Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA PESSOA SINGULAR EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE PROVEITO PESSOAL | ||
| Nº do Documento: | RP202202223219/14.3TBMTS.P1 | ||
| Data do Acordão: | 02/22/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O preenchimento da situação típica de insolvência culposa prevista na alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE não se basta com a demonstração de qualquer acto de alienação de disposição de bens, sendo essencial a demonstração de factualidade donde resulte o proveito pessoal do insolvente ou de terceiro, pois tal ‘proveito’ constitui requisito normativo do preceito. II - A adaptação do preceito à ‘situação de pessoa singular insolvente’ não pode significar (sob pena de resultar para a pessoa singular regime mais gravoso que o delineado para a situação do ‘devedor que não seja pessoa singular’ que lhe serve de modelo e lhe é também aplicável) que se prescinda do requisito do proveito, seja de terceiros, seja do próprio devedor. III - Em tais situações, a adaptação prescrita no nº 4 do art. 186º do CIRE impõe se considere o conceito (‘proveito pessoal’) como significando detrimento ou prejuízo do património que, nos termos do art. 601º do CC, responde pelas suas obrigações e responsabilidades. IV - Ínsita ao conceito de proveito pessoal está a ideia de prejuízo para o património do devedor (no conceito funcional de garantia de cumprimento de obrigações) – prejuízo que não pode resumir-se à simples modificação da composição do património, por alteração/substituição dos bens que o compõem. V - Não integra o conceito normativo de ‘prejuízo’ pressuposto pela alínea d) do nº 1 do art. 238º, nº 1 do CIRE, o simples aumento global dos débitos do devedor causado pelo simples acumular dos juros. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº 3219/14.3TBMTS.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues * Acordam no Tribunal da Relação do Porto * RELATÓRIOApelante (insolvente): AA. Juízo de comércio de Santo Tirso (lugar de provimento de Juiz 3) – T. J. da Comarca do Porto. * Apresentou-se o agora apelante (em 9/06/2014) a requerer fosse declarada a sua insolvência, logo deduzindo pedido de exoneração do passivo restante, nos termos dos artigos 235º e segs. do CIRE, declarando preencher todos os pressupostos de que depende a sua concessão (artigos 59º a 63º da petição) e assumindo a obrigação de respeitar todas as condições que a exoneração envolve (nomeadamente as previstas nos artigos 237º a 239º do CIRE –artigos 64º e 65º da petição).Foi declarada a insolvência do agora apelante, nada opondo o administrador da insolvência ao deferimento do pedido de exoneração formulado, ao contrário de vários credores, que se pronunciaram pelo indeferimento liminar do pedido - o Banco ... (argumentando que por se não ter apresentado à insolvência em tempo próprio causou o insolvente prejuízo aos seus credores, desde logo atento o significativo acumular de juros que se foram vencendo), Banco 1..., S.A. (argumentando não poder considerar-se estarem reunidos os pressupostos do art. 238º, nº 1, b), d) e g) do CIRE), o Banco 2..., SA (pelos mesmos motivos) e o Banco 3..., S.A. (por entender que o insolvente realizou negócios, agravando situação de insolvência que, à data em que os realizou, não podia desconhecer, sendo a alienação patrimonial prejudicial aos credores – situação enquadrada na previsão dos arts. 238º, nº 1, e 186º, nº 1 e 2, a) e b) do CIRE). Os autos prosseguiram os seus trâmites, sendo solicitadas (sob o impulso dos credores) ao administrador da insolvência informações variadas, vindo a ser proferido (em Setembro de 2021) despacho que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ponderando: - ter o insolvente actuado sem poder ‘ignorar (pelo menos com culpa grave) que estava a «dissipar» os bens susceptíveis de serem apreendidos a favor da massa insolvente mais valiosos, e como tal, não podia ter deixado de equacionar que, dessa forma, estava a agravar o seu estado de insolvência e a fazer claudicar os legítimos direitos dos credores da insolvência’; - ter-se ‘atrasado na sua apresentação à insolvência’ de modo ponderado, ‘com vista a afastar o requisito da temporalidade exigido para eventual conduta resolutiva de tais negócios na disponibilidade legal de administradores da insolvência, pois que conforme dispõe o art.º 18.º, n.º 1, e 2 «a contrario», do CIRE, pois que pelo menos desde finais do ano de 2012, era evidente o estado insolvencial em que se encontrava, em face do vencimento de diversos avais que havia prestado às suas empresas, sendo que é evidente o prejuízo causado aos credores, desde logo não só porque colocou a salvo diversos actos de alienação que poderiam ter sido resolvidos em benefício da massa insolvente, como os juros que foram reconhecidos em sede de sentença de verificação e graduação de créditos, se revelam de montante elevadíssimo’; - não se exigir apreciar (para efeitos de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante), em concreto, se a sua conduta criou, ou não, um prejuízo efectivo aos credores, antes cumprindo avaliar ‘a idoneidade do insolvente e a ponderação sobre o merecimento de uma nova oportunidade através da concessão daquele benefício da exoneração’, idoneidade/merecimento que no caso considerou ‘estar irremediavelmente afastada, face à conduta apurada do devedor insolvente, e que se identifica com conduta pouco transparente, e sem foros de moralidade, a qual aqui não podemos deixar de reprovar, por cotejo com o universo de outros devedores com que nos deparámos nos inúmeros processos insolvenciais que tramitamos, os quais se vêm despojados da casa de morada de família, dos seus veículos e outros bens valiosos, tudo em prol de poderem (honestamente) vir a beneficiar do beneplácito da exoneração do passivo restante’; - que os autos ‘indiciam, com toda a probabilidade, a existência de uma actuação, por parte do insolvente, que exterioriza culpa (pelo menos) no agravamento da sua situação de insolvência, pois que, aquando do momento em que se apresentou à insolvência, estava já despojados dos bens valiosos e mais significativos que detinha até há cerca de quatro anos antes.’ Inconformado, apela o insolvente, pugnando pela revogação da decisão e sua substituição por outra que defira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Objecto do recursoConsiderando a decisão recorrida e as conclusões das alegações, o objecto do recurso consiste em apurar: - da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, - se se verificam (como entendido pelo tribunal a quo) ou não (como defende o apelante) os pressupostos legais para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente apelante – ou, de forma mais incisiva, se a factualidade a considerar integra qualquer dos fundamentos de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante previstos no art. 238º, nº 1, do CIRE. * Fundamentação de factoFUNDAMENTAÇÃO * A decisão apelada considerou assente a seguinte factualidade: a) O devedor AA apresentou-se à insolvência aos 09.06.2014, alegando, em suma, ser cidadão português, casado – no regime de separação de bens – com BB, ter dois filhos menores (de 5 e 12 anos de idade), ter sido entre 2007 e 2012 acionista/sócio e gerente de sociedades no ramo de madeiras por grosso e derivados, o que originou que tivesse celebrado diversos negócios de financiamento junto de instituições bancárias e financeiras, avalizando pessoalmente alguns desses negócios de financiamento com o Banco 1..., Banco 4..., Banco 2..., Banco 3..., Banco 7..., e Banco 5..., sendo que a situação se agravou em 2011 (Troika), e com tal recessão generalizada, também aquelas sociedades vieram a ser disso alvo, tendo enfrentado uma redução drástica da sua facturação, tendo tais entes societários vindo a ser declarados insolventes em processos judiciais dados entrada em Tribunal nos anos de 2013 e 2014, tudo conforme petição inicial de fls. 5 a 19 destes autos principais, cujo teor aqui se dá por reproduzido; b) De acordo com o assento de nascimento do devedor, o mesmo casou catolicamente em 11.03.2000 com BB, casamento dissolvido por divórcio decretado por decisão de 26.11.2010, proferida pela Conservatória do Registo Civil de Braga, sendo que ulteriormente veio a casar com a mesma BB no dia 29.03.2019 na Conservatória do Registo Civil do Porto, com convenção antenupcial no regime de separação de bens, tudo conforme documentação junta a fls. 21 a 24 destes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido; c) A sentença declaratória da insolvência veio a ser proferida em 17.06.2014, pelas 15,30 horas, conforme processado junto a fls. 74 a 79 destes autos, que aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos; d) Nomeado como administrador da insolvência CC, veio o mesmo apresentar o relatório a que alude o artº 155º do CIRE, onde além do mais, fez exarar que: - a mulher do insolvente também havia sido declarada insolvente em processo a correr termos no Tribunal Judicial de Matosinhos (processo nº 1382/14.2TBMTS), que o insolvente residia na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, sendo o imóvel arrendado à sua esposa BB, apesar de apresentar morada fiscal na Rua ..., ..., DD, ... Oliveira do Hospital, - o insolvente auferia o valor base mensal de 485,00€ na empresa ‘R..., S.A.’, - sugeriu o prosseguimento dos autos para liquidação do activo do insolvente, o qual relacionou em inventário, a saber, um motociclo (onerado com penhora), uma quota societária no valor nominal de 1.250,00€ e o recheio da habitação (impenhorabilidade relativa), - o insolvente no dia 23.02.2011, vendeu a EE imóvel composto por prédio urbano – fracção autónoma designada pelas letras ‘BJ’ – destinado a habitação do tipo T1, sito na Rua ..., ..., ..., Oliveira do Hospital, inscrito na respectiva matriz no ano de 1996, sob o artigo ....., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....., com o valor patrimonial de 36.260,00€. - o insolvente vendeu no dia 10.09.2012 a P..., SA, um conjunto de acções pelo preço global de 200.000,00€ (duzentos mil euros), tendo, contudo, o insolvente referido que apenas terá recepcionado 70.000,00€, tudo como flui do teor de fls. 117 a 147 destes autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido; e) Por exposição entrada em juízo aos 25 de Julho de 2014, o administrador da insolvência veio pronunciar-se sobre o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor em sede de requerimento inicial referindo que do confronto entre a liquidação dos bens e o passivo do insolvente se estimava que seria paga pela sua liquidação uma percentagem muito pouco significativa daqueles créditos sobre a insolvência, os quais ascendiam, àquela data, a cerca de 16.229.538,17€, declarando nada ter a opor à admissão liminar do pedido de exoneração, tudo conforme fez verter a fls. 150 a 152 destes autos; f) Aos 4 de Agosto de 2014 o credor Banco ..., deu entrada com exposição onde se pronunciou contra a admissão liminar do pedido de exoneração peticionado pelo devedor insolvente, apelando, em suma, ao preceituado no art. 238º, nº 1, alínea d), do CIRE, alegando que o insolvente não se apresentou à insolvência no tempo próprio legalmente previsto, conforme art. 18º do mencionado diploma, e que com tal atraso na apresentação à insolvência veio a causar prejuízo aos seus credores, desde logo face ao acumular significativo de juros que se foram vencendo, atento o elevado volume de passivo reconhecido; g) Aos 5 de Agosto de 2014 teve lugar assembleia de credores onde os credores presentes ou representados votaram favoravelmente o prosseguimento dos autos para liquidação do activo, tendo o credor Banco 1... exposto a sua posição no sentido de as empresas do universo T... de que o insolvente era gerente/acionista registarem incumprimentos desde 2010, pelo menos junto do credor Banco 1..., e que em 10.09.2012, data em que alienou acções face a uma tentativa de reestruturação falhada, o devedor sabia que o credor expoente iria intentar processos executivos tendentes à recuperação do seu crédito, mais solicitando que se apurasse, por referência à aludida venda se a mesma estaria em condições de ser resolvida em benefício da massa insolvente, ou se seria possível obter o valor do preço pago e alegadamente parte do mesmo ainda por pagar, mais fazendo consignar em acta ter conhecimento de que o insolvente e sua mulher apenas se terão divorciado para partilharem bens comuns, e tendo-se a mulher quedado com a moradia em Matosinhos, esta teria constituído a favor de seu irmão uma hipoteca, sendo que após se terem vindo a casar novamente, tal bem veio a ser vendido a uma companhia de direito inglês, que terá adquirido a casa hipotecada, sendo que o insolvente e sua mulher continuam a residir nessa mesma casa, dizendo o insolvente que pratica renda em relação à sua mulher, assim solicitando que o AI junte aos autos todos os documentos que titulem tais vendas e arrendamento alegados, tudo conforme flui do teor da acta de fls. 169 a 172 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido; h) Por exposição entrada em juízo aos 02 de Março de 2015, o administrador da insolvência juntou cópia do recibo de remuneração da mulher do insolvente (donde se infere que auferia 3.034,23€ líquidos – fls. 198), bem como documento comprovativo de pagamento parcial do preço pela venda do prédio sito em Oliveira do Hospital, bem como cópia da escritura pública de compra e venda de tal prédio, conforme fls. 195 a 210 dos autos, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, mais informando, de acordo com informações obtidas junto do insolvente, que a diferença de 4.000,00€ entre o preço declarado vender e o valor recebido se teria ficado a dever ao sinal e à comissão da sociedade imobiliária que intermediou o negócio; i) Do teor da documentação junta aludida na alínea anterior, consta que em 25.02.2011, foi creditado na conta do insolvente o valor de 36.000,00€, e que o insolvente, através de procurador (advogada FF) declarou vender, em 23.02.2011, a EE (casado em separação de bens com GG), pelo preço de 40.000,00€, que o insolvente ali declarou já ter recebido, a fracção autónoma designada pela letra “BJ” correspondente ao quarto andar direito, destinado a habitação, no bloco ., arrumo no sótão, sito na Rua ..., ..., Oliveira do Hospital, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital sob o n.º ..... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo .....; j) O Banco 1..., em requerimento datado de 14.04.2015, insistiu que se questionasse o AI sobre as questões que já haviam sido suscitadas em sede de assembleia de credores, e que ainda não haviam sido respondidas, a saber, concernentes à venda do imóvel onde ainda residiriam insolvente e sua mulher, e ao alegado arrendamento existente a tal respeito (cfr. fls. 233-234); k) Por despacho datado de 16.02.2017 o Tribunal determinou que se notificasse o AI para responder concretamente a tais questões, e nesse seguimento, informasse se mantinha parecer favorável à admissão liminar do pedido de exoneração; l) Em 24.03.2017, o administrador da insolvência fez saber que nessa data o devedor vivia sozinho em imóvel sito na Rua ..., ..., ..., o qual lhe foi cedido a título de favor, e que o seu agregado familiar era composto unicamente pelo próprio, que auferia 750,00€ de valor base mensal, na empresa ‘O..., Lda.’, mais referindo que o devedor não juntou comprovativo das suas despesas mensais, e que nada terá a opor à admissão do pedido de exoneração (v. fls. 252-253), sendo que em 08.03.2017, veio solicitar que os demais esclarecimentos fossem prestados pelo próprio insolvente (v. fls. 257 verso); m) O credor Banco 1..., Sociedade Aberta, por exposição remetida ao processo em 04.05.2017, insistiu para que o administrador da insolvência prestasse os necessários esclarecimentos, dentro dos poderes e deveres funcionais que lhes assistem em processo insolvencial, recusando aceitar a pronúncia do Sr. AI no sentido de se interrogar directamente o insolvente a respeito de tais questões controversas nos autos (v.fls. 260-261); n) Nesta sequência o Tribunal emitiu o despacho de 05.06.2017 onde concede razão ao credor Banco 1..., determinando que se insista com o administrador da insolvência (cfr. fls. 266 destes autos); o) Aos 19.06.2017, veio o administrador da insolvência prestar os seguintes esclarecimentos: a ex-mulher do insolvente no dia 3/4/2012 terá vendido à sociedade A... LIMITED o prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão e andar, com anexo e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ..... da UF ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ....., vendida pelo preço de 106.243,95€ e com o valor patrimonial de 123.830,00€; que procedeu à audição da mulher do insolvente que terá afirmado, através do seu mandatário, que o valor de 168.593,95€ que recebeu da venda do dito prédio terá sido integralmente destinado a suprir necessidades prementes das sociedades de que o seu cônjuge AA era então administrador, numa vã tentativa de evitar que a devedora se visse confrontada com a situação em que hoje se encontra; que notificou o insolvente para juntar contrato de arrendamento celebrado entre a sua mulher e a sociedade A... LIMITED, tendo obtido resposta de que tal contrato já não se encontra em vigor, juntando um recibo de renda com data aposta no documento de Maio de 2014,tudo conforme fls. 278 a 281 dos autos, cujo teor aqui temos por integralmente reproduzido; p) Realizada pesquisa na base de dados disponível neste Tribunal, no dia 28.09.2021, foi possível apenas aquilatar que a sociedade ‘A... LIMITED’ tem sede em Londres, Reino Unido, não estando sujeita a registo comercial, assim se inviabilizando a identidade das pessoas físicas concretas que poderão estar por trás deste ente societário; q) Por despacho judicial de 12.12.2019, em face de todos os elementos coligidos, o Tribunal determinou que se desse conhecimento dos mesmos aos diversos intervenientes processuais, e que o administrador da insolvência esclarecesse se mantinha o seu parecer favorável à pretensão exonerativa, em face dos elementos probatórios já colhidos (v. fls. 290), tendo este, em resposta breve e sucinta referido que mantinha o já anteriormente consignado (fls. 293 verso); r) Como é bom de ver, a posição assumida pelo AI revelou-se lacónica e não fundamentada, insistindo o tribunal para que o mesmo viesse justificar o porquê de todos os factos já aduzidos aos autos (de alienação patrimonial) não legitimarem o indeferimento liminar da pretensão exonerativa (v. fls. 297 dos autos); s) Do CRC do insolvente nada consta (fls. 299 e 399 dos autos); t) Em resposta à insistência feita pelo Tribunal, veio o administrador da insolvência nomeado nos autos (e que foi precisamente o mesmo indicado/solicitado pelo devedor em sede de requerimento inicial), referir – a fls. 302 a 318 cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido – que mantinha o anterior parecer favorável já emitido, pois que os actos que apurou terem sido realizados em sede de partilhas e vendas de acções e imóveis foram todos realizados fora dos 3 anos a que se refere o art.º 186.º do CIRE, e, por outro lado o atraso na apresentação à insolvência não causou prejuízos aos credores, pois que o valor global do passivo resultou essencialmente dos avales a instituições financeiras por virtude dos financiamentos contraídos a favor das sociedades que detinha ou administrava, referindo o seguinte: 1) do divórcio ocorrido entre o insolvente e sua mulher em 26.11.2010, das partilhas terão resultado que a esta couberam os imóveis e ao aqui insolvente as acções e quotas das sociedades D..., S.A., T1..., S.A., T2..., Lda. e M..., Lda.; 2) em 23.02.2011, já divorciado, o insolvente vende o bem próprio seu, a saber, o imóvel sito em Oliveira do Hospital, nos termos acima já aduzidos, obtendo a entrega de € 36.000,00 em seu benefício; 3) procede à venda das acções que detinha nas aludidas sociedades em Setembro de 2012, obtendo em seu benefício pelo menos € 70.000,00; o valor que estará em falta por causa da alienação das acções (130.000,00) terá sido reduzido em sede de PER a que a empresa devedora se sujeitou, e interpelada para pagar, nunca o veio a fazer, como decorre do apenso de liquidação (cujo processado aqui se dá por reproduzido) u) A mulher do insolvente – BB – foi declarada insolvente aos 02.07.2014, por sentença proferida no processo n.º 1382/14.2TBMTS (extinto 1.º Juízo Cível de Matosinhos), onde não houve lugar a qualquer apreensão de bens, nem liquidação do activo, tendo vindo a sobrevir admissão liminar do pedido exonerativo, sem que a Sr.ª Juiz Titular daqueles autos se pronunciasse acerca do mérito das oposições ali deduzidas por banda dos credores, por ter entendido que, formalmente, em despacho anterior havia já sido admitido liminarmente tal pretensão, tudo conforme certidão junta aos autos a fls. 324 a 326 verso, e de fls. 352 a 365 verso dos autos, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; v) O insolvente, em recente exposição, veio declarar nos autos que se encontra separado de facto da sua mulher, que os filhos do casal residem com a mãe, encontrando-se ambos a estudar (um no ensino superior e outro no ensino secundário), que aufere de retribuição mensal bruta 750,00€, e que reside de mero favor na Rua ..., ..., ..., tudo conforme teor de fls. 328 a 330 destes autos; w) Na partilha do património conjugal, o insolvente viu-lhe atribuídas as acções societárias e à sua mulher foram afectos o prédio sito em Matosinhos e o recheio da casa de morada de família, tudo decidido em 26.11.2010, data em que o divórcio foi decretado e transitou de imediato em julgado (cfr. teor do documento de fls. 359 a 360); x) O domicílio fiscal do aqui insolvente consta como sendo Rua ..., ..., ..., tendo HH declarado que aquele vive de mero favor em sua casa, sendo que este interveniente é irmão da mulher do insolvente (v. fls. 402 e 403 e pesquisa no T-menu hoje mesmo determinada oficiosamente, constante de fls. 427-428); y) Conforme alegação realizada pelo próprio insolvente aquando do seu requerimento de apresentação à insolvência a situação económica e financeira internacional e nacional agravou-se de forma súbita e inesperada a partir de final do ano de 2010 e início do ano de 2011, (…) e as sociedades T1..., S.A., e T2..., Lda., passaram a ter especiais dificuldades na cobrança dos seus créditos, tendo vários dos seus clientes mais relevantes sido declarados insolventes; z) No apenso de apreensão de bens foram apreendidos um motociclo, uma quota societária, e um crédito sobre a sociedade ‘P..., S.A.’ (actos processuais realizados em Agosto de 2014); aa) No apenso de liquidação do activo, fase declarada encerrada por despacho de 01.10.2020 (após mais de 5 anos a aguardar tal liquidação), o administrador da insolvência apenas logrou obter o produto para a massa de 200,00€ (v. processado junto aos apensos C e D, que aqui se dá por reproduzido); bb) Ouvido o administrador da insolvência recentemente, veio o mesmo esclarecer que não dispunha sequer de liquidez para o pagamento das custas em dívida (v. fls. 417, exposição datada de 28.05.2021); cc) No âmbito do apenso de verificação e graduação de créditos – apenso A, cujo processado se dá por reproduzido – foi reconhecido um passivo global de 16.229.538,17€, sendo que: - por referência a juros de mora foram reconhecidos 13.783,37€ e 18.830,43€ no que concerne ao crédito da X...; 427.262,93€ de juros de mora no que concerne ao crédito reconhecido ao Banco 1...; 2.013,39€ de juros de mora no que concerne ao crédito do Banco 6...; 22.248,34€ de juros de mora e imposto de selo no que concerne ao crédito reconhecido ao credor Banco 7...; 24.257,25€, 233.300,82€, 10.734,34€, 149.167,82€, 23.211,68€ e 8.128,10€ de juros de mora no que tange ao crédito reconhecido ao credor Banco 3...; 17.915,32€ de juros de mora no que concerne ao crédito reconhecido ao credor Banco 4...; 4.073,13€, 9.512,25€ de juros de mora vencidos no que tange ao crédito reconhecido ao credor G...; 3.518,03€ e 26.331,82€ de juros de mora reconhecidos ao credor Banco 5...; 21.802,08€, 4.484,59€, 4.073,49€ e 9. 512,25€ de juros de mora vencidos reconhecidos ao credor L...; 880,57€, 6.261,35€ e 2.337,15€ de juros de mora vencidos reconhecidos ao credor N...; - constam créditos reconhecidos por avais exarados em livranças vencidas em Dezembro de 2012, que não foram liquidadas. * Fundamentação jurídica A. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. A.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – da pretensão recursória de ver julgado não provado que ‘As sociedades T1..., S.A. e T2..., Lda. de que o insolvente era gerente/administrador/acionista, registaram incumprimentos desde 2010, pelo menos junto do credor Banco 1..., S.A.’ (conclusão 5ª). Patente a improcedência de tal pretensão impugnatória, pois que a decisão recorrida não julgou provada tal matéria. A impugnação da decisão da 1ª instância sobre a decisão de facto tem por finalidade precípua a de corrigir erro de julgamento quanto a factos, relevantes à decisão da causa, que o tribunal recorrida tenha julgado provados (e que o recorrente entenda, em atenção à valorização dos elementos probatórios, deverem ser julgados não provados), tenha considerado não provados (e que o recorrente defenda deverem ser julgados provados) ou que tenha desconsiderado (não emitindo pronúncia sobre eles, entendendo o recorrente que devem ser julgados provados). Para lá de nenhum relevo (em termos de utilidade à apreciação do mérito do recurso) ter a pretensão de ver julgada não provada matéria que a decisão apelada não julgou provada (a matéria de facto a considerar permanecerá inalterada), decisivo é considerar que, num tal caso, se trata de impugnação sem objecto – pretender-se-á corrigir erro de julgamento em que a decisão recorrida não incorreu, por não ter julgado provado o facto impugnado e que se quer ver julgado não provado. Situação que se verifica na presente apelação, pois que o que a decisão recorrida julgou provado não foi que ‘As sociedades T1..., S.A. e T2..., Lda. de que o insolvente era gerente/administrador/acionista, registaram incumprimentos desde 2010, pelo menos junto do credor Banco 1..., S.A.’, mas sim que na assembleia de credores realizada nos presentes autos em 5/08/2014, o credor Banco 1... invocou, em exposição então apresentada, que as empresas do universo T... de que o insolvente era gerente/acionista registavam incumprimentos desde 2010, pelo menos junto de si (Banco 1...) – veja-se a factualidade vazada na alínea g) dos factos provados. Ou seja: julgou a decisão apelada provado ter sido alegado o facto (a alegação feita pelo credor Banco 1... de que os incumprimentos das empresas do ‘universo T...’ para consigo se verificavam desde 2010), não tendo, porém, julgado provado o facto (que tais incumprimentos se verificavam desde 2010). Improcede, pois, neste segmento, a impugnação. A.2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – da pretensão recursória de ver julgada provada matéria que se reconduz ao alegado em peças e termos processuais, em despachos/decisões proferidos nos autos (incluindo seus apensos) e em elementos probatórios. Pretende o apelante se considere provado (aditando-se tal matéria à fundamentação de facto da decisão): - o teor do que alegou na petição com que se apresentou à insolvência, designadamente nos artigos 5º e 9º a 29º de tal peça processual, - o teor do que alegaram os credores X..., SA, Banco 1..., S.A., Banco 6..., S.A., Banco 4..., S.A., Banco 3..., S.A., Banco 4..., S.A, Banco 2..., S.A., G..., S.A., Banco 5..., S.A., L..., S.A., N..., S.A. nos requerimentos em que, no respectivo apenso, reclamaram os respectivos créditos (a origem dos créditos – todos com origem em contratos outorgados com as sociedades T2..., Lda. e T1..., S.A., com avais ou fianças prestados pelo insolvente, em livranças subscritas por tais sociedades e avalizadas pelo insolvente) e respectivas datas de vencimento (entre Outubro de 2012 até à data da declaração da insolvência do apelante), assim como o teor da reclamação de créditos apresentada pelo Banco ... (saldo de cartão de crédito do insolvente, no valor de 32,31€, com vencimento na data da declaração da insolvência), - o teor de despachos proferidos nos autos em 13/12/2019, 12/03/2020 e requerimentos apresentados pelo administrador da insolvência em 16/12/2019 e 5/06/2020 em vista de dar cumprimento àqueles despachos, - o teor de despacho de 1/10/2020 em vista de serem jutos aos autos determinados elementos (certidão a extrair do processo de insolvência da mulher do aqui insolvente concernente à declaração de insolvência, liquidação do activo, bens apreendidos, decisão sobre pedido de exoneração que aí haja sido formulado, pendência ou não do período de cessão; notificação do insolvente para prestar informações e comprovativos – composição do agregado familiar, morada, remuneração, sua e da sua esposa) e o acto de junção aos autos de certidão extraída do processo nº 1382/14.2TBMTS relativa à declaração de insolvência de BB (e que tal certidão é acompanhada de cópia da sentença aí proferida, transitada em julgado), - o teor de despacho de 4/12/2020 (no qual i) os credores são convidados a pronunciar-se sobre posição veiculada pelo administrador da insolvência sobre o pedido de exoneração do passivo, ii) o insolvente notificado para juntar elementos documentais relativos à partilha realizada aquando do divórcio e bem assim esclarecer a sua residência e da sua mulher, e iii) solicitada informação ao processo de insolvência da mulher do aqui insolvente sobre a admissão liminar do pedido de exoneração) e a ausência de resposta dos credores na sequência da notificação, - o acto de junção aos autos da certidão extraída do processo nº 1382/14.2TBMTS concernente ao despacho que admitiu liminarmente o pedido de exoneração aí formulado pela insolvente (bem como o teor do referido despacho), - o teor de resposta apresentada em 11/12/2020 pelo insolvente ao despacho de 4/12/2020 (prestando informação sobre a sua morada e da sua mulher e procedendo à junção de certidão da partilha do património conjugal outorgada em 26/11/2010), - o teor de despacho de 26/03/2021 determinando a obtenção de elementos documentais (certificado do registo criminal e certidão de assento de nascimento do insolvente) e a notificação do insolvente para juntar comprovativo da composição do seu agregado familiar e da sua morada actual (e esclarecer qual o título que o habilita a aí residir), - de que a Conservatória dos Registos Centrais, em resposta ao solicitado, fez juntar aos autos certidão do assento de nascimento do insolvente e que este, também para cumprir despacho, fez juntar aos autos certidões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, comprovativas de que o seu agregado familiar é composto exclusivamente por si e de que o seu domicílio fiscal é na Rua ..., ..., ..., ..., e declaração emitida pelo proprietária da habitação, HH, declarando que o insolvente reside na habitação a título de favor, - de que, na sequência de despacho nesse sentido, foi efectuada consulta (relativamente ao insolvente) nas bases de dados da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (não existindo resultados quanto ao insolvente), da Segurança Social (constando como residente na Rua ..., ..., ... ..., encontrando-se inscrito como trabalhador por conta de outrem, auferindo a retribuição mensal de 750,00€, tendo como mês de última remuneração declarada abril de 2021, o mês imediatamente anterior à consulta), da Conservatória dos Registos Centrais (constando como residência do insolvente na Rua ..., ..., ... ...) e da Autoridade Tributária e Aduaneira (constando a residência do insolvente na Rua ..., ..., ... ...), - de que, na sequência de despacho nesse sentido e relativamente a BB, foi efectuada consulta nas bases de dados da Direção Geral de Reinserção e Serviços (não existindo resultados quanto à pesquisada), da Segurança Social (constando como residente na Rua ..., ..., ... ..., encontrando-se inscrita como trabalhador por conta de outrem, auferindo a retribuição mensal de 5.661,00€, tendo como mês de última remuneração declarada abril de 2021, o mês imediatamente anterior à consulta), da Conservatória dos Registos Centrais (constando como residência a Rua ..., ..., ... ...) e da Autoridade Tributária e Aduaneira (constando como residência a Rua ..., ..., ... ...). Impugnação de manifesta e patente improcedência. Tal matéria, consubstanciando-se em tramitação processual observada no processo (principal e apensos), sendo relevante à decisão, poderá (rectius, deverá) ser valorizada pelo tribunal na fundamentação jurídica da decisão[1]. Acresce que além de não constituir, verdadeiramente, matéria de facto pertinente à causa, a incluir no segmento relativo à fundamentação de facto da decisão (números 3 e 4 do art. 607º, aplicável aos acórdãos ex vi art. 663º, nº 2, ambos do CPC) – na parte em que concerne à tramitação observada nos autos (peças processuais apresentadas, despachos proferidos, actos das partes e/ou administrador da insolvência) –, pretende-se incluir na fundamentação de facto os elementos probatórios juntos aos autos (informações, esclarecimentos, certidões), que sendo meios probatórios de factos (meios de demonstração da realidade relevante), não constituem matéria de facto (o substrato material ou humano sobre o qual incidirá todo o juízo valorativo do direito), sendo certo que os factos relevantes que tais elementos probatórios demonstram se mostram já incluídos na decisão (na alínea b) dos factos provados consta já toda a matéria que a certidão do assento de nascimento do insolvente revela; nas alíneas l) e x) dos factos assentes constam já os factos que todas as informações e elementos recolhidos revelam relativamente à actual residência do insolvente, o título que lhe permite habitar tal residência e ao seu vencimento; na alínea u) dos factos provados consta já a matéria respeitante à decisão proferida sobre a admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante no âmbito do processo de insolvência de BB que a certidão extraída do processo em causa demonstra). Improcede, pois, face a estes considerandos (e sem sequer de cuidar de que parte da matéria em questão já consta, ainda que não fosse necessário, como vimos, da fundamentação de facto – p. ex., a decisão, apesar de fazer súmula das reclamações de créditos, dá-as por integralmente reproduzidas, por isso já constando o seu teor da fundamentação de facto), este segmento de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. A.3. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – da pretensão recursória de ver julgada provada factualidade que a decisão apelada já fez constar como provada. Pretende o apelante se considere provado que em ‘28/09/2021, dando cumprimento ao despacho proferido em momento imediatamente anterior à emissão da sentença em crise, no qual o Tribunal a quo determinou que se procedesse, «de imediato, à pesquisa possível junto das bases disponíveis neste Tribunal, com vista a aferir do registo comercial atinente à sociedade “A... LIMITED” aludida nos autos, bem como como da identificação dos progenitores de BB e HH», foram juntas aos autos as mencionadas informações, de acordo com as quais a sociedade A... LIMITED se encontra inscrita no RNPC como entidade equiparada estrangeira, com sede em ..., ..., ... ..., Reino Unido, e BB e HH têm os mesmos progenitores (cf. sentença em crise e peças processuais com as Ref.ªs 428661352 e 428661366).’ Improcede a pretensão pois que, o objecto da impugnação, na parte relevante (depurada a pretensão do segmento em que se pretende incluir o teor de despacho judicial), se mostra já incluído nas alíneas p) (relativa à sociedade ‘A... LIMITED’ – sedeada em Londres, Reino Unido) e x) (concernente ao domicílio fiscal do insolvente, seu local de residência, título que legitima a ocupação da habitação e bem assim a relação de parentesco entre o proprietário de tal habitação e mulher do insolvente) já consta da fundamentação de facto – ou seja, o apelante pretende se considere provada matéria que já consta como provada na decisão apelada. Igual conclusão se impõe quanto à pretensão de ver julgado provado que o insolvente, em 23/02/2011 vendeu, pelo preço de 40.000,00€, fracção autónoma destinada a habitação, de prédio urbano em regime de propriedade horizontal em Oliveira do Hospital – a matéria relevante mostra-se já incluída na alínea i) dos factos provados. A.4. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – da pretensão de ver julgada provada matéria irrelevante à decisão. Sustenta o apelante dever jugar-se provado, face aos documentos juntos pelo administrador no apenso da liquidação (a propósito do resultado de acção instaurada pela massa insolvente para cobrança do crédito emergente do contrato de compra e venda de acções celebrado pelo insolvente em 10/09/2012), que a ‘ação instaurada pela massa insolvente para cobrança do crédito emergente do contrato de compra e venda de ações de 10/09/2012 foi declarada extinta por efeito da homologação do PER da sociedade P..., S.A., tendo o débito da insolvente sido afetado pelo respetivo plano, de acordo com o qual os créditos comuns foram reduzidos a 25% do capital, a pagar em 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do PER’. Não se pondo em questão que se trata matéria documentalmente demonstrada nos autos, tem de reconhecer-se ser irrelevante para a presente decisão (apurar da existência de razão para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor insolvente) o resultado de tal acção – o que releva para a apreciação da causa é tão só a celebração de tal acto de disposição de bens por parte do insolvente (apurar se ele integra a previsão de qualquer das alíneas do nº 1 do art. 238º do CIRE), sendo já irrelevante ou inócua ocorrência jurídico-processual subsequente: o foco ou interesse está na actuação pretérita do devedor, não nos efeitos que eventual diligência judicial possam ter para a massa insolvente. Numa linguagem cara aos penalistas, pode afirmar-se que o que releva é o desvalor da acção, não do resultado – o que é ponderado (na apreciação liminar do pedido de exoneração – e também na apreciação do incidente da qualificação) é o desvalor jurídico e ético-negocial da conduta[2]. Improcede, pois, tal vertente da impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto. A.4. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – da restante matéria impugnada. Sustenta o apelante que a decisão da matéria de facto é omissa quanto a factos documentalmente demonstrados nos autos, que importa considerar, por relevantes à decisão. Assiste-lhe razão, já que a matéria em questão se mostra demonstrada por elementos probatórios bastantes (seja por certidão judicial, no que concerne às declarações de insolvência das sociedades T2..., Lda. e T1..., S.A., certidões logo juntas com a petição com que o devedor se apresentou à insolvência, seja por documento, como o documento de venda de acções e a declaração de renúncia do insolvente aos cargos de administrador e de gerente das sociedades do grupo em questão, documentos também juntos pelo devedor com a petição inicial e que o administrador voltou a juntar aos autos com requerimento de 5/06/2020), devendo por isso ser aditada aos factos provados. Assim, impõe-se aditar à fundamentação de facto a matéria com a redação que segue: dd) Em 10/09/2012, AA celebrou com a sociedade P..., S.A., um acordo escrito denominado ‘contrato de compra e venda de ações’, mediante o qual o primeiro vendeu à segunda acções de que era dono e legítimo possuidor, a saber, (i) 9.000 mil acções correspondentes a 90% do capital da sociedade D..., S.A. e (ii) 8.260.890 acções correspondentes a 5,5073% do capital social da T1..., S.A., bem como todos os direitos inerentes a tais acções, designadamente as prestações acessórias detidas em tais sociedades. ee) No mencionado acordo escrito, as partes declararam que a sociedade D..., S.A. detinha 68,6427% do capital social da sociedade T1..., S.A., enquanto esta última sociedade era detentora de 100% do capital social das sociedades T2..., Lda. e M..., Lda. ff) As partes acordaram que o preço devido pela transmissão das referidas acções era de 200.000,00€, a pagar em quatro prestações de 50.000,00€, cada, com vencimento em 30/09/2012, 31/03/2013, 30/06/2013 e 30/09/2013. gg) A sociedade adquirente das acções obrigou-se a ‘realizar todos os atos de gestão necessários para a solvabilidade da sociedade e das suas participadas’, bem como a ‘diligenciar junto de toda e qualquer pessoa coletiva e singular, pública ou privada, nomeadamente junto das instituições bancárias para obter, a desresponsabilização das obrigações, principalmente avais e fianças, assumidas pelo primeiro outorgante e/ou por BB, que tenham sido decorrentes da titularidade das ações e ainda das funções e cargos de Administrador e Gerente que o Primeiro Outorgante exerceu’. hh) Em 10/09/2012, aquando da transmissão das acções, AA renunciou simultaneamente aos cargos de Administrador das sociedades D..., S.A. e T1..., S.A. e aos cargos de gerente das sociedades T2..., Lda. e M..., Lda. ii) A sociedade T..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 4/11/2013, transitada em julgado em 29/11/2013, no âmbito do processo que correu termos sob nº 1726/13.4TBBRG no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga. jj) A sociedade T1..., S.A. foi declarada insolvente por sentença de 5/03/2014 transitada em julgado em 2/04/2014 no âmbito do processo que correu termos sob o nº 523/14.4TBBRG no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga. B. Da verificação, ou não, de razão(ões) para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. O regime da exoneração do passivo restante[3], instituído nos art. 235º e seguintes do CIRE, específico da insolvência das pessoas singulares (pessoas humanas), é um instituto novo, ‘tributário da ideia de fresh start’, visando com ele a lei ‘libertar o devedor das suas obrigações, realizar uma espécie de azzeramento da sua posição passiva, para que depois de «aprendida a lição», ele possa retomar a sua vida e, se for caso disso, o exercício da sua actividade económica ou empresarial’ – o objectivo é, pois ‘dar ao sujeito a oportunidade de (re)começar do zero’[4]. A medida ‘fresh start’ (novo arranque) tinha sido indicada pela Comissão Europeia, no seu relatório de síntese de Setembro de 2003 (relacionado com o ‘Projecto Best sobre Reestruturação, Falências e Novo Arranque’), como um instrumento importante para a revitalização da economia europeia, assente num novo espírito empresarial, depois de ter constatado que, de um modo geral, os empresários que passaram por processos de falência aprendem efectivamente com os seus erros e são mais bem sucedidos no futuro[5]. Porque o seu regime ‘implica fundamentalmente que, depois do processo de insolvência e durante algum tempo, os rendimentos do devedor sejam afectados à satisfação dos direitos de crédito remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção dos créditos que não tenha sido possível cumprir por essa via, durante tal período’[6], a exoneração qualifica-se, em rigor, como uma (nova) causa de extinção das obrigações – extraordinária ou avulsa relativamente ao catálogo de causas tipificado nos arts. 837º a 874º do CC –, aparecendo, deliberadamente, como uma faculdade natural do devedor[7]. Constitui, para o devedor insolvente, uma libertação definitiva das obrigações não integralmente satisfeitas no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, nas condições previstas no incidente regulado nos art. 235º e seguintes do CIRE – daí ‘falar-se de passivo restante’[8]. Ao consagrar o instituto da exoneração do passivo restante assumiu o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o propósito de conjugar inovadoramente ‘o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica.’[9] Tributário do conceito de fresh start, o modelo da exoneração adoptado no nosso ordenamento aproxima-se, indiscutivelmente, do modelo do earned start ou da reabilitação – o modelo puro do fresh start baseia-se na ‘ideia de que a liquidação patrimonial e o pagamento das dívidas devem ter lugar no curso do processo de insolvência, sendo que uma vez concluído este, restem ou não dívidas por pagar, o devedor deverá ser libertado de forma a poder retomar, com tranquilidade, a sua vida’; o modelo da reabilitação (earned start) ‘assenta ainda no fresh start mas desenvolve um raciocínio diferente: o raciocínio de que o devedor não deve ser exonerado em quaisquer circunstâncias pois, em princípio, os contratos são para cumprir (pacta sunt servanda)’ e, assim, o ‘devedor deve passar por uma espécie de período de prova, durante o qual parte dos seus rendimentos é afectada ao pagamento das dívidas remanescentes’ e só findo esse período, demonstrado que merece (earns) a exoneração, deverá ser-lhe concedido o benefício[10]. A obtenção do benefício (libertação dos débitos não satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste) justificar-se-á se o devedor observar a conduta recta que o cumprimento dos requisitos legalmente previstos pressupõe (arts. 239º, 243º e 244º do CIRE) – tem de merecer a concessão do benefício. Efectivamente, o incidente de exoneração do passivo restante não pode redundar num ‘instrumento oportunística e habilidosamente empregue unicamente com o objectivo de se libertarem os devedores de avultadas dívidas, sem qualquer propósito mesmo de alcançar o seu regresso à actividade económica, no fundo o interesse social prosseguido’[11]. Na fase da apreciação liminar[12] do pedido a questão não incide ‘sobre a concessão ou não da exoneração, pois essa análise será feita passados cinco anos’ – em tal fase da tramitação do procedimento da exoneração (despacho liminar), o ‘mérito está em aferir o preenchimento de requisitos substantivos, que se destinam a perceber se o devedor merece que uma nova oportunidade lhe seja dada’; ainda ‘não é a oportunidade de iniciar a vida de novo, liberado das dívidas, mas a oportunidade de se submeter a um período probatório que, no final, pode resultar num desfecho que lhe seja favorável’, desfecho que depende totalmente da sua actuação[13]. Porque o devedor tem de merecer a exoneração, estabelecem-se logo na fase liminar de apreciação do pedido ‘os requisitos mais apertados a preencher e a provar’, devendo a conduta do devedor ser ‘analisada através da ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta’ – e por isso que a prolação de despacho inicial está dependente do que se possa concluir quanto ao comportamento pretérito do devedor, se ele preenche ou não requisitos de ordem substantiva, mormente um ‘comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência’[14]. O que vem de dizer-se demonstra que o instituto (desde o despacho inicial até à decisão final, passando pela eventual decisão da cessação antecipada do procedimento e até pela revogação da exoneração – art.s 239º, 243º, 244º e 246º do CIRE) tem como padrão referencial de comportamento ético-normativo (a usar no despacho inicial, na decisão final, na decisão da cessação antecipada do procedimento ou na revogação da exoneração) a licitude, honestidade, transparência e boa fé na vertente económico-financeira da vida do devedor. Assim que a hermenêutica dos vários trâmites em que se decompõe o instituto (e, por isso, também o despacho liminar – art. 238º do CIRE) há-de ter por alicerce o seu fundamento (em que o princípio do ‘fresh start’ é conjugado e compatibilizado com o princípio fundamental do ressarcimento dos credores, devendo exigir-se ao devedor que demonstre merecer o benefício da exoneração), convocando a ponderação de elementos reveladores da circunstância do devedor ser merecedor, face à sua conduta honesta, lícita, proba e transparente, de que uma nova oportunidade lhe seja dada – à luz do direito (e, logo, à luz do fundamento axiológico que é o seu suporte), esta nova oportunidade, novo começo, azzeramento da situação passiva, só se justifica para os devedores probos e honestos (para os que não tiveram condutas tidas – no plano económico e financeiro – por ilícitas, desonestas ou não transparentes) e para os que cumprem, no período da cessão, todas as obrigações impostas. O instituto da exoneração não pode descambar num meio de desresponsabilização do devedor, transformando o processo de insolvência num refúgio ou numa protecção habitual contra os credores[15], por isso se prevendo, enquanto requisito substantivo da concessão da exoneração que o comportamento do devedor (pretérito – anterior à instauração do processo – e actual – durante o denominado período da cessão) seja compatível e conforme à boa fé, lisura, probidade, honestidade e transparência que o instituto pressupõe, designadamente que não viole, com dolo ou negligência grave, as obrigações impostas no art. 239º do CIRE, com prejuízo para a satisfação dos credores da insolvência (arts. 243º, nº 1, a) e 244º do CIRE). Havendo que reconhecer que o art. 238º do CIRE não esgota os requisitos da exoneração (a sua concessão efectiva depende da verificação de outros que se extraem do art. 237º do CIRE, mormente da observância, pelo insolvente, das condições previstas no art. 239º do CIRE)[16], certo é que, na fase liminar, ao ‘decidir sobre a rejeição ou a admissão do pedido de exoneração, o juiz não é livre’, porquanto da articulação do nº 1 do art. 236º com o art. 238º do CIRE se extrai que o juiz deve rejeitar liminarmente o pedido se apresentado após a assembleia de apreciação do relatório ou se ocorrer alguma das situações previstas nas alíneas b) a g) do nº 1 do art. 238º do CIRE[17]. Afigura-se, assim, que os fundamentos de indeferimento liminar do pedido de exoneração, enunciados no nº 1 do art. 238º do CIRE[18], são taxativos[19]. A decisão recorrida, reconhecendo a tempestividade da formulação do pedido de exoneração do passivo restante (por formulado na petição com que se apresentou à insolvência), baseou o indeferimento liminar do pedido em razões substantivas relacionadas com a conduta pregressa do devedor (anterior à instauração do processo de insolvência) e apesar de o não referir expressamente, pode concluir-se (dos argumentos utilizados) que considera verificadas hipóteses subsumíveis às alíneas e) (refere ter o insolvente actuado sem que pudesse ignorar, pelo menos com culpa grave, que dissipava bens susceptíveis de apreensão para a massa e que, assim agravava o seu estado de insolvência) e d) (refere ter-se o devedor atrasado na sua apresentação à insolvência de modo ponderado, pois desde o final de 2012 era evidente o seu estado insolvencial em face do vencimento de diversos avais que havia prestado, sendo evidente o prejuízo causado aos credores, colocando a salvo de resolução em benefício da massa insolvente actos de alienação por si realizados, revelando-se também elevadíssimos os juros que foram reconhecidos aos credores na sentença de verificação e graduação de créditos) do nº 1 do art. 238º do CIRE. Importa, assim, apreciar se estão provados factos que permitam concluir pelo preenchimento das referidas previsões (sendo certo que se tratam de factos impeditivos cujo ónus de alegação e prova incumbe aos credores nisso interessados e/ou ao administrador[20]), pois que pode ter-se por seguro não haver razão para indeferir o pedido à luz de fundamentos estribados em situações ligadas ao passado do insolvente integradoras das alíneas c) e f) nº 1 do art. 238º do CIRE, em razão da violação de deveres impostos no processo de insolvência, que suportaria o indeferimento à luz da alínea g) do artigo, ou em virtude da prestação de informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza, que determinaria o indeferimento liminar com base na alínea b) do artigo. Nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 238º do CIRE, o pedido de exoneração dever ser liminarmente indeferido quando constarem do processo elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186º do CIRE, ou seja, quando a situação de insolvência tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Considerando a data do início do presente processo (9/06/2014), só relevam na apreciação deste fundamento de indeferimento os actos ou condutas do devedor ocorridos depois de 9/06/2011. Situam-se fora do período temporal relevante quer a partilha realizada aquando do divórcio do insolvente apelante, ainda em 2010, quer a venda do bem imóvel, realizada em 23/02/2011 – e por isso que não podem sustentar o fundamento de indeferimento previsto na alínea e) do nº 1 do art. 238º do CIRE, pois que qualquer actuação com as características e a relevância assinaladas no art. 186º do CIRE deixa de ser atendida se não tiver ocorrido nos três anteriores ao início do processo de insolvência[21]; ao estabelecer tal prazo, a lei impõe, ‘por uma questão de certeza e segurança, que os factos susceptíveis de consubstanciar as actuações conducentes à caracterização da insolvência como culposa, tenham efectivamente ocorrido nesse período temporal, não possibilitando quaisquer outras interpretações que conduzam a um alargamento do aludido prazo, sob pena de o mesmo perder qualquer sentido’[22]. Assim, a única conduta com relevo patrimonial praticada pelo insolvente no período temporal a ponderar foi a alienação das suas participações sociais, das suas acções, nas sociedades de que era administrador e/ou gerente e cujas responsabilidades avalizara ou afiançara (factos provados sob as alíneas dd) a hh)). Tal alienação há-se ser valorizada em vista de se apurar da culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência (art. 238º, nº 1, e) do CIRE) – se preenche o conceito geral de insolvência culposa traçado no nº 1 do art. 186º do CIRE ou a presunção inilidível de insolvência culposa estabelecida nas alíneas a) e/ou d) do nº 2 do art. 186º do CIRE (a nenhuma das outras alíneas quadra a situação dos autos). Não integra tal acto de disposição a previsão da alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE. Na verdade, a alienação das acções não consubstancia destruição, danificação, inutilização ou ocultação de património (como exigido na referida alínea), antes constituindo acto oneroso de transferência definitiva do património. De arredar, também, o preenchimento da alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE – aplicável às pessoas singulares com ‘as adaptações que a sua natureza e diversidade das situações imponham’[23] (nº 4 do art. 186º do CIRE). Para se poder concluir pelo preenchimento da situação típica de insolvência culposa prevista em tal normativo (no que ao insolvente que não seja pessoa singular respeita – nº 2 do art. 186º do CIRE) não basta a demonstração de qualquer acto de alienação de património, qualquer acto de disposição de bens, sendo essencial a demonstração de factualidade donde resulte o proveito pessoal do insolvente ou de terceiros, pois tal ‘proveito’ constitui requisito normativo do preceito – as situações susceptíveis de preencher a previsão de tal alínea consubstanciam comportamentos que, afectando a situação patrimonial do devedor, implicam concomitantemente benefício (proveito) para o seu autor ou para terceiro[24]. A adaptação do preceito à ‘situação de pessoa singular insolvente’ não pode significar (sob pena de resultar para a pessoa singular regime mais gravoso que o delineado para a situação do ‘devedor que não seja pessoa singular’ que lhe serve de modelo e lhe é também aplicável) que se prescinda do requisito do proveito, seja de terceiros (fácil de adaptar à situação do devedor pessoa singular), seja do devedor – este, mais difícil de adaptar, porquanto o devedor estará a dispor de bens seus, próprios (não de pessoa jurídica distinta, que administra ou gere). Em tais situações, a adaptação prescrita no nº 4 do art. 186º do CIRE impõe se considere o conceito (‘proveito pessoal’) como significando detrimento ou prejuízo do património que, nos termos do art. 601º do CC, responde pelas suas obrigações e responsabilidades – não será exigível que o acto implique dissipação patrimonial (ocultação – como ocorre, por exemplo, nos actos simulados), mas será necessário que dele resulte, para o devedor, a satisfação de interesse que não tenha directo reflexo no seu património, entendido na sua função de garantia patrimonial dos seus débitos (art. 601º do CC); se com o acto de disposição a satisfação do interesse do devedor também se reflectir, de modo directo e transparente, no seu património, não poderá considerar-se que o devedor dispôs de bens em prejuízo da garantia de cumprimento de obrigações que o seu património constitui (esse o interesse dos credores que a norma pretende salvaguardar), pois que a saída de um bem de tal acervo terá como correspectivo a entrada de valor correspondente. Ínsita ao conceito de proveito pessoal, pois, a ideia de prejuízo para o património do devedor (no conceito funcional de garantia de cumprimento de obrigações) – prejuízo que não pode resumir-se à simples modificação da composição do património, por alteração/substituição dos bens que o compõem (v. g., bem imóvel por dinheiro, móvel por dinheiro, etc.). Se uma modificação do acervo patrimonial (imóvel ou móvel, como participações sociais ou acções, por dinheiro) pode justificar o receio da perda de garantia patrimonial do crédito (os valores pecuniários são facilmente ocultáveis pelo devedor) e fundar, assim, um pedido de arresto (art. 619º e ss. do CC), certo é que a alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE tem um requisito acrescido (o do proveito pessoal ou de terceiro) – se bastasse a modificação patrimonial que o acto de disposição forçosamente comporta, o requisito do ‘proveito pessoal’ (ou de terceiros) seria desnecessário e redundante (o que o intérprete, na actividade hermenêutica, não deve presumir – pelo contrário, deve ponderar que todas as referências legais tem sentido útil). Da matéria apurada não pode concluir-se que a alienação das acções tenha importado ‘proveito pessoal’ do devedor insolvente, nos termos que se deixam definidos – que do acto tenha resultado satisfação de interesses do insolvente que não se tenham estendido e repercutido, plenamente, ao seu património. Apenas se apurou, a propósito, o acto de alienação – a modificação patrimonial que se traduziu na substituição de acções por valor monetário (melhor, crédito pecuniário sobre o adquirente) –, desacompanhado (como seria necessário para o preenchimento da previsão normativa) de qualquer outro elemento factual que permita afirmar o referido proveito pessoal. Não se diga que a parte do preço da alienação, por si recebido, deu o devedor insolvente destino desconhecido. O que se está a valorizar é o acto de alienação das acções, não o destino do dinheiro recebido a título de preço (de parte do preço) – o peço recebido (parte do preço) integrou, então o património do devedor, ocupando o lugar do bem (acções) que de tal património saiu; as acções são o bem objeto mediato do acto de disposição que se vem valorizando. Certo que o facto do dinheiro (parte do preço) recebido não ter sido apreendido, poderia ser apreciado em vista do preenchimento da alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE (e então seria tal o bem – valor monetário – a considerar, não já as acções), mas para tanto seria necessário que resultasse provado, positivamente, que o devedor o ocultou ou fez desaparecer, que lhe deu destino contrário à função do património como garantia dos credores (como se disse, o ónus de prova dos factos necessários ao preenchimento das situações que impõem o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante - e também dos factos necessários para se concluir pela insolvência culposa - cabe aos credores que nisso revelem interesse e/ou ao administrador da insolvência), e tal não resulta demonstrado dos autos (ou seja, não resulta dos autos o concreto destino dado pelo devedor ao dinheiro recebido como pagamento parcial da alienação das acções, tão só que não foi apreendido para a massa, e por isso não se pode concluir, positivamente, que lhe tenha destino contrário à função do património como garantia dos credores). Não pode também considerar-se que o acto de alienação tenha sido realizado em proveito de terceiro, designadamente do adquirente, com concomitante prejuízo do património do devedor insolvente – não resulta dos factos apurados (que se resumem aos termos do contrato, ao facto de duas sociedades cujas acções foram alienadas terem passivo elevado – o insolvente era garante, avalista e/ou fiador, das responsabilidades por elas assumidas, e por isso os créditos reclamados no âmbito destes autos tinham como devedor principal tais sociedades – e terem sido declaradas insolventes em Novembro de 2103 e Março de 2014) que o acto importasse (ao tempo da sua realização – é isso que se avalia: o desvalor jurídico e ético negocial da conduta, não o resultado desta[25]) um favorecimento, vantagem ou benefício ilegítimos para o adquirente (terceiro), ou seja, que a transferência das acções para a sua esfera jurídica não tivesse como correspectivo ou sinalagma o preço devido. Efectivamente, não se apurou que o preço da venda não correspondesse ao justo valor dos bens alienados – a matéria provada não permite qualquer conclusão sobre se se trata ou não de preço inferior ao justo valor das acções (o valor que um avisado, prudente e cuidadoso adquirente estaria disposto a despender para adquirir as acções). O prejuízo para o património da insolvente e concomitante benefício (proveito) para o terceiro (para o adquirente) só poderia ser afirmado se a transferência, a título oneroso, tivesse tido como contrapartida preço inferior ou desconforme ao real e justo valor das acções – o proveito aludido na alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE tem inserta a ideia de ‘favorecimento/vantagem ou benefício ilegítimo, por contraposição à noção de preço como contrapartida’ dum bem, assim se repercutindo negativamente no património do insolvente[26], só podendo falar-se ‘em proveito quando o acto de disposição se traduz na outorga de um benefício sem uma justa ou legítima correspondência prestacional (se existe correspondência prestacional do terceiro, não há proveito deste, mas sim o recebimento do que lhe compete, justa e legitimamente, receber)’[27]. Não se podendo concluir que o preço da alienação foi inferior ou desconforme ao justo e real valor real das acções alienadas, não pode afirmar-se que o negócio representa a outorga de um benefício ao adquirente, ou seja, que este, em contrapartida da entrada daquelas acções na sua esfera jurídica, não transferiu para o insolvente valor equivalente, face às regras de mercado. Sendo de afastar o preenchimento de qualquer das hipóteses previstas no nº 2 do art. 186º do CIRE, tem também de concluir-se não resultar da matéria provada factualidade que alicerce a conclusão de que a insolvência é culposa – de que, com dolo ou culpa grave, o insolvente teve actuação (nos três anos que precederam o início do processo de insolvência) que (com nexo de causalidade adequada) criou ou agravou a insolvência. Da alienação das acções tal não pode concluir-se – sequer o agravamento da situação de insolvência, pois que não resulta sequer apurado que a situação patrimonial tenha sofrido qualquer decréscimo de valor (sofreu a substituição das acções pelo crédito sobre o adquirente, mas não pode concluir-se que o preço do negócio não correspondesse ao justo valor das acções). Apurado que não pode considerar-se justificado o indeferimento liminar do pedido de exoneração à luz da previsão da alínea e) do nº 1 do art. 238º do CIRE, importa apreciar se se verifica a hipótese prevista na alínea d) do preceito. A decisão recorrida estribou-se, para considerar verificada tal causa de indeferimento liminar do pedido de exoneração (enquadrável nesta previsão), em dois fundamentos – ter o atraso à apresentação da insolvência determinado prejuízo aos credores em razão dos elevadíssimos juros que foram reconhecidos aos credores na sentença de verificação e graduação de créditos; ter o atraso na apresentação à insolvência sido ponderado e premeditado em vista de impedir que os actos de disposição patrimonial realizados pudessem ser resolvidos em benefício da massa insolvente, com prejuízo para os credores. Fundamentos que não podemos acompanhar. Se inicialmente a jurisprudência se dividia quanto à particular questão de apurar quando pode considerar-se existir prejuízo para os credores, considerando uma corrente que a omissão do dever de apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores pelo avolumar dos seus créditos, face ao vencimento dos juros e consequente avolumar do passivo global do insolvente[28], podendo presumir-se o prejuízo de tal não apresentação à insolvência quando é manifesto não ter bens susceptíveis de satisfazer os créditos[29], defendendo outra que o conceito de prejuízo pressuposto no normativo em causa consiste num prejuízo diverso do simples vencimento dos juros, que são consequência normal do incumprimento gerador da insolvência, tratando-se assim dum prejuízo de outra ordem, projectado na esfera jurídica do credor em consequência da inércia do insolvente, consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que dispunha para se apresentar à insolvência[30], ou, mais especificamente, que não integra o ‘prejuízo’ previsto no art. 238º, nº 1, d) do CIRE o simples acumular do montante dos juros[31] e que, assim, não é pelo facto do devedor se atrasar na apresentação à insolvência que se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores[32], foi-se consolidando este último entendimento[33]. Entendimento que temos por correcto[34] - não pode escamotear-se que o legislador do CIRE estava consciente que os créditos vencem juros com o simples decorrer do tempo; representando a insolvência uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas (art. 3º, nº 1 do CIRE), inevitável será a constatação de que estas vencem juros (arts. 804º e ss do CC), que assim aumentam (quantitativamente) o passivo do devedor. Afastada fica, assim, a possibilidade de considerar que o conceito normativo de prejuízo previsto na alínea d) do nº 1 do art. 238º do CIRE inclua no seu âmbito o típico, normal e necessário aumento do passivo em decorrência do vencimento dos juros incidentes sobre o crédito de capital, sob pena de se esvaziar de sentido útil a referência legal a tal requisito (prejuízo dos credores) – tivesse sido esse o sentido e alcance da lei, bastaria estabelecer o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo quando o devedor se abstivesse de se apresentar à insolvência no semestre posterior à verificação da situação de insolvência (referindo depois o conhecimento – ou o desconhecimento culposo – da inexistência de perspectiva séria de melhoria da sua situação económica). A norma valoriza prejuízo diverso do que é ínsito ao decurso do tempo, comum a todos os casos de insolvência – enquanto requisito do indeferimento liminar do pedido de exoneração, o prejuízo dos credores, acresce aos demais, articulando-se com eles, tratando de pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das aportadas pelos demais requisitos, não podendo por isso considerar-se preenchido com circunstâncias que já estão forçosamente contidas noutro dos requisitos. Entendido doutra forma (como verificando-se com os simples avolumar dos juros), este segundo requisito (prejuízo para os credores) dilui-se no primeiro (não apresentação atempada à insolvência) e ‘fica esvaziado de sentido útil’, passando a ‘consubstanciar um efeito necessário da não apresentação à insolvência’ – sendo verdade que o atraso na apresentação à insolvência ‘conduz invariavelmente a um conjunto de consequências nefastas para os credores’ (o ‘activo reduz-se por força das execuções singulares dos credores e, em princípio, desvaloriza-se com o decurso do tempo; em contrapartida, o passivo aumenta, seja em virtude da contracção de novas dívidas, seja do curso de juros, seja da constituição do devedor na obrigação de pagamento das custas judiciais que fiquem a seu cargo como parte vendida’), se se ‘considerar que isso é suficiente para se configurar (mediante o funcionamento da presunção ou produção de prova) o prejuízo para os credores, não se vê para que serviria a alusão (autónoma) a ele’[35]. Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer). São estes comportamentos desconformes ao proceder, honesto, lícito, transparente e de boa fé cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida possibilidade (verificados os demais requisitos do preceito) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica. O que se sanciona são os comportamentos que impossibilitem (ou diminuam a possibilidade de) os credores obterem a satisfação dos seus créditos, nos termos em que essa satisfação seria conseguida caso tais comportamentos não ocorressem. Não integrando o conceito normativo de ‘prejuízo’ pressuposto pelo art. 238º, nº 1, d) do CIRE o simples aumento global dos débitos do devedor causado pelos simples acumular dos juros – nem podendo do simples atraso do devedor na apresentação à insolvência concluir-se terem advindo prejuízos aos credores –, não se verifica razão que justifique, em consideração aos ‘elevadíssimos’ juros reconhecidos aos credores na sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso respectivo, o indeferimento liminar do pedido de exoneração formulado pelo devedor. Noutra perspectiva – afrontando o segundo argumento aduzido na decisão apelada –, não pode considerar-se que o atraso à insolvência tenha sido pelo devedor ponderado e premeditado em vista de impossibilitar (daí resultando o prejuízo para os credores) que os actos de disposição patrimonial praticados pudessem ser resolvidos em benefício da massa insolvente. Na verdade, não pode concluir-se, por presunção judicial (arts. 349º e 351º do CC) – sendo certo que tal facto não resulta directamente provado –, que o insolvente tenha, de forma premeditada e ponderada, atrasado a sua apresentação à insolvência para impedir que os actos de disposição patrimonial que realizou pudessem vir a ser resolvidos em benefício da massa (estamos a referir-nos à partilha na sequência de divórcio e venda de imóvel, ambos realizados fora do período temporal previsto no nº 1 do art. 186º do CIRE – ao contrário, a alienação das acções foi praticada em tal janela temporal). Uma tal conclusão não pode ser retirada com segurança (com base em dedução racional, assente nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana) com base tão só na desatempada apresentação à insolvência (reconhecendo que este atraso ocorreu, pois que pelo menos desde o final de 2012, início de 2013, se verificava a impossibilidade de cumprimento pontual da generalidade das suas obrigações – tais datas correspondem ao início generalizado do vencimento das responsabilidades que avalizou/afiançou e que são reclamadas no apenso da reclamação de créditos) e nos actos de disposição realizados; tais dois factos base (certos) não têm como justificação típica ou necessária este outro (o facto presumido), qual seja o de tal premeditação. Prejuízo que sempre exigiria, no entendimento perspectivado pela decisão recorrida, que os actos de disposição realizados pelo insolvente (que não o da venda das acções – pois que realizado menos de dois anos antes do início do processo e, por isso, sujeito a resolução em benefício da massa, nos termos do nº 1 do art. 120º do CIRE) se situassem nos dois anos anteriores ao termo final do prazo de seis meses reconhecido pela alínea d) do nº 1 do art. 238º do CIRE para se apresentar à insolvência. Mesmo fazendo coincidir a situação de insolvência do devedor apelante com a data (Outubro de 2012) em que ocorreu o primeiro vencimento de créditos reclamados pelos credores do insolvente no apenso da reclamação de créditos (nunca antes dessa data se poderia considerar verifica a situação de insolvência – a maioria dos créditos venceu-se bem depois, de Novembro de 2012 até à data da declaração da insolvência, como resulta das reclamações apresentadas no apenso da reclamação de créditos), tem de considerar-se que o devedor poderia (sem incorrer no preenchimento objectivo da situação prevista no preceito) apresentar-se à insolvência até Março de 2013. Atendendo a tal data (Março de 2013) como a do termo final do período concedido ao devedor para se apresentar à insolvência (para efeitos do alínea d) do nº 1 do art. 238º do CIRE), nunca se poderia considerar a existência daquele afirmado prejuízo – tanto a partilha (realizada em Novembro de 2010), quanto a venda do imóvel (realizada em 23/02/2011) foram realizadas mais de dois anos antes de esgotado o tempo concedido ao devedor (seis meses) para se apresentar, tempestivamente, à insolvência (depois de verificada a situação de insolvência) e, por isso, não estariam nunca sujeitos a resolução – e por isso que, na situação dos autos, não pode concluir-se ter sido o retardamento ou protelamento na apresentação à insolvência a causar a impossibilidade de resolver aqueles actos em benefício da massa insolvente. Não resulta, pois, da matéria de facto apurada qualquer elemento que permita concluir pela verificação articulada de todos pressupostos estabelecidos na norma – desde logo o requisito do prejuízo para os credores em resultado da abstenção de apresentação do devedor à insolvência no semestre posterior à verificação da situação de insolvência. Não se justifica, pois, o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, razão pela qual, na procedência da apelação, se impõe revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra em que seja proferido despacho inicial, nos termos do art. 239º, nº 1 do CIRE. C. Do exposto resulta a procedência da apelação, impondo-se revogar a decisão apelada para que seja substituída por outra que, determinado o prosseguimento dos termos do procedimento de exoneração do passivo, cuide dos demais aspectos aludidos nos artigos 237ºe 239º, do CIRE, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (em cumprimento do nº 7 do art. 663º do CPC) nos seguintes termos: ………………………………. ………………………………. ………………………………. * Pelo exposto, na procedência do recurso, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra em que seja proferido despacho inicial, nos termos do art. 239º, nº 1 do CIRE.DECISÃO * Sem custas. * Porto, 22/02/2022(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) João Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues ______________ [1] A decisão recorrida pode ter levado o recorrente a deduzir impugnação nestes termos, pois que ao invés de dar nota, no relatório da decisão (o local onde deve fazer-se constar a tramitação observada nos autos com relevo para a decisão a proferi) de trâmites observados nos autos com relevo para a apreciação da causa, optou por os incluir na fundamentação de facto. [2] Acórdão do STJ de 5/09/2017 (Fonseca Ramos), no sítio www.dgsi.pt. [3] O passivo restante, nos termos do art. 235º do CIRE, é constituído pelos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento. [4] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, Almedina, 4ª edição, p. 133 e Lições de Direito da Insolvência, Almedina, p. 559. [5] Acórdão R. Porto de 12/05/2009 (Henrique Araújo), no sítio www.dgsi.pt. [6] Catarina Serra, O Novo Regime (…), p. 133 e Lições (…), pp. 558/559. [7] Catarina Serra, O Novo Regime (…), p. 135 e Lições (…), p. 561. [8] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Iuris, 2015, p. 848, anotação 3 ao artigo 235º. [9] Considerando nº 45 do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE – DL 53/2004, de 18/03. [10] Catarina Serra, Lições (…), p. 559. [11] Ac. R. Coimbra de 17/12/2008 (Gregório Silva Jesus), no sítio www.dgsi.pt. Catarina Serra, O Novo Regime (…), pp. 133/134 e Lições (…), p. 560, depois de referir que o instituto da exoneração, sendo uma medida de protecção do devedor e um efeito eventual da declaração de insolvência que lhe é favorável, constituindo por isso uma verdadeira tentação para ele, adverte, a este propósito, para os efeitos perversos desencadeados pela força atractiva da exoneração: os ‘abusos de exoneração’. [12] O despacho de indeferimento não corresponde a um verdadeiro e próprio despacho de indeferimento liminar, mas a algo mais, uma vez que os requisitos apresentados por lei obrigam à produção de prova e a um juízo de mérito por parte do juiz – Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, p. 169. No mesmo sentido Catarina Serra, Lições (…), p. 564. [13] Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante (…), pp. 169/170. [14] Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante (…), p. 170. [15] Catarina Serra, O Novo Regime (…), p. 134 e Lições (…), p. 560. [16] Carvalho Fernandes, A Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares no Direito Português, in Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Reimpressão, Quid Juris, pp. 277/278. [17] Carvalho Fernandes, A Exoneração do Passivo Restante (…), p. 285. [18] Um requisito de incidência processual (caso da alínea a) do preceito), os demais de natureza substantiva (aqueles que respeitam a situações ligadas ao passado do insolvente, caso das alíneas c) e f) do preceito; aqueles que concernem a condutas observadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no processo de insolvência, caso da alínea g) do preceito; aqueles que se reconduzem a comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram, casos das alíneas b), d), e e) do preceito) - arrumação dogmática dos fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração encontrada em Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado (…), pp. 854/855. [19] Ainda que não o referindo expressamente, dá-o a entender Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 7ª Edição, Almedina, p. 384, em nota, ao referir que o despacho de indeferimento liminar se encontra ‘regulado no art. 238º e pode fundamentar-se em razões de ordem formal ou processual (apresentação fora de prazo – art. 238º, nº 1, al. a)) ou em razões de ordem material ou substantiva (mérito do comportamento do devedor – art. 238º, nº 1, als. b)-g)). Catarina Serra, Lições (…), p. 564, alude também à possibilidade de rejeição imediata do pedido com fundamento no longo elenco de causas de indeferimento prescrito no nº 1 do art. 238º do CIRE. Afirmando ser taxativa a enumeração das causas de indeferimento liminar previstas no nº 1 do artigo 238 do CIRE, os acórdãos da Relação do Porto de 15/07/2009 (Sousa Lameira), de 31/05/2010 (Sousa Lameira) e de 18/11/2010 (Filipe Caroço), da Relação de Lisboa de 24/11/2009 (Maria José Simões), e, mais recentemente, os acórdãos da Relação de Guimarães de 6/02/2020 (José Alberto Moreira Dias) e de 3/12/2020 (José Manuel Flores) e da Relação do Porto de 12/04/2021 (Miguel Baldaia de Morais), todos no sítio www.dgsi.pt. [20] Cfr., v. g., circunscrevendo a menção à jurisprudência do STJ, os acórdãos de 21/10/2010 (Oliveira Vasconcelos), de 6/07/2011 (Fernandes do Vale) e de 21/01/2014 (Paulo Sá), no sítio www.dgsi.pt. [21] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado (…), p. 680. [22] Acórdão do STJ de 18/01/2018 (Ana Paula Boularot), no sítio www.dgsi.pt. [23] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado (…), p. 680. [24] Luís Carvalho Fernandes, A qualificação da insolvência (…), p. 262/263, em nota, agrupa três categorias de comportamentos que preenchem as presunções inilidíveis de insolvência dolosa: i) actuações que, por vários meios, afectam o património do devedor, no todo ou em parte considerável (alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE); ii) comportamentos que afectando a situação patrimonial do devedor implicam, concomitante, benefício para quem o adopta ou para terceiro (alíneas d), e) f) e g) do nº 2 do art. 186º do CIRE); iii) situações que se reconduzem ao incumprimento ou violação de obrigações legais (alínea i) do nº 2 do art. 186º do CIRE). [25] Como já acima referimos, citando o acórdão do STJ de 5/09/2017 (Fonseca Ramos). [26] Acórdão da Relação de Guimarães de 2/02/2017 (Isabel Silva), no sítio www.dgsi.pt. [27] Acórdão do STJ de 15/02/2018 (José Rainho), no sítio www.dgsi.pt. [28] Cfr., por exemplo, acórdãos da Relação do Porto de 9/12/2008 (Guerra Banha), da Relação de Lisboa de 24/11/2009 (Maria José Simões), da Relação de Guimarães de 3/12/2009 (Conceição Saavedra), de 3/12/2009 (Conceição Bucho) e de 30/04/2009 (Raquel Rego), todos no sítio www.dgsi.pt. [29] Assim o acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2006 (Vaz Gomes), in CJ, 2006, Tomo IV, pp. 97 e segs. [30] Acórdão da Relação do Porto de 12/05/2009 (Henrique Araújo), no sítio www.dgsi.pt. [31] Acórdãos da Relação do Porto de 11/01/2010 (Soares de Oliveira) e de 19/05/2010 (relatado pelo relator deste), acórdão da Relação de Lisboa de 14/05/2009 (Nelson Borges Carneiro) e acórdão da Relação de Coimbra de 23/02/2010 (Alberto Ruço), no sítio www.dgsi.pt. [32] Acórdão do STJ de 21/10/2010 (Oliveira Vasconcelos), no www.dgsi.pt (proferido em revista admitida por se considerar verificada, no caso, a hipótese prevista na 2ª parte do nº 1 do art. 14 do CIRE). [33] No âmbito da jurisprudência do STJ, o acórdão de 21/01/2014 (Paulo Sá) e, na jurisprudência das Relações, circunscrevendo-nos a esta Relação do Porto, os acórdãos de 7/04/2011 (Filipe Caroço), de 7/12/2017 (Filipe Caroço), de 9/05/2019 (Aristides Rodrigues Almeida) e de 12/04/2021 (Miguel Baldaia de Morais), todos acessíveis em www.dgsi.pt. [34] Seguido pelo relator também no acórdão proferido na apelação nº 3024/10.6TBVLG-D.P1 (processo do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo). [35] Catarina Serra, O Novo Regime (…), pp. 138/139 e Lições (…), p. 566. |