Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
437/11.0TTOAZ.1.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DA SENTENÇA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
INSTRUÇÃO DO INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA
SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO
RECURSO À EQUIDADE
Nº do Documento: RP20201123437/11.0TTOAZ.1.P3
Data do Acordão: 11/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE, ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- Para cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe, sendo que, perante a omissão desse cumprimento, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas sim à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II- Estando em causa o cumprimento pelo tribunal de 1.ª instância de decisão do tribunal da relação que anulou a sentença anteriormente proferida para que fosse ampliada a matéria de facto referente a factos que já haviam sido indicados na sentença, mas em local inadequado (na motivação da matéria de facto e não no elenco factual provado), não decorre do regime processual que a audiência tenha de ser reaberta em 1.ª instância, como ainda que tenha de ser cumprido o regime previsto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, incluindo o cumprimento de eventual contraditório, quando este já tenha sido cumprido anteriormente quanto àqueles factos e meios de prova utilizados.
III- Destinando-se o incidente de liquidação de sentença a obter a concretização do objeto de condenação da decisão proferida na ação declarativa, dentro dos limites daquela condenação, quando a prova produzida pelos litigantes se mostre insuficiente para fixar a quantia devida, a lei impõe ao juiz, no n.º 4 do art.º 360.º CPC, um especial dever de a procurar completar, “mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.
IV- A fase de instrução do incidente de liquidação não se confunde com a fase posterior, que ocorre já após o encerramento daquela instrução e a fixação dos factos provados, ou seja a fase da sentença de liquidação propriamente dita, na qual, com base naqueles factos provados, se imporá verificar se os mesmos permitirem ou não fixar o valor exato dos danos, tratando-se aqui não já de saber como superar a insuficiência da prova, mas sim, diversamente, de saber como contornar-se a insuficiência da factualidade provada para fixar com rigor e exatidão o valor dos danos, solução que nesse caso é fornecida pelo artigo 560.º, n.º 3, do Código Civil, que determina que nesse caso o juiz deverá decidir segundo a equidade dentro dos limites que tiver por provados.
V- O recuso à equidade para apuramento do montante devido em fase de liquidação, tendo em vista a realização da justiça abstrata no caso concreto, envolve em regra uma atenuação do rigor da norma legal, com ajuste do preceito legal às particularidades do caso – com a procura dos elementos relevantes em termos de caracterização do caso a decidir, suprindo, quando necessário as insuficiências da intervenção das partes, de forma a encontrar a solução que se mostre mais justa e equitativa –, sob pena de, se assim não se atuar, poder resultar uma decisão arbitrária e enquanto tal violadora da lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 437/11.0TTOAZ.1.P3
Autor: B…
: C…, Lda.
________
Relator: Nélson Fernandes
1ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes
2º Adjunto: Des. António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. Nos autos de ação declarativa que B… instaurou contra C…, Lda., foi esta condenada (em sede de recurso), entre o mais:
“b.2. (…) a pagar ao A. quantia global de 171.116,75€ a título de retribuições vencidas e vincendas desde 1-7-2011 até 31-1-2014 [incluindo subsídios de férias vencidos em 2011, 2012, 2013, 2014, e subsídios de Natal vencidos em 2011, 2012 e 2013] e demais vincendas desde esta data até ao trânsito em julgado do presente acórdão, à razão de 4.510,57€ mensais. A tal montante deverá ser deduzido, em sede de liquidação de sentença, o valor que se prove que o A. auferiu desde o despedimento como produto do seu trabalho (…).
b.5. (…) a pagar ao A. as férias e subsídio de férias e de Natal proporcionais ao ano do trânsito em julgado do presente acórdão e tendo como referência a retribuição média mensal de 4.510,57€, a liquidar em sede de liquidação da sentença.”

1.1 Apresentou B… requerimento de liquidação, computando o valor de 74.424,41€ correspondente a 16 meses e meio de retribuições, incluindo subsídios e proporcionais à razão de 4.510,57€ mensais, desde 31-1-2014 até à data do trânsito da decisão final, nada deduzindo porquanto referiu nada auferiu com o produto do seu trabalho após o despedimento. Assim, somando o montante de 74.424,41€ ao valor que já resultava da condenação na ação declarativa de 171.116,75€, peticionou o pagamento da quantia de 245.541,16€.

1.2. Notificada, apresentou C…, Lda., oposição, invocando, em suma, que desde o despedimento o Autor sempre desenvolveu atividade profissional em várias clínicas dentárias, encontrando-se inscrito na Ordem do Médicos Dentistas e nas Administrações Regionais de Saúde Norte e Centro, realizando consultas predominantemente na área da ortodontia, emitindo receitas e participando em programas nacionais de promoção da saúde oral.

1.3 Seguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada que foi a audiência de discussão e julgamento, veio então a ser proferida sentença, sendo que, interpostos que foram recursos que essa tiveram por objeto, veio a ser proferido acórdão por esta Relação, o qual, na procedência do recurso interposto pela Ré, anulou a sentença recorrida, bem como a decisão sobre a matéria de facto, nos termos afirmados e delimitados nesse acórdão, determinando o desencadear oficioso das diligências probatórias entendidas como pertinentes e eficazes, proferindo-se depois, atendendo à prova já produzida e à que resultar dessas diligências, nova decisão, na qual se fixe o montante indemnizatório devido pela Ré ao Autor, com recurso, então sim, se for o caso, à equidade, com vista ao estabelecimento do valor razoável e justo.

2. Baixando os autos à 1.ª Instância, foi proferido despacho que indeferiu a inquirição de testemunhas requerida pela Requerida, determinou a notificação de terceira (D…) para juntar documentos e, por último, invocando o disposto no n.º 4 do artigo 360.º do Código de Processo Civil (CPC), foi oficiado à Autoridade Tributária para indicar Perito para efeitos de esse emitir parecer em que proceda à análise da faturação das clínicas D…, E… e F…, por referência às consultas dadas e à medicação prescrita pelo Autor entre 1-7-2011 e 19-2-2015, concluindo pelo apuramento do valor auferido por esse em cada uma das referidas clínicas.

2.1 Junto que foi aos autos o relatório pericial (cujo teor foi notificado às partes, sem que tenha ocorrido qualquer pronúncia pelas mesmas), após junção determinada pelo Tribunal por parte da D… de informação sobre qual a percentagem por si retida relativa à remuneração pela atividade desempenhada pelo Autor (que mereceu pronúncia por parte da Ré no sentido de que essa informação “deve ser considerada inócua”, sem prejuízo de a mesma dever ser notificada para proceder à junção do comprovativo de faturação efetuada pelo Autor durante o período compreendido entre 18/02/2006 e 19/02/2015, pretensão esta que foi indeferida), veio por fim a ser proferida, em 2 de novembro de 2018, nova sentença.

2.2. Interposto novo recurso pela Ré, no seu conhecimento foi proferido mais uma vez acórdão por este Tribunal da Relação, que anulou a sentença da 1.ª instância e determinou a ampliação da matéria de facto, nos termos aí apontados, sendo proferida após uma nova decisão, primeiro de facto, quanto à factualidade abrangida pela ampliação, e só de seguida de direito, abrangendo toda a factualidade provada, em obediência ao que resulta da lei.

3. Baixando de novo os autos à primeira instância, com data de 10 de outubro de 2019, veio a ser proferido despacho com o teor seguinte:
“Em obediência ao ordenado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, procede-se no presente despacho à ampliação da matéria de facto. Destarte, a acrescer aos factos que já foram considerados provados na pretérita sentença, julgam-se provados os seguintes factos:
i) O Autor, ao longo do período temporal mencionado no ponto 2) da factualidade provada, em dias e com horários que não foi possível apurar, prestou actividade nos diversos estabelecimentos nesse ponto identificados.
ii) Durante os anos de 2011 a 2014 o A. não declarou rendimentos à Autoridade Tributária resultantes do exercício de actividade independente.
iii) O A. registou-se no Portal de Requisição de Vinhetas e Receitas em 29-9-2012, tendo sido efectuadas igualmente prescrições ao longo do ano de 2011.
iv) No ano de 2011 o A. emitiu 46 receitas, no ano de 2012 emitiu 123 receitas, no ano de 2013 emitiu 136 receitas, e no ano de 2014 emitiu 53 receitas, perfazendo um total de 359 receitas.
v) Entre Julho de 2011 e Fevereiro de 2015, pela D…, por força da actividade médica prestada pelo A., foram emitidas facturas, a utentes e a clínicas, que totalizam o montante de 73.536,78€.
vi) Relativamente aos utentes assistidos pelo A. a D… retinha em média 55% do valor pago, sendo o remanescente a remuneração do A..
vii) Relativamente às clinicas onde o A. dava consultas, a D… entregava um recibo mensal, relativo à percentagem não retida por aquelas, e que era repartido entre o A. e a D… na proporção de 10% para a D… e o remanescente para o A..
*
O elenco factual supra resulta, no seu ponto i) da alteração ordenada pelo Tribunal da Relação do Porto (fls. 1506 verso dos autos), e nos demais pontos do relatório pericial de fls. 1698 a 1703 dos autos, sem perder de vista a motivação de facto da nossa pretérita sentença que aqui se dá por reproduzida.
Notifique e após conclua, por forma a ser proferida decisão de direito, abrangendo toda a factualidade provada, em obediência ao ordenado.”

3.1. Notificada, apresentou a Ré requerimento em que arguiu nulidade da decisão proferida, invocando nomeadamente que os pontos V), VI) e VII) além de não constarem dos articulados também sobre eles não incidiu discussão, o que impossibilita que tal matéria seja considerada como assente, sob pena de nulidade, bem como, ainda, dizendo que a matéria ampliada não está isenta de debates orais em sede de discussão e julgamento.

3.1.1. Exercendo o contraditório, sustentou o Autor que “o artº 72º do CPT não é aplicável, in casu, nem foi o fundamento jurídico em que radicou o despacho de 6.11.2019, pois este foi proferido em cumprimento do acórdão da RP de 27.6.2019 e portanto ex vi do artº 662º, nº 2, c) do CPC”, para concluir que “a observação da R. não tem razão de ser.”

3.2 Foi de seguida proferida nova sentença, de cujo dispositivo consta:
“Em face do exposto, julga-se procedente a liquidação peticionada e, em consequência, condena-se a R. C…, Lda. no pagamento ao A. B… da quantia liquidada de 188.333,07€ (cento e oitenta e oito mil, trezentos e trinta e três euros e sete cêntimos).
Custas do incidente de liquidação pelo A. e R. na proporção do decaimento – art. 527º, nºs 1 e 2 do NCPC.
Notifique e registe.”

3. Inconformada mais uma vez, apresentou a Ré novo recurso, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
………………………………
………………………………
………………………………

3.1 Não constam dos autos contra-alegações.

3.2 Admitido que foi o recurso, como de apelação, subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos então ordenados subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que, apresentados ao Ministério Público, foi então exarada posição no sentido de não ser de emitir no caso o parecer a que alude o n.º 3 do artigo 87.º do CPT.
*
Observadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II- Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) questões levantadas sobre a matéria de facto / recurso sobre a matéria de facto / invocada não valoração de matéria de facto pelo Tribunal a quo / meios de prova / nulidades invocadas (desrespeito do direito ao contraditório / desrespeito do ritualismo imposto pelo artigo 72.º do CPT / excesso de pronúncia); (2) dizendo de direito / regime da liquidação do dano / recurso à equidade / concretização no caso.
*
III- Fundamentação
A) De facto
O Tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1) Durante o período que decorreu entre o despedimento ocorrido a 1-7-2011 e o trânsito em julgado da acção a 19-2-2015, o A. desenvolveu actividade profissional em várias clínicas dentárias.
2) As clínicas dentárias onde o A. desenvolveu actividade profissional remunerada, durante o período em causa, foram as seguintes:
a) D…, com sede na …, loja .. R/c, em Vila Nova de Gaia;
b) E…, Lda., com sede na Rua … em Murtosa, nos seguintes estabelecimentos: i. de …, Oliveira de Azeméis; ii. da Murtosa, desde Julho de 2011; iii. de …, Concelho de Oliveira de Azeméis; iv. de Oliveira de Azeméis.
c) F…, Sociedade Unipessoal, Lda., com sede e estabelecimento na …, nº …, em S. João da Madeira.
3) O Autor, ao longo do período temporal mencionado no ponto 2) da factualidade provada, em dias e com horários que não foi possível apurar, prestou actividade nos diversos estabelecimentos nesse ponto identificados.
4) A D… entregava um recibo mensal às clínicas onde o A. dava consultas, relativo à percentagem não retida por estas e que era repartido entre o A. e a D….
5) O A. estava inscrito no Programa Nacional de promoção de saúde oral como médico dentista da E….
6) O A. estava inscrito no Programa Nacional de promoção de saúde oral como médico dentista da D….
7) O A. encontra-se inscrito na Ordem dos Médicos Dentistas sob o nº …….
8) O A. estava inscrito na Administração Regional de Saúde do Norte com endereço na Rua …, n.º …., ….-… Porto.
9) O A. também estava inscrito na Administração Regional de Saúde Centro com endereço na … S/n, Apartado …., ….-… Coimbra.
10) Quando o A. emitia receitas médicas as mesmas eram sujeitas a controlo quer pela ARS-Norte quer pela ARS-Centro, em função da respectiva zona de acção territorial, onde ficavam registadas.
11) Quer a ARS-Norte quer a ARS-Centro enviavam periodicamente a relação dos pagamentos efectuados ao abrigo do cheque dentista.
12) Nos anos de 2011 a 2015 o A. subscreveu declarações de compromisso para inscrição no programa de promoção de saúde oral (cheque dentista) quer na ARSNorte quer na ARS-Centro.
13) O A. também estava inscrito no Ministério da Saúde, no programa Cheque Dentista através da E….
14) O mesmo sucedendo com a D….
15) Em 13/09/2011 o A. estava integrado no site da D…
16) A actividade profissional do A. na E… encontrava-se publicitada. 17) O nome do A. figurava nas facturas e nas receitas, e o mesmo dava orçamentos para tratamentos de dentes e subscrevia relatórios, e consequentemente, as consultas eram agendadas.
18) A E… também girava com a firma G…, Lda..
19) Na F… o A. também emitia recibos, e elaborava planos de tratamento.
20) Durante os anos de 2011 a 2014 o A. não declarou rendimentos à Autoridade Tributária resultantes do exercício de actividade independente.
21) O A. registou-se no Portal de Requisição de Vinhetas e Receitas em 29-9-2012, tendo sido efectuadas igualmente prescrições ao longo do ano de 2011.
22) No ano de 2011 o A. emitiu 46 receitas, no ano de 2012 emitiu 123 receitas, no ano de 2013 emitiu 136 receitas, e no ano de 2014 emitiu 53 receitas, perfazendo um total de 359 receitas.
23) Entre Julho de 2011 e Fevereiro de 2015, pela D…, por força da actividade médica prestada pelo A., foram emitidas facturas, a utentes e a clínicas, que totalizam o montante de 73.536,78€.
24) Relativamente aos utentes assistidos pelo A. a D… retinha em média 55% do valor pago, sendo o remanescente a remuneração do A..
25) Relativamente às clinicas onde o A. dava consultas, a D… entregava um recibo mensal, relativo à percentagem não retida por aquelas, e que era repartido entre o A. e a D… na proporção de 10% para a D… e o remanescente para o A..”
*
B) Discussão
1. Questões levantadas sobre a matéria de facto / nulidades invocadas
1.1 Delimitação da intervenção
Nas suas alegações invoca a Recorrente que a sentença padece de nulidade, sendo que, nesse âmbito, percebe-se, em face do que fez constar das conclusões, que, apesar de serem levantadas várias questões específicas, todas elas contendem com a pronúncia do Tribunal a quo no âmbito da matéria de facto, assim invocando-se o seguinte:
- não teria sido valorada a factualidade da máxima relevância para julgamento segundo a equidade (que refere estar descrita nas páginas 11 a 17 das alegações), o que, conclui a Recorrente, se configura como nulidade, nos termos da segunda parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto não valorou matéria de facto que se impunha conhecer (conclusão 1.ª);
- no caso a perícia se revelou um meio probatório impróprio e inútil (“conforme alegado a pp. 17 a 19 das presentes alegações”), impondo-se “sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas” (conclusão 2.ª);
- “a ampliação da matéria de facto foi levada a cabo de forma irregular, porquanto não foi respeitado o uso do direito do contraditório conferido às partes, nem foi respeitado o ritualismo imposto pelo art. 72.º do C.P.T., conforme referido pela Recorrente de fls. 1800 a 1801v” (conclusão 3.ª);
- não se pode identificar a motivação da matéria de facto por remessa para decisão anterior quando se trata de nova factualidade (o que argui como nulidade, “nos termos e para os efeitos do disposto no art. 195º, aplicável ex vi art. 1.º, nº 1, al. a) do CPT, conforme alegado a pp. 17-19”) (conclusão 3.ª);
- ocorre excesso de pronúncia, pronunciando-se a sentença sobre percentagens retidas quer pelas Clínicas em que o A. prestou actividade, quer pela própria D… em relação aos serviços por si prestados, que não foi alegada (o que, diz, configura nulidade à luz do preceituado na segunda parte da alínea d), do n.º 1, do art. 615.º do C.P.C. (conclusão 4.ª);
- foi valorado o depoimento de parte em manteria favorável ao Autor (conclusão 4.ª);
- ocorre falta de especificação de fundamento de facto, nos termos da alínea b), da mesma norma (art. 77.º do C.P.T.), conforme alegado a pp. 19 e 20 (conclusão 4.ª).
Em face do que se invoca, assim nos termos indicados antes, importa fazer uma observação inicial, que assume real relevância no caso, essa relacionada com o modo como a Recorrente enquadra no presente recurso as questões que levanta, assim esquecendo que a nova sentença de que recorre foi proferida no seguimento do acórdão que foi proferido por esta Relação nos presentes autos em 27 de junho de 2019, acórdão esse que, em face da delimitação do recurso então interposto também pela aqui de novo Recorrente, sem esquecermos ainda o primeiro acórdão que também havia sido proferido nos autos, apreciou já as questões então aí expressamente levantadas, ou seja referentes à atividade anterior do Tribunal a quo, assim desde logo sobre meios de prova atendidos por esse Tribunal / prova produzida nos autos e sua atendibilidade na sentença, sendo que, tratando-se de atos produzidos anteriormente e que foram objeto de apreciação no acórdão anterior que proferimos, mantém-se válido e eficaz o que nesse foi decidido. Ou seja, não pode a Recorrente levantar agora, de novo, no presente recurso, questões que já tenham sido apreciadas anteriormente por esta Relação, como ainda, esclareça-se, quaisquer outras que, precisamente por estar em causa atividade anterior do Tribunal, caso pretendesse colocá-las a este Tribunal da Relação, deveria tê-lo feito antes (e assim não o fez), ficando assim precludida a possibilidade de as impugnar ex novo no presente recurso. Fora desse âmbito ficarão, naturalmente, todas as questões não abrangidas pelo anterior acórdão desta Relação, assim nomeadamente relacionadas com o modo como o Tribunal a quo, em cumprimento daquele, deu (ou não) cumprimento ao nesse determinado.
Mas mais, importa esclarecê-lo.
É que, por outro lado, pretendendo a Recorrente dirigir o recurso à pronúncia do Tribunal a quo sobre matéria de facto (sua reapreciação por esta Relação), a lei impõe o cumprimento de determinados ónus, sob pena de rejeição – artigo 640.º do CPC –, como melhor veremos de seguida (ponto 1.2.1).

1.2 Pronúncia em face do referido anteriormente:
1.2.1 Recurso sobre a matéria de facto / invocada não valoração de matéria de facto pelo Tribunal a quo
Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo não valorou factualidade da máxima relevância para julgamento segundo a equidade (que refere estar descrita nas páginas 11 a 17 das alegações), o que, diz, se configura como nulidade, nos termos da segunda parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto não valorou matéria de facto que se impunha conhecer (conclusão 1.ª).
Cumprindo-nos apreciar, e desde logo, caso a intenção da Recorrente fosse a de impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente, como o diz, quaisquer factos que na sua ótica deveriam ter sido considerados provada pelo Tribunal recorrido, o modo adequado de impugnação / reação processual, tendo em vista a supressão de eventual vício nesse âmbito, não será, salvo o devido respeito, a invocação do vício da nulidade da sentença por eventual omissão de pronúncia, a que se alude na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Na verdade, a previsão do n.º 1 do artigo 615.º sobre nulidade da sentença diz respeito a vícios intrínsecos da formação desta peça processual, aí taxativamente consagrados, tratando-se de vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão que não podem ser confundidas com quaisquer hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito.
E, quanto a estes últimos, no que se refere a qualquer eventual erro de julgamento no âmbito da pronúncia sobre matéria de facto, a decisão do tribunal a quo é então sindicável em sede de recurso sobre a matéria de facto, tratando artigo 662.º do CPC do modo como o Tribunal da Relação deve atuar, assim, ou alterando a decisão proferida “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (n.º 1), ou, não sendo esse o caso, ordenando (mesmo oficiosamente) a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou ainda, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova, sem prejuízo de, por último, poder anular “a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” (n.ºs 1 e 2).
Porém, sendo dirigido o recurso à reapreciação da matéria de facto, nos termos como aliás o dissemos anteriormente, impõe a lei processual ao recorrente o cumprimento de determinados ónus.
De facto, dispondo o n.º 1 do artigo 662.º do CPC antes mencionado que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – aí se abrangendo, nomeadamente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente –, deve porém o recorrente, nestes casos, observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha o mesmo Autor, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
Tendo pois por base o supra citado dispositivo legal, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[4].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[5] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.” Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[6] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).” Ainda, por último, no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de outubro de 2016[7] – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”[8]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”
Aplicando então ao caso o regime antes mencionado, de modo claro se conclui que, querendo impugnar a pronúncia do Tribunal recorrido sobre matéria de facto, a Recorrente não cumpriu minimamente que seja os ónus legais que lhe eram impostos, pois que, em face do que consta das conclusões, nessas não indicou, oferecendo ainda respetiva redação, quais os factos concretos que aquele Tribunal não considerou provados e que refere que deveriam, diversamente, ter sido considerados provados – assim desde logo o que refere nas páginas que indica do corpo das alegações.
Deste modo, sem necessidade de maiores considerações, rejeita-se o recurso nessa parte.

1.2.2. Quanto à perícia realizada
Sustenta a Recorrente que, no caso, a perícia se revelou um meio probatório impróprio e inútil (“conforme alegado a pp. 17 a 19 das presentes alegações”), impondo-se “sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas” (conclusão 2.ª).
Apreciando, sem prejuízo ainda de se constatar que a Recorrente levou apenas às suas conclusões o que se referiu anteriormente e não pois efetivos argumentos tendentes a dar sustentação ao que invoca, valerá aqui então tudo o que referimos anteriormente, assim na nossa pronúncia anterior, assim, por um lado, a propósito da perícia propriamente dita, pois que se trata de questão sobre a qual se pronunciou já esta Relação em anterior acórdão, para o qual remetemos pois, como ainda, por outro lado, que, caso a intenção da Recorrente fosse a de impugnar qualquer facto sobre o qual tenha ocorrido pronúncia do Tribunal recorrido no âmbito da matéria de facto, assim designadamente para cuja prova tivesse sido relevante o resultado daquela perícia, deveria nesse caso, mais uma vez como o concluímos antes, ter dirigido expressamente o recurso à impugnação da matéria de facto, como aliás o fez no recurso que esteve na base do nosso anterior acórdão e que por essa razão foi nesse apreciado, sendo que, neste caso, assim não atuou.
Deste modo, sem necessidade de outras considerações, nada mais se nos impõe decidir, no âmbito da matéria de facto, quanto a essa questão.

1.2.3 Valoração do depoimento de parte
Na conclusão 4.ª refere também a Recorrente que foi valorado o depoimento de parte em manteria favorável ao Autor.
Apreciando, sem prejuízo mais uma vez de a Recorrente ter levado apenas às suas conclusões o que se referiu anteriormente e não pois efetivos argumentos tendentes a dar sustentação ao que invoca, independentemente dessa constatação, sempre acrescentaremos que valerá mais uma vez neste âmbito o que referimos no ponto anterior (1.2.2), assim, nomeadamente, no sentido de evidenciar que, caso a intenção da Recorrente fosse a de impugnar qualquer facto sobre o qual tenha ocorrido pronúncia do Tribunal recorrido no âmbito da matéria de facto, se lhe impunha nesse caso que tivesse dirigido expressa e diretamente o recurso à impugnação da matéria de facto, o que não fez.
Porque assim é, sem necessidade também de outras considerações, nada mais se nos impõe decidir quanto a essa questão.

1.2.4 Nulidade por invocado desrespeito do direito ao contraditório / desrespeito do ritualismo imposto pelo artigo 72.º do CPT / excesso de pronúncia
Invoca a Recorrente, agora sim referente à pronúncia do Tribunal a quo em sede de matéria de facto no seguimento do determinado pelo acórdão que proferimos anteriormente, que foi desrespeitado o direito do contraditório conferido às partes, como ainda o ritualismo imposto pelo artigo 72.º do CPT. Mais sustenta que, pronunciando-se a sentença sobre percentagens retidas quer pelas Clínicas em que o Autor prestou atividade, quer pela própria D… em relação aos serviços por si prestados, que não foi alegada, tal configura nulidade por excesso de pronúncia, à luz do preceituado na segunda parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
Sem prejuízo de, mais uma vez, a Recorrente não ter levado às suas conclusões quaisquer argumentos efetivos tendentes a dar sustentação ao que afirma, ainda que nos socorramos, como o faremos, quer do que invocou o requerimento que apresentou perante o Tribunal a quo (ponto 3.2 do relatório que elaborámos), quer ainda do que mencionou no corpo das alegações, a verdade é que não encontramos fundamento bastante, salvo o devido respeito, para acompanhar o seu raciocínio, como melhor fundamentaremos de seguida.
Numa primeira nota começaremos por dizer que, a ocorrer a invocada nulidade de falta de cumprimento do contraditório, a mesma dirá respeito a atividade anterior à da prolação da sentença propriamente dita, assumindo-se assim como processual, referente a essa atividade que a Recorrente diz não ter sido a adequada – ou seja, uma pretensa existência de decisão surpresa, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
A seu propósito, enquadrando ainda que de modo breve a questão, tendo pois presente que em face à posição da Apelante, se bem a percebemos, o vício invocado é pela mesma vislumbrado numa imputada falta de cumprimento pelo tribunal de 1.ª instância do princípio do contraditório, começaremos por recordar que esse invocado princípio, como é consabido, é tido como emanado do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (direito constitucional a um processo equitativo), encontrando atualmente consagração expressa no CPC, assim no seu artigo 3.º, n.º 3, em que se estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Estamos aqui perante princípio que, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz – respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC –, tem normalmente como campo de aplicação os casos em que o tribunal tenha de debruçar-se sobre questões (de facto ou direito) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado/invocado, impondo-se ao juiz, mesmo nesses casos, que antes de decidir dê a possibilidade às partes de se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo[9]’[10]. São de resto bem evidentes as vantagens que desse regime podem resultar, seja para o julgador, por lhe permitir após a audição das partes que a sua posição seja afirmada com maior convicção e segurança, seja para as partes, ao dar a estas a possibilidade de esgrimirem os seus argumentos de modo a poderem influenciar aquela decisão[11].
Pois bem, por decorrência do regime que antes sinteticamente se expôs, tentando perceber-se o que se invoca no caso, estaríamos então, a ocorrer o vício que é avançado pela Recorrente, como o dissemos já, perante nulidade processual, ocorrida não na sentença propriamente dita e sim, diversamente, em momento prévio, nulidade essa que, a verificar-se, chamando à colação o regime aplicável, não integraria o núcleo das nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas), as quais estão especificamente previstas na lei e de que pode o Tribunal conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[12], assumindo antes, diversamente, a natureza de nulidade secundária (ou, de 2.º grau, atípica ou inominada), caindo assim na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC – omitindo o juiz a aplicação do analisado princípio do contraditório, daí pode pois resultar nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º[13], caindo na previsão do referido artigo 195.º, pois que a decisão surpresa, salvos os casos de manifesta desnecessidade, ao não ter dado às partes a oportunidade de se pronunciarem, pode influir no exame ou na decisão a causa –, razão pela qual, como desse resulta, sempre o seu conhecimento, pela sua afirmada natureza, depende de arguição, regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º) e o momento/prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º, n.º 1: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”).
Porém, no caso, sem esquecermos aliás que a aqui Recorrente também invocou desde logo perante o Tribunal a quo a ocorrência da nulidade em causa, concretizando-se afinal o invocado vício, dado o modo como a Recorrente o enquadra, na pronúncia desse Tribunal sobre a matéria de facto, consideramos então que estará também a coberto da própria sentença, sendo assim o meio de reação o recurso.
Porque assim é, estamos em condições de analisar o invocado pela Recorrente, que aponta à sentença o vício da nulidade por falta de cumprimento do princípio do contraditório, fazendo nomeadamente apelo ao disposto no artigo 72.º, do CPT.
Cumprindo esse objetivo, como aliás já o dissemos anteriormente, entendemos que não lhe assiste razão, como procuraremos evidenciar de seguida.
Em primeiro lugar, questão que a Recorrente parece esquecer, importa ter presente o regime aplicável, sobre o qual se pronunciou já este Tribunal da Relação de um modo que temos por bastante nos acórdãos proferidos nos presentes autos, assim em particular, citando-se aqui apenas o que se fez constar do último desses acórdãos, a respeito do que resulta do artigo 360.º do CPC, “que, com expressa consagração nessa norma, se pode dizer, com apoio na doutrina e na jurisprudência, que a melhor interpretação do regime legal dai decorrente é a que sustenta a existência de uma obrigação legal por parte do julgador de lançar mão do mecanismo constante do número 4 do artigo 360.º do CPC, de tal modo que, oficiosamente, face à insuficiência de prova – juízo que porventura só a final, produzida essa, poderá estar em condições de formular –, determine a realização das diligências probatórias possíveis e necessárias para alcançar a quantificação visada no incidente de liquidação. Ou seja, sem que tal signifique que o requerente esteja aqui dispensado de alegar e procurar provar os factos necessários para apuramento e liquidação da quantia devida, impõe-se ao julgador, afastando-se assim do funcionamento das regras legais do ónus da prova, uma especial diligência processual no sentido de que seja produzida a prova necessária e possível para a concretização do valor do dano/crédito, ultrapassando a situação de non liquet. E dizemos adequada e possível pois que, naturalmente, essa indagação oficiosa de prova complementar não é imperiosa, podendo haver casos em que, justificadamente, o julgador conclua, isso mesmo esclarecendo na fundamentação da decisão, que a realização de outras diligências não conduzirá, no caso, a um resultado útil e, logo, que terá de julgar, sem mais, segundo as regras da equidade.”
Como resulta mais uma vez do mesmo acórdão, nos casos em que se constate que não foi dado cumprimento a esse dispositivo legal, foi aí considerado que essa situação se reconduz, em rigor, a uma situação similar ou próxima das previstas no número 2, alínea c), do artigo 662.º do CPC[14], que consente a anulação da sentença, com vista à produção de outros meios de prova e ampliação da matéria de facto. E, nesse entendimento, aplicando-o ao caso, fez-se constar do acórdão, nomeadamente, que não acompanhávamos a atuação do Tribunal de 1.ª instância “quando se pronunciou sobre a matéria de facto, pois que deixou aqui de levar à factualidade provada factos que segundo o que afirmou na motivação da matéria de facto teria considerado demonstrados, em particular (como se viu anteriormente) a propósito do valor/quantia que refere ter sido auferida pelo Autor no período em apreciação nas clínicas / estabelecimentos que referenciou na matéria de facto”.
Como se referiu ainda nesse mesmo acórdão, por se ter considerado que a factualidade aí provada não permitia quantificar o dano, tanto mais que então a Ré havia impugnado a matéria de facto – “tentando demonstrar, ainda, que os meios de prova produzidos não são suficientes para o apuramento do dano a que o Tribunal chegou e avançando mesmo outro valor, diverso daquele” –, tendo presente que a própria sentença, assim na motivação da matéria de facto, evidenciava que o Tribunal a quo teria firmado convicção positiva sobre factos que não considerou provados, com particular destaque no valor em dinheiro que teria ou não sido auferido pelo Autor no período em apreciação, tratando-se de questão que se impunha esclarecer, de tal forma que os autos contivessem, previamente à prolação da sentença, os elementos necessários ao apuramento da liquidação, na consideração de que estávamos perante um caso de insuficiência da matéria de facto que impunha a sua ampliação – artigo 662.º, n.ºs 2, al. c), do CPC –, determinou-se “a anulação da decisão recorrida, de tal modo que, com aproveitamento de toda a prova produzida, e sem prejuízo de outra que repute necessária, seja proferida pelo Tribunal a quo pronúncia expressa sobre se, para além dos já como tal considerados, outros factos devem considerar-se (ou não) provados, diretamente relacionados como os montantes / valores auferidos pelo Autor no período objeto de apreciação nos autos, incluindo sobre a percentagem que seria repartido entre o Autor e a D…, a que alude o ponto 4.º da factualidade provada.”
Ora, e de modo determinante para a apreciação da questão levantada, importa não esquecer toda a atividade anterior realizada nos autos – em que se incluem já, também, duas pronúncias por este Tribunal da Relação, que determinaram aliás a anulação das sentenças antes proferidas, de resto com o objetivo de que pudessem obter-se elementos de facto que permitissem fazer o apuramento / liquidação – o que foi e é necessariamente do perfeito conhecimento da Recorrente, enquanto parte processual e, acrescente-se, tendo assumindo uma posição ativa nos recursos que apresentou (bem como questões que nesses levantou) e que foram apreciados naquelas nossas pronúncias.
O que se referiu anteriormente visa enquadrar devidamente a atuação do Tribunal a quo que a Recorrente questiona, nos termos antes mencionados, lembrando designadamente que aquela atividade, desculpe-se a expressão, “não surgiu do nada”, pois que, como se viu, teve por base, justificando-a, o decidido em sede de recurso.
Dito de modo mais claro, sendo legítimo que se possa discordar do modo concreto como se concretizou tal atuação processual (como a Recorrente discorda), no entanto, e nessa parte não vemos como possa questionar-se, facilmente se percebe que a referida atuação do Tribunal a quo, assim no despacho que proferiu posteriormente, dizendo aliás que o estava a fazer, teve por base, necessariamente, o dever de cumprimento do determinado por esta Relação, no acórdão a que se aludiu, assim no sentido de ampliação da matéria de facto, ou seja com inclusão na factualidade provada dos factos que esse Tribunal, muito embora em lugar que se teve por inadequado, tinha tido como demonstrados na sentença que proferira. Por outro lado, tratando-se das operações de liquidação, a coberto da norma aplicável e que o mesmo acórdão refere, incidindo precisamente sobre o julgador uma especial diligência processual no sentido de que seja produzida a prova necessária e possível para a concretização do valor do dano/crédito, ultrapassando a situação de non liquet, os elementos concretizadores que resultarem dessa atividade deverão então ser atendidos. Ainda, sendo verdade que a prova que resulte dessa atividade está necessariamente sujeita ao contraditório das partes, não se pode dizer que esse não foi cumprido no caso dos autos (de resto a Recorrente nas suas alegações pronuncia-se precisamente sobre a prova produzida, como aliás o fez anteriormente, assim no recurso que interpôs da sentença anterior, em que tais factos se haviam mencionado, tanto mais que dirigiu precisamente também o recurso à reapreciação da matéria de facto, justificando assim a pronúncia que fizemos constar do nosso acórdão anterior), pois que o Tribunal recorrido, para formar a sua convicção, se serviu apenas e tão somente de prova antes produzida nos autos, sobre a qual, sem que se invoque aliás o contrário, fora já cumprido o contraditório e assim respeitando aquele princípio.
Trata-se, pois, salvo o devido respeito, de questão levantada no processo, assim de liquidação do devido, incluindo então sobre a indagação de elementos de facto que para tais efeitos possam resultar da prova produzia, sujeita assim, como se disse já, ao contraditório das partes, sendo que, enquadrada como está a sua atuação no cumprimento efetivo do seu dever de conhecimento, sempre se imporia ao tribunal o dever de pronúncia. De resto, diga-se também, estando em causa apurar, enquanto facto essencial / fundamental[15], os rendimentos auferidos pelo Autor no período a atender, desde que essa concretização decorresse da prova produzida e objeto de julgamento, sempre poderia/deveria no caso o tribunal a essa atender, tanto mais que, como se disse, tiveram as partes a oportunidade de se pronunciarem.
Ou seja, sendo naturalmente legítimo que se possa discordar daquela convicção, assim desde logo com fundamento numa inadequada apreciação da prova (seja em si mesma, seja por existir outra que justificaria que se formasse diversa convicção), o que não pode dizer-se é que se trata de caso de incumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, admitindo-se é certo que o Tribunal a quo pudesse ter tido outra atuação processual, assim optando por uma que tivesse designado, previamente à prolação da decisão sobre a matéria de facto que dá cumprimento ao determinado por esta Relação, diligência processual em que permitisse às partes (através dos seus Mandatários) que sobre tal se pronunciassem, entendemos porém que não existe neste caso uma obrigatoriedade legal nesse sentido, precisamente por estar em causa, como se disse, o determinado em acórdão de tribunal superior quanto a matéria de facto em relação à qual já havia existido pronúncia na sentença proferida, muito embora como se disse em lugar inadequado. É aliás também apenas dentro desse enquadramento que se aceita como suficiente, em termos de fundamentação da matéria de facto, que o Tribunal a quo se tenha limitado, no despacho em que aditou os factos em causa, em termos de motivação, a referir que “o elenco factual supra resulta, no seu ponto i) da alteração ordenada pelo Tribunal da Relação do Porto (fls. 1506 verso dos autos), e nos demais pontos do relatório pericial de fls. 1698 a 1703 dos autos, sem perder de vista a motivação de facto da nossa pretérita sentença que aqui se dá por reproduzida”.
Por último, estando em causa pronúncia sobre a matéria de facto, o modo de reação processual de que a Recorrente poderia ter feito uso se essa pronúncia quisesse impugnar seria, como o dissemos antes, uma que dirigisse o recurso à sua reapreciação, com necessário cumprimento dos ónus legais, o que não fez, sendo que, não impugnada a matéria de facto, não pode, pois, fazer uso de eventuais factos (ou mesmo meios de prova) que daquela constem e muito menos, diga-se, que a contrariem.
Do que se disse anteriormente decorre, também, que não estaremos perante um qualquer caso em que, por falta de cumprimento de contraditório, se pudesse chamar à aplicação a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento), vício esse que, como se sabe, tem a ver diretamente com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608º, nº2 do CPC[16], tratando-se pois, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de outubro de 2012[17], “de anomia atinente aos deveres e limitações do decisor em matéria de cognição da causa, ou seja, relativa ao poderes/deveres de cognição do julgador”.[18]
Concluindo, não ocorrem no caso os analisados vícios, sendo que, porque assim é, caso discordasse da decisão proferida sobre a matéria de facto, deveria a Recorrente ter tido o cuidado de dirigir o presente recurso à sua reapreciação por esta Relação, cumprindo nesse caso os ónus legais, o que manifestamente não fez, sendo que, salvo o devido respeito, tal omissão é apenas da sua responsabilidade.

1.3. Por decorrência do decidido anteriormente, o quadro factual a atender, para dizermos de direito, é aquele que como tal se fez constar da sentença recorrida.

2. Dizendo de direito:
2.1. Dos pressupostos da liquidação
A decisão, transitada em julgado, objeto da presente liquidação, condenou a aqui Recorrente nos termos seguintes: “b.2. (…) a pagar ao A. quantia global de 171.116,75€ a título de retribuições vencidas e vincendas desde 1-7-2011 até 31-1-2014 [incluindo subsídios de férias vencidos em 2011, 2012, 2013, 2014, e subsídios de Natal vencidos em 2011, 2012 e 2013] e demais vincendas desde esta data até ao trânsito em julgado do presente acórdão, à razão de 4.510,57€ mensais. A tal montante deverá ser deduzido, em sede de liquidação de sentença, o valor que se prove que o A. auferiu desde o despedimento como produto do seu trabalho (…). b.5. (…) a pagar ao A. as férias e subsídio de férias e de Natal proporcionais ao ano do trânsito em julgado do presente acórdão e tendo como referência a retribuição média mensal de 4.510,57€, a liquidar em sede de liquidação da sentença.”
Ora, não se tendo conseguido apurar na ação declarativa, nomeadamente, a fim de que seja deduzido à condenação, o montante que o aí Autor / aqui requerente auferiu desde o despedimento como produto do seu trabalho, deu-se início então ao presente incidente de liquidação, sendo que, como melhor resulta do relatório que anteriormente se elaborou, produzida a prova e determinada ainda a realização de peritagem, é objeto de recurso a última decisão do Tribunal a quo que procedeu, a final, à liquidação.
Como melhor resulta da sentença recorrida, o Tribunal de 1.ª instância, fixando o valor total das prestações retributivas em €243.485,66 (€171.116,75€ + € 72.368,91, respetivamente valor liquidado nos autos principais e valor das prestações vencidas até ao trânsito em julgado), na procura do montante que a esse valor havia de ser reduzido referente ao auferido pelo Autor desde o despedimento como produto do seu trabalho, socorrendo-se da prova produzida (em que se inclui a peritagem oficiosamente determinada) indicou os factos tidos por apurados nos autos, após o que, recorrendo como o disse à equidade[19], fixou aquele montante em €55.152,59.
Cumprindo-nos apreciar da adequação do julgado, importa, porém, mais uma vez, fazer um esclarecimento prévio, nos termos que seguidamente explicaremos.

2.1.1. Constando como se disse da sentença, expressamente, que se recorreu à equidade, sem prejuízo do que diremos mais atarde já no âmbito da sua apreciação, impõe-se fazer desde já um esclarecimento, melhor dizendo correção, sobre a afirmação da Recorrente, constante das conclusões, no sentido de que no acórdão que foi proferido por esta Relação anteriormente nos presentes autos se tenha decidido que o Tribunal de 1.ª Instância julgasse segundo a equidade.
E dizemos correção para não irmos mais longe, dada a absoluta falta de fundamento de tal afirmação.
É que, sem que dúvidas se possam colocar, em lugar algum do referido acórdão tal dissemos, como ainda, acrescente-se, que tenha sido utilizada uma qualquer frase ou expressão que, porventura por falta de clareza ou menor adequação, sequer pudesse ser entendida como tendo subjacente uma qualquer apreciação nossa no referido sentido.
Diversamente, o que resulta desse acórdão, é que, “se considerada então apenas a factualidade que o Tribunal recorrido considerou provada, com facilidade se poderia concluir pela falta dos elementos necessários para a concretização da liquidação, havendo então, nesse caso, dada a insuficiência da factualidade provada para fixar com rigor e exatidão o valor dos danos, como modo dessa contornar, de recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 560.º, do Código Civil que determina que, nesses casos, o julgador deverá decidir segundo a equidade, dentro dos limites que tiver por provados”. Mas mais, assim quanto à questão que se nos impunha dar resposta em sede de recurso, relacionada afinal com a decisão que pode/deve ser proferida pelo tribunal de recurso numa situação como a que aí se descreveu, sendo que, em resposta, afirmando-se mais uma vez que a factualidade provada não permite fixar a quantia devida, porque a sentença então recorrida, assim na motivação da matéria de facto, evidencia que o Tribunal a quo teria firmado convicção positiva sobre factos que não considerou provados, com particular destaque no valor em dinheiro que teria ou não sido auferido pelo Autor no período em apreciação, mas aos quais atendeu aquando da decisão de direito, porque se entendeu que se tratava de questão que se impunha esclarecer, de tal forma que os autos contivessem, previamente à prolação da sentença, os elementos necessários ao apuramento da liquidação – ou seja, suprindo o Tribunal recorrido a situação que ocorre, de algum modo incongruente, de fazer constar da sentença, no momento da aplicação do direito, tendo-o em consideração para efeitos de cálculo, um valor em dinheiro que não resulta da factualidade provada, como se imporia que resultasse para esse deduzir, o que se reconduz a um caso de insuficiência da matéria de facto que impõe, em conformidade, a sua ampliação (artigo 662.º, n.ºs 2, al. c), do CPC), determinou-se a anulação dessa sentença, de tal modo que, com aproveitamento de toda a prova produzida, e sem prejuízo de outra que reputasse necessária, fosse proferida pelo Tribunal a quo pronúncia expressa sobre se, para além dos já como tal considerados, outros factos devem considerar-se (ou não) provados, tendentes a nesses se poder basear o apuramento dos montantes/valores auferidos pelo Autor no período objeto de apreciação nos autos, incluindo sobre a percentagem que seria repartido entre o Autor e a D… (a que alude o ponto 4.º da factualidade provada).
Mais se afirmou de seguida nesse acórdão, o que contraria mais uma vez de um modo claro e inequívoco o agora afirmado pela Recorrente, que só após, tendo apenas por base o quadro factual que viesse a fixar, o Tribunal deveria depois proferir sentença, no domínio da aplicação do direito, fixando o valor liquidado, mas apenas se elementos houver para o efeito, ou, não os havendo, recorrendo então à equidade – “Só após, aí sim, tendo apenas por base o quadro factual que fixar, o Tribunal deverá depois proferir sentença, no domínio da aplicação do direito, fixando o valor liquidado, mas apenas se elementos houver para o efeito, ou, não os havendo, recorrendo então à equidade”.
Esclarecida esta questão, prosseguindo na análise, importa agora verificar da questão referente ao recurso à equidade.

2.1.2. Regime da liquidação do dano / recurso à equidade
A propósito do regime processual do incidente utilizado (artigo 358.º e ss. do CPC) se pronunciou já este Tribunal superior nos anteriores acórdãos proferidos nos presentes autos, dispensando-se, pois, aqui e agora, repetições desnecessárias.
Não obstante, cumprirá assinalar, ainda que possamos cair em risco de alguma repetição, em particular em face do regime estabelecido no n.º 4 do artigo 360.º, a circunstância de o incidente assumir aí uma dimensão oficiosa, para além pois da mera disponibilidade das partes. Ou seja, o Estado assume aí uma função de realização da Justiça nos casos em que, sendo já certa a existência do direito por força do trânsito em julgado da decisão proferida na fase declarativa do processo, se torna necessária a sua concretização. É de resto também essa mesma necessidade de concretização, nos casos em que sendo insuficientes as provas oferecidas pelos litigantes e não logrando também depois o tribunal completá-las oficiosamente nos termos do n.º 4 do artigo 360.º do CPC, que leva ao recurso à equidade, precisamente como modo derradeiro de realização daquele mesmo objetivo – artigo 566.º, do Código Civil (CC).
Trata-se, como é consabido, de instituto que desde há muito vigora no nosso sistema jurídico, tendo na sua base precisamente a ideia de atingir, mesmo quando falham os demais recursos, o que é justo e equitativo para o caso concreto.
Daí que, como afirmavam Pires de Lima e Antunes Varela a propósito do artigo 4.º do CC, “o que passa a ter força especial, são as razões de conveniência, de oportunidade e principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está nestes casos subordinado aos critérios normativos fixados na lei.”[20]’[21]
No entanto, apelando-se agora a Jacinto Rodrigues Bastos, ainda a propósito do mesmo preceito, “a palavra “equidade” é tomada aqui na aceção de realização da justiça abstrata no caso concreto, o que em regra, envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjetiva do julgador. Mas se o juiz de equidade decide, não pelo ajuste do preceito legal às particularidades do caso, mas arbitrariamente, há violação da lei, que é sempre o comando, a ter, primeiramente, em conta”[22].
Como se refere no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de janeiro de 2019[23], citando:
“O apelo à equidade como forma de concretização de um direito judicialmente declarado, cujo conteúdo efetivo não resulta dessa declaração, impõe-se como recurso de última instância de forma a dar conteúdo útil à decisão judicial que declarou, mas não precisou, a dimensão efetiva do direito em causa.
A equidade, nos casos em que a lei expressamente prevê o seu uso, articula-se com a oficiosidade que caracteriza intervenção do Juiz nesta forma de realização da Justiça, mas implica um conjunto de tarefas para o julgador na resolução do caso, que não estão presentes, na mesma dimensão, de uma forma expressa, num normal processo de aplicação do Direito e na resolução de um litígio.
A equidade deixa um espaço aberto ao Juiz na realização do Direito do caso, exigindo-lhe que projete nas particularidades deste os princípios que caracterizam o sistema jurídico, fora de um quadro normativamente vinculado. Deste modo, julgando com recurso à equidade, o Juiz realiza a Justiça do caso, sem estar sujeito a critérios juridicamente objetivados, mas não se afastando nunca dos princípios que enformam o sistema jurídico, globalmente considerado. (…)
O julgamento com base na equidade vai impor ao juiz que procure os elementos relevantes em termos de caracterização do caso a decidir, suprindo, quando necessário as insuficiências da intervenção das partes, de forma a encontrar a solução para o litígio que exprima os mencionados princípios gerais.
As dimensões de Justiça, de equilíbrio, nomeadamente, dos interesses afetados pelo litígio, de proporcionalidade, são assim indissociáveis do julgamento com base na equidade e permitirão aferir se a decisão proferida respeitou esses princípios, ou se se pode considerar arbitrária.
Conforme refere TERESA TEIXEIRA DA MOTA, «o julgamento segundo a equidade confere ao tribunal a possibilidade de dar uma resolução ao litígio fundada em critérios de justiça, ao invés de recorrer às normas legais aplicáveis. Não obstante, a decisão de julgar segundo a equidade não só não impõe, como tão pouco acarreta necessariamente, o afastamento do enquadramento legal e a sua total substituição por critérios equitativos, naquilo que se designa por equidade substitutiva. As mais das vezes há apenas lugar a uma equidade corretiva, segundo a qual o tribunal socorrendo-se das normas legais aplicáveis, usa a equidade para as adaptar ao caso concreto, dando ao mesmo a solução que considera mais justa»[6].(…)”
Tendo, pois, por suporte o regime que anteriormente sinteticamente se expôs, descendo ao caso concreto que se decide para efeitos de aplicação dos critérios enunciados, vejamos então se o decidido na sentença recorrida, utilizando as palavras de Teresa Teixeira da Mota, deu adequada “resolução ao litígio fundada em critérios de justiça.

2.1.3 O caso decidindo
Como primeira nota, e desde já, enquadrando-se assim a análise, importa ter presente que o Tribunal recorrido afirmou na sentença que se socorreu da equidade.
Na verdade, não obstante a prova produzida (incluindo peritagem oficiosamente determinada), os elementos de facto recolhidos foram considerados na sentença insuficientes para o apuramento com precisão do valor a deduzir referente aos rendimentos auferidos pelo Autor desde o despedimento e no período a considerar[24]. De facto, consta da sentença proferida que “mesmo após a realização de prova pericial, que permitiu computar o valor facturado pela D…, por força da actividade médica prestada pelo A., tanto a utentes como a outras clínicas, e bem assim as percentagens médias retidas por aquela clínica, seja pelos utentes ali assistidos, seja pelas consultas dadas pelo A. nas demais clínicas, ainda assim, desconhecendo-se o número de consultas efectivamente dadas, mas tão só aquelas que mereceram receituário, e as que foram facturadas, cumprirá, nesta parte, recorrer à equidade”. Ou seja, devendo ter por base o valor de todos os rendimentos auferidos decorrentes da atividade desenvolvida e não apenas daquela que foi objeto de faturação, entendeu o Tribunal recorrido, do que se percebe por considerar que o valor faturado seria apenas uma parte da atividade desenvolvida, que ficava em aberto nessa parte, por falta de elementos, a questão da liquidação.
Em face do exposto poderemos pois dizer que, diversamente do que refere a Recorrente, o Tribunal a quo socorreu-se afinal da equidade, como expressamente o afirmou na sentença, nos termos antes referenciados.
Coisa diversa é já a de saber se o fez ou não do modo mais adequado.
E, procurando-se então responder a tal questão, adiantamos desde já que, com salvaguarda do devido respeito, não se nos afigura ter sido esse o caso, como melhor explicaremos de seguida.
Desde logo, e em primeiro lugar, se o afirmado recurso à equidade por parte do Tribunal recorrido teve por base, como se refere na sentença, a falta de elementos provados sobre o número efetivo de consultas dadas pelo Autor, sendo assim desconhecido esse número – por apenas ser conhecidas “aquelas que mereceram receituário” e “as que foram facturadas” –, não se percebe então completamente esse seu raciocínio quando, dizendo-se que se está a fazer o apuramento com recurso à equidade, tendo por base o valor apurado como sido faturado, ou seja € 73.536,78, por forma a poder aplicar-se as percentagens médias retidas e obter o remanescente recebido pelo Autor, se limita o mesmo Tribunal a fixar, em termos equitativos, a proporção por esse recebida em ¾ do valor faturado.
Ora, tendo atuado assim, sem prejuízo do que diremos infra, desde logo ressalta à evidência que, mesmo considerando apenas as razões que esse Tribunal indicou, sequer o recurso à equidade a que o mesmo afirmou recorrer ultrapassaria totalmente a situação de non liquet que disse existir, quando, como aliás tivemos oportunidade de o salientar nos anteriores acórdãos que proferimos nos presentes autos, o que se visa é todo esse ultrapassar. Aliás, verificando-se exatamente o que se fez constar da sentença quando nessa se justificou o recurso à equidade, sequer se ultrapassou o non liquet derivado da causa que aí expressamente se indicou como justificativa, pois que essa causa, voltando a citar-se a sentença, é na mesma mencionada do modo seguinte: “… desconhecendo-se o número de consultas efectivamente dadas, mas tão só aquelas que mereceram receituário, e as que foram facturadas, cumprirá, nesta parte, recorrer à equidade”.
Mas mais, assim o consideramos.
É que, sem prejuízo do que diremos mais tarde sobre essa causa indicada pelo Tribunal recorrido, limitada agora a nossa análise ao modo como na sentença se concretizou depois o recurso à equidade de que afirmou estar a socorrer-se – deduzindo “o valor aquilatado em virtude do princípio da equidade, que será de ¾ de 73.536,78€, ou seja, 55.152,59€”, aí antes justificado nos termos seguintes: “Assim, sabendo-se que entre Julho de 2011 e Fevereiro de 2015, pela D…, por força da actividade médica prestada pelo A., foram emitidas facturas, a utentes e a clínicas, que totalizam o montante de 73.536,78€, mas desconhecendo-se o número de consultas que efectivamente foram dadas pelo A. em cada uma das clínicas, por forma a poder aplicar-se as percentagens médias retidas e obter o remanescente recebido pelo A., fixa-se em termos equitativos, a proporção recebida pelo A. em ¾ do valor facturado” –, sequer acompanhamos, pelas razões que de seguida diremos, o modo como se fez tal concretização.
É que, salvo o devido respeito, ainda que se admita ser necessário recorrer à equidade, tal recurso, por dever ter presente alguns elementos que entendemos resultarem suficientemente dos autos, pode / deve concretizar-se de modo diverso, nos termos que seguidamente referiremos.
Desde logo, sendo o valor de 73.536,78€ provado apenas o que resulta da faturação da D…, por força da atividade médica prestada pelo Autor, nesse valor não estarão contabilizados os montantes retidos por cada uma das demais clínicas em que aquele prestou serviço por conta daquela e sim, diversamente, nessa parte, apenas o correspondente aos valores entregues àquela clínica (D…).
Isso mesmo resulta na nossa ótica de modo bastante do que se deu como provado.
É que, constando do ponto 23.º que “entre Julho de 2011 e Fevereiro de 2015, pela D…, por força da actividade médica prestada pelo A., foram emitidas facturas, a utentes e a clínicas, que totalizam o montante de 73.536,78€”, daí apenas pode resultar, assim o entendemos necessariamente, de que esse montante apenas diz respeito a essa clínica, e não pois, desde logo, o que foi recebido e ou porventura faturado pelas demais clínicas, sendo que, mais uma vez também necessariamente, aquele valor traduz tão somente o total dos montantes que aquela D… faturou, ou seja, do que recebera de clientes ou, quanto às demais clínicas quanto as consultas foram nessas realizadas, os valores, mas já deduzidas as percentagens que as mesmas retinham – quanto à percentagem que essas retinham, às mesmas incumbia a respetiva faturação.
Daí que, não podendo deixar de ter-se presente o que se referiu anteriormente, a leitura possível do que se deu como provado no ponto seguinte (24.º), assim que “relativamente aos utentes assistidos pelo A. a D… retinha em média 55% do valor pago, sendo o remanescente a remuneração do A.”, aponte no sentido de que a percentagem de 55% aí indicada apenas se refere a uma realidade, precisamente a que se relaciona com as consultas prestadas pelo Autor na D…, em relação às quais esta teria de faturar todo o valor, pois que o recebia, e não já, pois, sobre os valores recebidos e faturados pela D… em causa de consultas prestadas nas demais clínicas, pois que nesse caso apenas seria faturado o que era recebido por essa clínica, já descontada a percentagem que essas retinham para si. Aliás, quanto a esta última realidade, sem esquecermos o que referimos anteriormente, assim que apenas está em causa a faturação dos montantes não retidos pelas demais clínicas, o ponto 25.º da factualidade provada dá-nos suficiente e esclarecedora resposta, ao constar que, relativo à percentagem não retida por aquelas, essa era repartida “entre o A. e a D… na proporção de 10% para a D… e o remanescente para o A..”
Volta a repetir-se, o valor faturado que se provou apenas comporta as aludidas realidades, ou seja, a parte relativa à percentagem não retida pelas outras clínicas, em relação à qual como se provou era repartida entre o Autor e a D… na proporção de 10% para esta e o remanescente para aquele, e, por outro lado, a relativa às consultas prestadas nesta clínica, caso em que do valor recebido e que foi faturado pela mesma, retinha em média 55% do valor pago, sendo o remanescente a remuneração do Autor.
Essa mesma ilação, assim de que quanto às consultas prestadas nas demais clínicas apenas estão incluídos no valor faturado que se provou as percentagens não retidas por essas, se retira aliás do ponto 4.º da factualidade provada, pois que desse consta, precisamente, que a D… entregava um recibo mensal às clínicas onde o A. dava consultas, relativo à percentagem não retida por estas”. De resto, esclareça-se ainda, essa mesma realidade fora já bem evidenciada no relatório pericial elaborado e junto aos autos, pois que, ressaltando desse com relativa facilidade a conclusão de que ao valor que então se apurou, referente a essa faturação, apenas se haveria de descontar a percentagem retida pela D…, sendo que, apontando então o Sr. Perito três hipóteses, assim de 0%, 10% e 20%, indicando os valores que dessas resultariam como sendo o rendimento auferido pelo Autor, a verdade é que, quanto a essas hipóteses, tendo agora sido considerado provado que a percentagem era de 10%, importará descartar as demais.
Ou seja, independentemente do número das consultas realizadas em cada uma das demais clínicas, provando-se o valor que foi faturado pela D…, a questão da liquidação da parte que foi recebida pelo Autor apenas estará dependente de sabermos ou não qual a parte do total faturado que diria respeito a cada uma das referidas realidades, sendo que, respondendo-se a essa questão, aí sim a factualidade provada não será, por si só, suficiente para tais efeitos.
Não obstante, aceitando-se que possa ser necessário recorrer à equidade por falta de tal indicação exata na factualidade provada, esse recurso, nos termos aliás antes mencionados, pode / deve ter presente os elementos de que o Tribunal se possa socorrer com a suficiente objetividade, em termos de aproximar, na medida do possível, o resultado a que chegue ao que se apresente como justo e equitativo.
Nesse enquadramento, consideramos ser possível, como veremos de seguida, muito embora é certo socorrendo-nos de alguns elementos que não constando da factualidade provada resultam porém dos autos, assim do relatório pericial (a respeito do qual, como afirmámos no nosso anterior acórdão, quando notificadas as partes nada requereram a seu respeito), efetuados alguns cálculos matemáticos, fazer o apuramento do valor que, estando incluído no que se provou ter sido faturado, teria sido recebido pelo Autor.
É que, por um lado, sendo verdade que não resulta expressamente dos factos provados qual a parte do valor faturado que diz respeito a consultas realizadas na D… (nas quais, como se provou, essa retinha a percentagem de 55%, correspondendo o resto ao que era efetivamente recebido pelo Autor), no entanto, socorrendo-nos, como se disse já, dos elementos que resultam do relatório pericial (e que afinal foram considerados na sentença, incluindo para efeitos de motivação quanto aos factos provados), facilmente se extrai que está em causa um valor diminuto, pois que do total faturado, não relacionado com as demais Clínicas, esse é apenas de €1060,00 (de acordo com o quadro nesse incluído, respetivamente: 450,00 + 350,00 + 210,00 + 50,00) – correspondendo o restante à parte não retida pelas demais Clínicas, de consultas nelas realizadas.
Ou seja, porque com maior suporte nos autos, entendemos que, diversamente do caminho seguido pelo Tribunal recorrido que se limitou a fixar, diga-se que sem o justificar, em ¾ de 73.536,78€ o montante que teria sido recebido pelo Autor, é possível determinar, com maior rigor, utilizando os elementos antes indicados, qual a parte que se referirá a cada uma das duas realidades antes mencionadas, sendo que, estando provadas quais eram as percentagens que eram aplicadas a cada uma delas, com maior ajuste se poderão fazer então os cálculos necessários para apurar o que teria sido recebido efetivamente pelo Autor.
Fazendo, então, de seguida, operar esses cálculos, sobre o valor faturado de €73.536,78, deduziremos o valor de €1060,00 para apuramento do que diz respeito ao recebido e faturado pela D… mas que corresponde à percentagem não retida pelas demais clínicas de consultas nessas realizadas, sendo que, então, sobre o valor a que se chega, assim de €72.476,78, fazendo incidir a percentagem a aplicar nessa parte (assim, como se disse, de 90% para o Autor e 10% para aquela clínica), chega-se ao resultado, a respeito do valor auferido pelo Autor, de €65.229,10 (€72.476,78 x 90%). Por sua vez, quanto ao valor remanescente, assim de €1060,00, também após os correspondentes cálculos (€1060,00 x 55%), obtém-se o valor de €583,00. Somando por fim esses valores, tal traduz-se, como rendimento do autor em relação ao total faturado, na quantia de € 65.812,10, que temos pois por aplicável no caso – como o dissemos, por considerarmos que existirem elementos bastantes, ainda que com recurso à equidade como afinal se fez na mesma sentença, chegamos ao indicado valor em dinheiro, que, na nossa ótica, mais se aproxima sem dúvidas da realidade, desde logo por comparação com o que resulte da mera aplicação de um fator abstrato, de resto não fundamentado, como se fez na sentença recorrida
Do exposto resulta, em conformidade com os fundamentos antes invocados, que a esse valor atenderemos, em termos como se viu não propriamente coincidentes com a decisão recorrida.
Importando avançar na análise, como aliás o dissemos antes, fica então por saber da questão do apuramento do valor, se algum dever ser atendido, por recurso necessário à equidade, que o Autor pudesse ter recebido de consultas que tenha dado mas que não tivessem sido objeto de faturação.
A esse respeito, como o dissemos já antes, a sentença recorrida, apesar de basear aí a necessidade de recurso à equidade, não lhe deu depois, assim nessa parte, qualquer concretização.
Cumprindo-nos verificar se ocorre afinal fundamento para o fazermos em sede de recurso, adiante-se desde já que não é esse o caso.
É que, desde logo, não encontramos afinal na factualidade provada qualquer elemento concreto que nos permita dizer, com um mínimo de fundamento, que nem todas as consultas realizadas pelo Autor foram objeto de faturação.
De facto, com base na factualidade provada apenas se pode dizer que o Autor, durante o período que decorreu entre o despedimento ocorrido a 1-7-2011 e o trânsito em julgado da ação a 19-2-2015, desenvolveu atividade profissional, em dias e com horários que não foi possível apurar, em três clínicas, assim a D…, a E…, Lda. (nos seus vários estabelecimentos) e a F…, Sociedade Unipessoal, Lda. (pontos 1.º a 3.º da factualidade provada).
Depois, mais uma vez com suporte na mesma factualidade, o que resultou efetivamente provado – assim, que a D… entregava um recibo mensal às clínicas onde o Autor dava consultas, relativo à percentagem não retida por estas e que era repartido entre o Autor e a D… (ponto 4.º), como ainda que o Autor estava inscrito no Programa Nacional de promoção de saúde oral como médico dentista das E… e D…, bem como inscrito na Ordem dos Médicos Dentistas e nas Administrações Regionais de Saúde do Norte e do Centro, que quando emitia receitas médicas (tendo emitido no ano de 2011 46 receitas, no ano de 2012 123 receitas, no ano de 2013 136 receitas e no ano de 2014 53 receitas, perfazendo um total de 359 receitas), que essas eram sujeitas a controlo quer pela ARS-Norte quer pela ARS-Centro, as quais enviavam periodicamente a relação dos pagamentos efetuados ao abrigo do cheque dentista – nos anos de 2011 a 2015 o Autor subscreveu declarações de compromisso para inscrição no programa de promoção de saúde oral (cheque dentista) quer na ARSNorte quer na ARS-Centro –, que estava também inscrito no Ministério da Saúde, no programa Cheque Dentista através da E… e da D…, como também que o nome do Autor figurava nas faturas e nas receitas (e que o mesmo dava orçamentos para tratamentos de dentes e subscrevia relatórios, e consequentemente, as consultas eram agendadas) e que durante os anos de 2011 a 2014 não declarou rendimentos à Autoridade Tributária resultantes do exercício de atividade independente (pontos 4.º e seguintes), – não permite extrair, assim o consideramos, qualquer elemento que nos permita retirar qualquer conclusão, ou mesmo sequer simples ilação, no sentido de que parte das consultas não tivesse no caso sido objeto de faturação.
Dito de outro modo, sendo também verdade que não resulta expressamente o contrário, ou seja que todas as consultas realizadas tivessem sido objeto da referida faturação, estando em causa uma operação de liquidação do valor que porventura tenha resultado de toda a atividade realizada, tendo também presente que afinal existe uma obrigação legal no sentido da faturação por parte dos prestadores da atividade, não se pode presumir, sem mais, em particular quando a factualidade provada não dá suporte, sequer mínimo, nesse sentido, que ocorreu atividade realizada que ficou fora do âmbito da faturação emitida.
É que, como aliás resulta claramente do n.º 3 do artigo 566.º do CC, o julgamento equitativo aí previsto pelo tribunal é feito “dentro dos limites que tiver por provados”, ou seja, a contrario, sem ir para além desses limites, sendo que no caso que se apreia esses limites não permitem, em face do que se provou, ter por provados quaisquer rendimentos auferidos pelo Autor decorrentes de consultas que tenham sido prestadas sem que tenham sido objeto de faturação.
Na verdade, uma qualquer consideração que tivesse em conta rendimentos dessa natureza, por falta de suporte nos factos, só poderia basear-se, afinal, numa qualquer ideia de que fosse do senso comum e enquanto tal do conhecimento das pessoas em geral e por essa razão do próprio tribunal que exista sempre atividade que seja prestada fora das regras impostas para a prestação da atividade (designadamente, fora da obrigação legal de reporte, desde logo à Entidade tributária), a comummente designada “economia paralela”, e que, apenas com base nessa consideração, fosse de concluir que tal teria ocorrido no caso que se aprecia, o que temos por inaceitável, tanto mais que, ainda que porventura fosse aceitável tal ideia, mesmo nesse caso, sob pena de arbitrariedade, teria necessariamente de ter algum reporte no que se demonstrou realmente nos autos e que enquanto tal se tivesse feito constar da factualidade provada, em termos de poder ser tida a atuação do julgador ainda dentro dos limites que tivesse por provados, como é pressuposto da norma (n.º 3, do artigo 566.º, do CC), o que não é o caso – que mais não fosse, para efeitos do facto, em face da prova produzida, que à prova daquele pudesse ter chegado o tribunal através da formulação de deduções e induções que, partindo da inteligência, se baseiem na correção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos[25].
De resto, assim o entendemos, o processamento ocorrido dos presentes autos é demonstrativo do esforço realizado para que fossem obtidos os elementos necessários à liquidação, tendo precisamente presente o campo da aplicação da norma, incluindo pois também a questão da necessidade de prova do facto e mesmo para efeitos do julgamento de acordo com a equidade, que este se concretiza dentro dos seus limites, bastando ter presente, para além da atividade desenvolvida em 1.ª instância, que mesmo este Tribunal da Relação já proferiu anteriormente dois acórdãos, nos quais se anulou a sentença proferida por razões relacionadas precisamente com a obtenção de elementos de facto que permitissem fazer o apuramento que é pressuposto.
Tudo, porém, dentro da intervenção e assim a decisão a proferir por este Tribunal da Relação em sede de recurso, importando ter presente que a nossa intervenção não se pode confundir com aquela que é pedida à 1.ª instância, sendo que, de acordo com o regime processual vigente, aquela nossa intervenção não se traduz como que num novo julgamento da causa, substituindo-se a essa instância. De facto, a intervenção desta Relação em sede de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é balizada pelas conclusões desse recurso, com exigência também de cumprimento de ónus, nos quais se incluem, desde logo, a respeito da matéria de facto, os previstos no artigo 640.º do CPC. E, nesse âmbito, a verdade é que a própria Recorrente, no que ao presente recurso diz respeito, por razões que só à mesma podem ser imputadas, assim por falta de cumprimento desses ónus legais, não logrou que se dessem como provados quaisquer outros factos para além daqueles que foram fixados em 1.ª instância, assim desde logo os que mencionou no corpo das alegações em que depois se baseou afinal para defender a solução que defende ao nível da aplicação do direito (pois que o recurso foi rejeitado por aquela razão da parte que se pode ter como dirigido à matéria de facto).
Daí que, por apelo de novo ao regime legal aplicável, antes mencionado, importe ter presente, utilizando as palavras de Jacinto Rodrigues Bastos, que a palavra “equidade” é aqui tomada na aceção de realização da justiça abstrata no caso concreto, o que em regra, envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjetiva do julgador, no entanto, porém, se o juiz de equidade decide, não pelo ajuste do preceito legal às particularidades do caso, mas arbitrariamente, há violação da lei, que é sempre o comando, a ter, primeiramente, em conta. Ou seja, utilizando de novo também o afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de janeiro de 2019, também antes citado, deixando a equidade um espaço aberto ao juiz na realização do Direito do caso, impõe-lhe, porém, que procure os elementos relevantes em termos de caracterização do caso a decidir, suprindo, quando necessário as insuficiências da intervenção das partes, de forma a encontrar a solução para o litígio que exprima os mencionados princípios gerais.
Em face do exposto, apenas importará considerar, como rendimento do autor, a quantia a que chegámos anteriormente, ou seja de € 65.812,10, a qual deve enquanto tal ser deduzida ao montante de € 243.485,66 indicado na sentença recorrida enquanto total das prestações retributivas e que não foi posto em causa no presente recurso (€72.368,91 + €171.116,75€), do que resulta, na procedência parcial do presente recurso, improcedendo no mais, que se fixa em €177.673,56 o valor liquidado a pagar pela Ré ao Autor, sendo por essa razão a sentença recorrida alterada em conformidade.

A responsabilidade pelas custas impende sobre as partes na proporção de vencimento / decaimento (artigo 527.º do CPC).
*
Sumário – artigo 663º, nº 7, do CPC:
………………………………
………………………………
………………………………
***
IV. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, considerando não verificadas as nulidades invocadas e rejeitando o recuso na parte dirigida à matéria de facto, na procedência parcial do mesmo recurso no mais, em alterar a sentença recorrida em conformidade com o presente acórdão, em que se condena a Ré, C…, Lda., no pagamento ao Autor, B…, a quantia liquidada de €177.673,56 (cento e setenta e sete mil, seiscentos e setenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos).
Custas da ação e do presente recurso na proporção do vencimento / decaimento.

Porto, 23 de novembro de 2020
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
______________
[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] www.dgsi.pt
[6] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[7] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[8] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª ed., Coimbra Ed., 2014, pág. 9.
[10] Porém, como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, I, 2013, Almedina, 2012, pág. 50, não se trata aqui de uma atividade como que “assistencial à parte carenciada”, destinando-se antes, apenas, citando, “a sinalizar caminhos para a descoberta a verdade, de acordo com a estratégia heurística servida pelo processo, mantendo-se desimpedidas as vias processuais, bem como a manter a parte informada sobre os desenvolvimentos processuais que posam influenciar a sua estratégia processual, no sentido de pôr fim ao processo o mais adequada e rapidamente possível”.
[11] Fernando Pereira Rodrigues, “O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes”, 2013, Almedina, pág. 49
[12] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º)
[13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. Cit., pág. 10.
[14] Anterior n.º 4, do artigo 712.º do CPC
[15] Sendo os factos essenciais aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção, os factos complementares são os que serão indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas que não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte, sendo que, integrando ambos a categoria de factos principais, enquanto necessários à procedência aquela ação ou exceção, por contraposição, os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos – Veja-se Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pág. 77.
[16] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
[17] Relator Conselheiro Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt.
[18] Socorrendo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2014 (Relator Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt.), por merecer a nossa plena concordância, diremos também (citando) que “constitui princípio geral do direito processual que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil (actualmente, artigo 608.º, mantendo-se inalterada a redacção do n.º 2 antigo) (...), sendo que, “omitindo o tribunal este dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula – artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil [actualmente, artigo 615.º, mantendo a alínea d) a redacção da antiga alínea)] (...)”.
[19] Como o refere, considerando que por força da atividade médica prestada pelo Autor haviam sido emitidas faturas, a utentes e a clínicas, que totalizam o montante de 73.536,78€, mas desconhecendo-se o número de consultas que efetivamente foram dadas pelo Autor em cada uma das clínicas, por forma a poder aplicar-se as percentagens médias retidas e obter o remanescente recebido por aquele, fixou em termos equitativos, a proporção recebida pelo mesmo em ¾ do valor faturado.
[20] Cfr. Código Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p.p. 54 e 55
[21] «Sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o Juiz completá-la oficiosamente, nos termos do art. 411, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do art. 477. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do art. 566-3 CC)»[Cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 701 e 702.
[22] Cfr., Das Leis, Sua Interpretação e Aplicação, 2.ª edição, 1978, pág. 30.
[23] Que de resto seguimos muito de perto - Relator Conselheiro António Leones Dantas, in www.dgsi.pt.
[24] “Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do art. 566-3 do CC” - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Ed. Coimbra Editora, pags. 701 e 702.
[25] Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2016 (Relator Conselheiro Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt.), “a prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objeto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos. Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, diretamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. (…) O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, mas não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica (…)”.