Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16368/21.2T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: DANOS EM IMÓVEL CONSTITUÍDO EM REGIME DE PROPRIEDADE HORIZONTAL
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
REPARAÇÕES NAS PARTES COMUNS
Nº do Documento: RP2025102716368/21.2T8PRT.P2
Data do Acordão: 10/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A legitimidade processual para o exercício dos direitos decorrentes de danos provocados em imóvel constituído em regime de propriedade horizontal não é sempre das mesmas pessoas/condóminos, ou seja, tal legitimidade depende do local em que ocorreram esses danos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local onde os mesmos se verificam.
II - Assim, se os danos foram ocasionados nas frações autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de as administrar, são apenas eles que têm legitimidade para exercer junto do causador dos mesmos os direitos em causa. Já se os danos ocorreram nas partes comuns do edifício, como compete exclusivamente à assembleia de condóminos e ao administrador proceder à administração das partes comuns, o exercício dos direitos de reparação/indemnização compete, por via de regra, ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos.
III - A lei substantiva (artigo 1427º do Código Civil), ressalva, contudo, as situações em que as reparações nas partes comuns se revelem indispensáveis e urgentes, caso em que, na falta ou impedimento do administrador, podem as mesmas ser levadas a efeito por iniciativa de qualquer condómino.
IV - No entanto, ao abrigo dessa normatividade, o condómino, recorrendo à ação direta face à urgência das reparações, apenas está legitimado a realizá-las no imediato e não a propor ação destinada a obter a condenação do lesante no pagamento do quantitativo necessário para proceder a esses trabalhos.
V - O recorrente que pretenda impugnar validamente a decisão sobre a matéria de facto, ao enunciar os concretos meios de prova que, na sua perspetiva, conduzem a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise crítica de todos os meios de prova produzidos sobre a materialidade objeto dessa impugnação, não bastando, quando esteja em causa prova pessoal, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos sem correspondência com o sentido global dos mesmos.
VI - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
VII - Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 16368/21.2T8PRT.P2

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Local Cível, Juiz 5

Relator: Miguel Baldaia Morais

1º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro

2ª Adjunta Desª. Ana Paula Amorim


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SUMÁRIO

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I. RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra BB, pedindo a condenação deste no pagamento das seguintes quantias:

a) 782,86€ que despendeu na reparação da fenda do telhado, com o quadro elétrico, com os relatórios das diversas entidades e com os gastos dos A...;

b) 5.862,02€ respeitante ao orçamento da reparação dos danos causados na fração da Autora;

c) 1.471.68€, que respeita ao orçamento da reparação dos danos causados nas áreas comuns do prédio na proporção da responsabilidade da Autora;

d) 2.000,00€, a título de indemnização por danos morais.

Para substanciar tais pretensões alegou, em síntese, que, em consequência de obras executadas pelo réu no prédio vizinho ao edifício onde se situa a fração autónoma da autora, se registou a entrada de água quer nessa fração, quer nas partes comuns do prédio onde a mesma se integra, o que lhe ocasionou danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretende ser ressarcida.

Citado o réu apresentou contestação na qual, desde logo, advoga que a autora não detém legitimidade ativa para exigir a reparação de danos ocorridos nas partes comuns do edifício onde se integra a sua fração. De igual modo advoga carecer de legitimidade passiva para a lide, posto que as obras que realizou foram levadas a cabo na qualidade de administrador provisório do prédio onde a sua (dele, réu) fração se integra e não em nome próprio. No mais contestou por impugnação.

Respondeu a autora pugnando pela improcedência das suscitadas exceções dilatórias.

Foi proferido despacho saneador no qual se decidiu pela improcedência das invocadas ilegitimidades ativa e passiva.

Após a realização da audiência final foi prolatada sentença onde se decidiu julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenar o réu no pagamento, à autora, da quantia de € 9.616,56, acrescida de juros vencidos e vincendos.

Não se conformando com o assim decidido, o réu interpôs recurso dessa sentença.

Remetidos os autos a este tribunal foi proferida decisão singular que, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, al. c) do Cód. Processo Civil, anulou a sentença recorrida, determinando a devolução dos autos à 1.ª instância a fim de o juiz a quo proceder à repetição parcial do julgamento com vista à apreciação da factualidade constante dos artigos 2º a 11º da contestação.

Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença na qual se decidiu «julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenar o réu no pagamento, à autora, da quantia global de € 9.616,56 (nove mil, seiscentos e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, absolvendo o réu do demais peticionado».

Novamente inconformado com essa decisão, o réu interpôs o presente recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A) Consta dos autos certidão pela qual se verifica que a permilagem da fração “A” (a única da qual o R. não é proprietário) é de 360, sendo proprietário da fração “B” de 340 e da fração “C” 300.

B) Estando-se a discutir a figura do administrador provisório, é relevante que estas permilagens sejam aditadas aos arts. 3º e 5º da matéria provada.

C) A redação ao art. 10º da matéria provada é incorreta e vaga: vaga porque em causa está um tipo específico e concreto de cobertura, o telhado e as caleiras, relativamente à qual não se levantam dúvidas sobre a sua natureza como acontece, por exemplo, com alguns terraços de cobertura;

D) Incorreta porque a expressão “nomeadamente” não se aplica pois o telhado e as caleiras não são propriedade do R. mas sim zonas comuns;

E) Por tudo isto deverá a segunda parte deste artigo ser eliminada (a partir de “nomeadamente”) e constar de artigo autónomo (nos termos imediatamente abaixo requeridos na al. F);

F) E deve ser aditado novo artigo à matéria provada, com a seguinte redação: “As obras no telhado e caleiras do prédio identificado nos arts. 3º e 5º da matéria provada foram executadas pelo administrador provisório, o aqui Réu”.

G) Em coerência com estas alterações e o que ficou alegado sobre esta matéria deverá ser eliminado a al. b) dos factos não provados;

H) Deve o R. ser declarado parte ilegítima e absolvido da instância, pois é por força do art. 1435º-A do Código Civil administrador provisório, e nessa qualidade executou as obras no telhado, zona comum, e era contra o condomínio, representado pelo R. seu administrador, que a ação devia ter sido proposta, e não contra o próprio R.;

I) Por seu turno é a A. parte ilegítima na parte do pedido relativo às partes comuns, a ação teria de ser proposta pelo condomínio, e a A. devia previamente tê-lo instado a isso, pelo que deverá nessa parte ser absolvido o R. da instância;

J) Não sendo totalmente absolvido da instância, pretende que seja aditado um quesito à matéria provada, com a seguinte redação: “O telhado do prédio da A. estava degradado, tinha as telhas velhas, com fungos, desalinhadas, e a caleira velha e enferrujada”.

K) Esse novo quesito justifica-se com as fotografias juntas com a contestação, e com os depoimentos das testemunhas CC (do minuto 3,18 a 4,10 e 5,17 a 6,54), DD (do minuto 1,14 a 3,36 e 5,31 a 5,49), EE (do minuto 3,05 a 3,35) e FF (do minuto 3,01 ao minuto 3,32), das gravações devidamente identificadas nos pontos IV, V e Vi destas alegações;

L) Não se deverá dar como provada a entrada de água pela claraboia na sequência das obras em causa, o que resulta desde logo do contexto: nunca nos alegados (pela própria A.) contactos anteriores entre as partes, nem na matéria provada sobre esses contactos, foi feita menção pela A. a esse facto;

M) E resulta também dos depoimentos das testemunhas DD (minutos 5,31 a 5,42) e GG (minuto 21,51 a 23,23) dos ficheiros identificados no ponto IV destas alegações, pelo que deverá ser eliminada a matéria dos arts. 26, 29 a 32;

N) Não se deverá dar como provado que a porta da rua do prédio da A. ficou danificada por causa de um cano em falta dois andares acima e na casa ao lado (prédio do R.), porta que já antes era velha e degradada, e neste sentido são relevantes os depoimentos de CC (minuto 8,09 a 9,07), FF (minuto 4,23 a 4,38), e GG (minuto 27,57 a 29) dos ficheiros acima identificados;

O) Em consequência deverão ser eliminados os arts. 53, 54 e 55 da matéria provada.

P) Com a eliminação dos arts. 26, 29 a 31, 53, 54 e 55 os factos dos arts. 45, 46, 47, 59 e 60 ficam afetados, na medida em que incluem obras e custos que deles devem sair, o que obrigado a redefinição dessas obras e respetivos custos, a liquidar posteriormente nos termos legais – ou, se o tribunal entender mais adequado, baixando os autos para esse efeito;

Q) Em suma, aceita que as obras provocaram infiltrações pela fenda na esquina da casa, mas não aceita que as tenham provocado pela claraboia;

R) Quando aos danos não patrimoniais, neles não cabem os prejuízos profissionais, e os incómodos e uma noite de preocupação não justificam indemnização superior a 250,00€.

Termos em que o recurso deve ser admitido e ser-lhe dado provimento, sendo o R. absolvido totalmente da instância, ou assim não se entendendo, declarada a A. parte ilegítima quanto ao pedido que formulou relativamente aos danos nas partes comuns do prédio onde tem a sua fração, e revogada a sentença recorrida e reduzida a indemnização por danos patrimoniais aos prejuízos decorrentes apenas das infiltrações pela fenda no telhado, a liquidar posteriormente nos termos legais, e a indemnização por danos não patrimoniais reduzida para 250,00€, como é de Justiça!


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A autora apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

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II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas:

. da (i)legitimidade do réu para a ação;

. da (i)legitimidade da autora para exigir a reparação de danos ocorridos em partes comuns do prédio onde se integra a fração autónoma de que é proprietária;
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas no concernente a alguns dos factos dados como provados;
. decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente dilucidar se à autora/apelada assiste o direito de exigir do réu/apelado o pagamento das quantias reclamadas no articulado inicial a título de indemnização/compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais.


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2. Do recurso da decisão interlocutória de apreciação do pressuposto processual da legitimidade das partes

2.1. Da (i)legitimidade do réu para a presente demanda

Na contestação que apresentou o réu defendeu-se, para além do mais, por exceção dilatória, alegando carecer de legitimidade para a presente ação, posto que as obras em causa nos autos não foram executadas por si a título pessoal, mas antes na qualidade de administrador provisório do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscrito na matriz sob o nº ....

Em decisão interlocutória veio a afirmar-se que, de acordo com a narrativa apresentada pela autora na peça processual com que deu início à presente demanda, foi o réu, “a título pessoal, que praticou atos que geraram danos na sua (dela, autora) fração e nas partes comuns do edifício onde esta se situa”, motivo pela qual, ao abrigo do disposto no art. 30º, o réu deterá legitimidade processual para a lide por ter interesse direto em contradizer a concreta pretensão de tutela jurisdicional contra si aduzida por aquela.

O apelante insurge-se contra esse segmento decisório, reiterando a argumentação de que deve ser declarado parte ilegítima, porquanto as obras que terão causado os danos cuja reparação a autora impetra na ação não foram por si realizadas a título pessoal, mas antes como administrador provisório do prédio urbano onde se integram as frações autónomas de que é proprietário.

Como é consabido, a legitimidade em sentido processual (a lei emprega, por vezes, o termo legitimidade num outro sentido, dito material) repre­senta, ao contrário do que ocorre com os demais pressupostos processuais subjetivos relativos às partes (personalidade, capacidade, patrocínio judiciários) - os quais assistem ou faltam à parte em todos os processos ou, pelo menos, num grande número de processos, sendo, portanto, qualidades processuais do sujeito em si - uma posição da parte em relação a certo processo em concreto, rectius, em relação a certo objeto do processo, à matéria que nesse processo se trata, à questão de que esse processo se ocupa. Portanto, a legitimidade não é uma qualidade pessoal, é antes uma qualidade posicional da parte face à ação, apurando-se em função da titularidade dos interesses emergentes da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor no momento da sua propositura.

Isso mesmo se encontra presentemente vertido em letra de forma nos nºs 1 a 3 do art. 30º, nos termos do qual o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar (exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação), enquanto o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer (o que se exprime pelo prejuízo que dessa procedência advenha), sendo, na falta de indicação da lei em contrário, considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (na petição inicial).

No caso vertente, a autora alegou na petição inicial que foi o réu quem começou a fazer obras no prédio contíguo ao dela, nomeadamente ao nível da cobertura, sendo que em resultado das mesmas ocorreram danos de que pretende ser indemnizada/compensada.

Perante essa articulação, temos que, à luz do critério normativo enunciado no citado art. 30º, o réu possui legitimidade processual para a causa, tendo em conta que o interesse em contradizer se exprime “pelo prejuízo que resultará para o réu da procedência da ação” atendendo ao pedido e à causa de pedir nos termos em que esses elementos objetivos da instância foram configurados pela demandante. Se a causa de pedir e o respetivo pedido estão ou não bem configurados no sentido de poderem permitir a esta o reconhecimento do direito a que se arroga é questão de mérito, que não cabe apreciar em sede de conhecimento da legitimidade enquanto pressuposto processual. É que no âmbito dessa apreciação não se põe a questão de saber se a relação material existe ou não validamente, e qual a sua relevância, importando tão só aferir a função de cada uma das partes, na relação material, tal como a autora a apresenta e dela faz emergir o direito creditório que pretende ver reconhecido sobre o demandado.

Portanto, sob o ponto de vista processual o réu é dotado de legitimidade ad causam.

Todavia, como já anteriormente se deu nota, haverá, neste conspecto, que estabelecer um distinguo entre legitimidade das partes como pressuposto processual (legitimidade ad causam) e a legitimidade substantiva (ou substancial) das mesmas, que se prende com o mérito da ação. Isso mesmo tem sido enfatizado na doutrina[2], chamando-se a atenção que uma coisa é saber se as partes são os sujeitos da pretensão formulada, admitindo que a pretensão exista; outra coisa, essencialmente distinta, é apurar se a pretensão na verdade existe, por se verificarem os requisitos de facto e de direito que condicionam o seu nascimento, o seu objeto e a sua perduração.

Ora, como emerge da exegese do articulado de defesa que apresentou nestes autos, o réu alegou que as ajuizadas obras foram levadas a cabo no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscrito na matriz sob o nº ... não por si, mas na qualidade de administrador provisório do condomínio onde se integram as frações de que é proprietário, sendo função do administrador provisório[3], entre outras, a realização dos atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns (cfr. art. 1436º, nº 1, al. d) do Cód. Civil), como é, inequivocamente, o caso do telhado (art. 1421º, nº 1, al. b) do Cód. Civil), onde alegadamente terão, primordialmente, ocorrido as obras que estarão na base dos danos cuja reparação a autora reclama.

As proposições alegadas no sentido de densificar faticamente a apontada qualidade de administrador provisório do réu mostram relevantes, posto que em caso de demonstração dessa realidade será o condomínio e não o réu pessoalmente a responder pelos alegados danos ocasionados na fração autónoma pertencente à autora e nas partes comuns do edifício (igualmente constituído em regime de propriedade horizontal) onde essa fração se integra. E, conforme vem sendo decidido[4], a intervenção judicial do administrador provisório nessa qualidade tem de ser objeto de demonstração, valendo para tal efeito quaisquer meios de prova, mediante a invocação dessa qualidade.

Como assim, malgrado se tenha afirmado que o réu detém legitimidade ad causam, haverá que dilucidar se o mesmo detém legitimidade substantiva, sendo que a apreciação dessa questão está dependente da apreciação da impugnação da matéria de facto provada e não provada, motivo pelo qual a sua efetiva apreciação terá lugar após a estabilização do quadro factual relevante para os termos da presente demanda.


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2.2. Da (i)legitimidade da autora para exigir a reparação/pagamento de danos ocasionados nas partes comuns do edifício onde se integra a sua fração autónoma

O decisor de 1ª instância considerou que a autora detém legitimidade (processual) ativa para exigir do réu o pagamento do montante necessário para reparação dos danos que este ocasionou nas partes comuns do edifício onde se integra a fração autónoma de que é proprietária.

O apelante rebela-se contra esse entendimento sustentando que essa legitimidade compete apenas ao condomínio e não à autora singularmente.

Que dizer?

Conforme emerge do art. 1420º do Cód. Civil, na propriedade horizontal, coexistem, de modo incindível, dois direitos reais distintos: um direito de propriedade singular sobre a fração autónoma e outro complementar ou instrumental, de compropriedade sobre as partes comuns do edifício onde a mesma se integra. Portanto, o que carateriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respetivo regime é o facto de as frações independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária, o que, necessariamente, há de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às frações autónomas.

Sendo assim – conforme, aliás, tem sido recorrentemente sublinhado na jurisprudência[5] -, a legitimidade (ativa) para o exercício dos direitos decorrentes de danos provocados no imóvel não é sempre das mesmas pessoas/condóminos, ou seja, tal legitimidade depende do local em que ocorreram esses danos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local onde os mesmos se verificam. Se os danos se situam nas frações autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de as administrar, são apenas eles que têm legitimidade para exercer junto do causador dos mesmos os direitos em causa. Se os danos ocorreram nas partes comuns do edifício, como compete exclusivamente à assembleia de condóminos e ao administrador proceder à administração das partes comuns (cfr. 1430.º, nº 1 do Cód. Civil), o exercício dos referidos direitos de reparação/indemnização compete, por via de regra, ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos.

Efetivamente, o direito de compropriedade dos condóminos (sobre as partes comuns do edifício) tem especificidades em relação ao regime geral da compropriedade[6], não lhe sendo aplicável o art. 985.º do Cód. Civil (ex vi do art. 1407.º do Cód. Civil), ou seja, os condóminos não podem individual e isoladamente (ainda que só “na falta de convenção em contrário”) exercer os direitos inerentes à administração das partes comuns (em que se incluem o direito à reparação/eliminação dos danos provocados nas partes comuns), na medida em que, quanto à propriedade horizontal, estão estabelecidas específicas formas de organização/funcionamento e de formação da vontade do grupo constituído pelos condóminos em que o administrador é o órgão executivo e representativo do condomínio, competindo-lhe a gestão dos assuntos correntes relativos às partes comuns do edifício (art. 1436.º do C. Civil) e a representação judicial do grupo de condóminos (art. 1437.º do C. Civil); e em que a assembleia de condóminos é o órgão deliberativo do condomínio, onde se forma a vontade deste, através da tomada de deliberações vinculativas para todos os condóminos. Sendo justamente por isto, articulando tais poderes e competências, que compete à assembleia de condóminos decidir, por maioria, sobre o exercício dos direitos decorrentes de danos provocados nas partes comuns do edifício, competindo depois ao administrador, em execução da respetiva deliberação, acionar esses direitos, judicial ou extrajudicialmente, perante a pessoa que efetivamente os ocasionou.

É certo que a lei substantiva (art. 1427º do Cód. Civil) ressalva as situações em que as reparações nas partes comuns se revelem indispensáveis e urgentes, caso em que, na falta ou impedimento do administrador, podem as mesmas ser levadas a efeito por iniciativa de qualquer condómino.

No entanto, essa hipótese excecional pressupõe que o condómino, recorrendo à ação direta face à urgência das reparações, as tenha efetivamente executado.

Não é essa, no entanto, a realidade que se verifica no caso vertente, em que a autora não realizou essas reparações, pretendendo, antes, através da presente ação obter a condenação do réu no pagamento do quantitativo necessário (correspondente à sua quota parte) para proceder a esses trabalhos.

Deste modo, no que respeita ao pedido formulado no terminus da petição inicial sob a alínea c), carece a autora de legitimidade ad causam, razão pela qual, julgando procedente este segmento recursivo, se impõe, por mor do disposto nos arts. 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 2 e 577º, al. e), a absolvição do réu da instância relativamente a essa concreta pretensão de tutela jurisdicional.


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3. FUNDAMENTOS DE FACTO

3.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:

1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ...-C e inscrita na matriz sob o nº ..., a fração ´´ C´´ do prédio sito na Rua ..., nº ..., no 2º andar, constituído por uma habitação tipo T2.

2. O direito de propriedade de tal prédio está inscrito em nome da autora.

3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscritas na matriz sob o nº ...... réu, as frações ´´ B´´ e ´´ C´´ do prédio nº .../ ..., 1º e 2º andar.

4. O direito de propriedade de tal prédio está inscrito em nome do réu.

5. Sendo que o prédio tem mais uma fração (correspondente ao rés do chão), cujo direito de propriedade está inscrito em favor de uma terceira pessoa).

6. No prédio das frações do R. não foi eleito administrador.

7. A fração da qual a A. é proprietária faz parte de um prédio e as frações do Réu fazem parte do prédio contíguo ao dela.

8. Os dois prédios são meeiros.

9. Sendo que o dispositivo de escoamento das águas do telhado (rufos, calhas, rincões e condutores) dos dois prédios era comum.

10. Em 2019, o Réu começou a fazer obras nas frações de que é proprietário no prédio contíguo ao dela, nomeadamente ao nível da cobertura.

11. No fim do dia 06 de março de 2019 a autora deparou-se com uma inundação no seu quarto.

12. O soalho estava todo encharcado, as tábuas já estavam a revirar, as madeiras do rodapé e a ombreira da janela superior a descascar.

13. A água entrava no seu quarto, escorrendo pela parede contigua à parede da fração do R.

14. A autora comunicou este facto ao réu, através de contato telefónico.

15. O réu reconheceu à autora que estava a fazer obras no seu telhado e a mudar as caleiras.

16. E, perante a autora, assumiu que iria assumir os estragos causados.

17. No dia seguinte, 07 de março de 2019, a A. ao chegar a casa, ao fim do dia, deparou-se com o mesmo cenário, tinha o chão do seu quarto novamente com água e, de imediato.

18. A autora enviou ao réu uma mensagem escrita, dizendo-lhe que tinha voltado a encontrar água no chão do seu quarto.

19. No dia 08 de março de 2019, via telemóvel, o réu voltou a assumir que iria resolver o problema da entrada das águas pluviais na fração descrita em A).

20. Sendo que o réu assumiu ainda, perante a autora, que o picheleiro havia levantado a caleira do telhado do seu edifício que estava podre para o reparar e que tinha dado um jeito à caleira do telhado do prédio da autora e colocado silicone.

21. A autora, em 19 março de 2019, enviou ao réu uma carta registada com aviso de receção para que ele procedesse à reparação da rufagem na zona da caleira na ligação entre os dois prédios confinantes onde existia a fenda por onde a água se infiltrava e que procedesse à reparação dos danos na sua habitação, carta que veio devolvida por não ter sido reclamada junto dos A....

22. A autora acionou o seu seguro, o qual após, peritagem ao local, se desresponsabilizou, concluindo que ´´na origem dos danos estará a intervenção efetuada, no início de do mês de março no edifício contiguo nº 69´´.

23. O réu, aquando da realização dos trabalhos no telhado e da caleira do seu prédio, deixou uma fenda/buraco entre os dois telhados e a emenda não ficou unida ao telhado do prédio da fração da autora.

24. Não foi feito um remate que impedisse, no futuro, as infiltrações.

25. O réu não teve autorização da autora para ocupar o telhado do prédio da fração da autora.

26. Na referida intervenção por conta do réu, foram partidas telhas, danificado o rufo e partidos os vidros da claraboia do prédio da fração da autora.

27. A fração da A. está situada no último andar e a claraboia, encontra-se exatamente no teto da sua sala de estar.

28. Tal claraboia tem dois planos de vidro, um rente ao telhado e um no teto interior.

29. Alguém a mando do réu colocou um produto a tapar o vidro partido.

30. Pelo facto de o vidro ter sido partido, nos termos supra descritos, e apesar da intervenção referida em 27, existiam infiltrações de águas pluviais que entrava pela claraboia.

31.A mando do réu, foram substituídos, em finais de Maio, inícios de Junho de 2019, os vidros da claraboia que estavam partidos.

32. Os vidros colocados não são os indicados para claraboias, tendo sido contra-colados um vidro sobre o outro, com deficiências nos acabamentos e colocando excesso de peso sobre a estrutura antiga.

33. No dia 15 de dezembro de 2019, pela hora de jantar, continuava a entrar água na fração da autora, nomeadamente pelas paredes do quarto.

34. Sendo que, nesse mesmo dia, à noite, a autora ficou sem luz elétrica na sua habitação.

35. Sendo que o quadro elétrico estava inundado e a fumegar.

36. A água escorreu pelas paredes do prédio desde o telhado entrando na fração da A. passando pelo primeiro andar e escorreu até ao rés-do-chão, onde está o quadro elétrico.

37. A autora passou a noite assustada e angustiada com o receio que o quadro elétrico se incendiasse.

38. No dia seguinte, já na presença do Batalhão de Sapadores de Bombeiros ..., estes informaram que, em face do estado do quadro elétrico, e supra descrito, existia risco de incêndio, tendo ficado no local.

39. A água escorria pela parede do prédio até ao quadro elétrico, que levou à existência de fumo a sair do quadro, sendo que o “cofrait” estava em combustão devido à água que caía sobre o mesmo.

40. Foi necessário chamar o piquete da EDP.

41. Os quais tiveram de abrir um buraco no passeio para evitar danos no prédio, provocados por um curto circuito.

42. Para voltar a ter luz elétrica na sua habitação e no prédio, a autora teve de contratar e pagar quem fizesse uma nova ligação do quadro elétrico e que removesse toda a instalação elétrica e tubagem existente e foi colocada uma nova, afastada da parede, por esta estar com humidade.

43. Despendendo a quantia de 295,20€ (duzentos e noventa e cinco euros e vinte cêntimos).

44. A parede, onde o quadro elétrico estava fixado, estava de tal forma deteriorada pela água que foi necessário remover as massas antigas e colocar um revestimento novo, com um certo afastamento da parede para salvaguardar futuras inundações.

45. A água que se infiltrou nas paredes das habitações do prédio e da fração da autora, sempre motivada pelos trabalhos supra descritos, efetuados pelo réu.

46. A autora teve danos no seu quarto, o soalho empenou, as massas das juntas estalaram, o verniz que protegia o soalho descascou, e a ombreira da janela e o rodapé precisam de ser reparados.

47. As massas das paredes da sua sala de jantar, sala de estar e no quarto estavam empoladas, as fendas estão a abrir e a cair pedaços no chão juntamente com areias.

48. A autora tentou que o réu procedesse à reparação da rufagem na zona da caleira na ligação entre os dois prédios confinantes onde existia a fenda por onde a água se infiltrava, nomeadamente através de carta registada, enviada em 20 de dezembro de 2019.

49. Não tendo o réu efetuado qualquer intervenção.

50. Assim, e atenta a urgência, a autora contratou a realização desse trabalho, referido em 46.

51. No que despendeu a quantia de 447,72€ (quatrocentos e quarenta e sete euros e setenta e dois cêntimos).

52. O réu, na fachada do seu prédio, não reparou o tubo que faz o escoamento das águas vindas do seu telhado.

53. Sendo que a água caía descontrolada e em grande quantidade no passeio encharcando e danificando a porta do prédio onde se situa a fração da A, sempre que chovia.

54. A porta da entrada do prédio da fração da A. é de madeira e está deteriorada pelo desgaste do tempo e também pela água, vinda do referido cano.

55. Sendo que, quando molhada é muito difícil de abrir e fechar, tem a pintura toda descascada, perdeu a impermeabilidade e está cheia de fungos.

56. Em agosto de 2021 o réu procedeu à reparou o referido tubo.

57. A autora solicitou ao réu, através de cartas registas, remetidas em 03/04/2020, 02/06/2020 e 09/11/2020, que procedesse à reparação dos danos que causou na sua habitação, que a ressarcisse das despesas que tinha suportado com a reparação da fenda no telhado, com o quadro elétrico.

58. Cartas que vieram devolvidas por não terem sido reclamadas junto dos A....

59. A autora acabou por proceder à realização dos trabalhos em causa, na sua fração, que tiveram o valor global de 5.862.02€.

60. O valor das reparações dos danos nas partes comuns do prédio está orçado em 4,415,04€, sendo a proporção da A. no valor de 1.471,68€.

61. A autora requereu vários relatórios às várias entidades que foram chamadas quer à sua habitação quer ao prédio para tomarem conta das várias ocorrências, tendo gasto a quantia de 25,09 €.

62.Com as várias missivas que enviou ao réu, gastou a autora a quantia de 14,85€.

63. A autora é designer tendo perdido tempo a tratar dos danos supra descritos.

64. Sendo que esta situação lhe causou preocupações e incómodos.


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3.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

a) Que, devido a trabalhos realizados pelo réu no prédio de sua propriedade, seja possível a quem se encontre no mesmo visualizar o interior da fração da autora.

b) Que o réu tenha promovido a realização das obras por si e em representação da proprietária da fração A) do prédio onde se situam as frações daquele.


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3.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Como emerge das respetivas conclusões recursivas, o apelante veio requerer a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, advogando que: (i) deve ser alterada a redação dos pontos nºs 3, 5 e 10 dos factos provados; (ii) devem ser dadas como não provadas as afirmações de facto vertidas nos pontos nºs 26, 29 a 32, 53, 54 e 55 dos factos provados; (iii) deve ser aditados dois novos pontos factuais ao elenco dos factos provados.

Começando pelos pontos nºs 3 e 5 neles deu-se como provado que:

. “Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscritas na matriz sob o nº ...... réu, as frações “B” e “C” do prédio nº .../..., 1º e 2º andar” (ponto nº 3);

. “Sendo que o prédio tem mais uma fração, correspondente ao rés-do-chão, cujo direito de propriedade está inscrito em favor de uma terceira pessoa” (ponto nº 5).

Preconiza o apelante que a redação dos transcritos pontos factuais deve ser alterada por forma a que deles passe a constar a permilagem de cada uma das frações autónomas que integram o edifício em causa.

Note-se, desde logo, a forma pouco cuidada como se mostram redigidos os aludidos pontos de facto, razão pela qual se justifica a sua alteração de molde a dar cabal tradução aos elementos informativos que resultam da certidão extraída da competente Conservatória do Registo Predial que se encontra junta aos autos.

Assim tais pontos de facto passarão a ter a seguinte redação:

. “O prédio urbano situado na Rua ..., na cidade do Porto, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o ..., sendo constituído por três frações autónomas, designadas pelas letras “A”, “B” e “C”, com as permilagens, respetivamente, de 360%0, 340%0 e 300%0” (ponto nº 3);

. “Encontra-se inscrita a favor do réu a aquisição, por compra, das frações “B” e “C” do prédio identificado em 3º, sendo que a aquisição da fração “A” se encontra registada a favor de terceira pessoa” (ponto nº 5).


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No ponto nº 10 deu-se como provado que: “Em 2019, o Réu começou a fazer obras nas frações de que é proprietário no prédio contíguo ao dela, nomeadamente ao nível da cobertura”.

Sustenta o apelante que tal enunciado fáctico deve ser cindido em duas partes, mantendo-se a redação da primeira parte (isto é, que “Em 2019, o réu começou a fazer obras nas frações de que é proprietário no prédio contíguo ao [prédio onde se integra a fração da autora]”), enquanto relativamente à segunda parte deve ser aditado um novo ponto à matéria de facto provada com o seguinte teor: “As obras no telhado e caleiras do prédio identificado nos pontos nºs 3 e 5 da matéria provada foram executados pelo administrador provisório, o aqui réu”.

Concatenando a redação dada na sentença recorrida ao ponto nº 10 com aqueloutra que é sugerida pelo apelante, verifica-se que o propósito deste passa, na essência, pela substituição do termo “cobertura” pela expressão “telhado e caleiras” e bem assim pelo aditamento de que, em relação às obras aí levadas a cabo, foram as mesmas executadas pelo réu como administrador provisório.

Relativamente ao primeiro segmento resulta dos autos que efetivamente as obras - na parte que ora releva - foram executadas pelo réu no telhado e nas caleiras, como o evidenciam o depoimento produzido pela testemunha DD – que participou na realização desses trabalhos - e bem assim os registos fotográficos juntos aos autos com a petição inicial.

Já no concernente ao segundo segmento, o mesmo contende com a materialidade que na decisão recorrida foi dada como não provada na alínea b), sendo que o decisor de 1ª instância motivou o juízo probatório que emitiu quanto à mesma nos seguintes termos: «[i]mporta dizer que apenas o réu veio afirmar que as obras realizadas tiveram o prévio acordo da outra condómina, que até se obrigou a suportar a sua parte das despesas.

Ora o réu não o afirmou nas primeiras sessões da audiência de julgamento, tendo-se sempre assumido como o verdadeiro responsável pelas obras realizadas, nunca tendo alegado, mesmo perante a autora, como representante do condomínio.

Importa ainda dizer que o réu nem se preocupou em arrolar tal condómina como testemunha, ou em juntar uma qualquer declaração da mesma, no sentido de estar a par das obras. Assim, as declarações do réu não foram levadas em conta, nesta parte, não tendo sido dados como assentes os factos por si alegados».

Colocado perante a transcrita motivação da decisão de facto, o apelante sustenta que as declarações que prestou na audiência final e bem assim o depoimento produzido pela testemunha HH confirmam que levou a efeito as ajuizadas obras na qualidade de administrador provisório, motivo pelo qual essa realidade deve constar do elenco dos factos provados.

Tal afirmação consubstancia uma conclusão jurídica que, qua tale, não deve constar do elenco dos factos provados, devendo antes resultar da alegação e demonstração de factos (cujo onus probandi impenderia sobre o réu, nos termos do nº 2 do art. 342º do Cód. Civil) que permitissem considerar que efetivamente os trabalhos que realizou o foram na qualidade de administrador provisório do prédio onde se integram as frações de que é proprietário.

Ora, ao invés do que o apelante advoga, para se firmar essa conclusão não basta alegar que esse prédio não tinha um administrador eleito/nomeado e que, ao tempo, era o condómino cujas frações representavam a maior permilagem do capital investido. Impunha-se antes que demonstrasse, nomeadamente, que contratou com o empreiteiro que executou as ditas obras como administrador provisório e não em nome próprio.

Certo é que nenhum elemento probatório, mormente de natureza documental (v.g. fatura,) foi produzido com esse desiderato, não sendo despiciendo ressaltar que constam dos autos suportes documentais (concretamente os documentos juntos com a resposta) donde se extrai que as obras em causa foram realizadas pelo requerente em seu nome, e não propriamente na qualidade de administrador provisório. Isso mesmo, aliás, foi confirmado pelo réu aquando da sua audição na 1ª sessão da audiência final, reconhecendo que foi ele próprio quem efetuou as obras (“de remodelação”, na expressão do depoente) e que as pagou, sem que tivesse havido, em alguma medida, participação ou consentimento do proprietário da fração “A”. É facto que, em sessão posterior, acabou por referir que, afinal, as obras que realizou tiveram o prévio acordo da outra condómina, que até se obrigou a suportar a sua parte nas despesas, afirmação essa que, no entanto, não teve comprovação por qualquer outro subsídio de prova, designadamente um escrito subscrito por essa condómina.

De igual modo, a testemunha HH (que efetuava limpezas nas frações pertencentes ao réu) nenhum contributo trouxe para o esclarecimento desta matéria, prestando um depoimento marcadamente indireto, desconhecendo, nomeadamente, se as obras foram realizadas pelo réu no interesse de todos os condóminos do edifício onde se integram as frações de que é proprietário, limitando-se a adiantar que o réu, em conversa que com ela manteve, “lhe terá dito que a senhora de baixo [que nem sequer conhece] também ainda tem uma fração, também vai ajudar ou vai contribuir e assim e pronto”.

Como assim, inexiste fundamento que justifique a alteração do juízo probatório emitido pelo decisor de 1ª instância relativamente a esse segundo segmento da impugnação.

Já no concernente ao primeiro segmento, em razão do que acima se expôs, a redação do ponto nº 10 dos factos provados passará a ter o seguinte teor: “Em 2019, o réu começou a fazer obras nas frações de que é proprietário e bem assim no telhado e nas caleiras do prédio onde as mesmas se integram”.


*

Vejamos agora a impugnação referente aos pontos nºs 26, 29 a 32, 53, 54 e 55 dos factos provados.

Nestes pontos deu-se como provado que:

. “Na referida intervenção por conta do réu, foram partidas telhas, danificado o rufo e partidos os vidros da claraboia do prédio da fração da autora” (ponto nº 26);

. “Alguém a mando do réu colocou um produto a tapar o vidro partido” (ponto nº 29);

. “Pelo facto de o vidro ter sido partido, nos termos supra descritos, e apesar da intervenção referida em 27, existiam infiltrações de águas pluviais que entravam pela claraboia” (ponto nº 30);

. “A mando do réu, foram substituídos, em finais de Maio, inícios de Junho de 2019, os vidros da claraboia que estavam partidos” (ponto nº 31);

. “Os vidros colocados não são os indicados para claraboias, tendo sido contra-colados um vidro sobre o outro, com deficiências nos acabamentos e colocando excesso de peso sobre a estrutura antiga” (ponto nº 32);

. “Sendo que a água caía descontrolada e em grande quantidade no passeio encharcando e danificando a porta do prédio onde se situa a fração da A, sempre que chovia” (ponto nº 53);

. “A porta da entrada do prédio da fração da A. é de madeira e está deteriorada pelo desgaste do tempo e também pela água, vinda do referido cano” (ponto nº 54);

. “Sendo que, quando molhada é muito difícil de abrir e fechar, tem a pintura toda descascada, perdeu a impermeabilidade e está cheia de fungos” (ponto nº 55).

Portanto, neste segmento impugnatório, a divergência do apelante prende-se com a alegada entrada de água pela claraboia e bem assim com os danos na porta da entrada do prédio onde se integra a fração autónoma da demandante.

Ora, considerando que essa porta de entrada constitui parte imperativamente comum desse prédio (cfr. art. 1421º, nº 1, al. c) do Cód. Civil), tendo-se afirmado que a autora carece de legitimidade ativa para o pedido de condenação do réu no pagamento da importância necessária para a reparação das partes comuns, fica, nessa medida, prejudicada a apreciação da impugnação da materialidade vertida nos pontos nºs 53 a 55 dos factos provados.

Consequentemente, neste segmento, essa impugnação restringir-se-á à apreciação da facticidade atinente à alegada entrada de água pela claraboia e que se mostra plasmada nos pontos nºs 26, 29 a 32 dos factos provados.

Para justificar a emissão de um juízo probatório negativo relativamente a essas proposições factuais o apelante convoca os depoimentos prestados pelas testemunhas DD e GG, argumentando que essa prova pessoal, na leitura que dela faz, permite demonstrar o erro na apreciação da prova, porquanto os mesmos não confirmaram que a entrada de águas pluviais na fração autónoma da autora proviesse da claraboia, mas apenas pela fenda existente na zona da caleira situada na ligação dos telhados dos dois edifícios. De seguida, limita-se a transcrever excertos desses depoimentos.

Ora, para este efeito impugnatório, não basta a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova, e também se revela insuficiente no que respeita à prova pessoal, a transcrição de algum (ou alguns) dos depoimentos produzidos em julgamento.

Com efeito, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.

Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do nº 1 do citado art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante[7].

Daí que, da mesma maneira que ao tribunal de 1ª instância é atribuído o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova que o conduziu a declarar quais os factos que julga provados e não provados (art. 607º, nº 4), devendo especificar, por razões de sindicabilidade e de transparência, os fundamentos que concretamente se tenham revelado decisivos para formar a sua convicção, facilmente se compreende que, em contraponto, o legislador tenha imposto à parte que pretenda impugnar a decisão de facto o respetivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.

Isso mesmo é sublinhado por ANA LUÍSA GERALDES[8], quando refere que o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, “deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos”. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal de 1ª instância (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, aos restantes meios probatórios, v.g., documentos, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada e é com esses elementos que a parte contrária deverá ser confrontada, a fim de exercer o contraditório, no âmbito do qual poderá proceder à indicação dos meios de prova que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente.

Facto é que o apelante não realizou esse exercício de confronto entre (todos) os meios de prova produzidos sobre a materialidade impugnada (e a que o juiz a quo atendeu para firmar a sua convicção), limitando-se, como se referiu, a transcrever excertos dos aludidos depoimentos, não evidenciando em que medida os mesmos possam abalar o sentido decisório que quanto à factualidade em crise foi acolhido pelo decisor de 1ª instância, sendo que, como se enfatizou, não basta para tal efeito reproduzir excertos desse depoimento.

Resulta do exposto que o apelante não deu integral cumprimento ao mencionado ónus, o que, per se, motivaria a improcedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto vertida nos pontos nºs 26, 29 a 32 dos factos provados.

Como quer que seja, após a audição do registo fonográfico dos mencionados depoimentos dos mesmos não resulta que as infiltrações que se verificaram no interior da fração da demandante não proviessem também da dita claraboia.

Refira-se outrossim que o próprio réu, nas declarações que prestou, reconheceu ter procedido à substituição de vidros da claraboia do edifício onde se integra a fração autónoma pertencente à autora, o que, naturalmente, somente faria sentido se acaso os mesmos estivessem danificados por ação dos trabalhadores que utilizou na realização das obras.

De igual modo, sobre a materialidade em crise, as testemunhas II (Batalhão de Sapadores de Bombeiros ...), JJ, KK e LL (estes três últimos agentes da Polícia de Segurança Pública) confirmaram terem-se deslocado ao interior da fração da autora, constatando o escorrimento de água em paredes dessa fração proveniente da claraboia, facto este igualmente corroborado pelos registos fotográficos que constam dos autos.

Aqui chegados, a questão que naturalmente se coloca é a de saber se na presença dos mencionados subsídios probatórios se justifica a impetrada alteração do juízo probatório referente à aludida materialidade objeto de impugnação.

Como é consabido, com o controlo efetuado pelo Tribunal da Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1ª instância não se visa o julgamento ex novo dessa matéria, mas antes reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.

Ora, não obstante se garantir no atual sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607º, nº 5, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”
Assim, apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – no tocante à prova pessoal, através da audição do registo fonético – não há motivo para concluir que o tribunal de que provém o recurso, ao decidir os mencionados pontos factuais da forma como o fez, tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas. Dito doutro modo: apesar dos condicionalismos em que conheceu das provas – marcados pela ausência de imediação – a convicção que esta Relação delas extrai coincide com a convicção da 1ª instância, inexistindo, por isso, razão bastante que imponha (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º) a alteração do juízo probatório referente aos aludidos pontos factuais alvo de impugnação.


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Preconiza ainda o apelante que deve ser aditado à materialidade provada um novo facto com o seguinte teor: “O telhado do prédio da autora estava degradado, tinha as telhas velhas, com fungos, desalinhadas, e a caleira velha e enferrujada”.

Tal facticidade corresponde, em parte, ao que foi alegado pelo réu nos artigos 18º a 20º da contestação, sendo que a mesma não consta do elenco dos factos provados ou não provados.

Questão que imediatamente se coloca é a de saber qual o seu efetivo relevo para a decisão do presente pleito.

Como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. O seu efetivo objetivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.

Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer - conforme vem sendo entendido[9] -, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

Alinhando por igual visão das coisas, entendemos que o preconizado aditamento da referida factualidade é concretamente inócuo, posto que da mesma não se extrai qualquer consequência jurídica com reflexo na decisão das questões que delimitam objetivamente o âmbito do presente recurso.

Com efeito, a afirmação que o “telhado do prédio da autora estava degradado, tinha as telhas velhas, com fungos, desalinhadas, e a caleira velha e enferrujada”, na sua singeleza, em nada contende com a génese das infiltrações que ocorreram no interior da fração autónoma da autora, posto que demonstrado está que as mesmas provieram da claraboia existente no teto da sua sala de estar e da fenda existente na zona da caleira situada na ligação dos telhados dos dois edifícios.

Nesse contexto, o pretendido aditamento surge, pois, como irrelevante, motivo pelo qual não há que apreciar o referido segmento impugnatório.


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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Na economia do recurso interposto pelo réu/apelante, a alteração do sentido decisório plasmado no dispositivo da sentença recorrida no que tange à sua condenação nos pedidos aduzidos nas alíneas a), b) e d) no terminus da petição inicial, pressupunha a modificação do juízo probatório emitido pelo tribunal de 1ª instância quanto aos factos que considerou provados e não provados, isto é, o pedido de alteração desse ato decisório no que respeita à interpretação e aplicação do Direito dependia do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se revestindo de autonomia, já que o apelante não sindicou ter existido erro «na determinação da norma aplicável», ou na forma como deveria «ter sido interpretada e aplicada».

Consequentemente não tendo tido êxito na pretensão de alteração da matéria de facto considerada para o efeito na sentença, ficou necessariamente prejudicado o conhecimento do recurso sobre a matéria de direito que dele dependesse, nos termos do art. 608.º, n.º 2, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, não sendo, de qualquer modo, despiciendo sublinhar que essa decisão, perante o substrato factual apurado, não é merecedora de censura, já que, como nela se evidencia – em moldes que merecem a nossa concordância –, estando demonstrados os pressupostos normativos necessários para responsabilizar extracontratualmente o réu pelos danos que ocasionou na fração de que a demandante é proprietária, não tendo aquele provado que as obras que deram causa aos mesmos tenham sido levadas a cabo na alegada qualidade de administrador provisório.

Como assim, resta apenas como questão a decidir determinar se se mostra, ou não, excessivo o montante arbitrado na sentença recorrida para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela autora.

Nesse ato decisório fixou-se esse montante em €1.500,00, sustentando o apelante que o mesmo deve antes cifrar-se em €250,00.

Para a cabal compreensão da problemática da ressarcibilidade deste tipo de danos há a considerar que, como deflui do art. 70º do Cód. Civil, na personalidade humana há uma organização somático-psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de personalidade física ou moral.
Essa organização como refere CAPELO DE SOUSA[10] “(...) é composta não só por bens ou elementos constitutivos (v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex., a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.)”.
E mais adiante[11], afirma o referido autor “dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem direta e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exatamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente.”
Nos termos do art. 496.º, nº1 do Código Civil, “[N]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº 3 do mesmo preceito, “[O] montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.
O legislador fixou, assim, como critérios de determinação do quantum indemnizatur por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496.º, nº 3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (art. 494º ex vi da primeira parte do nº 3 do art. 496.º).
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva.
Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (art. 496.º, nº 1).
A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso[12].
O art. 496.º, nº 1 do Código Civil confia, assim, ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afetada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição mas sim a uma valoração.
A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objetivo e não por um padrão subjetivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da compensação deve também atender-se aos padrões adotados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes.
Isto dito, importa agora ponderar o quadro factual que nos autos se mostra assente a este respeito.
Está provado que:
. em consequência das obras realizadas pelo réu a autora foi confrontada durante vários dias com a existência de inundações no seu quarto e ocorrência de infiltrações noutros compartimento da sua habitação;
. de igual modo, em resultado das aludidas obras, a autora durante o dia 15 de dezembro de 2019 ficou sem luz elétrica, estando o quadro elétrico inundado e a fumegar, motivando que tivesse passado a noite assustada e angustiada com receio que o mesmo se incendiasse, sendo que a existência desse risco foi confirmada pelos Bombeiros do Porto.

O descrito quadro fáctico, com particular relevo para os constrangimentos e limitações experienciadas pela demandante em resultado das infiltrações registadas na sua habitação, leva-nos a considerar como razoável e équo, nos termos do art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, o montante arbitrado na decisão recorrida para compensar os danos de natureza não patrimonial sofridos pela demandante.

Improcede, assim, a conclusão R).


***

III. DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

. julgar a apelação parcialmente procedente no que respeita ao pedido condenatório formulado no terminus da petição inicial sob a alínea c), por carecer a autora de legitimidade ad causam, em razão do que se absolve o réu/apelante da instância quanto ao mesmo;

. confirmar, no mais, a decisão recorrida.

Custas da ação e do recurso por autora e réu na proporção do respetivo decaimento.


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Porto, 27.10.2025
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Martins Ribeiro
Ana Paula Amorim
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., por todos, CASTRO MENDES/TEIXEIRA DE SOUSA, in Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2022, págs. 334 e seguintes e LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, págs. 70 e seguintes.
[3] Figura prevista no art. 1435º-A, do Cód. Civil, onde se postula que «[S]e a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fração ou frações representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comunicado tal propósito aos demais condóminos».
[4] Cfr., neste sentido e inter alia, acórdão da Relação de Guimarães de 25.06.2009 (processo nº 98/05.TBVCT.G1), acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., por todos, acórdãos da Relação de Coimbra de 1.02.2022 (processo nº 2281/20.4T8LRA-A.C1) e de 12.03.2019 (processo nº 190/15.8T8CNT.C2), acórdão desta Relação de 8.04.2024 (processo nº 22126/22.0T8PRT-A.P1) e acórdão da Relação de Guimarães de 10.07.2023 (processo nº 2362/21.7T8BCL.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] A este propósito HENRIQUE MESQUITA (A propriedade horizontal no Código Civil português, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIII, pág. 129) fala de uma “compropriedade necessária e permanente”.
[7] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 15.09.2011 (processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1), de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos desta Relação de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, pág. 4 e seguinte, trabalho disponível emwww.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf. Idêntico entendimento vem sendo acolhido na jurisprudência, de que constituem exemplo, inter alia, os acórdãos do STJ 15.09.2011 Processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos desta Relação de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (processo nº 1024/12) e de 24.04.2012 (processo nº 219/10), acórdão da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (processo nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2), acórdãos da Relação de Guimarães de 15.12.2016 (processo nº 86/14.0T8AMR.G1) e de 13.02.2014 (processo nº 3949/12.4TBGMR.G1) e acórdão desta Relação de 17.03.2014 (processo nº 7037/11.2TBMTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia ABRANTES GERALDES, Recursos, pág. 297, onde escreve que “de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
[10] In O Direito geral da personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 200.
[11] Obra citada, pág. 458.
[12] Neste sentido expressamente se pronuncia PAULA MEIRA LOURENÇO in A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 283 e seguintes.