)”
9. A Ré participou o evento ocorrido à sua seguradora “Companhia de Seguros B..., S.A.”, com a qual celebrou um contrato de seguro multirriscos, titulado pela apólice n.º ....
10. Em 21 de julho de 2020, a “Companhia de Seguros B..., S.A.” remeteu à Ré uma carta com o seguinte teor:
“(…) Depois de procedermos à análise do relatório de vistoria informamos de que o sinistro participado não tem enquadramento nas garantias da apólice subscrita pelos n/segurados.
A causa deste sinistro foi a ligação do tubo de abastecimento de água que terá sido deficiente o que provocou uma fuga que alagou parcialmente a sala e cozinha, causando danos no imóvel e pavimento flutuante.
Acresce referir que o segurado, afirma que testou a máquina, aquando a sua entrega, apesar do lesado informar que não.
Apurou-se que este equipamento foi reinstalado a 15-05-2020 e os danos ocorreram a 21-05-2020, altura em que o lesado informa ter ocorrido a primeira utilização do equipamento.
Tendo em consideração as condições contratuais da apólice, verificamos que:
2. Ficam excluídos das garantias desde contrato os danos:
a) Causados pelas obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens produzidos e/ou armazenados e/ou fornecidos pelo Segurado, se as reclamações forem motivadas por erro, omissão ou vício oculto que se revelem somente após a receção expressa ou tácita dos referidos bens, produtos ou serviços.
(…)”.
11. Em 31/07/2020, a Ré remeteu ao Autor um email com o seguinte teor:
“Tendo a máquina sido testada pelo nosso técnico e não tendo sido detetada qualquer anomalia na instalação devido ao tempo decorrido entre a instalação da mesma em 15/05/2020 e a utilização em 21/05/2020 decorreram seis. Durante esse tempo e se houvesse alguma fuga de água (dado que o tubo que liga a torneira à máquina tem sempre água) a mesma ter se ia manifestado, daí deduzimos que o sinistro não foi consequência da instalação.
Acresce outro facto que estando o país numa situação de confinamento como é possível que uma família de 3 pessoas durante seis dias não tenha utilizado a máquina de lavar loiça.
Face ao exposto, solicitamos reanálise de sinistro dado que não se tratou de negligência do técnico que efetuou a instalação.”
12. Em 12/08/2020, a “Companhia de Seguros B..., S.A.” remeteu à Ré uma carta com o seguinte teor:
“(…) Damos em nosso poder a v/ reclamação cujo conteúdo notámos.
Em resposta cumpre-nos informar de que a informação prestada, não será relevante ou suficiente para podermos alterar a nossa posição dado que este sinistro face às condições da apólice contratada, continua a estar excluído, conforme transcrevemos:
a) Causados pelas obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens produzidos e/ou armazenados e/ou fornecidos pelo Segurado, se as reclamações forem motivadas por erro, omissão ou vício oculto que se revelem somente após a receção expressa ou tácita dos referidos bens, produtos ou serviços.
Já informamos o lesado que a nossa posição vos havia sido transmitida, e agora caberá a V. Exas. a decisão de assumir ou não estes danos, pois conforme acima indicado, a apólice não responde por reclamações que sejam efetuadas após a receção expressa ou tácita dos produtos ou serviços, conforme aconteceu no caso em apreço”.
13. Em 14/09/2020, a Ré remeteu à “Companhia de Seguros B..., S.A.” uma carta com o seguinte teor:
“(…) Em face das anteriores posições tomadas pela Companhia e, a bem da verdade, cumpre esclarecer o seguinte:
a) O sinistro ocorreu por deficiente ligação do tubo de abastecimento de água, aquando da sua reinstalação em 15/5/2020;
b) O equipamento não foi testado pelo nosso técnico, pelo que não houve receção, expressa ou tácita, do equipamento por parte do lesado, que não a utilizou antes de 21/5/2020, pelo que, obviamente, não podia adivinhar se a ligação havia sido deficiente, como efetivamente foi.
c) Assim, não tendo sido testada a máquina, a deficiência do serviço prestado só poderia ser constatada pela própria ocorrência do sinistro em 21/5/2020.
d) Deste modo, entendemos que o sinistro se enquadra nas garantias da apólice, pelo que, deverão indemnizar o lesado, por todos os danos sofridos”.
14. Em 15/03/2021, o Autor, através do seu mandatário, enviou à Ré uma carta com o seguinte teor:
“(…) Pelo presente comunico a V.Ex.ªs que fui mandatado pelo cliente em assunto indicado para proceder judicialmente contra V.Ex.ªs relativamente aos danos ocorridos no local também em assunto indicado, devido a uma intervenção técnica levada a cabo por funcionários da V/ empresa.
O montante indemnizatório ascende a 4070,00 € (quatro mim e setenta euros), valor esse que será acrescido de juros de mora, despesas judiciais, danos não patrimoniais, etc.
Querendo, poderão V.Ex.ªs contactar este escritório no prazo de 8 dias, no sentido de indemnizar o meu cliente dos danos sofridos. Não o fazendo no prazo indicado, irei proceder judicialmente no sentido de cobrar esse valor, acrescido dos valores acima indicados (…)”.
15. Nessa sequência, em resposta a carta referida em 14., a Ré remeteu ao Autor, em 19/03/2021, uma carta com o seguinte teor:
“Relativamente à carta que nos enviou relativamente aos danos “alegadamente” causados na habitação do Sr. AA, nomeadamente de uma fuga da máquina de lavar loiça, em 21/05/2020, informamos que aquando da reclamação acionamos o nosso seguro.
A seguradora efetuou a averiguação e entendeu não assumir o mesmo.
Na verdade, tendo os nossos serviços ocorrido em 15/05/2020 e o sinistro somente seis dias depois, e, apesar do Sr. AA só ter mencionado o uso da máquina somente nesse dia, o facto, é que sendo efetuada a ligação da máquina à torneira, imediatamente se verifica a existência de água no tubo, pelo que, qualquer fuga, resultante da nossa intervenção e responsabilidade, teria que necessariamente ser detetada anteriormente e, não somente ao fim de seis dias.
Por último, quanto ao valor dos danos que refere na carta, para além de nunca ter sido apresentado qualquer comprovativo de despesa, consideramos que os mesmos são exagerados. (…)”.
16. O Autor não procedeu à reparação dos danos existentes nos móveis da cozinha onde a máquina de lavar loiça se encontrava embutida, assim como, os danos existentes no piso flutuante da sala da sua habitação.
17. Em dezembro de 2021, o Autor procedeu à venda da sua habitação, tendo reduzido o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para reparar o piso flutuante da sala e os móveis da cozinha.
Factos não provados
Com relevância para a decisão da presente causa, não resultou provado:
A) Que a inundação referida em 5., tenha ocorrido pelo facto de os funcionários da Ré, aquando da instalação da máquina de lavar loiça, terem colocado defeituosamente o tubo de escoamento da água para o saneamento do edifício, designadamente sem a colocação de uma borracha vedante.
B) Que a venda da habitação do Autor tivesse ocorrido em 16/12/2021.
C) Que durante 20 meses, o Autor e o seu agregado familiar estiveram privados do uso e fruição da máquina de lavar loiça.
D) Que durante o período de 20 meses, o Autor e o seu agregado familiar sofreram incómodos, em virtude dos danos causados na habitação na sequência da inundação referida em 5., terem afetado o conforto da habitação e a normal utilização dos seus espaços e dos eletrodomésticos.
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Respondendo às questões antes enunciadas.
1) Se a sentença padece das nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do C.P.C.
Considera a recorrente que a sentença recorrida padece das nulidades enunciadas no art.º 615.º, n.º 1, al. b), e al. c), do C.P.C., ou seja, respetivamente, “[n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma, designados como error in procedendo, respeitando apenas à estrutura ou aos limites da sentença, estando taxativamente previstos no art.º 615º, n.º 1, alíneas a) a e), do C.P.C.
Como resulta (também) da Jurisprudência (pacífica), trata-se de vícios a apreciar em função do texto da mesma, do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando – que são erros quanto à decisão de mérito constante da sentença), decorrentes de errada consideração da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do Direito (error juris) à matéria de facto, levando a que o decidido não corresponda à realidade ôntica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos.
A apreciação de erros de julgamento é distinta da verificação de uma nulidade da sentença.
Quanto à nulidade prevista na al. b): fazemos nossa a síntese doutrinal e jurisprudencial efetuada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, datado de 03/03/2021, sendo relatora Leonor Cruz Rodrigues: “[a] nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento. Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e [S. Nora], ao escreverem «Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito». Como já afirmava o Prof. Alberto dos [Reis] «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade». No mesmo sentido constitui jurisprudência pacifica e reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, sufragada, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Procº nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Procº nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Procº nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente([5]).
Posto isto, e como é patente, os fundamentos de facto (e os de Direito – como veremos adiante) foram enunciados, pelo que não se verifica tal nulidade.
Quanto à nulidade prevista na al.c): não há fundamento(s) em contradição com a decisão – mais uma vez o que se verifica é uma discordância da recorrente com os fundamentos.
Lançando mão, novamente, da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, desta feita do acórdão proferido no processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, aos 14/04/2021, relatado igualmente por Leonor Cruz Rodrigues, “[é] pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido [diferente], e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1)”([6]).
Também não é controvertido que a divergência entre os factos provados e a decisão reconduz-se a um erro de julgamento, não à verificação de tal nulidade.
Não é alegado que a sentença enferme de ambiguidade que a torne ininteligível, que é definida como a qualidade ou estado do que tem mais do que um sentido([7]).
Resta assim a obscuridade da sentença que a torne ininteligível, ainda que, diga-se, tal também não é inequivocamente alegado. Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis, a propósito dos conceitos de ambiguidade e de obscuridade, “[a] sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz”([8]).
Assim, e pelo exposto, não se verifica nenhuma das nulidades apontadas.
2) Se a decisão da matéria de factos constante dos factos provados n.º 5, 6, 7 e 17 deve ser alterada, sendo agora considerados não provados.
Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Se estiver em causa prova sujeita a livre apreciação, têm de ser observados os ónus de impugnação da decisão de facto previstos no art.º 640.º do C.P.C., mas já assim não será se estiver em causa a violação de regras de direito probatório material.
Segundo o art.º 640.º do C.P.C, “1 – [q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Consideramos que tais ónus foram cumpridos.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[n]a enunciação da matéria de facto na sentença, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, o juiz deve verter o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais (arts. 607.º, n.º 4, e 5.º, n.º 2, al.a)”([9]).
Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso.
Importa mantermos presente que o disposto no art.º 607.º, n.º 4 (e no n.º 5), do C.P.C., aplica-se igualmente a esta instância, tanto mais que a anulação de uma sentença deve confinar-se aos casos em que, como previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., “não constando do processos todos os elementos, que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”.
Vigora o princípio da livre apreciação da prova([10]), ao abrigo do disposto no 607.º, n.º 4 e n.º 5, do C.P.C.), não pretendendo o legislador que se atinja a verdade ôntica mas a humanamente possível, atendendo-se aqui às dificuldades da natureza humana, a plausível (às luz dos diferentes meios de prova disponíveis e nos termos da valoração legal dos mesmos), tendo em conta também a experiência comum, bastando-se assim um juízo de plausibilidade e verosimilhança, de a realidade considerada provada ser mais provável que a contrária.
A recorrente pretende que os factos provados números 5, 6, 7 e 17 sejam considerados não provados.
No atinente à prova documental observamos alguns aspetos: de nenhum articulado (ou em momento posterior) constam fotografias dos invocados danos, tal como não consta dos autos o comprovativo documental da alegada alienação do imóvel, sendo que também não é possível extrair de qualquer documento a data a partir do qual o A. deixou de habitar no que era o seu imóvel, pois os factos reportam-se a maio de 2020, o orçamento junto está datado de 14/06/2020, e dos documentos juntos o único em que consta já uma morada diferente é a procuração, datada de 10/03/2022.
Posto isto, passemos então a reapreciar a prova testemunhal.
A testemunha esposa do A., BB, referiu que os móveis de cozinha ficaram empolados, danificados e que a água passou para a sala porque é uma kitchenette e estragou o soalho da sala; a máquina estava embutida numa “ilha” (móvel, que ficou estragado na parte de baixo) a cerca de um metro da sala.
Não sabe como foi obtido o orçamento junto aos autos porque foi o marido quem tratou disso, acrescentando, no entanto, que houve uma vistoria para avaliar os danos e que não os repararam porque não tinham dinheiro.
Disse que a casa foi vendida em dezembro de 2021, por 145000 porque baixaram o preço (tendo remetido para o marido para mais esclarecimentos), para que o comprador reparasse os danos, “ajeitarem eles”; a máquina ficou reparada (talvez no dia a seguir, “não demoraram muito”) depois de contactarem a R. sobre o que tinha sucedido (inundação) e a partir daí utilizou a máquina normalmente, tendo sido dito que a inundação aconteceu porque não tinha sido colocada uma bucha, não sabendo precisar se era o tubo de entrada de água ou de esgoto, ainda que cresse que era o de esgoto.
Esclareceu que só liga a máquina quando está cheia, pois também lava alguma loiça à mão, daí terem passado uns dias até a utilizar pela primeira vez depois de a máquina ter sido recolocada. Ligava a máquina à noite por ter contador bi-horário
Não sabia pormenores da venda do imóvel porque tinha ido testemunhar sobre a máquina e os danos.
CC, amigo e compadre do A., disse que foi com ele a casa (deu-lhe boleia por ele não ter carro) no dia em que os funcionários foram lá (re)encastrar a máquina no móvel, o que durou cerca de 15 minutos; quando acabaram, foram embora, quer os técnicos, quer o declarante e o A., não tendo a máquina sido experimentada.
O móvel é uma ilha que faz costas para a sala, é um balcão que separa a cozinha da sala, é uma kitchenette.
Uns dias depois foi lá a casa e viu a parte de baixo da ilha danificada, empolada, e o chão da sala estava também empolado, com a madeira inchada e levantada, junto à parte da cozinha.
Posteriormente o A. vendeu a casa. Não sabe o valor da venda, tendo-lhe o autor dito que tinha feito um abatimento ao preço por causa dos danos; sabe que o problema foi num das ligações da máquina.
Quanto às testemunhas arroladas pela R., seus funcionários, começamos por DD. Esta testemunha esclareceu que foi reinstalar a máquina, com um colega, para o ajudar. A cozinha era em forma de U e os canos estavam dentro de um móvel, instalou-a e testou--a (não fez o teste completo, cerca de um minuto, viu apenas se metia água e se a despejava) e deu o serviço como finalizado.
Depois, talvez uma semana depois, mandaram-no ir lá outra vez porque tinha havido uma inundação e tinha levantado o chão; foi com um colega e meteram uma borracha vedante e reapertaram o tubo da entrada de água porque havia uma fuga pela entrada, pingava pela rosca de aperto à torneira.
Quanto a estragos reparou que o soalho, nas traseiras da máquina, estava levantado e o rodapé do armário da máquina danificado.
EE, funcionário administrativo, falou ao telefone com o autor porque ele ligou a dizer que tinha havido um problema com a máquina da loiça, um sinistro (uma inundação, por o técnico não ter lidado corretamente o tubo da máquina à torneira), e na sequência da reclamação que ele fez, achou melhor comunicar ao seguro, tendo depois confirmado o teor da troca de e-mails entre si e a seguradora, juntos aos autos.
Posteriormente o autor disse-lhe que o seu seguro não cobria o sinistro e, na sequência da participação da R. à sua seguradora, esta fez uma vistoria ao local e depois (também) declinou a responsabilidade.
Observamos que nem o autor prestou declarações ou depoimento de parte, nem o comprador da casa foi arrolado como testemunha.
Vejamos então, tendo em conta a prova testemunhal agora referida (interpretada concertadamente com a demais constante dos autos) se se justifica a alteração da decisão da matéria de facto.
Facto n.º 5: “5. No dia seguinte pela manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha, a qual se estendeu à sala da habitação”.
Este facto relaciona-se com o n.º 4: “4. No dia 20/05/2020, o Autor utilizou a máquina de lavar loiça pela primeira vez, após a sua reparação, deixando-a em funcionamento durante a noite”.
Tendo em conta o referido artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., importa alterar a redação do facto provado n.º 4, dado que o que resulta da prova produzida não é uma data específica mas sim que a máquina foi posta a trabalhar uns dias depois (ainda que não mais do que uma semana) da instalação, à noite.
Assim, o facto provado n.º 4 passa a ter a seguinte redação([11]) ([12]):
4. Uns dias depois, o Autor utilizou a máquina de lavar loiça pela primeira vez, após a sua reparação, deixando-a em funcionamento durante a noite”([13]).
O facto n.º 5 passa a ter a seguinte redação:
“5. No dia seguinte pela manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha e na sala, por formarem uma kitchenette”.
O facto n.º 6, “Na sequência da inundação, o piso flutuante da sala levantou da sua estrutura normal e plana e os móveis da cozinha onde se encontrava embutida a máquina de lavar loiça ficaram com o contraplacado a desfazer-se”, passa a ter a seguinte redação:
“6. Na sequência da inundação, o piso flutuante da sala levantou da sua estrutura normal e plana e o móvel ilha da cozinha onde se encontrava embutida a máquina de lavar loiça ficou com a parte inferior danificada”.
Quanto ao facto provado n.º 7: “7. O valor da reparação dos danos referidos em 6, designadamente para a substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, foi orçamentado em € 4.070, 69.”.
Ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, este facto não poderá continuar com a atual redação. Nenhuma das testemunhas soube precisar o montante dos danos, o A., como dissemos, não foi ouvido e um orçamento, por si só, não é suficiente para se considerar, determinar, o montante de um dano.
Apenas sabemos que foi elaborado um orçamento; assim, o facto n.º 7 passa a ter a seguinte redação: “7. A substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, foi orçamentado em € 4.070, 69”.
A experiência comum ensina-nos que quem precisa de um trabalho pede mais do que um orçamento, para ver qual é mais barato.
No sentido da insuficiência de um orçamento para prova do montante do dano, citamos, exemplificativamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido aos 26/01/2023, no processo n. 17602/21.4T8LSB.L1-8, lemos que “1. O orçamento é uma estimativa do custo dos trabalhos a executar. O custo real, pode ser inferior ou superior ao orçamentado, por isso, o orçamento é de per si insuficiente para provar o custo dos trabalhos efetivamente realizados, recaindo sobre quem tem o ónus de demonstrar tal factualidade o dever de apresentar prova inequívoca sobre os custos suportados, designadamente, prova documental (v. g. fatura/recibo)([14]).
Ou seja, é patente que o autor sofreu danos no seu imóvel, não sabemos é o montante dos mesmos.
Quanto ao facto provado n.º 17: “17. Em dezembro de 2021, o Autor procedeu à venda da sua habitação, tendo reduzido o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para reparar o piso flutuante da sala e os móveis da cozinha”.
Reiterando o devido respeito por entendimento diferente, consideramos que não foi produzida prova deste facto: não só não foi junto qualquer comprovativo documental da referida venda, como também (a par do autor, sendo que a esposa e o amigo do casal referiram a primeira que isso era com o marido e o segundo que isso lhe teria sido dito pelo autor) o alegado “comprador” não foi arrolado como testemunha; ademais, é também da experiência comum que aquando de uma venda existe um processo negocial para ajustamento do preço de venda e assim é, também, nos imóveis.
Nesta medida, o facto provado n.º 17 passará para os não provados:
E) Em dezembro de 2021, o Autor procedeu à venda da sua habitação, tendo reduzido o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para reparar o piso flutuante da sala e os móveis da cozinha”.
Perante a prova produzida, aos factos provados cumpre aditar um outro:
18. A ligação da máquina de lavar à torneira foi consertada cerca de uma semana depois de ter sido instalada”.
Ainda quanto à matéria de facto, há que tecer um último considerando, o de a não prova de um facto não implicar a prova do facto que lhe seria o contrário – o que referimos tendo em conta até o teor da alínea D) dos factos não provados, isto porque se é verdade que tal factualidade está referida ao período temporal de 20 meses, também não deixa de ser um facto notório que um soalho levantado, um rodapé estragado e um móvel danificado além de causarem um desagradável impacto visual, implicam diminuição do uso da coisa, ao nível do conforto e segurança (humidade, bolor, possíveis tropeções, entre o mais).
Assim, a matéria de facto a considerar é a seguinte:
1. O Autor solicitou à Ré os serviços de reparação de uma máquina de lavar loiça instalada na cozinha da sua habitação, sita na Rua ..., n.º ..., 1.º esquerdo, ..., Gondomar.
2. No início do mês de maio de 2020, os funcionários da Ré deslocaram-se à habitação do Autor para proceder ao levantamento da máquina de lavar loiça, transportando-a para reparação nas suas instalações.
3. No dia 15/05/2020, os funcionários da Ré deslocaram-se à habitação do Autor e procederam à instalação da máquina de lavar loiça na cozinha, efetuando as ligações das tubagens de fornecimento de água e esgotos, sem terem testado o seu funcionamento.
4. Uns dias depois, o Autor utilizou a máquina de lavar loiça pela primeira vez, após a sua reparação, deixando-a em funcionamento durante a noite.
5. No dia seguinte pela manhã, o Autor deparou-se com uma inundação na cozinha e na sala, por formarem uma kitchenette.
6. Na sequência da inundação, o piso flutuante da sala levantou da sua estrutura normal e plana e o móvel ilha da cozinha onde se encontrava embutida a máquina de lavar loiça ficou com a parte inferior danificada.
7. A substituição do piso flutuante da sala e recondicionamento dos móveis da cozinha, foi orçamentado em € 4.070,69.
8. O Autor comunicou, de imediato, à Ré o sucedido, tendo efetuado uma reclamação por escrito com o seguinte teor:
“A máquina de lavar louça, veio de ser reparada pela empresa A..., na colocação da mesma o técnico não instalou corretamente o tubo que liga a máquina à torneira, essa má colocação, originou uma fuga de água que inundou a cozinha e sala.
Danificando os móveis da cozinha e o soalho flutuante da sala.
Podendo visualizar os estragos causados, marcando dia e hora a combinar. (…)”
9. A Ré participou o evento ocorrido à sua seguradora “Companhia de Seguros B..., S.A.”, com a qual celebrou um contrato de seguro multirriscos, titulado pela apólice n.º ....
10. Em 21 de julho de 2020, a “Companhia de Seguros B..., S.A.” remeteu à Ré uma carta com o seguinte teor:
“(…) Depois de procedermos à análise do relatório de vistoria informamos de que o sinistro participado não tem enquadramento nas garantias da apólice subscrita pelos n/segurados.
A causa deste sinistro foi a ligação do tubo de abastecimento de água que terá sido deficiente o que provocou uma fuga que alagou parcialmente a sala e cozinha, causando danos no imóvel e pavimento flutuante.
Acresce referir que o segurado, afirma que testou a máquina, aquando a sua entrega, apesar do lesado informar que não.
Apurou-se que este equipamento foi reinstalado a 15-05-2020 e os danos ocorreram a 21-05-2020, altura em que o lesado informa ter ocorrido a primeira utilização do equipamento.
Tendo em consideração as condições contratuais da apólice, verificamos que:
2. Ficam excluídos das garantias desde contrato os danos:
a) Causados pelas obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens produzidos e/ou armazenados e/ou fornecidos pelo Segurado, se as reclamações forem motivadas por erro, omissão ou vício oculto que se revelem somente após a receção expressa ou tácita dos referidos bens, produtos ou serviços.
(…)”.
11. Em 31/07/2020, a Ré remeteu ao Autor um email com o seguinte teor:
“Tendo a máquina sido testada pelo nosso técnico e não tendo sido detetada qualquer anomalia na instalação devido ao tempo decorrido entre a instalação da mesma em 15/05/2020 e a utilização em 21/05/2020 decorreram seis. Durante esse tempo e se houvesse alguma fuga de água (dado que o tubo que liga a torneira à máquina tem sempre água) a mesma ter se ia manifestado, daí deduzimos que o sinistro não foi consequência da instalação.
Acresce outro facto que estando o país numa situação de confinamento como é possível que uma família de 3 pessoas durante seis dias não tenha utilizado a máquina de lavar loiça.
Face ao exposto, solicitamos reanálise de sinistro dado que não se tratou de negligência do técnico que efetuou a instalação.”
12. Em 12/08/2020, a “Companhia de Seguros B..., S.A.” remeteu à Ré uma carta com o seguinte teor:
“(…) Damos em nosso poder a v/ reclamação cujo conteúdo notámos.
Em resposta cumpre-nos informar de que a informação prestada, não será relevante ou suficiente para podermos alterar a nossa posição dado que este sinistro face às condições da apólice contratada, continua a estar excluído, conforme transcrevemos:
a) Causados pelas obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens produzidos e/ou armazenados e/ou fornecidos pelo Segurado, se as reclamações forem motivadas por erro, omissão ou vício oculto que se revelem somente após a receção expressa ou tácita dos referidos bens, produtos ou serviços.
Já informamos o lesado que a nossa posição vos havia sido transmitida, e agora caberá a V. Exas. a decisão de assumir ou não estes danos, pois conforme acima indicado, a apólice não responde por reclamações que sejam efetuadas após a receção expressa ou tácita dos produtos ou serviços, conforme aconteceu no caso em apreço”.
13. Em 14/09/2020, a Ré remeteu à “Companhia de Seguros B..., S.A.” uma carta com o seguinte teor:
“(…) Em face das anteriores posições tomadas pela Companhia e, a bem da verdade, cumpre esclarecer o seguinte:
a) O sinistro ocorreu por deficiente ligação do tubo de abastecimento de água, aquando da sua reinstalação em 15/5/2020;
b) O equipamento não foi testado pelo nosso técnico, pelo que não houve receção, expressa ou tácita, do equipamento por parte do lesado, que não a utilizou antes de 21/5/2020, pelo que, obviamente, não podia adivinhar se a ligação havia sido deficiente, como efetivamente foi.
c) Assim, não tendo sido testada a máquina, a deficiência do serviço prestado só poderia ser constatada pela própria ocorrência do sinistro em 21/5/2020.
d) Deste modo, entendemos que o sinistro se enquadra nas garantias da apólice, pelo que, deverão indemnizar o lesado, por todos os danos sofridos”.
14. Em 15/03/2021, o Autor, através do seu mandatário, enviou à Ré uma carta com o seguinte teor:
“(…) Pelo presente comunico a V.Ex.ªs que fui mandatado pelo cliente em assunto indicado para proceder judicialmente contra V.Ex.ªs relativamente aos danos ocorridos no local também em assunto indicado, devido a uma intervenção técnica levada a cabo por funcionários da V/ empresa.
O montante indemnizatório ascende a 4070,00 € (quatro mim e setenta euros), valor esse que será acrescido de juros de mora, despesas judiciais, danos não patrimoniais, etc.
Querendo, poderão V.Ex.ªs contactar este escritório no prazo de 8 dias, no sentido de indemnizar o meu cliente dos danos sofridos. Não o fazendo no prazo indicado, irei proceder judicialmente no sentido de cobrar esse valor, acrescido dos valores acima indicados (…)”.
15. Nessa sequência, em resposta a carta referida em 14., a Ré remeteu ao Autor, em 19/03/2021, uma carta com o seguinte teor:
“Relativamente à carta que nos enviou relativamente aos danos “alegadamente” causados na habitação do Sr. AA, nomeadamente de uma fuga da máquina de lavar loiça, em 21/05/2020, informamos que aquando da reclamação acionamos o nosso seguro.
A seguradora efetuou a averiguação e entendeu não assumir o mesmo.
Na verdade, tendo os nossos serviços ocorrido em 15/05/2020 e o sinistro somente seis dias depois, e, apesar do Sr. AA só ter mencionado o uso da máquina somente nesse dia, o facto, é que sendo efetuada a ligação da máquina à torneira, imediatamente se verifica a existência de água no tubo, pelo que, qualquer fuga, resultante da nossa intervenção e responsabilidade, teria que necessariamente ser detetada anteriormente e, não somente ao fim de seis dias.
Por último, quanto ao valor dos danos que refere na carta, para além de nunca ter sido apresentado qualquer comprovativo de despesa, consideramos que os mesmos são exagerados. (…)”.
16. O Autor não procedeu à reparação dos danos existentes nos móveis da cozinha onde a máquina de lavar loiça se encontrava embutida, assim como, os danos existentes no piso flutuante da sala da sua habitação.
17. Eliminado.
18. [Aditado] A ligação da máquina de lavar à torneira foi consertada cerca de uma semana depois de ter sido instalada.
Factos não provados
Com relevância para a decisão da presente causa, não resultou provado:
A) Que a inundação referida em 5., tenha ocorrido pelo facto de os funcionários da Ré, aquando da instalação da máquina de lavar loiça, terem colocado defeituosamente o tubo de escoamento da água para o saneamento do edifício, designadamente sem a colocação de uma borracha vedante.
B) Que a venda da habitação do Autor tivesse ocorrido em 16/12/2021.
C) Que durante 20 meses, o Autor e o seu agregado familiar estiveram privados do uso e fruição da máquina de lavar loiça.
D) Que durante o período de 20 meses, o Autor e o seu agregado familiar sofreram incómodos, em virtude dos danos causados na habitação na sequência da inundação referida em 5., terem afetado o conforto da habitação e a normal utilização dos seus espaços e dos eletrodomésticos.
E) [Aditado] 17. Em dezembro de 2021, o Autor procedeu à venda da sua habitação, tendo reduzido o preço da venda do imóvel no montante de € 5.000,00, por forma a compensar o comprador do valor que este teria de despender para reparar o piso flutuante da sala e os móveis da cozinha.

O Direito

3) A aplicação do Direito aos factos.

Segundo Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “[o] pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (o reconhecimento judicial da sua propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa prestação de certo montante; etc.). A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido([15])”.
Nas palavras de Manuel de Andrade, “[n]oção de pedido. É a pretensão do [Autor]; o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judicial requerida; o efeito jurídico pretendido pelo [Autor]). Noção de causa de pedir. É o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge a direito que o Autor invoca e pretende fazer valer”([16]).
Trata-se de uma ação de condenação em indemnização (e em compensação) emergente de responsabilidade civil contratual em que o A. pede a condenação da R. a pagar-lhe a indemnização pelos danos causados por uma deficiente reinstalação da máquina de lavar loiça após a reparação.
O tribunal a quo considerou o contrato celebrado como de empreitada de consumo([17]) ([18]).
Frequentemente a qualificação de um contrato suscita dúvidas; no caso, poderá questionar-se se se trata de um contrato de prestação de serviço ou de um contrato de empreitada (independentemente da relação de consumo, pois que a tutela conferida por este instituto é aplicável em ambas as hipóteses referidas, como resulta do art.º 1.º A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05).
O contrato de prestação de serviço, de acordo com a noção constante do art.º 1154.º do Código Civil, C.C., “é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”([19]) ([20]), ao passo que o de empreitada é definido no art.º 1207.º do C.C. como aquele “pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Segundo Júlio Guedes, sobre o contrato de prestação de serviço, “o resultado do trabalho manual ou intelectual que o devedor se obriga a proporcionar ao credor é, [afinal], o resultado «entendido como um momento final ou conclusivo da prestação», o resultado definido no programa contratual, qualquer que ele [seja] [21]”.
Quanto ao contrato de empreitada, e nas palavras de Pedro Romano Martinez, “sendo a empreitada um contrato cujas prestações se prolongam no tempo, é frequente que as partes acordem quanto aos termos inicial e final da execução da obra, a fim de que a indeterminação dos mesmos não seja causa de incerteza. [Por] via de regra, o contrato de empreitada encontra-se associado à construção de [edifícios], [m]as o objeto do contrato de empreitada não se esgota na construção e reparação de edifícios. Os negócios mediante os quais se acorda a construção ou a reparação de bens móveis, tais como automóveis, navios, mobiliário, também se enquadram na noção de empreitada. [A] delimitação do objeto do contrato de empreitada não é, de forma alguma, pacífica”([22]).
Depois de abordar diferentes questões respeitantes às dificuldades que este tipo de contrato suscita, conclui o autor que “será, em última análise, a vontade real dos contraentes que, sobrepondo-se a todos os critérios de distinção, vai determinar o tipo de contrato e o seu regime”([23]).
Independentemente do acabado de referir, há que atentar nos critérios de interpretação de uma norma constantes do art.º 9.º C.C., mormente a unidade do sistema jurídico (referida no n.º 1)([24]) e o da presunção que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (mencionado no n.º 3), pelo que consideramos que a reparação de um eletrodoméstico (que não é um aparelho industrial) integra um contrato de prestação de serviço, uma vez que o de empreitada, enquanto realização de uma obra, traduz-se na construção de uma inexistente ou na transformação ou modificação (ainda que reparação) relevante de uma existente, dado que a coisa não é nem criada nem sequer modificada; o objetivo pretendido, o resultado é o de consertar um bem que não funciona ou não funciona corretamente.
De todo o modo, no caso, a distinção não é relevante, porquanto a solução decorre do regime geral da responsabilidade civil.
Como Almeida Costa enuncia, “[e]xiste responsabilidade civil quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e a vítima credor. Trata-se, portanto, de uma obrigação que nasce directamente da lei e não das [vontades]”([25]).
Continuando com o autor, “[d]istingue-se a responsabilidade civil em contratual e extracontratual. A responsabilidade contratual resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico. [O] Código vigente sistematiza a responsabilidade civil em três lugares: a responsabilidade extracontratual, nos arts. 483.º e segs., e a responsabilidade contratual, nos artis. 798.º e segs. Às duas formas de responsabilidade interessam ainda os artis. 562.º e segs., respeitantes à obrigação de indemnização em si mesma, independentemente da fonte de onde procede”([26]) ([27]).
Em termos de pressupostos, e em suma, a responsabilidade civil por facto ilícito, ou extracontratual (por violação de um direito absoluto) pressupõe “a existência de um facto voluntário do agente e não de um mero facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano, pois sem isso não se põe qualquer problema de responsabilidade civil, e, também que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele”([28]).
Na responsabilidade contratual (por violação de um direito de crédito) os pressupostos são os mesmos ou, como sumariado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º JSTJ00032089, “[s]ão elementos da responsabilidade civil contratual: a falta de cumprimento; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano”([29]).
Posto isto, e dos factos provados resultam os pressupostos da responsabilidade civil (contratual), da obrigação de indemnizar, pois que no âmbito do contrato celebrado entre as partes a reinstalação da máquina foi efetuada de forma deficiente([30]) (equivalendo, para o efeito, ao incumprimento definitivo da obrigação principal o cumprimento defeituoso daquela ou de obrigações acessórias, secundárias, daquela([31])), violando o direito a uma prestação contratual integral e pontual, sem um efetivo teste de funcionamento num qualquer programa, o que é um procedimento que é culposo por passível de um juízo de censura, no caso de negligência, do que decorreram danos na propriedade do autor, e sem prejuízo dos incómodos por tal causados.
Verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, o problema que se coloca no caso é o de saber em que montante, pois que o dos danos não foi apurado – e que, se não o vier a ser por outra prova, será determinado por juízos de equidade, nos termos do art.º 566.º, n.º 3, do C.P.C.
Segundo o disposto no art.º 609.º, n.º 2, do C.P.C., “[s]e não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Citando variada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, acolhemos a síntese efetuada por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[a]quele princípio também não tem obstado a que, em ações de responsabilidade civil, perante pedidos parcelares de indemnização, se considere que o limite de cada parcela se reporta ao valor global peticionado([32]. [Mesmo] em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à [equidade]. A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não foi previsível que possa determinar-se o seu montante exato com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade([33]).
A resposta, no caso, não é linear; cremos até que a solução poderá vir a ser mesmo o recurso a juízos de equidade.
Todavia, afigura-se-nos não ser a melhor opção afastar, desde já, a possibilidade de ser produzida melhor prova. Como vimos antes, não foi junto qualquer comprovativo da venda do imóvel, pelo que desconhecemos quando foi efetuada (e eventuais contornos da mesma), quanto tempo o autor esteve sujeito aos danos provocados (do ponto de vista estético, de incómodo e/ou salubridade), pois aquele não foi ouvido, tal como o comprador também não o foi, entre outros aspetos que poderiam ser convocáveis.
Destacamos os pontos III a V do sumário do acórdão desta Relação proferido aos 23/11/2020:
III - Destinando-se o incidente de liquidação de sentença a obter a concretização do objeto de condenação da decisão proferida na ação declarativa, dentro dos limites daquela condenação, quando a prova produzida pelos litigantes se mostre insuficiente para fixar a quantia devida, a lei impõe ao juiz, no n.º 4 do art.º 360.º CPC, um especial dever de a procurar completar, «mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial».
IV - A fase de instrução do incidente de liquidação não se confunde com a fase posterior, que ocorre já após o encerramento daquela instrução e a fixação dos factos provados, ou seja a fase da sentença de liquidação propriamente dita, na qual, com base naqueles factos provados, se imporá verificar se os mesmos permitirem ou não fixar o valor exato dos danos, tratando-se aqui não já de saber como superar a insuficiência da prova, mas sim, diversamente, de saber como contornar-se a insuficiência da factualidade provada para fixar com rigor e exatidão o valor dos danos, solução que nesse caso é fornecida pelo artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, que determina que nesse caso o juiz deverá decidir segundo a equidade dentro dos limites que tiver por provados.
V - O recuso à equidade para apuramento do montante devido em fase de liquidação, tendo em vista a realização da justiça abstrata no caso concreto, envolve em regra uma atenuação do rigor da norma legal, com ajuste do preceito legal às particularidades do caso – com a procura dos elementos relevantes em termos de caracterização do caso a decidir, suprindo, quando necessário as insuficiências da intervenção das partes, de forma a encontrar a solução que se mostre mais justa e equitativa –, sob pena de, se assim não se atuar, poder resultar uma decisão arbitrária e enquanto tal violadora da lei”([34]).
Desta forma, estamos em crer que a solução mais adequada é, nos termos do referido art.º 609.º, n.º 2, do C.P.C., condenar a ré no montante indemnizatório (e/ou compensatório) que se vier a liquidar em execução de sentença.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela recorrente, revogando-se em parte a sentença recorrida, condenando-se a ré a indemnizar o autor no montante que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença.
Custas na primeira instância e da apelação em partes iguais, sem prejuízo dos acertos que forem justificados pelo resultado final, após finda a liquidação, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.

Porto, 13/01/2025.
Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Jorge Martins Ribeiro
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
________________
[1] As custas foram fixadas nos seguintes termos: “as custas da presente ação serão suportadas pelo Autor e pela Ré, na proporção do decaimento que se fixa em 42 % para o primeiro e em 58% para a segunda”.
[2] Aspas, negrito e itálico no original.
[3] Aspas, itálico e negrito no original.
[4] Negrito, itálico e aspas no original.
[5] Interpolação e itálico nosso; aspas e citação de bibliografia no original.
O acórdão está acessível em:
http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/73fe72e4c98e28908025868d003f205b?OpenDocument [20/12/2024].
[6] Interpolação e itálico nosso; citação de doutrina no original.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f78a35774ba29550802586b7003a68e2?OpenDocument [20/12/2024].
[7] Cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 2001, p. 209.
[8] Cf. Alberto dos REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 151.
[9] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 30.
[10] E acolhendo a da primeira instância na parte não prejudicada por esta.
[11] As alterações serão assinaladas a negrito.
[12] Não alteraremos a redação do facto provado n.º 3 quanto ao teste do funcionamento, porquanto para tal conceito não basta o que o funcionário fez, ver se a água entrava na máquina e se esta a tirava.
[13] Independentemente de irrelevante, não consideramos suficiente que se considere provada a data como o foi tendo por base o que o autor terá comunicado por e-mail à R. e esta
à seguradora.
[14] Relatado por Cristina Lourenço.
O acórdão está acessível em:
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/17602-2023-209536675 [06/01/2025].
[15] Cf. Antunes VARELA, J. Miguel BEZERRA e Sampaio e NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p.245.
[16] Cf. Manuel de ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 111 (interpolação nossa).
[17] Fazendo-o por referência ao disposto no art.º 1207.º do C.C., bem como ao disposto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 (que, entre o mais, transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, e que pelo seu art.º 13.º alterou os artigos 4.º e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31/07 – Lei de Defesa do Consumidor – e ao Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05, que alterou aquele nos artigos 1.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º e 12.º e aditou--lhe os artigos 1.º-A, 1.º-B, 5.º-A, 12.º-A, 12.º-B e 12.º-C; segundo o disposto no art.º 1.º A, n.º 2, deste Decreto-Lei, “2 - O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo”.
[18] A Lei n.º 24/96, de 31/07, estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores.
[19] A prestação de serviço prevista no art.º 1154.º do C.C. integra uma classe de contratos, havendo outros tipos de contrato de prestação de serviço regulados noutros diplomas; cf. neste sentido, Júlio GUEDES, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, p. 656.
[20] Como observa Júlio Guedes, “[a] referência da lei a «resultado» de um trabalho intelectual ou manual não está relacionada com a tradicional distinção entre «obrigações de meios» e «obrigações de [resultado»]. Esta [distinção], pretende colocar em relevo o facto de, nas primeiras, o devedor se obrigar a desenvolver diligentemente certa atividade sem, ao mesmo tempo, se obrigar a produzir (ou atingir) certo resultado desejado pelo credor, ao passo que nas segundas, o devedor se obriga a produzir (ou atingir) o resultado visado pelo credor; nas obrigações de meios, a não produção do resultado só responsabiliza o devedor caso o credor demonstre que o devedor não agiu diligentemente, nas obrigações de resultado, a não produção deste faz o devedor incorrer em responsabilidade, a menos que o devedor logre provar que a não produção do resultado resultou de força maior (ou de facto de terceiro pelo qual o devedor não seja responsável)”. Cf. Júlio GUEDES, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, p. 657 (interpolação nossa e aspas no original).
[21] Cf. Júlio GUEDES, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, p. 658 (interpolação nossa e aspas no original).
[22] Cf. Pedro Romano MARTINEZ, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, p. 769 (interpolação nossa).
[23] Cf. Pedro Romano MARTINEZ, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, p. 779.
[24] A este propósito, tendo em conta a interpretação sistemática, deixamos em nota algumas epígrafes do instituto da empreitada: art.º 1208, execução da obra, art.º 1209.º, fiscalização, 1210.º, fornecimento dos materiais e utensílios, 1212.º, propriedade da obra e, 1213.º, subempreitada.
[25] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 415-416 (interpolação nossa).
[26] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 431-432 (itálico no original e interpolação nossa).
[27] Quanto às principais diferenças de regime entre as duas, o autor sintetiza-as nos seguintes termos: “1) [a] culpa presume-se na responsabilidade contratual (art.º 799.º, n.º 1) e não na responsabilidade extracontratual (art. 487.º, n.º 1), embora só em princípio, porque vários preceitos referentes a esta última consagram presunções de culpabilidade (arts. 491.º, 492.º, n.º 1, e 493.º). 2) Em caso de pluralidade passiva, o regime é o da solidariedade na responsabilidade extracontratual (arts. 497.º e 507.º), ao invés do que sucede na responsabilidade contratual, excepto se a própria obrigação violada tinha natureza solidária (art. 513.º). 3) A possibilidade de graduação equitativa da indemnização, quando haja mera culpa do lesante, está apenas consagrada para a responsabilidade extracontratual (art. 494.º), não devendo considerar-se extensiva à responsabilidade contratual, onde se afigura pouco de acordo com as legítimas expectativas do contraente lesado. 4) Pelo que se refere à prescrição, vigoram na responsabilidade extracontratual certas normas especiais relativas ao prazo, mormente a que o fixa em três anos (art. 498.º), enquanto na responsabilidade contratual se encontra apenas submetida ao prazo ordinário de vinte anos (art. 309.º). 5) A responsabilidade contratual por facto de terceiro não depende do pressuposto da comissão, requisito estabelecido para a responsabilidade extracontratual (art. 500.º), «maxime» dispensando-se naquela uma relação de subordinação ou dependência entre o devedor e o auxiliar (ar. 800.º). 6) As regras da capacidade de exercício de direitos, «rectius» de agir juridicamente por acto próprio ou de representante voluntário, relativas à responsabilidade contratual (arts. 123.º, 127.º, 139.º e 156.º), divergem das regras da imputabilidade, ou seja, da capacidade de culpa, concernentes à responsabilidade extracontratual (art. 488.º). 7) Sobre o momento da constituição do devedor em mora, estabelece-se um regime exclusivo da responsabilidade extracontratual, que não impera, portanto, para a responsabilidade contratual (art. 805.º, n.º 3, 2.ª parte). 8) Nas obrigações pecuniárias, em caso de mora do devedor, permite-se que o credor obtenha uma indemnização suplementar, além dos juros previstos pelos n.º 1 e 2 do art. 806.º se o fundamento da dívida se reconduz à responsabilidade extracontratual, sendo esse preceito inaplicável a situações de responsabilidade contratual (art. 806.º, n.º 3). 9) Existem ainda diferenças em matéria de cláusulas contratuais [gerais], de direito internacional [privado] e também quanto ao tribunal [competente]”. Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 433-436 (itálico e aspas no original; negrito e interpolação nossa).
[28] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, p. 446.
[29] Proferido aos 14/03/1996, relatado por Joaquim de Matos; o acórdão está acessível em:
http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f1362ce52fe30c3f802568fc003b50a0?OpenDocument.
[30] Dado que a máquina apenas foi ligada para ver se metia água e o programa mudado para ver se escoava – procedimento que o técnico DD explicou e que não durou mais de um minuto.
[31] Neste sentido, “[v]igora assim o princípio geral segundo o qual aquele que, ilícita e culposamente, violar um dever inerente à sua posição na relação obrigacional complexa, não o cumprindo ou não o cumprindo [corretamente], e causando com isso dano ao credor, deve indemnizar este último. Cf. Maria da Graça TRIGO e Rodrigo MOREIRA, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p. 1103 (interpolação nossa).
[32] Relembramos que o autor formulou pedido de indemnização pelos danos sofridos (4070,69 Euros), pela privação do uso da máquina (1000 Euros) e de compensação por danos não patrimoniais (2000 Euros).
[33] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 784-785 (interpolação e itálico nosso).
[34] O acórdão, proferido no processo n.º RP20201123437/11.0TTOAZ.1.P3, relatado por Nelson Fernandes, está acessível em:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/fb753903aad15d40802586400042e95c?OpenDocument [06/01/2025].
Corrigimos o lapso na indicação do artigo, pois não se trata do art.º 560.º, n.º 3, mas sim do art.º 566.º, n.º 3. Aspas no original e itálico nosso.