Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA CONCLUSIVA OU VALORATIVA TRATAMENTO/VISUALIZAÇÃO PARA EFEITOS DISCIPLINARES IMAGENS LICITAMENTE OBTIDAS SEGURANÇA E PROTECÇÃO DE PESSOAS E BENS INFRACÇÃO DISCIPLINAR DEVERES DE OBEDIÊNCIA LEALDADE E PROBIDADE JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP201909091437/18.4T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/09/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 297, FLS 239-305) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A decisão da matéria de facto provada não deve conter matéria conclusiva ou valorativa, assim como matéria repetitiva. II - No contexto da legislação em vigor à data, no caso concreto, da visualização, pela empregadora, das imagens captadas por sistema de videovigilância (CT/2009 e Lei 67/98, de 26.10) e tendo em conta a jurisprudência maioritária, é lícito o tratamento/visualização, para efeitos disciplinares, das imagens licitamente obtidas quando esteja em causa a segurança e protecção de pessoas e bens. III - Constitui infracção disciplinar o seguinte comportamento da trabalhadora, operadora de caixa de supermercado, que, em síntese: contra as ordens e instruções da empregadora, em operações de caixa relativas a clientes não detentores do cartão de fidelização C1…, por diversas vezes utilizou o cartão de outras pessoas, designadamente de uma sua colega, neles creditando descontos na aquisição de combustível na D…, no montante global de €42,00, decorrentes de compras efetuadas por aqueles clientes e aos quais os titulares dos cartões utilizados não tinham direito. IV - Tal comportamento viola os deveres de obediência, lealdade e probidade, quebrando a confiança indispensável à manutenção da relação laboral e consubstanciando justa causa de despedimento. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Procº nº 1437/18.4T8VFR.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1122) Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas Des. Nelson Fernandes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, aos 13.04.2018, litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo[1], veio, ao abrigo do disposto nos arts. 98º-C e 98º-D, ambos do CPT (aprovado pelo DL n.º 295/09 de 13/10), opor-se ao despedimento com invocação de justa causa levado a cabo por C…, SA [2]. Realizada audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento elencando os factos que fundamentam a justa causa do despedimento, assim como realizou o seu enquadramento jurídico chamando à colação o preceituado nos art.ºs 128º n.º1 c) e e) e as alíneas a), d) e e) do nº2 do artigo 351º do Código de Trabalho e as alíneas b), c) e d) da cláusula 41ª da CCT celebrada entre a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços, aplicável. Alega para tanto, e em suma, que, a A. exercia à data dos factos funções como operadora especializada na loja de … e que, em março de 2013, foi lançada a nível nacional uma campanha de fidelização de clientes do C…, tendo sido criado, em parceria com a D…, um cartão denominado C1…, que atribui descontos no abastecimento de combustíveis nos postos de abastecimento da D… e descontos no preço de alguns artigos em promoção, sendo os descontos em combustíveis atribuídos a compras iguais ou superiores a €40,00, sem a poupança imediata. Os colaboradores que operam na frente da loja têm conhecimento dos objetivos da campanha, das regras de utilização do cartão e da mecânica de atribuição de descontos em vigor e têm a obrigação de prestar ao cliente toda a informação sobre o cartão. Da informação sobre as regras de utilização desse cartão, que foi dada a conhecer aos colaboradores, referia-se expressamente que é expressamente proibido ao operador utilizar o C1… em benefício próprio ou de familiares e amigos, ou utilizar o seu C1… durante o atendimento aos clientes, ou utilizar em seu benefício qualquer vantagem associada ao cartão, decorrente do atendimento a clientes. Mais alega que a A., ao contrário das instruções que lhe foram dadas, nos dias 2, 7, 9, 17, 20, 21, 22, 23, 27, 28 e 30 de novembro e 5, 6, 8 e 30 de dezembro de 2017, utilizou o cartão C1… com o código …………., que pertencia à colaboradora E… que, à data dos factos, exercia funções no quiosque junto à loja; enquanto procedia ao atendimento dos clientes a que se referem as transações identificadas no artigo 44º da p.i., a A. solicitou à referida E… que lhe facultasse o seu C1…, tendo usado esse cartão nas compras dos clientes. Com a sua conduta, a A. pretendia beneficiar a sua colega E…, que assim podia usufruir dos descontos em combustível e beneficiar os clientes que estava a atender no …, os quais obteriam descontos em artigos. Em data posterior aos factos, o gerente F… e o District Manager G… reuniram com a A., tendo esta assumido que utilizou o cartão nas compras dos clientes. Com a sua atitude, a A. possibilitou que a referida E… fizesse sua uma quantia que não lhe pertencia, no total de €42,00 e possibilitou que os clientes usufruíssem de descontos no preço dos artigos em promoção, quando a tal não tinham direito, em prejuízo da sua entidade patronal, violando as regras estabelecidas para a utilização do cartão e desvirtuando e impedindo a finalidade de lançamento do cartão, que se destina à fidelização de clientes. Conclui que a A. agiu contra a vontade e em prejuízo da sua entidade patronal, com intenção de enganar e prejudicar a sua entidade patronal, destruindo a relação de confiança que existe entre as partes da relação laboral, uma vez que a Ré não pode mais confiar na A., nem confiar que a A. não pratique factos semelhantes no futuro e lesando de forma séria interesses patrimoniais da Ré. A Autora contestou pugnando pela ilicitude do despedimento, desde logo invocando a ilegitimidade dos intervenientes na instauração do processo disciplinar e na decisão de despedir a A.; que os factos alegados em 94º a 110º do articulado motivador não constam da decisão de despedimento e como tal não podem ser considerados; a caducidade do processo disciplinar; a utilização de prova proibida. Mais alega a A. que, sendo-lhe apresentado um cartão C1…, esta não sabe nem tem como saber se aquele cartão pertence ao real titular, podendo o cartão com o nº…………. ter sido usado pelo seu titular, familiar ou até amigos sem que a A. o pudesse saber; em dezembro de 2017, a E… já não pertencia aos quadros da Ré, o que demonstra que nos dias 5, 6, 8 e 30 de dezembro, a A. não usou o cartão daquela colaboradora. Além disso, trabalha na Ré há cerca de 20 anos, exercendo as suas funções com zelo e competência, sendo premiada com prémios de produtividade, não teve qualquer falta injustificada, estando sempre disponível para a Ré. Refere ainda que, a provar-se a conduta da A., o benefício e satisfação repercutiu-se nos clientes da Ré que beneficiaram dos descontos, o que vai ao encontro dos intentos da Ré de fidelização de clientes; além disso, não se provou qualquer prejuízo patrimonial para a Ré, pelo que o despedimento é uma sanção absolutamente desproporcional e desajustada à gravidade e ao grau de culpa da A. Peticiona, em reconvenção, a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização correspondente, calculada em 45 dias de retribuição base por cada ano de trabalho ou fracção, desde a data do início do contrato de trabalho até trânsito em julgado da sentença que decretar a ilicitude do despedimento, perfazendo até à presente data o montante de €19.414,05; a pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir, que perfazem a quantia de €1.226,26 e a pagar à A. a quantia de €5.000,00 a título de dano moral pelo despedimento ilícito; a quantia de €450,00 respeitante a prémio por assiduidade e boa avaliação. A Ré respondeu às exceções e à reconvenção, pugnando pela sua improcedência. Não se realizou a audiência preliminar, proferindo-se, aos 03.08.2018, despacho de saneamento do processo no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, no qual se apreciaram igualmente parte das nulidades do processo disciplinar invocadas - a ilegitimidade dos intervenientes na instauração do processo disciplinar e na decisão de despedir a A.- e a circunstância de os factos alegados em 94º a 110º do articulado motivador não constarem da decisão de despedimento comunicada à A. e, como tal, não poderem ser considerados, o que, tudo, foi julgado improcedente, remetendo-se para final a apreciação das restantes nulidades/exceções invocadas. Fixou-se o objeto do litígio, dispensou-se a enunciação dos temas de prova e fixou-se à ação o valor de €28.090,31. Realizada a audiência de julgamento (sessões de 16.11.2018 e de 05.12.2018) foi, aos 03.01.2018, proferida sentença que julgou o despedimento regular e lícito, absolvendo a ré do pedido reconvencional. Manteve o valor da ação fixado no despacho saneador. Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: …………………………… …………………………… …………………………… A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: …………………………… …………………………… …………………………… O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual apenas a Recorrente se pronunciou mantendo o alegado no recurso e no sentido do seu provimento. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013. *** ………………………………………………………… …………………………… * B. Alterações à decisão da matéria de facto oficiosamente determinadas Nos termos do art. 607º, nº 4, do CPC/2013, a decisão da matéria de facto apenas deve contemplar factos, estes os acontecimentos da vida real, e não já matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor. De acordo com o Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Edição, págs. 206 a 215: “(…) a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei; (…) Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens. (…) Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos. (…).” Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág.187, refere que: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)”. Na jurisprudência, entre muitos outros, relevantes são os Acórdão do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), que, a propósito do art. 646º, nº 4, refere que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.» Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova. Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)», O aresto reportava-se ao disposto no art. 646º, nº 4, do CPC/1961, norma esta não prevista no atual CPC/2013, mas cujos princípios se mantêm válidos, pois que são os factos que delimitam a aplicação do direito, sendo sobre eles que este irá incidir, para além de que nos termos do art. 607º, nº 4 deste diploma, continua o juiz, como não poderia deixar de ser, a ter que se pronunciar sobre “os factos que considera provados”, declarando “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados”. Neste sentido cfr. Acórdão do STJ de 14.01.2016, Proc. 1391/13.9TTCBR.C1.S1. De referir também que à decisão da matéria de facto provada não deverão ser levados factos repetitivos, o que é perfeitamente inútil e desnecessário, não consubstanciando técnica processual correta. No caso, a Mmª Juíza leva à decisão da matéria de facto matéria repetitiva e, bem assim, matéria conclusiva, pelo que, desde já e oficiosamente, impõe-se proceder às consequentes alterações nos termos que se seguem. …………………………… …………………………… …………………………… B.1. Sintetizando, são as seguintes as alterações oficiosamente introduzidas à matéria de facto provada em conformidade com o acima referido: 32 - Enquanto permaneceu a operar na respetiva caixa, nos dias 2, 7, 9, 17, 20, 21, 22, 23, 27, 28 e 30 de novembro e 5, 6, 8 e 30 de dezembro de 2017, a Autora utilizou o cartão com o código de barras nº ………….. 47º- Com a sua conduta, a Autora pretendia beneficiar a sua colega E… que assim poderia usufruir dos descontos em combustível e beneficiar os clientes que estava a atender no …, os quais poderiam obter os descontos em artigos, que porventura adquirissem, de acordo com as promoções que existissem à data. [redacção já alterada] 50º- Nem os clientes em cujas compras esse cartão foi usado e que não tinham cartão, tinham direito aos descontos no preço de alguns dos artigos que essa utilização do cartão poderia proporcionar. [redacção já alterada] 53º- Não escrito. 56º- Não escrito. 58º- Não escrito. 60º- Não escrito 61º- As vendas referidas em 37 totalizaram a quantia de €1.247,75 [redacção já alterada]. 62º- Conseguindo a Autora, com o registo desse volume de vendas nesse cartão – com o nº ………….-, que fosse registado/creditado no mesmo um desconto em combustível num valor de €42,00. [redacção já alterada]. 63º- Não escrito. 66º- Não escrito. 67º- As regras de utilização do cartão foram transmitidas à A., nomeadamente na instrução de que teve conhecimento e através do manual de procedimentos de frente de loja. [redacção já alterada]. 68º- Não escrito. 69º- Não escrito. 70º- Não escrito. 71º- O lançamento do cartão destina-se à fidelização de clientes na Ré, através da utilização por cada titular registado do respetivo cartão. [redacção já alterada]. 74º- Com tais condutas, a Autora agiu com a intenção de atribuir aos clientes descontos nos preços dos artigos em promoção caso estes fossem adquiridos pelos mesmos. [redacção já alterada]. 76º-A A. agiu contra a vontade da sua entidade patronal. [redacção já alterada]. 106- Com a visualização das imagens a Ré pretendeu verificar a origem do referido no nº 105. [redacção já alterada]. 110. Da Autorização Nº 2915/2017 emitida pela CNPD que se reporta o nº 108 dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte: “C…, SA, (…), notificou um tratamento de dados pessoais resultante de videovigilância, com a finalidade de protecção de pessoas e bens a realizar no seu estabelecimento com a designação Loja nº … – C… de … e endereço …, (…). O sistema é composto por 72 câmaras, colocadas nos seguintes locais: Pontos de acesso a partir do exterior/Sala de contagem de valores/área de venda/Zonas das caixas registadoras/Parque de estacionamento/Armazéns/área de cofre/zonas internas de circulação/ (…) A CNPD já se pronunciou na sua Deliberação nº 6172004, de 19 de abril [3] sobre os princípios orientadores para o correto cumprimento da Lei de Proteção de Dados, em matéria de videovigilância, bem como as condições gerais aplicáveis ao tratamento de dados pessoais para a finalidade de protecção de pessoas e bens. Decorrem desses princípios, bem como da lei laboral e da jurisprudência, os seguintes limites ao tratamento: • (…) • Não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a actividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da actividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar (cf. artigos 20º e 21º do Código do Trabalho). • (…) O tratamento em análise, com as limitações referidas, é adequado, pertinente e não excessivo face à finalidade declarada (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 5º da Lei 67/98, de 26 de outubro, alterada pela Lei nº 103/2015, de 24 de agosto – LPD) e à actividade desenvolvida. O tratamento de dados pessoais efectuada no âmbito da videovigilância enquadra-se no conceito de vida provada, previsto no nº 2 do artigo 7º da LPD. O artigo 31º da Lei nº 34/2013, de 16 de maio, constitui o fundamento que legitima a instalação deste sistema. Assim, com os limites fixados, autoriza-se o tratamento notificado ao abrigo do disposto nos artigos 7º, nº 2, 28º, nº 1, alínea a), 29º e 30º, nº 1 da LPD, nos seguintes termos: Responsável – C…, SA Finalidade – Proteção de pessoas e bens Categoria de dados pessoais tratados – Imagens captadas pelo sistema Forma de exercício do direito de acesso – Por solicitação Presencial ao responsável no seguinte endereço/contacto: …, … ….-… … Comunica das imagens – As imagens só podem ser transmitidas nos termos da lei processual penal. Detetada a eventual infracção penal, o responsável deverá, juntamente com a participação, enviar à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competentes as imagens recolhidas. Noutras situações em que as autoridades solicitem acesso às imagens, tal só poderá ocorrer, no âmbito de processo judicial devidamente identificado, em cumprimento de despacho fundamentado da autoridade judiciária competente. Fora destas condições não pode o responsável comunicar as imagens. Conservação dos dados – 30 dias (…) De modo a garantir o direito de informação consagrado no artigo 10º da LPD, deverão ser afixados em locais bem visíveis avisos informativos. (…)” [Aditado] *** III. Fundamentação1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10). Assim, são as seguintes as questões suscitadas …………………………… …………………………… …………………………… - Ilicitude da videovigilância …………………………… …………………………… …………………………… - Inexistência de justa causa para o despedimento. …………………………… …………………………… …………………………… 3. ……………………….. e da invalidade da videovigilância …………………………… …………………………… …………………………… 3.2. Tendo a Ré, no âmbito do procedimento disciplinar, procedido à captação e visualização da gravação por sistema de videovigilância existente no seu estabelecimento, a A., na contestação, veio, pelas razões que aí aduz, invocar a ilicitude de tal meio de prova, concluindo no sentido de que a Ré não poderia ter dado como provados os factos nºs 25 a 91 constantes da nota de culpa, assim concluindo no sentido da ilicitude do despedimento, ao que a ré respondeu no sentido da validade de tal meio de prova. …………………………… …………………………… …………………………… 3.2.3. De harmonia com o art. 20º, nº 2, do CT/2009 é lícita a utilização, através de equipamento tecnológico, de meios de vigilância à distância no local de trabalho desde que “tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem”. A licitude da instalação e captação de imagens, no local de trabalho, por sistema de videovigilância nas instalações da empresa [para os fins acima referidos], não oferece grandes dúvidas, desde que previamente autorizada pelo Comissão Nacional de Protecção de Dados [art. 21º, nº 1, do CT/2009] e observados que sejam os requisitos previstos no nº 3 do art. 20º do mesmo, quais sejam a informação dos trabalhadores sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados e “afixação nos locais sujeitos” dos avisos com os dizeres mencionados nesse número. No caso, está provado que a Ré dispunha de autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para instalação do equipamento de videovigilância e que tal autorização estabelecia como finalidade da sua utilização a protecção de pessoas e bens, o que não é aliás posto em causa no recurso. Neste, alega todavia a Recorrente a falta de placa com os dizeres legalmente exigíveis na concreta câmara junto à caixa em que a A. operava [e que gravava de forma contínua sujeitando a A. e as outras trabalhadoras a uma permanente observação e cujas imagens foram visualizadas e consideradas na sentença recorrida]. Acontece que, como acima referido [a propósito da impugnação do nº 109 dos factos provados] e para onde remete, tal facto não foi alegado pela Recorrente na contestação, que a ele não faz concreta referência, tratando-se, pois, de facto novo, que agora não poderá ser atendido, assim como consubstancia nova “causa de pedir”/fundamento no que se reporta à pretensão da A. de ver declarada a ilicitude da utilização, no caso concreto, da videovigilância, designadamente no que se reporta ao seu visionamento. Trata-se, pois e também, de questão nova (que não mero argumento), que não foi apreciada pela 1ª instância e cuja invocação, apenas em sede de recurso, é extemporânea, dela não podendo a Relação conhecer. O mesmo se diga quanto à alegação de que F…, gerente da loja, e o District Manager, G…, não tinham competência disciplinar, pelo que a visualização pelos mesmos em violação dos dados pessoais seria ilegal, questão esta que foi apenas suscitada em sede de recurso, e não já na contestação. Nesta, a propósito da alegada ilicitude do visionamento da gravação, a A. nada alegou quanto à sua ilicitude por alegada falta de poderes disciplinares por parte daqueles para as visionar. Trata-se, pois, que questão nova, e que também não foi apreciada pela 1ª instância, pelo que dela não pode agora esta Relação conhecer. E, novamente, o mesmo se diga quanto à alegação de que o prazo de conservação das imagens é de 30 dias, sendo-lhe imputadas infracções disciplinares, relativas aos dias 02.11.2017, 07.11.2017 e 09.11.2017, com base em visualizações de imagens que deveriam estar destruídas. Esta questão foi apenas suscitada em sede de recurso, e não já na contestação. Nesta, a propósito da alegada ilicitude do visionamento da gravação, a A. nada alegou quanto a tal causa de ilicitude do visionamento. Trata-se, pois, que questão nova, e que também não foi apreciada pela 1ª instância, pelo que dela não pode agora esta Relação conhecer. Não se deixará, todavia, de salientar que, para além dessas imputadas infracções (num total de 6), foram imputadas à A. outras, num total de 14, relativas ao período entre 17.11.2017 a 30.12.2017 [cfr. nº 37 dos factos provados]. 3.2.4.Cumpre, pois e de seguida, apreciar da questão de saber se, não obstante a licitude da instalação no local de trabalho e da captação de imagens por meio da videovigilância, será, ou não, lícita a sua utilização para efeitos disciplinares. Como é sabido e dispensa dissertação teórica alongada, estão em equação interesses opostos: de um lado, os do empregador, titular do direito à empresa e dos poderes directivos e conformativos da prestação laboral e de fiscalização da mesma; de outro lado, os do trabalhador, que se prendem com a dignidade da pessoa humana e com os direitos de reserva da intimidade da vida privada ou do direito à privacidade, consagrados constitucionalmente (arts. 26º, nº 1 e 32, nº 8, da CRP) e na legislação ordinária (79º do CC, 126, nº 3, do CPP e diversas disposições da LPDP, esta a aprovada pela Lei 67/98, de 26.10 que, embora entretanto revogada pelo art. 66º, nº 1, da recente Lei 58/2019, de 08.08, se encontrava todavia em vigor aquando da visualização das imagens e sendo, por isso, a aplicável ao caso), bem como, nas palavras de Teresa Coelho Moreira, com o direito à autodeterminação informativa que “visa permitir às pessoas controlar o fluxo de informação relativa à sua pessoa, isto é, um direito de controlo ativo sobre as informações que sobre ela recaem e a não ser instrumentalizada através do conhecimento adquirido sobre aspectos da sua personalidade, isto é, o direito à autodeterminação informativa, consagrado constitucionalmente no art. 35” – “Every Breath You Take, Every Move You Make: A Privacidade dos Trabalhadores e o Controlo Através de Meios Audiovisuais”, Prontuário de Direito do Trabalho, nº 87, Coimbra Editora, págs.17/18. E é nestes princípios/direitos do trabalhador que entronca o art. 20º, nº 1, do CT/2009, nos termos do qual: “1. O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”. Sendo tal proibição, pelo menos aparentemente clara e perentória, surgem todavia as dúvidas face ao nº 2 do citado preceito, nos termos do qual “2. A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem”. Com efeito, tanto a doutrina, como a jurisprudência, têm-se dividido quanto a interpretação e conjugação de tais normas, salientando-se em síntese e no essencial, embora com algumas “nuances”, duas posições: Uma, primeira, que não admite o tratamento/visualização das imagens para efeitos disciplinares, ainda que nelas estejam em causa as situações referidas no nº 2 do art. 20º, mormente de protecção e segurança de pessoas e bens, posição esta que, muito sinteticamente, assenta: nos diferentes campos de aplicação dos nº 1 e 2 do referido preceito, reportando-se o nº 1, ao tratamento/visualização das imagens, proibindo-as para efeitos disciplinares e, o nº 2º, à possibilidade conferida pela lei (verificados os demais condicionalismos exigidos) de instalação/utilização do referido equipamento para os fins nele referidos, mas não já ao seu tratamento/visualização como meio de controlo de desempenho do trabalhador, neste controlo se incluindo, ou nele redundando, a sua utilização para efeitos disciplinares [ressalvando-se a possibilidade da sua utilização para efeitos criminais], não constituindo o nº 2 uma exceção ao nº 1; diversas disposições da LPDP [designadamente arts. 5º, nº 1, al. b), relativo ao princípio da finalidade; art. 5º, nº 1, al. c), relativos aos princípios da adequabilidade, pertinência e proporcionalidade, 8º, nº 3, 13º, nº 1]; obediência ao princípio da finalidade, na medida em que sendo conferida a autorização para a utilização da videovigilância para protecção e segurança de pessoas e bens, este o fim previsto no nº 2 do art. 20º, não poderão ser as imagens utilizadas para punir disciplinarmente o trabalhador, o que consubstanciaria finalidade diferente; para além de que as autorizações concedidas pela CNPD são-no para segurança e protecção de pessoas e bens, nelas se prevendo a sua utilização para efeitos criminais e nelas se excluindo a possibilidade da sua utilização para controlo do desempenho do trabalhador, incluindo para efeitos disciplinares e, em sintonia, a interpretação da CNPD constante da Deliberação 61/2004, consultável no respectivo site e referida no Acórdão desta Relação de 09.05.2011, adiante indicado. Neste sentido, cfr., na doutrina, Catarina Sarmento e Castro, “A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores”, in Questões Laborais, nº 20, pág. 145; Guilherme Dray, Código do Trabalho Anotado, 6ª Edição, Almedina, em anotação ao art. 20º; e Pedro Ferreira de Sousa, in o Procedimento Disciplinar Laboral, 3ª Edição, Almedina, págs. 179 e segs, concretamente, 201 a 206. Na jurisprudência, cfr.[todos publicados in www.dgsi.pt, à exceção do segundo]: -Acórdãos da Relação de Lisboa de 03.05.06[4] e de 19.11.2008[5], Processos nºs 872/2006-4 e 7125/2008-4; -Acórdão da Relação de Lisboa de 09.12.2008, cujo sumário consta do Prontuário de Direito do Trabalho, nº 82, pág. 123 e segs, de acordo com o qual “a videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplina”; - Acórdãos do STJ de 08.02.2006, Processo 05S3139[6]; - Acórdão da Relação do Porto, de 09.05.2011[7], Procº nº 379/10.6TTBCL-A.P1; Uma outra posição segundo a qual, estando em causa a protecção e segurança de pessoas e bens, é, nos termos do nº 2 do art. 20º, admissível a visualização e utilização pelo empregador da imagens como meio de prova para efeitos disciplinares. Na doutrina, veja-se: André Pestana Nascimento, “O Impacto das Novas Tecnologias no Direito do Trabalho E A Tutela dos Direitos de Personalidade do Trabalhador”, Prontuário do Direito do Trabalho, 79/80/81, Coimbra Editora, pág. 215 e segs, concretamente, págs. 237 a 242, que, para tanto e em síntese: invoca o art. 20º, nº 2, alertando embora para a importância do princípio da proporcionalidade na sua tripla vertente de idoneidade, necessidade e proibição do excesso, e o princípio da finalidade; reportando-se à primeira das mencionada posições, refere que “Esta posição não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens ou de particulares exigência inerentes à natureza da actividade. (…). Será naturalmente o caso do empregado de caixa de um banco que é detectado através do sistema de vigilância a furtar dinheiro do cofre. Parece-nos impensável que perante uma situação destas o empregador não possa despedir o funcionário com recurso às imagens captadas e fazer prova em juízo. Se esta prova é admissível perante um furto cometido por um terceiro, também o deverá ser se praticado por um trabalhador. (…). Se é verdade que os trabalhadores não perdem a sua qualidade de cidadãos no exercício da sua actividade laboral, não menos é verdade que não beneficiam de uma especial protecção e impunidade pelo simples facto de terem celebrado um contrato de trabalho”. Amadeu Guerra, in “A privacidade no Local de Trabalho”, Almedina, 2004, pp. 358 e 359, que entende que “o facto de o DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro referir que os «dados recolhidos só podem ser utilizados nos termos da lei penal» não invalida que a entidade patronal possa utilizar sistemas de tratamento (som, imagem e registos informáticos – v.g. «tracing« por razões de controlo de acessos e de segurança) para a instrução de processo disciplinar que tenha subjacente factos imputáveis ao trabalhador e indiciadores de atos lesivos da segurança de pessoas e bens”. Teresa Coelho Moreira, in Estudos de Direito do Trabalho, Volume II, 2016, Almedina, págs. 150 a 153 [8], em comentário a Acórdão da Relação de Lisboa de 16.11.2011, in www.dgsi.pt, que, defendendo embora que “por regra, o princípio da compatibilidade gera a impossibilidade de aplicar aos trabalhadores sanções disciplinares com base em incumprimentos contratuais ocasionalmente captados”, admite todavia, em determinadas circunstâncias, a possibilidade de utilização das imagens captadas pela videovigilância para efeitos disciplinares: “Porém, é nosso entendimento que, em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos e que constituem ilícitos penais de relevo. Parece, assim, que o princípio da finalidade, tal como defende Goñi Sein, «não deve amparar a impunidade dos que nele se refugiam para cometer ilícitos, nem lesar o direito do empregador a proteger-se do prejuízo ou da responsabilidade que poderá derivar das acções ilícitas dos seus trabalhadores como seria o caso, inter alia, de agressões, roubos, furtos. Na verdade, tendemos a crer que a interpretação mais correta da dupla proibição prevista no art. 20º [9] do CT será a de entender que não só é absolutamente proibida a utilização das gravações obtidas para controlar a actividade do trabalhador e a sua diligência na realização da mesma, como também o seu posterior aproveitamento para um procedimento disciplinar. Parece-nos que se visa proibir a utilização para fins disciplinares das imagens que mostrem que o trabalhador não está a cumprir os seus deveres laborais como é o caso, inter alia, da gravação que mostra que o trabalhador está a dormir em vez de trabalhar. Porém, entende-se que já não será totalmente vedada a utilização das mesmas se o que visualizou, ainda que durante a actividade laboral, integrar um ilícito penal de relevo, isto é, uma infracção grave. (…) Assim, concorda-se com o decidido pelo Tribunal quando estabelece que: “afigura-se-nos lícito o visionamento das imagens captadas com atuação do trabalhador, que tinha conhecimento da videovigilância, por se destinar ao apuramento de uma infracção disciplinar que põe em causa a propriedade de bens da entidade empregadora, recolhidos no âmbito de uma videovigilância autorizada e instituída com a finalidade genérica de protecção e segurança das pessoas e bens, atento o princípio da proporcionalidade entre os interesses da entidade empregadora, no caso, a preservação dos seus bens, e o direito do trabalhador a que o seu desempenho profissional não possa ser captado por imagens de controlo a distância, dado que foi a sua própria atuação que pôs em caus a segurança dos bens da entidade empregadora, com os quais o autor lidava diariamente, tendo a sua conduta sido atentatória das finalidades que a instalação da videovigilância visava defender, visto que no caso estava em causa simultaneamente um ilícito disciplinar e um ilícito penal.”. No que se reporta à jurisprudência, no sentido da admissibilidade de utilização de imagens captadas por sistema de videovigilância para efeitos disciplinares cfr. designadamente [todos os arestos se encontram publicados in www.dgsi.pt]: - Acórdão do STJ de 13.11.2013, Proc. 73/12,3TTVNF.P1.S1[10] em que, embora relativo a questão da utilização de GPS, aborda também a da videovigilância; - Acórdão da RP de 04.02.2013, Proc. 229/11.6TTLMG.P1[11]; - Acórdão da RP, de 26.06.2017, Proc. 6909/16.2T8PRT.P1[12]; - Acórdão da RP, de 23.04.2018, Proc. 4877/16.0T8OAZ.P1[13]; - Acórdão da RP, de 05.03.2018, Proc. 1119/13.3TTPRT.P2[14]; - Acórdão da RP de 07.12.2018, Proc. 159/18.0T8PNF-A.P1[15]; - Acórdão da RL 06.06.2012, Proc. 18/09.8TTALM-4[16]; - Acórdão da RL 08.10.2014, Proc. 149/14.2TTCSC.L1-4[17]; - Acórdão da RE de 11/09/2010, P. 292/09.0TTSTB.E1[18]; - Acórdão da RC de 06.02.2015, Proc. 359/13.0TTFIG-A.C1[19]. - Acórdão da RG de 25-06-2015, Proc 522/14.6TTGMR-A.G1[20] Da referida indicação, afigura-se-nos poder dizer-se que tem a jurisprudência evoluído de forma, pelo menos, largamente maioritária no sentido da admissibilidade, quando esteja em causa a protecção e segurança de pessoas e bens, da utilização de imagens captadas por sistema de videovigilância para efeitos disciplinares, designadamente a da Relação do Porto em que é, actualmente, a posição uniforme. No acima citado Acórdão do STJ de 13.11.2013, reportando-se à possibilidade de utilização das imagens captadas pelo sistema de videovigilância, referiu-se o seguinte: “No sentido assim preconizado, há ainda a considerar alguns elementos jurisprudenciais e doutrinários lapidarmente elencados no Ac. da Rel. de Évora de 9/11/2010, P. 292/09.0TTSTB.E1. (Gonçalves Rocha)[11], a propósito de gravações vídeo, embora em termos integralmente aplicáveis, por maioria de razão, aos registos de GPS. A saber:[12] “(...) [O] Supremo Tribunal de Justiça, (acórdão de 9 de Novembro de 1994, in www.dgsi.pt com o número convencional JSTJ00026386) entendeu que “São válidas e a sua utilização em julgamento não viola o disposto nos artigos 179º e 180º, gravações vídeo feitas por dona de Casino, na sua propriedade em que explora a indústria de jogo de fortuna ou de azar, com a finalidade de detecção de eventuais anomalias de acesso a máquinas de jogo ou fichas de jogo. Nestes casos, como meios de prova contra a atuação de seus trabalhadores, não se pode falar em intromissão ou devassamento da vida privada de outrem”. Por outro lado, a Relação do Porto (acórdãos de 20 de Setembro de 1999, in www.dgsi.pt com o número convencional JTRP00026526, (...) e de 27 de Setembro de 1999, in www.dgsi.pt com o número convencional JTRP00026339), decidiu igualmente que a “A Lei do jogo não proíbe que as imagens gravadas nas salas de jogo sejam usadas como meio de prova em ação emergente de contrato de trabalho, quando nela se discutam comportamentos imputados ao trabalhador que exercia funções no Bar de uma sala de jogo”. (...) Por outro lado, na doutrina são também muitas as posições neste sentido. Assim, André Pestana Nascimento, Prontuário de Direito do Trabalho, nºs 79, 80 e 81, (2008), pgª 239, sustenta que a posição [contrária] não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de proteção e segurança de pessoas e bens para a qual foi concedida. Nesta linha David Oliveira Festas (O Direito à Reserva da Intimidade da Vida Privada do Trabalhador no Código do Trabalho, R.O.A., Ano 64, Vol. I/II, Nov. 2004) considera abusiva a invocação pelo trabalhador do direito à reserva da intimidade da vida privada para que se possa prevalecer dos seus comportamentos ilícitos durante a execução do trabalho. (...). Também José João Abrantes sustenta que sendo o poder de controlo da atividade laboral do trabalhador imanente ao próprio conceito de subordinação jurídica, elemento caracterizador essencial do contrato de trabalho, serão, todavia, proibidos os meios de vigilância e controlo dessa atividade para os quais não exista uma razão objectiva, v.g., em função de exigências organizativas e/ou de segurança ou da necessidade de tutela do património do empregador, bem como as modalidades desse controlo que (ao menos potencialmente) sejam lesivas da dignidade do trabalhador, maxime por revestir carácter vexatório” (Contrato de Trabalho e Meios de Vigilância da Atividade do Trabalhador em Estudos de Homenagem ao Prof. Raul Ventura, vol. II, 2003, pp. 809 a 818). A própria CNPD teve oportunidade de esclarecer que “sendo pressuposto que as imagens recolhidas possam servir de prova em processo penal (cfr. art. 13º, n.º 2, do DL 35/2004 [o qual corresponde, com alterações, ao artigo 12.º/2 do revogado DL 231/98, de 22 de Julho]), não podemos deixar de considerar esta finalidade e englobar a recolha de dados, bem como a obtenção dos meios de prova, numa estratégia integrada que visa a proteção de pessoas e bens. Ou seja, para além de estar em causa, objectivamente, a prevenção e dissuasão da prática de atos ilícitos (...) a informação recolhida pode vir a ser utilizada como prova da infracção” (Deliberação n.º 61/2004 sobre “Princípios sobre o tratamento de dados por videovigilância”, disponível em www.cnpd.pt. Também Amadeu Guerra (...) entende que “o facto de o DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro referir que os «dados recolhidos só podem ser utilizados nos termos da lei penal» não invalida que a entidade patronal possa utilizar sistemas de tratamento (som, imagem e registos informáticos – v.g. «tracing« por razões de controlo de acessos e de segurança) para a instrução de processo disciplinar que tenha subjacente factos imputáveis ao trabalhador e indiciadores de atos lesivos da segurança de pessoas e bens” (A privacidade no Local de Trabalho, Almedina, 2004, pp. 358 e 359 (...). Efetivamente, se é verdade que os trabalhadores não perdem a sua qualidade de cidadãos no exercício da sua atividade laboral, não é menos verdade que não beneficiam de uma especial proteção e impunidade pelo simples facto de terem celebrado um contrato de trabalho, continua este autor, obra citada. (...)”. E no também acima citado Acórdão desta Relação de 26.06.2017, referiu-se, para além do mais, que: “Acompanhamos a linha jurisprudencial que, em jeito de síntese, entende que é de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente acção judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere - maior protecção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível. Em suma, a defendida pelo ora Relator no Acórdão da Relação de Lisboa de 8/10/2014, por si relatado, e seguida nos acórdãos da Relação de Évora de 09/11/2010; da Relação de Lisboa de 16/11/2011 e 06/06/2012; desta Relação, de 04-02-2013; da Relação de Coimbra, de 06/02/2015; e, da Relação de Guimarães, de 25-06-2015.”. E nos Acórdãos desta Relação de 05.03.2018 e 23.04.2018, referiu-se, para além do mais, que: “Na verdade, jeito de síntese conclusiva, entendemos que numa situação como a que resulta dos nos autos não está afinal em causa o controlo do desempenho profissional do trabalhador – n.º 1 do artigo 20 do Código do Trabalho –, e antes, como desde logo resulta também da autorização da CNPD, particulares exigências quanto à segurança das instalações e proteção de pessoas e bens, sendo que o que subjaz ao procedimento disciplinar são precisamente factos relacionados com a invocada apropriação de bens pertencentes à empresa, isto é, factos que extravasam do estrito âmbito de atividade laboral do trabalhador, ainda que possam ter sido praticados pelo próprio trabalhador no local de trabalho e durante o horário de trabalho. Aliás, quanto à utilização das imagens em processo laboral, não podendo o sistema jurídico deixar de ser harmonizado, assumir-se-ia, salvo o devido respeito por diversa opinião, mesmo como incongruente e contraditório que tal meio de prova, podendo ser licitamente utilizado para sancionar infrações com dignidade penal já não o pudesse ser para sancionar, com base na mesma atuação do agente, esse comportamento em termos disciplinares, no âmbito laboral. Daí que, tal como se escreveu no sumário daquele mesmo Acórdão desta Relação, também consideremos ser de “aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente acção judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a protecção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere - maior protecção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível”. De referir que, pese embora a interpretação da CNPD constante da Deliberação 61/2004, de 19.04, que não é exclusiva destes autos, mas antes de natureza genérica, encontrando-se publicada e acessível, a verdade é que a posição doutrinal e jurisprudencial acima mencionada tem, não obstante, vindo a considerar que, estando em causa a segurança e protecção de pessoas e bens, é de admitir a prova, ainda que para efeitos disciplinares, decorrente da visualização das imagens captadas por sistema de videovigilância [desde que autorizada a sua utilização]. Assim, em síntese e no contexto da legislação em vigor à data da visualização das imagens captadas pela videovigilância, considerando a mencionada evolução jurisprudencial, que corresponde à posição que, até à data, se nos afigura ser a maioritária, à sua argumentação, bem como ao disposto no art. 8º, nº 3, do Cód. Civil, entendemos ser de, no caso concreto e revendo posição anterior, aderir ao segundo dos mencionados entendimentos, ou seja, considerar como lítica a possibilidade de tratamento/visualização, para efeitos disciplinares, das imagens licitamente obtidas por meio de videovigilância quando esteja em causa a segurança e protecção de pessoas e bens. E é também de salientar que, no caso em apreço, na Autorização da CNPD 2915/2017 se prevê a possibilidade de comunicação das imagens no âmbito de outros processos judiciais, que não apenas os de natureza criminal, sendo que, no caso, a Mmª Juíza, como decorre da mencionada ata da audiência de julgamento, determinou a visualização, no âmbito de processo judicial (o dos autos), das imagens. Por fim, é ainda de referir que, conforme se diz no sumário do Acórdão desta Relação de 14.03.2016[21], Procº nº 1097/15.4T8VLG.P1, in www.dgsi.pt: “I. O elenco constante do art. 382º, nº 2, do CT72009 [relativo às causas determinantes da invalidade do procedimento disciplinar com vista ao despedimento] tem natureza taxativa, dele não constando o recurso, pelo empregador, a meios de prova eventualmente ilícitos (v.g., videovigilância) para fundamentar as acusações imputadas no âmbito do procedimento disciplinar. II. À exceção das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e que o empregador, nos termos do art. 356º, nº 1, do CT/2009, deverá levar a cabo [a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, caso em que o deverá alegar fundamentadamente, por escrito], o Código do Trabalho não lhe impõe a realização, no âmbito do procedimento disciplinar, de diligências probatórias tendentes a demonstrar a bondade das acusações que imputa ao trabalhador. III. O procedimento disciplinar é um processo de parte, que está na disponibilidade e sob tutela do empregador e que é por ele, e por sua conta e risco, conduzido, cabendo-lhe decidir da realização, ou não, de diligências probatórias que sustentem a nota de culpa e a decisão do despedimento, sendo certo que se, porventura, imputar ao trabalhador factos que, em caso de impugnação judicial do despedimento, não logre provar em sede de processo judicial, o despedimento deverá ser declarado ilícito. IV. No âmbito da impugnação judicial do despedimento, não cabe ao tribunal apreciar se a decisão do despedimento é, ou não, sustentada e justificada perante a prova que foi (ou não foi) produzida no procedimento disciplinar. O juízo quanto à existência ou não de justa causa para o despedimento apenas será feito pelo Tribunal perante e de acordo com a prova que seja oferecida e efetuada no âmbito do processo judicial e de acordo com as normas processuais próprias deste. V. Tendo em conta as preposições anteriores, mesmo que, eventualmente, não fosse admissível o recurso à videovigilância, nem o procedimento disciplinar, ainda que assentando nesse meio de prova, poderia ser considerado inválido, nem a justa causa poderia ser julgada improcedente com fundamento, designadamente, na falta de prova produzida em sede de procedimento disciplinar.”. Ou seja, mesmo que, porventura e como hipótese de raciocínio, a Ré não pudesse visionar as imagens captadas pela videovigilância para sustentar a nota de culpa e a decisão do despedimento, parece poder concluir-se do referido na Autorização 2915/2017 que as imagens poderiam ser “comunicadas” ao Tribunal no âmbito do presente processo judicial. No caso em apreço, entendemos que o mesmo configura situação em que está em causa a protecção de bens da Ré/empregadora, sendo, como tal e considerando a segunda das mencionadas posições, permitida a visualização das imagens captadas pelo sistema de videovigilância. Com efeito, da matéria imputada à Recorrente resulta que esta creditou em cartão da sua colega o valor de compras efectuadas por outros que não por aquela e que originaram o crédito a descontos na aquisição de combustível, com expressão pecuniária [num total de €42,00, correspondendo a €2,00 por cada €40,00 de compras] e a que aquela não tinha direito, que seriam, ou poderiam vir a ser, utilizados na aquisição de combustível, aquisição essa que, se viesse a ocorrer, determinaria um prejuízo para a Ré [na medida em que parte seria por ela suportado] e para terceiro [D…, que suportaria o restante]. Tal comportamento, em violação do princípio da lealdade a que o trabalhador está adstrito, não consubstancia apenas um desvio ou incumprimento laboral, pois que este repercute-se no património da Ré, integrando a violação de um bem susceptível de protecção enquadrável no art. 20º, nº 2, do CT/2009. E, como se disse em passo anterior do presente acórdão, é irrelevante que o cartão C1… em causa não tenha chegado a ser utilizado e, por consequência, a alegada inexistência de prejuízo efectivo para a Ré. Sendo tal desconto creditado no cartão a favor de alguém ele entrou “na posse” dessa pessoa. E se tal ocorreu contra as regras impostas pela Ré e, consequentemente, contra a autorização desta, tal significa que esse desconto, com a possibilidade da sua utilização, foi recebido indevidamente, não pertencendo à pessoa que o recebeu o direito de dele dispor, sendo de salientar que ele consubstancia-se na creditação, a favor dessa pessoa, de um determinado valor pecuniário, independentemente de ser, ou não, posteriormente utilizado [para além de que nada garante que, ainda que não o tivesse sido, não pudesse vir a ser utilizado futuramente] e, sem esquecer que, conforme nº 73 dos factos provados, a Ré suporta, ou poderá ter que suportar em caso de utilização do cartão na compra de combustível, uma parte do valor do desconto [e, permita-se a analogia, pese embora a diferente “intensidade”, com a situação em que alguém deposita em conta bancária sua determinada quantia em dinheiro que não lhe pertence e contra a vontade do proprietário do dinheiro, embora não a venha a utilizar ou alegue não pretender utilizá-la]. De referir ainda que tal comportamento é, em abstracto, susceptível de configurar ilícito de natureza penal [designadamente, crime de burla]. Por outro lado, no caso, estava a Ré autorizada à instalação de sistema de videovigilância, dele tendo a A. conhecimento. Mas, diz a Recorrente, que a constatação dos factos não resultou de uma visualização acidental das gravações, mas antes de um controlo ao seu desempenho laboral. Com efeito, na medida em que é proibida a videovigilância como forma de controlo do desempenho profissional do trabalhador é por vezes referido, na doutrina e/ou jurisprudência, que não obsta à visualização das imagens se elas não visaram o controlo do desempenho do trabalhador, resultando a constatação da infracção imputada de uma visualização meramente acidental. A proibição da utilização de tais equipamentos para o controlo do desempenho profissional do trabalhador é efectivamente proibida, o que significa que o empregar não pode instalar e utilizar a videovigilância com esse fim ou propósito, não podendo, designadamente, controlar a produtividade, o modo, correto ou não, como são executadas as tarefas, a eficiência dessa execução. No entanto, e salvo melhor opinião, não se nos afigura que, perante uma legítima e comprovada existência de indícios, senão mesmo de suspeita, de comportamento ilícito suscetível de se enquadrar nas situações previstas no art. 20º, nº 2, seja impedida a visualização, se e na medida do necessário, das imagens, seja para afastar essa suspeita, seja para a confirmar. Ora, no caso, a instalação e gravação da videovigilância não teve em vista controlar o desempenho profissional da A., mas sim a promoção da segurança de pessoas e bens no normal decurso da sua actividade (cfr. nº 104º dos factos provados). E tanto que não teve que não foi, efectiva e previamente com base nessa gravação, que parte do comportamento da A. [ o relativo ao modus operandi] foi detetado. O que ocorreu foi a constatação, aliás fundada e por outra via, de irregularidade nos movimentos efectuados no C1… em causa, detectadas em consequência das várias operações mencionadas em 37º (utilização do mesmo C1… em múltiplas compras em vários dias e em curto espaço de tempo), compras essas aliás pagas com diferentes cartões multibanco (nº 64 dos factos provados) e que, diga-se, poderiam indiciar a utilização abusiva do catão C1…, tendo então sido visualizadas as gravações pertinentes no sentido de esclarecer a razão do ocorrido, aí se detectando o modus operandi da A. e a consequente a razão do corrido. Não se nos afigura, pois, que tal constitua impedimento à visualização das gravações e à sua utilização como meio de prova para efeitos disciplinares. Por fim, invoca ainda a Recorrente a falta de autorização pela A. para o tratamento/visualização de dados pessoais (art. 6º, nº 1, da LPDP) e a falta de informação da A. acerca da finalidade dos meios de vigilância. Tais questões foram invocadas pela A. na contestação e apreciadas na sentença recorrida. Quanto à 1ª das mencionadas questões, concorda-se com o aduzido na sentença, pois que nos termos do art. 6º, al. e), da LPDP [aplicável à videovigilância – cfr. arts. 3º, als. a) e b)] a autorização para o tratamento pelo titular dos dados é dispensada em caso de “prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a que os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.”, sendo que, no caso e como decorre do que deixámos dito, se nos afigura consubstanciar-se o caso na exceção prevista na citada al. e) do art. 6º da LPDP. Quanto à segunda, decorre do nº 109 dos factos provados que a A. foi informada sobre a existência e finalidade dos meios e vigilância utilizados. Assim sendo, e concluindo, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso, entendendo-se como lícita a utilização/visionamento das imagens obtidas pelo sistema de videovigilância para efeitos probatórios dos factos integradores das infracções disciplinares imputadas à A. …………………………… …………………………… …………………………… 6. Com vista a uma melhor compreensão e sistematização da matéria de facto provada, passa-se a reproduzir toda a matéria de facto que se tem como assente, com as alterações já por nós introduzidas: 1º- Indiciada a prática de infracção disciplinar foi determinada, por despacho datado de 18 de Dezembro de 2017, subscrito pela Dra. H…, Responsável de Relações Laborais da Ré, a instauração de procedimento disciplinar. 2º- Por carta entregue por mão própria em 15 de Fevereiro de 2018 foi comunicada, por escrito, a nota de culpa, com a descrição dos factos que lhe são imputados. 3º- A Ré comunicou, por escrito, à Autora a intenção de a despedir. 4º- Em 27 de Fevereiro de 2018 a Autora veio a responder à nota de culpa, requerendo a inquirição de testemunhas. 5º- Em 14 de Março de 2017, no local e hora agendados, foi ouvida a testemunha arrolada e apresentada pela Autora. 6º- Não tendo sido requerida nenhuma outra diligência pela Autora, foi pelos Instrutores nomeados no procedimento disciplinar realizado um relatório final, em 23 de Março de 2018, no qual concluíram a final pela adequação da aplicação da sanção despedimento sem indemnização ou compensação. 7º- Nesse mesmo dia, em face da proposta de decisão realizada pelos Instrutores nomeados, a Ré proferiu decisão final de aplicação da sanção de despedimento sem indemnização ou compensação. 8º- A decisão proferida foi expedida para a Autora em 03 de Abril de 2018. 9º- A Autora foi colaboradora do C…, S.A. e exercia, à data dos factos em apreço, funções como Operadora Especializada na loja de …. 10º- Em Março de 2013, foi lançada a nível nacional uma campanha de fidelização de clientes do C…. 11º- Nesse âmbito, e em parceria com a D…, S.A., foi criado, desenvolvido e implementado um cartão denominado C1…. 12º- O cartão atribui descontos no abastecimento de combustíveis nos postos de abastecimento da D… e também descontos no preço de alguns artigos em promoção. 13º- À data dos factos, os descontos em combustíveis eram atribuídos a compras iguais ou superiores a € 40,00, sem a poupança imediata. 14º- Os clientes do C… por cada compra de € 40,00 ou múltiplos daquela quantia adquirem o direito a € 2,00 de descontos que podem ser usados em abastecimentos de combustível nos postos da D…. 15º- Mesmo que inferior a € 40,00, a compra do cliente deve ser registada em cartão, uma vez que com esse registo do cartão o cliente pode ter um desconto no preço de algum dos artigos que compre e que esteja abrangido pela política de promoções da Companhia em cada momento em vigor. 16º- Os colaboradores que operam na frente de loja têm conhecimento dos objetivos da campanha, das regras da utilização do cartão e da mecânica de atribuição de descontos em vigor. 17º- No início de cada compra e independente do valor da mesma, o operador deve questionar o cliente sobre se já tem o cartão e, caso não tenha, se está interessado em obtê-lo, cabendo-lhe incentivar a adesão ao cartão. 18º- Se o cliente não tiver o cartão, e estiver interessado em tê-lo, o operador fornece o folheto explicativo do cartão e elucida o cliente sobre as vantagens que lhe estão associadas. 19º- Disponibilizando de seguida o cartão ao cliente. 20º- No caso de o cliente já ser portador de um cartão, o operador deve pedir-lhe o cartão e passar o respetivo código de barras no scanner do …, após o que o devolverá ao cliente. 21º- A operação descrita no ponto anterior deve ser efetuada no início da transação, mas poderá sempre ser feita até a compra estar paga. 22º- Durante todo o período que durar a transação e até ser efetuado o pagamento é possível associar o cartão do cliente à respetiva compra. 23º- O desconto no combustível é atribuído ao cliente que fizer compras superiores a €40,00 e só é passível de atribuição mediante a apresentação do respetivo cartão. 24º- Da mesma forma, o cliente também só pode usufruir dos descontos pontuais no preço dos artigos em promoção mediante a apresentação do seu cartão. 25º- Razão pela qual os operadores têm a obrigação de prestar ao cliente toda a informação sobre o cartão. 26º- Caso o cliente não tenha consigo o cartão ou não esteja interessado em aderir ao mesmo e ao respetivo benefício, os descontos relativos à transação em curso não podem ser considerados em qualquer outra compra do cliente. 27º- E não podem os descontos ser atribuídos e utilizados num cartão que não seja apresentado ou atribuído ao cliente que faz a respetiva compra. 28º- É expressamente proibido aos operadores terem consigo os seus cartões pessoais ou utilizarem na transacção em causa, qualquer outro cartão, seu ou de terceiro. 29º- A informação sobre as regras aplicáveis à utilização desse cartão foi objeto de informação complementar através da Instrução de Serviço de 4 de Abril de 2013, proveniente do Diretor de Recursos Humanos. 30º- Nessa instrução que foi dada a conhecer aos colaboradores, referia-se, entre outras, as seguintes regras: - é expressamente proibido ao Colaborador utilizar o seu C1… durante o atendimento aos clientes. - é expressamente proibido ao Colaborador utilizar, em seu benefício, qualquer vantagem associada ao C1…, decorrente do atendimento a clientes. 31º- Constando também no Manual de Procedimentos Frente de Loja, que foi entregue à Autora, que: É expressamente proibido ao operador utilizar o C1… em benefício próprio ou de familiares e amigos. 32 - Enquanto permaneceu a operar na respetiva caixa, nos dias 2, 7, 9, 17, 20, 21, 22, 23, 27, 28 e 30 de novembro e 5, 6, 8 e 30 de dezembro de 2017, a Autora utilizou o cartão com o código de barras nº ………….. [redacção já alterada] 33º- Por cada venda que registasse, a Autora deveria ter entregue ou solicitado o cartão do respetivo cliente. 34º- O que nem sempre fez. 35º- Nos dias supra referidos, a Autora utilizou o cartão C1… com o código de barras nº ………….. 36º- O referido cartão pertencia à ex-colaboradora E…, que à data dos factos e pelo menos até finais de novembro de 2017, exercia funções no quiosque junto à loja. 37º- As vendas em causa foram registadas na caixa – … -, onde a Autora estava a operar e foram as seguintes: Data, Id, Pos, Oper nº, venda, hora, nº cartão (cód.barras), Valor Compra (€), desconto 02/11/2017 002 021 ….. 13:31 …………. 58,69 2 07/11/2017 002 021 ….. 14:18 …………. 72,67 2 09/11/2017 002 021 ….. 14:11 …………. 26,17 0 09/11/2017 002 021 ….. 14:19 …………. 57,30 2 09/11/2017 002 021 ….. 14:20 …………. 5,48 0 09/11/2017 002 021 ….. 14:30 …………. 69,66 2 17/11/2017 002 021 ….. 13:56 …………. 67,21 2 20/11/2017 002 021 ….. 10:56 …………. 33,57 0 21/11/2017 002 021 ….. 15:39 …………. 45,45 2 22/11/2017 002 021 ….. 13:58 …………. 47,31 2 23/11/2017 002 021 ….. 13:01 …………. 93,60 4 23/11/2017 002 021 ….. 13:11 …………. 98,97 4 27/11/2017 002 021 ….. 15:20 …………. 47,43 2 28/11/2017 002 021 ….. 15:25 …………. 69,62 2 28/11/2017 002 021 ….. 16:12 …………. 59,57 2 30/11/2017 002 021 ….. 09:39 …………. 57,66 2 05/12/2017 002 021 ….. 19:12 …………. 19,91 0 06/12/2017 002 021 ….. 18:20 …………. 10,74 0 08/12/2017 002 021 ….. 19:44 …………. 233,14 10 30/12/2017 002 021 ….. 12:59 …………. 73,60 2 38º- Nos supra referidos dias, enquanto procedia ao atendimento dos clientes a que se referem as transações indicadas no artigo supra, a Autora solicitou à ex-colaboradora E… que lhe facultasse o seu cartão C1… (com o código de barras nº …………). 39º- A ex-colaboradora E… entregou o seu cartão à Autora, tendo esta utilizado o referido cartão nas compras dos clientes acima identificadas. 40º- Durante o atendimento dos clientes a que se referem as vendas nº ….., ….. (dia 23.11.2017), ….. (dia 27.11.2017), ….. (dia 28.11.2017), ….. (dia 30.11.2017), a Autora fez sinal à ex-colaboradora E… para que esta se deslocasse junto do POS e entregasse o seu cartão. 41º- A ex-colaboradora E… dirigiu-se ao … e entregou o cartão à Autora. 42º- A Autora passou o cartão no scanner do …, associando-o às vendas acima identificadas, e devolveu-o à ex-colaboradora E…. 43º- Durante o atendimento da cliente a que se refere a venda nº ….. (dia 28.11.2017), a Autora fez novamente sinal à ex-colaboradora E… para utilizar o cartão naquela compra. 44º- A própria cliente que estava a ser atendida dirigiu-se ao quiosque onde a ex-colaboradora E… desempenhava funções e recebeu o cartão que lhe foi entregue por esta. 45º- De seguida, a cliente regressou ao … e entregou o cartão à Autora, que o passou no scanner. 46º- A Autora deu novamente o cartão à cliente e esta deslocou-se ao quiosque e devolveu-o à ex-colaboradora E…. 47º- Com a sua conduta, a Autora pretendia beneficiar a sua colega E… que assim poderia usufruir dos descontos em combustível e beneficiar os clientes que estava a atender no …, os quais poderiam obter os descontos em artigos, que porventura adquirissem, de acordo com as promoções que existissem à data. [redacção já alterada] 48º- O cartão utilizado nas transações identificadas não foi o do respetivo cliente que fez as compras em causa. 49º- A ex-colaboradora E… não tinha direito ao desconto em combustível que o cartão proporciona. 50º- Nem os clientes em cujas compras esse cartão foi usado e que não tinham cartão, tinham direito aos descontos no preço de alguns dos artigos que essa utilização do cartão poderia proporcionar. [redacção já alterada] 51º- Nessas vendas, a arguida em vez de fazer reverter o desconto em combustível para o cartão do respetivo cliente, quer fosse acionado um novo cartão quer fosse utilizado um cartão de que o cliente já fosse portador, fê-lo para o cartão que solicitou à ex-colaboradora E… e que esta lhe facultou. 52º- Passando no scanner da caixa o cartão com o código de barras nº …………., associando-o às vendas e registando nesse cartão o valor das mesmas. 53º- Não escrito. 54º- Em data posterior aos factos supra descritos, o gerente F… e o district manager G… reuniram com a Autora, tendo esta assumido que utilizou o referido cartão nas compras dos clientes. 55º- A Autora assumiu também que, mesmo quando não pedia o cartão à ex colaboradora E…, por vezes, sugeria que o cliente que se encontrava ao lado na fila do atendimento da caixa registadora emprestasse o seu cartão ao cliente que estava a ser atendido. 56º- Não escrito. 57º- O cartão utilizado nessas compras deveria ter sido o do respetivo cliente que fez a compra em causa. 58º- Não escrito. 59º- Passando no scanner da caixa o cartão com o código de barras nº …………., associando-o às compras e registando nesse cartão o valor das mesmas, fazendo reverter para o cartão, o desconto em combustível respeitante a compras efetuadas por clientes, muitos destes que não quiseram o cartão ou não sabiam, porque a arguida não divulgou a campanha, do desconto de que podiam beneficiar. 60º- Não escrito. 61º- As vendas referidas em 37 totalizaram a quantia de €1.247,75 [redacção já alterada]. 62º- Conseguindo a Autora, com o registo desse volume de vendas nesse cartão – com o nº ………….-, que fosse registado/creditado no mesmo um desconto em combustível num valor de €42,00. [redacção já alterada]. 63º- Não escrito. 64º- As referidas compras foram pagas através de diferentes cartões multibanco. 65º- As compras identificadas em 37º- constantes do quadro acima referido não foram efetuadas pelo titular do cartão que aparece associado às mesmas. 66º- Não escrito. 67º- As regras de utilização do cartão foram transmitidas à A., nomeadamente na instrução de que teve conhecimento e através do manual de procedimentos de frente de loja. [redacção já alterada]. 68º- Não escrito. 69º- Não escrito. 70º-. Não escrito 71º- O lançamento do cartão destina-se à fidelização de clientes na Ré, através da utilização por cada titular registado do respetivo cartão. [redacção já alterada]. 72º- A Ré fez um esforço e investiu recursos, materiais e humanos, no lançamento e manutenção desta campanha, com o intuito de incrementar as suas vendas. 73º- Para além do custo correspondente ao cartão propriamente dito e da campanha associada ao mesmo, a Ré tem que suportar uma parte do valor do desconto no combustível. 74º- Com tais condutas, a Autora agiu com a intenção de atribuir aos clientes descontos nos preços dos artigos em promoção caso estes fossem adquiridos pelos mesmos. [redacção já alterada]. 75º- A Autora teve a intenção de enganar e prejudicar a sua entidade patronal. 76º- A A. agiu contra a vontade da sua entidade patronal. [redacção já alterada]. 77º- Bem sabendo que tais condutas não lhe são permitidas. * (Da contestação) 78º- No dia 14 de Dezembro de 2017, por comunicação via correio electrónico a Sr.ª I…, trabalhadora da ré e do Grupo C2… no departamento de Auditoria Operacional, dirigida a G… (utilizador do email G1…@….com), e com conhecimento a K… (utilizadora do email K1…@....pt), L… (utilizador do email L1…@....pt), M… (utilizadora do email M1…@....pt), N… (utilizadora do email N1…@....pt), O… (utilizadora do email O1…@....pt) P… (utilizador do email P1…@....pt) e ao utilizador do email Q…@....com, trabalhadores da ré e do grupo C2…, deu a conhecer que da “…análise efetuada ao C1… devido ao uso abusivo, identificámos na loja … – …-…, o cartão nº………….. Este cartão apresenta 13 movimentos no mês de Novembro com benefício de combustível (valor acima de €40,00)- no operador …. – B…, num total de 16 movimentos” e que aguardava “… a vossa análise e feedback para este caso”. 79º- No dia 14 de Dezembro de 2017, o Sr. F…, gerente da loja “C…”, sita nas …, freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, onde a autora exercia as suas funções, tomou conhecimento da suspeita de utilização abusiva do C1… nº………….. 80º- Sendo apresentado um C1… à autora, esta não sabe, nem tem como saber se aquele cartão pertence ao real titular. 81º- Fora das situações referidas em 37-, em que se apurou que foi a A. que o solicitou à ex-colaboradora E…, o C1… com o n.º …………. podia ter sido usado por familiares ou até amigos da sua titular, sem que a Autora o pudesse detectar. 82º- A (ex-)funcionária E…, em Dezembro de 2017, já não pertencia aos quadros laborais da entidade empregadora. 83º- A Autora trabalha para a entidade empregadora há cerca de 20 anos. 84º- Sempre respeitou os seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos. 85º- A A. recebeu da Ré prémios de produtividade. 86º- A A. estava disponível para a entidade empregadora, mudando de turnos “à ultima hora” em detrimento da sua família. 87º- A Autora só por mais uma vez foi à loja do C… onde exerceu a sua actividade profissional entrando pela cave/garagem, dirigindo-se imediatamente ao escritório para receber os créditos laborais para não se cruzar com os seus colegas de trabalho e clientes do dia-a-dia por ter vergonha de relatar o seu despedimento. 88º- A autora sentiu uma enorme tristeza por ter sido despedida. 89º- Ao serviço da ré a autora tinha um salário base no valor de € 668,87 (seiscentos e sessenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos). 90º- A Autora foi admitida ao serviço da ré no dia 01 de Dezembro de 1999 tendo cessado por despedimento ilícito no dia 05 de Abril de 2018, data em que foi recebida a decisão de despedimento. * (Resposta) 91º- O procedimento disciplinar mostra-se instruído pelos Instrutores nomeados pela Ré, constando o despacho de nomeação do procedimento disciplinar, ver fls. 2 do procedimento disciplinar já junto aos autos, despacho que se encontra assinado pela Senhora Dra. H…, Diretora de Relações Operacionais Laborais da Ré. 92º- Pessoa na qual a Ré delegou poderes bastantes para o efeito, designadamente para exercer ação disciplinar, instaurando, proferindo decisão no âmbito de procedimento disciplinar com vista ao despedimento com justa causa e bem assim para delegar tais poderes em pessoa que considere idónea para o efeito, praticando e assinando tudo quanto se mostrar necessário para o efeito. 93º- Todas as comunicações que são endereçadas pela Ré à Autora estão devidamente assinadas por si ou pelos instrutores que validamente nomeou para o efeito, mostram-se impressas em papel timbrado da própria Ré. 94º- A Autora sempre as aceitou e acatou como boas ao longo do procedimento disciplinar, jamais colocando em causa a legitimidade dos instrutores que trataram o procedimento disciplinar e que em representação da Ré praticaram os atos de inquérito e instrução. 95º- A Ré notificou a Autora da Nota de Culpa dentro do prazo de 60 dias, contado da data em que a Direção de Relações Laborais teve conhecimento da participação disciplinar, o dia 18.12.2017. 96º- A participação disciplinar foi subscrita no dia 18 de Dezembro de 2017, e nessa mesma data foi proferido despacho de nomeação dos instrutores com vista a que se instaurasse o procedimento disciplinar. 97º- Foi na Direção de Relações Laborais que a Ré delegou o exercício do seu poder disciplinar, como resulta da procuração outorgada à Senhora Dra. H…. 98º- Numa sociedade que tem cerca de 400 lojas em território Nacional e que cada uma dessas lojas tem um gerente e um subgerente, tendo cada uma dessas lojas um supervisor denominado District, que é responsável por um grupo de cerca de 10 lojas, que por seu turno tem sobre si, hierarquicamente, um sem número de diretores de região, que por seu turno têm sobre si diretores nacionais que por seu turno têm que responder à administração da empresa. 99º- No funcionamento orgânico da Ré apenas a Direção de Recursos Humanos, que se encontra sediada em Lisboa, tem poder disciplinar. 100º- A entidade e pessoa junto da Ré que detinham poder para atuar disciplinarmente apenas tiveram conhecimento dos factos no dia em que lhes chegou a participação disciplinar, e nesse mesmo dia, a Ré proferiu despacho inicial e de nomeação de instrutores, e dentro do prazo de 60 dias contado dessa data foi a Autora notificada da Nota de Culpa, assim se iniciando o procedimento disciplinar. 101º- A participação disciplinar é enviada à Direção de Relações Laborais devidamente instruída com documentos e imagens que têm que ser analisadas e verificadas para que este órgão que detém o poder disciplinar possa aferir se efetivamente entende haver lugar a procedimento ou não. 102º- A Ré é uma sociedade que com escopo lucrativo e habitual se dedica ao comércio a retalho de produtos alimentares e não alimentares, dispondo de uma vasta cadeia de supermercados e hipermercados abertos ao público. 103º- É conhecimento comum que, nos estabelecimentos comerciais da Ré, existe um grande fluxo de público constantemente a entrar e sair e que é necessário haver um maior controlo no sentido de promoção de segurança e tranquilidade neste mesmo exercício. 104º- A utilização de meios de videovigilância por parte da Ré existe com o propósito exclusivo de promoção da segurança de pessoas e bens para um normal decurso da sua atividade. 105º- A Ré apenas visualizou as imagens de modo a compreender a razão pela qual os descontos concedidos pelo C1… eram excessivos mediante os seus utilizadores registados. 106- Com a visualização das imagens a Ré pretendeu verificar a origem do referido no nº 105. [redacção já alterada]. 107º- A autorização concedida pela CNDP estabelece que a finalidade na utilização de tais câmaras é a de proteção de pessoas e bens. 108º- A Ré dispõe de autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para a captação de imagens - Autorização nº 2915/2017. 109º- O empregador informou a A. trabalhadora sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, tendo afixados avisos informativos nesse sentido. 110. Da Autorização Nº 2915/2017 emitida pela CNPD que se reporta o nº 108 dos factos provados consta, para além do mais, o seguinte: “C…, SA, (…), notificou um tratamento de dados pessoais resultante de videovigilância, com a finalidade de protecção de pessoas e bens a realizar no seu estabelecimento com a designação Loja nº … – C… de … – … e endereço …, (…). O sistema é composto por 72 câmaras, colocadas nos seguintes locais: Pontos de acesso a partir do exterior/Sala de contagem de valores/área de venda/Zonas das caixas registadoras/Parque de estacionamento/Armazéns/área de cofre/zonas internas de circulação/ (…) A CNPD já se pronunciou na sua Deliberação nº 6172004, de 19 de abril [22] sobre os princípios orientadores para o correto cumprimento da Lei de Proteção de Dados, em matéria de videovigilância, bem como as condições gerais aplicáveis ao tratamento de dados pessoais para a finalidade de protecção de pessoas e bens. Decorrem desses princípios, bem como da lei laboral e da jurisprudência, os seguintes limites ao tratamento: • (…) • Não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a actividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da actividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar (cf. artigos 20º e 21º do Código do Trabalho). • (…) O tratamento em análise, com as limitações referidas, é adequado, pertinente e não excessivo face à finalidade declarada (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 5º da Lei 67/98, de 26 de outubro, alterada pela Lei nº 103/2015, de 24 de agosto – LPD) e à actividade desenvolvida. O tratamento de dados pessoais efectuada no âmbito da videovigilância enquadra-se no conceito de vida provada, previsto no nº 2 do artigo 7º da LPD. O artigo 31º da Lei nº 34/2013, de 16 de maio, constitui o fundamento que legitima a instalação deste sistema. Assim, com os limites fixados, autoriza-se o tratamento notificado ao abrigo do disposto nos artigos 7º, nº 2, 28º, nº 1, alínea a), 29º e 30º, nº 1 da LPD, nos seguintes termos: Responsável – C…, SA Finalidade – Proteção de pessoas e bens Categoria de dados pessoais tratados – Imagens captadas pelo sistema Forma de exercício do direito de acesso – Por solicitação Presencial ao responsável no seguinte endereço/contacto: …, … ….-… … Comunica das imagens – As imagens só podem ser transmitidas nos termos da lei processual penal. Detetada a eventual infracção penal, o responsável deverá, juntamente com a participação, enviar à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competentes as imagens recolhidas. Noutras situações em que as autoridades solicitem acesso às imagens, tal só poderá ocorrer, no âmbito de processo judicial devidamente identificado, em cumprimento de despacho fundamentado da autoridade judiciária competente. Fora destas condições não pode o responsável comunicar as imagens. Conservação dos dados – 30 dias (…) De modo a garantir o direito de informação consagrado no artigo 10º da LPD, deverão ser afixados em locais bem visíveis avisos informativos. (…)” [Aditado] 7. Da inexistência de justa causa para o despedimento Na sentença recorrida considerou-se que o comportamento da A. consubstancia justa causa para despedimento, do que discorda a Recorrente, alegando em síntese que: não ficou demonstrado qualquer prejuízo para a Ré; o sistema do C1…, mesmo com o cumprimento rigoroso das regras determinadas, não é infalível, uma vez que um cliente pode emprestar o seu cartão a outra pessoa, pretendendo a Ré repercutir na A. a falibilidade do sistema; trabalha há cerca de 20 anos para a Ré, respeitando colegas e superiores e sempre mantendo disponibilidade na mudança de turnos de última hora; a provar-se a conduta da A., no que não concede, o benefício repercutiu-se nos clientes da Ré que beneficiavam dos descontos, o que vai de encontro aos objectivos de fidelização e satisfação da Ré com o C1…; o comportamento não integra, nos termos do nº 1 do art. 351º do CT, justa causa de despedimento, sendo o mesmo desproporcional e desajustado à gravidade do comportamento e ao grau de culpa da A. 7.1. De harmonia com o artº 351º, nº 1, do CT/2009 constitui justa causa do despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, comportamentos suscetíveis de a integrarem. É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[23] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências; c) existência de um nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[24]. Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por ação ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral. O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45). Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa. Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjetivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes. Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de proteção do emprego, não sendo no caso concreto objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento. Diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador. E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja suscetível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, Processo nº 08S3085) existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, suscetível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador. Importa, também, ter em conta de entre o leque de sanções disciplinares disponíveis, o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infração. Sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil. Por fim, dispõe o art. 128 que constituem deveres do trabalhador: cumprir ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho (al. e); e guardar lealdade ao empregador (al. f), devendo ainda o trabalhador, no cumprimento das respetivas obrigações, proceder de boa-fé (art. 126º, nº 1, do CT/2003). 7.2. No caso, a propósito da existência da justa causa para o despedimento, para além de outras considerações de natureza jurídica, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: “Ora, no caso, cumpre dirigir um juízo de censura à conduta da trabalhadora que legitima a pretensão da entidade empregadora. De facto, é inequívoco que a A. sabia que estava a desrespeitar instruções que lhe tinham sido comunicadas e tinha consciência da ilicitude da sua conduta (não colhendo a sua versão, que assumiu perante os seus superiores, que pensava que não estava a fazer nada errado uma vez que não estava a utilizar o seu C1…, mas sim o de uma colega, porquanto resulta demonstrado à saciedade que a A. sabia que não podia utilizar nas transações em causa qualquer outro cartão, que não fosse o do próprio cliente; aliás, basta visualizar as imagens em que se vê a A., no momento em que está a processar o pagamento das compras de um determinado cliente (que tem consciência e sabe não é a sua colega E…), a fazer sinal à sua colega, para que lhe fosse levar o seu C1…, para o usar nessas transações, e logo se percebe o quão errado é o comportamento da A.); destarte, a concessão voluntária e indevida dos descontos, beneficiou os clientes e a titular do cartão nº…………., em detrimento da Ré empregadora, sendo certo que a A. sabia que quem devia ter sido beneficiado era a Ré (uma vez que aqueles descontos não eram devidos), pelo que se conclui por uma actuação dolosa da autora. E dolosa porque a mesma agiu livre, voluntaria e consciente, de que agia em desconformidade com as directrizes da entidade patronal. De facto, ainda que o prejuízo patrimonial seja diminuto, se atentarmos que a A. prolongou a sua conduta por vários dias e que existia a possibilidade de repetição do sucedido por mais dias, o prejuízo é potencialmente muito maior. Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2010, os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele empregador (art.º 342º, n.º 1 do CC) – relatado por MÁRIO SILVA, proc. 1229/06.3TTCBR.C1.S1, disponível in dgsi.pt. Tanto a gravidade do comportamento, como a culpa hão-de ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487º, nº2, do Código Civil). No âmbito das relações jurídicas de trabalho, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol.II, o trabalhador deve proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres (artigo 126º, nº1, do Código do Trabalho e 762º, nº2, do Código Civil) e com a ideia de boa fé estão relacionados, como é sabido, as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos. Neste contexto, em face do elenco factual, é forçoso considerar culposa a actuação da trabalhadora e, em consequência, julgar verificada a justa causa para o despedimento com base nos comportamentos acima sublinhados, pois que a subsistência daquela pressuposta confiança ficou irremediavelmente destruída, uma vez que a A. violou aquele seu dever de lealdade perante a Ré. Veja-se, aliás, que atento o carácter absoluto deste dever de lealdade, a jurisprudência e a doutrina, consideram que a diminuição da confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais.- cfr. Ac. TRP de 05.12.2011 e RL de 26.09.2012, in www.dgsi.pt e Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, pág.19. A A./trabalhadora assumiu um comportamento culposo e censurável, consubstanciado em infracções disciplinares e comportamentos lesivos do dever de lealdade para com a Ré, que pela sua gravidade e reiteração inviabilizam que a A. continue a prestar a sua actividade na Ré. Neste enquadramento, cumpre ainda referir que, atenta a dimensão da Ré empregadora (facto público e notório) e o universo de lojas e empregados de caixa que possui, do ponto de vista da prevenção geral (e na perspetiva dos fins das sanções disciplinares), a aplicação de uma sanção de menor gravidade que o despedimento “…representaria uma imposição injusta e intolerável para o empregador, que assim ficaria sujeito a que inúmeros operadores de caixa pudessem, a coberto da manutenção da relação laboral, proceder de modo idêntico (…) O operador de caixa, dum supermercado integrante duma cadeia de supermercados, tem o especial dever de zelar pela correcta recepção do preço dos artigos adquiridos pelos clientes, e o empregador, dada a sensibilidade do posto, deve poder confiar sem qualquer dúvida no empregado. Neste sentido, ou melhor, com respeito a estas funções, qualquer violação do dever de lealdade é absoluta e não susceptível de graduação, à semelhança do que a jurisprudência vem decidindo maioritariamente quanto ao furto de bens do empregador cometido pelo trabalhador.”- cfr. Acórdão do TRP de 19.09.2011, in www.dgsi.pt (itálico, negrito e sublinhado nossos) Por nos parecer pertinente, citamos ainda, algumas passagens do Acórdão do TRP de 19.10.2015, in www.dgsi.pt, apreciando um caso de despedimento com fundamento num furto de bens do empregador cometido pelo trabalhador, onde se aprecie e densifica este dever de lealdade: “…no caso em análise estamos perante o caso de um furto praticado pela Trabalhadora. Neste âmbito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo há muito a entender, de forma pacífica e unânime, que o furto de bens pertencentes ao empregador configura uma violação grave do dever de fidelidade, independentemente do valor subtraído, que justifica a aplicação da sanção de despedimento, na medida em que acarreta irremediavelmente a perda da confiança do empregador no trabalhador. Concluindo: Assim sendo, e sob esta perspectiva, é de concluir que a conduta da Trabalhadora, ao furtar os produtos expostos para venda no estabelecimento da Empregadora, é apta a provocar nesta última a perda irremediável da confiança naquela, assim tornando insustentável e inexigível a manutenção do vínculo laboral com a mesma. Face ao exposto, apenas resta concluir pela existência, em concreto, de justa causa para o despedimento da Trabalhadora. (…) Para Monteiro Fernandes, em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de execução leal tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa.[20] Lembra Júlio Gomes que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.[21] A violação de tais deveres assume gravidade suficiente para justificar a sanção de despedimento com justa causa, uma vez que comprometeu irremediavelmente a relação de confiança indispensável para a manutenção da relação contratual.” Veja-se, aliás, que atento o carácter absoluto deste dever de lealdade, a jurisprudência e a doutrina, consideram que a diminuição da confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais.- cfr. Ac. TRP de 05.12.2011 e RL de 26.09.2012, in www.dgsi.pt e Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, pág.19. Neste contexto, em face do elenco factual apurado, é forçoso considerar culposa a actuação da trabalhadora e, em consequência, julgar verificada a justa causa para o despedimento com base nos comportamentos acima sublinhados, pois que a subsistência daquela pressuposta confiança ficou irremediavelmente destruída, uma vez que a A. violou aquele seu dever de lealdade/probidade. E essa deslealdade da A., ainda por cima reiterada e dolosa, mina irremediavelmente a relação de confiança que tinha de existir para a manutenção do contrato de trabalho, violando definitivamente a confiança que a Ré nela podia depositar. Os factos provados são suficientes para concluir pela existência de justa causa de despedimento.”. 7.3. No caso, e pelo que deixámos dito em sede de matéria de facto, pese embora a utilização do C1… referida no nº 37 dos factos provados pudesse dar lugar a descontos em artigos, com promoções, que tivessem porventura sido adquiridos pelos clientes, não demos, nem temos, todavia, como assente que, em concreto, tal tenha efectivamente ocorrido [tal foi alegado pela Ré de forma conclusiva, vaga e genérica]. E também não temos como assente que o crédito, de €42,00, de descontos em combustível, embora registados/creditados no C1… em causa nos autos, pertencente à colega da A. E…, haja sido utilizado. Porém, e com exceção do referido, estamos, no essencial, de acordo com as demais considerações tecidas na sentença recorrida, sendo que, o que acabámos de excepcionar, não obsta ao entendimento de que o comportamento da A. viola os deveres de obediência às regras impostas pela Ré, e de que a A. tinha conhecimento, relativas à utilização do referido cartão, como e sobretudo viola os deveres de honestidade, probidade e de boa-fé que à A. se impunham, comportamento esse que determina a irremediável quebra da confiança por parte da Ré no comportamento da A., confiança essa indispensável à possibilidade de manutenção da relação laboral e quebra-a de tal forma que não lhe (à Ré) é exigível que mantenha tal vinculo, assim constituindo justa causa para o despedimento. O dever de lealdade é um dos deveres essenciais do trabalhador, com o qual se prende a confiança do empregador na idoneidade do comportamento do trabalhador, substrato este indispensável à manutenção da relação laboral. O que está em causa nos autos não é saber se a A. pode ser responsabilizada e punida disciplinarmente por o C1… não permitir ao operador de caixa verificar se o cliente que o apresenta é o titular do cartão. O que está em questão nos autos, e que passou efectivamente, é que nas concretas operações referidas no nº 37 dos factos provados a A. sabia perfeitamente que o cartão não pertencia aos clientes, mas sim à sua colega E…, tendo sido aliás por intervenção da própria A., que sugeriu essa utilização, que o cartão daquela foi utilizado, o que manifestamente viola os deveres de obediências às regras instituídas pela Ré quanto a essa utilização, de que a A. era conhecedora, como viola os já mencionados deveres de lealdade e de probidade, que impunham que tal comportamento não tivesse sido por ela adotado, comportamento esse que, com o seu conhecimento e vontade, permitiu que fossem no cartão daquela creditados descontos, de expressão pecuniária, [€2,00 por cada €40,00 de compras, num total de €42,00] aos quais a mesma não tinha direito. E é irrelevante o pequeno montante desses descontos, assim como que tais descontos não tivessem sido utilizados. O dever de lealdade não admite gradações, para além de que o desvalor e gravidade do comportamento radica na conduta em si e não tanto nos prejuízos efectivamente verificados. E também não procede o argumento de que o comportamento da A. não desvirtuava a finalidade visada com a instituição do C1…. A sua atribuição, com as vantagens inerentes [descontos em combustível na D… e em artigos que estivessem em promoção] para o cliente e com o correspondente custo para a Ré [quer no que se reporta aos descontos no combustível, parte dos quais suportava, quer nos descontos promocionais, que vendia abaixo do preço fixado] visava a fidelização do cliente [este o benefício/contrapartida para a Ré dos custos], o que não passa pela creditação de descontos em combustível em cartão de terceiros e que, precisamente por serem de terceiros, não irão ser utilizados no futuro pelos clientes. E quanto aos descontos em artigos promocionais – com o que, diz a Recorrente, os clientes teriam ficado satisfeitos - , desde logo há que salientar que é a própria Recorrente quem alegou que os mesmos não foram devidamente invocados e que nega que tivessem existido, descontos esses que, como referimos, não os temos como provados. De todo o modo, e ainda que assim não fosse, tal consubstanciava a concessão de descontos em situações casuísticas, dependentes da utilização de cartões de terceiros e não do próprio cliente que efectuava a compra, o que não tem a virtualidade da fidelização (no futuro) desse cliente. Também não procede a invocada antiguidade da A., nem o seu bom comportamento e disponibilidade. Muito embora sejam circunstâncias que, na avaliação e ponderação da sanção disciplinar, devam ser ponderadas, não são elas, só por si, determinantes da aplicação de qualquer outra sanção que não o despedimento se, perante a gravidade dos factos, estes constituírem, nos termos do art. 351º, nº 1, do CT/2009, justa causa de despedimento, que é o que ocorre no caso em apreço, mostrando-se o despedimento, embora seja a sanção mais grave do leque de sanções disciplinares disponíveis, adequado e proporcional à gravidade dos factos. Improcedem, assim, as conclusões do recurso. *** IV. DecisãoEm face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Porto, 09.09.2019 Paula Leal de Carvalho Jerónimo Freitas Nelson Fernandes _____________ [1] Conforme informação da Segurança Social de 05.06.2018. [2] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, in A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos à Autora (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, à trabalhadora e à empregadora. [3] Disponível em www.cnpd.pt/bin/orientacoes/principiosvideo.htm [4] Relatora Isabel Tapadinhas. [5] Relator e Adjuntos, respectivamente, Ramalho Pinto, Hermínia Marques, Isabel Tapadinhas. [6] Relator e Adjuntos, respectivamente, Fernandes Cadilha, Mário Pereira e Maria Laura Leonardo. [7] Relator e Adjuntos, respectivamente, Paula Leal de Carvalho António José Ramos e Machado da Silva. [8] Ainda sobre Os Ilícitos Disciplinares dos Trabalhadores Detetados através de Sistemas de videovigilância e a sua Admissibilidade como prova – Comentários aos Acórdãos da Relação de Évora, de 9 de Novembro de 2010 e da Relação do porto de 9 de Maio de 2011, cfr. a mesma Autora, in Estudos de Direito do Trabalho, 2016, Almedina, págs. 271 e segs. [9] Absoluta no nº 1 e relativa no nº 2. [10] Relator e Adjuntos, respectivamente, Mário Belo Morgado, Pinto Hespanhol, Fernandes da Silva. [11] Relator e Adjuntos, respectivamente, João Diogo Rodrigues, Paula Maria Roberto e Machado da Silva, este com voto de vencido. [12] Relator e Adjuntos, respectivamente, Jerónimo Freitas, Nelson Fernandes e Fernanda Soares. [13] Relator e Adjuntos, respectivamente, Nelson Fernandes, Rita Romeira, Teresa Sá Lopes. [14] Relator e Adjuntos, respectivamente, Nelson Fernandes, Rita Romeira, Teresa Sá Lopes. [15] Relator e Adjuntos, respectivamente, Domingos Morais, Paula Leal de Carvalho e Rui Penha, sendo que a ora relatora, em tal aresto, reviu a posição anterior. [16] Relatora Maria João Romba. [17] Relator Jerónimo Freitas. [18] Relator Gonçalves da Rocha. [19] Relator Azevedo Mendes. [20] Relator Moisés Silva. [21] Relatado pela ora relatora. [22] Disponível em www.cnpd.pt/bin/orientacoes/principiosvideo.htm [23] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346). [24] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589). |