Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLOS CUNHA RODRIGUES CARVALHO | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA ARRESTO | ||
| Nº do Documento: | RP20251113151/25.9T8VGS.P2 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Sendo o arresto preliminar à impugnação pauliana exige-se complementarmente a alegação e prova sumária dos pressupostos da própria impugnação pauliana como factor de credibilidade e de seriedade da pretensão (art.º619.º, n.º 2 do CC e art.º 392.º, n.º 2 do CPC). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 151/25.9T8VGS.P2 * I. A..., Lda., com número único de pessoa coletiva ..., veio intentar procedimento cautelar de arresto contra B..., Lda., com número único de pessoa coletiva ..., C...-Unipessoal, Lda., com número único de pessoa coletiva ... e Município ..., com número único de pessoa coletiva ....
Pede o arresto das quantias que sejam devidas à 2.ª requerida, pela 3.ª requerida, ao abrigo do Protocolo relativo ao Festival ....
Alega, além do mais, e no essencial, que a requerente é titular de um crédito sobre a 1.ª requerida, anterior à data em que esta cedeu a sua posição contratual à 2.ª requerida, tendo tal ato provocado prejuízo à requerente, o que a terá colocado na impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito relativamente à 1.ª requerida, tendo este sido realizado a título gratuito.
Conclui ter justo receio de que a 2.ª requerida, antes do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na ação pauliana que a requerente vai propor, venha a dissipar as quantias em dinheiro que receber da 3.ª requerida, nos termos do referido protocolo, frustrando, desta forma, os legítimos direitos e interesses da requerente. * Foi proferida decisão de 24.4.25:
«(….)
O pedido formulado é, pois, manifestamente improcedente (cfr. artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Perante isto, apesar do despacho proferido, em turno, no dia 21.04.2025, a produção de prova dos factos alegados afigurar-se-ia um ato inútil e, como tal, proibido por lei (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil). Face ao exposto, indefere-se liminarmente o requerimento inicial por manifesta improcedência.» * Inconformada veio a requerente interpor recurso, na sequência do quê foi por esta Relação proferido a seguinte decisão:
«Pelo exposto, dando-se como provido o recurso, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, determina-se o prosseguimento dos autos para produção de prova.» * Produzida a prova sem prévio exercício do contraditório foi dada procedência ao arresto:
«Face ao exposto, julgo o presente procedimento cautelar de arresto procedente e, em consequência, decreto arresto a favor da requerente A..., Lda. do direito de crédito que a 2.ª requerida C...-Unipessoal, Lda. detém sobre Município ... ao abrigo do Protocolo relativo ao Festival ..., a realizar-se no ano de 2025, até ao montante de € 25.881,84, acrescida da margem para pagamento de custas e encargos.» * Cumprido o disposto nos artigos 366.º, n.º6, do do CPC, foi deduzida oposição unicamente pela requerida C... Unipessoal Lda, pugnando pela inexistência de qualquer direito da 1ª requerida B... susceptível de lhe ser transferido, nessa medida não estando reunidos os pressupostos da impugnação pauliana. * Realizada audiência final foi proferida a seguinte decisão:
«Face ao exposto, julga-se o presente procedimento cautelar de arresto improcedente e, em consequência, revogando-se a providência anteriormente decretada, determina-se o levantamento do arresto decretado nos autos a favor da requerente A..., Lda. do direito de crédito que a 2.ª requerida C...-Unipessoal, Lda. detém sobre Município ... ao abrigo do Protocolo relativo ao Festival ..., a realizar-se no ano de 2025, até ao montante de € 25.881,84, acrescida da margem para pagamento de custas e encargos.»
Desta decisão foi deduzida recurso pela A..., Lda, apresentando as as seguintes conclusões:
A) Resulta dos factos indiciados (5 a 12), que o crédito de que a 1ª requerida era titular relativamente à 3ª requerida, resulta das obrigações por esta assumidas no protocolo celebrado entre ambas, ou seja, o pagamento da verba anual aprovada, a pagar à 1ª requerida anualmente, durante os ano de 2023 a 2026, como contrapartida da organização por aquela do festival “...”;
B) Crédito esse de que a 1ª requerida era titular desde a data da celebração do referido protocolo (celebrado em maio de 2022), perfeitamente determinado quanto ao seu objecto e sujeitos, e apenas dependente da prestação dos serviços de organização do referido festival, vencendo-se nas datas e condições definidas em tal protocolo, a saber, 70% da verba anual aprovada 90 dias antes da realização do festival e os restantes 30% até 7 dias depois da realização do mesmo;
C) Como qualquer crédito, também este, derivando de um contrato sinalagmático, estava dependente de uma prestação da 1ª requerida. Em momento algum se presumiu que se tratava de um crédito gratuito, oferecido pelo município sem qualquer contrapartida, mas antes de uma obrigação, assumida pela cedente que teria o crédito como contrapartida;
D) Nenhum facto da matéria indiciada permite concluir que a sociedade cedente já se encontrava impossibilitada de cumprir o protocolo, à data da cessão da posição contratual, contrariamente ao referido na sentença;
E) Com a cessão da posição contratual de que a 1ª requerida era titular em resultado do protocolo celebrado com a 3ª requerida, para a 2ª requerida, todos os seus direitos (e obrigações), designadamente de crédito, foram transmitidos para a 2ª requerida (inclusive sem o recebimento de qualquer contrapartida financeira ou outra);
F) Resultando a prova inequívoca do esvaziamento do património penhorável da 1ª requerida do facto da execução judicial proposta pela ora recorrente contra a 1ª requerida, para a cobrança coerciva do seu crédito, ter sido extinta por inexistência de património penhorável da 1ª requerida;
G) A providência cautelar decretada não deveria ter sido revogada, visto que nenhum facto indiciado, com relevância para a demonstração dos requisitos de que depende o decretamento do arresto, foi alterado em função da prova produzida pela recorrida, conforme, aliás, resulta do confronto entre os factos julgados indiciados na decisão que decretou o arresto e a sentença “a quo”, que a revogou.
Pede:
Termos em que, pelos fundamentos expostos, deve o presente recurso ser julgado procedente e por via disso, ser revogada a sentença que revogou a providência cautelar decretada, mantendo-se a mesma em vigor. * Pela requerida C...-Unipessoal, Lda foram apresentadas contra-alegações sem conclusões que, por reduzidas, se reproduzem:
1. No que respeita ao efeito do recurso, tratando-se de decisão proferida nos termos do art 372º do CP Civil, o recurso deve ser recebido com efeito devolutivo - cfr, entre vários, acórdão do TR Porto, de 24.02.25 https:// www.dgsi.pt/ jtrp.nsf/ 56a6e 7121657 f91e80257cda00381fdf/bfe7a62544d8a71480258c46003f05f4?Opendocument
2. Aliás, a Rte tinha a faculdade de requerer expressamente o efeito suspensivo, nos termos do art. 647º, nº 4 e não o fez.
3. No demais, entende a Rda que o recurso improcede totalmente.
4. O exercício do contraditório permitiu ao Tribunal perceber a natureza e a realidade do contrato entre a Câmara Municipal ... e a promotora do festival, a sociedade B....
5. E perceber que o crédito objeto do pedido de arresto não existia como tal no momento da transmissão.
6. Em momento algum isso é infirmado pelos factos indiciados, ao contrário do alegado pela Rte.
7. Pelo contrário, o facto indiciado 11 deixa claro que o pagamento está dependente da efetiva realização do festival e que será devido ao promotor “na justa medida em que este seja realizado”.
8. É esta a base da fundamentação da decisão tomada, perfeitamente alinhada com a matéria de facto indiciada.
9. A Rte agarra-se a uma consideração complementar que a douta sentença faz: “ Em rigor, não se transmitiu sequer um crédito eventual, porquanto a sua constituição dependia da realização efetiva da prestação, que a sociedade cedente já se encontrava impossibilitada de cumprir.”
10.Para atacar a parte final: “nada na matéria indiciada permite extrair tal conclusão”.
11.Esquecendo que o relevante da frase é a parte inicial: “não se transmitiu sequer um crédito eventual, porquanto a sua constituição dependia da realização efetiva da prestação”, o que está perfeitamente alinhado com o teor dos factos indiciados.
12.Aliás, a douta sentença explica claramente a consideração que faz sobre o acrescento dado ao facto indiciado 12: “Partindo precisamente da conclusão acima enunciada e ora dada por indiciada, o crédito anual emergente do protocolo com o Município ... apenas existe se e na justa medida em que o organizador do Festival o realize.”
13.“Mas, repete-se, realiza esse pagamento na justa medida em que a entidade que percebe a comparticipação cumpra as suas atribuições protocoladas, caso contrário, mais não se trataria que uma inusitada e injustificada liberalidade avulsa a favor de um privado.”
14.Falece assim a alegação da Rte que, pensando que ainda está na fase processual em que não havia contraditório, sustenta candidamente que o crédito era “apenas dependente da prestação dos serviços de organização do referido festival”.
15.Não havia, portanto, qualquer património penhorável na posição contratual que foi cedida.
16.Pelo que não se verificam os pressupostos legais da impugnação pauliana.
Pede-se:
Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA * Foi proferido despacho de admissão do recurso:
«Nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, foi interposto recurso da decisão final proferida que indeferiu o decretamento da providência requerida e determinou o levantamento do arresto, bem como apresentadas as competentes contra-alegações.
O recurso foi apresentado dentro do prazo legal, por mandatário habilitado, e encontra-se instruído com as alegações e conclusões exigidas.
Considerando que a decisão é recorrível por apelação, por força do disposto no artigo 372.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, e atendendo à ausência de óbice legal absoluto à interposição do recurso, admito o recurso com subida imediata nos próprios autos, com efeito devolutivo, nos termos do disposto no artigo 647.º, n.ºs 2 e 3 a contrario do CPC (com apoio no acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO de 24/02/2025, proc. n.º 437/24.0T8SJM.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Notifique e oportunamente remeta ao Venerando TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO.» * II. O tribunal a quo, após a inquirição da testemunhas arroladas e sem prévio contraditório, por decisão de 6.6.25, julgou indiciada a seguinte factualidade:
1. No âmbito da sua atividade, por solicitação da 1.ª requerida, B..., Lda., a requerente A..., Lda. alugou-lhe equipamentos audiovisuais, para o Festival ..., que decorreu de 3 a 5 de agosto de 2023, no valor total de € 46.457,10; 2. A 1.ª requerida procedeu apenas ao pagamento parcial de tal quantia, permanecendo por liquidar à requerente o montante de € 23.228,55; 3. A requerente propôs procedimento de injunção cujo processo correu termos pelo Balcão Nacional de Injunções, sob o n.º 113098/23.8YIPRT, ao qual, no dia 12.04.2024, foi conferida força executiva, mediante aposição de fórmula executória, sobre a quantia aí peticionada de € 25.881,84; 4. Posteriormente, propôs ação executiva para cobrança daquele valor, a qual foi distribuída ao Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, sob o nº 7626/24.5T8PRT; 5. No dia 21 de julho de 2024 a agente de execução nomeada, AA, procedeu à notificação da 3.ª requerida, Município ..., com vista à penhora do crédito de que a 1.ª requerida (executada) seria titular relativamente à organização do supra referido Festival ..., que iria decorrer em Agosto de 2024; 6. A referida ação executiva foi declarada extinta por falta de bens da 1.ª requerida, no dia 02 de fevereiro 2025; 7. No dia 06 de junho de 2024 a B..., Lda. havia cedido a sua posição contratual à empresa C... – Unipessoal, Lda., no âmbito do Protocolo relativo ao Festival ..., a título gratuito; 8. Tal protocolo destinou-se à organização do referido evento nos anos de 2023 a 2026; 9. BB e CC são sócios da 1.ª requerida; 10. A 2.ª requerida, foi constituída em 27 de maio de 2024, tendo como único sócio CC, que também é sócio da 1.ª requerida; 11. A constituição da sociedade C... (2.ª requerida) teve como intuito transferir para si o crédito de que a B... (1.ª requerida) era titular relativamente ao Município ..., que constituía o único bem ou direito suscetível de penhora da 1.ª requerida, frustrando, desta forma, a possibilidade da aqui requerente obter o pagamento do seu crédito, no âmbito da execução judicial acima referida; 12. A realização do referido festival neste ano de 2025, decorrerá entre os dias 31 de julho e 3 de agosto; 13. Está previsto o pagamento de 70% da verba anual aprovada 90 dias antes da realização do festival e os restantes 30% até 7 dias depois da realização do mesmo. * Na sequência de audiência final, por decisão de 5.9.25, deu-se como indiciariamente assentes os seguintes factos:
1. No âmbito da sua atividade, por solicitação da 1.ª requerida, B..., Lda., a requerente A..., Lda. alugou-lhe equipamentos audiovisuais, para o Festival ..., que decorreu de 3 a 5 de agosto de 2023, no valor total de € 46.457,10; 2. A 1.ª requerida procedeu apenas ao pagamento parcial de tal quantia, permanecendo por liquidar à requerente o montante de € 23.228,55; 3. A requerente propôs procedimento de injunção cujo processo correu termos pelo Balcão Nacional de Injunções, sob o n.º 113098/23.8YIPRT, ao qual, no dia 12.04.2024, foi conferida força executiva, mediante aposição de fórmula executória, sobre a quantia aí peticionada de € 25.881,84; 4. Posteriormente, propôs ação executiva para cobrança daquele valor, a qual foi distribuída ao Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, sob o nº 7626/24.5T8PRT; 5. No dia 21 de julho de 2024 a agente de execução nomeada, AA, procedeu à notificação da 3.ª requerida, Município ..., com vista à penhora do crédito de que a 1.ª requerida (executada) seria titular relativamente à organização do supra referido Festival ..., que iria decorrer em Agosto de 2024; 6. A referida ação executiva foi declarada extinta por falta de bens da 1.ª requerida, no dia 02 de fevereiro 2025; 7. No dia 06 de junho de 2024 a B..., Lda. havia cedido a sua posição contratual à empresa C... – Unipessoal, Lda., no âmbito do Protocolo relativo ao Festival ..., a título gratuito; 8. Tal protocolo foi realizado em maio de 2022 e destinou-se à organização do referido evento nos anos de 2023 a 2026; 9. BB e CC são sócios da 1.ª requerida; 10. A 2.ª requerida, foi constituída em 27 de maio de 2024, tendo como único sócio CC, que também é sócio da 1.ª requerida; 11. Está previsto o pagamento de 70% da verba anual aprovada 90 dias antes da realização do festival e os restantes 30% até 7 dias depois da realização do mesmo à entidade incumbida da realização do festival e na justa medida em que este seja realizado; 12. Por conta da realização do Festival no ano de 2024, o Município ... pagou à B... o valor correspondente aos 70% protocolados. * E deu como não indiciariamente assente o seguinte:
A. A constituição da sociedade C... (2.ª requerida) teve como intuito transferir para si o crédito de que a B... (1.ª requerida) era titular relativamente ao Município ..., que constituía o único bem ou direito suscetível de penhora da 1.ª requerida, frustrando, desta forma, a possibilidade da aqui requerente obter o pagamento do seu crédito, no âmbito da execução judicial acima referida. ** III. É consabido que resulta dos arts.635º, n.ºs 3 a 5 e 639º, n.ºs1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[1], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar se estão verificados os pressupostos necessários ao decretamento da providência requerida, concretamente o justo receio. * Dizer ante de mais que, da decisão proferida no dia 6.6.25 a decisão posta em crise (de 5.9.25) manteve indiciariamente assentes os factos naquela constantes sob os pontos 1 a 10[2] (com a mesma numeração), e 13 (agora sob o ponto 11, e com a adscrição que se referirá).
O facto identificado sob o ponto 11 da decisão proferida a 6.6.25 foi remetido pela decisão 5.9.25 para os factos indiciariamente não assentes sob a A.
O facto constante do ponto 12 da decisão de 6.6.25 foi pela decisão ulterior desconsiderado.
Ao citado facto 13, que se manteve na decisão de 5.9.25, agora sob o ponto 13, fez-se acrescer o seguinte segmento: «à entidade incumbida da realização do festival e na justa medida em que este seja realizado.»
Na decisão de 5.9.25 face à anterior fez-se ainda acrescer como indiciariamente assente e sob o ponto 12 o seguinte facto: «Por conta da realização do Festival no ano de 2024, o Município ... pagou à B... o valor correspondente aos 70% protocolados.»
Veja-se o alinhamento feito pelo tribunal a quo: «Nessa medida, importa essencialmente destacar as diferenças – de resto, pontuais – de ambos os juízos proferidos (o do decretamento e o vertente), pois que – em rigor – se replicam os factos indiciados da decisão que antecede nos autos (portanto, não contendendo a prova subsequentemente produzida com o juízo ali realizado e que, assim, aqui se tem por reproduzido), exceção feita: a. à menção inovadora à data da celebração do protocolo (cf. facto 8), a qual resulta da análise concatenada dos documentos camarários e que não merece qual reserva dos intervenientes processuais ou é infirmado por qualquer outro elemento probatório; b. ao facto do pagamento ser devido à entidade incumbida da realização do festival e na justa medida em que este seja realizado (cf. facto 12); c. ao novel facto 13 a qual resulta da análise, em especial, do teor da Cláusula 1.ª, n.º 3 do acordo de cessão da posição contratual e que não merece qualquer reserva dos intervenientes processuais ou é infirmado por qualquer outro elemento probatório; d. à circunstância de, na presente decisão, um dos factos ter passado a ser tido por não indiciado. Merecem nota adicional o facto 12 e o facto não indiciado.»
Decorre do recurso que não é posta em causa a matéria de facto apurada pelo tribunal a quo.
Por assim ocorrer é com ela, com a factualidade considerada indiciariamente assente pela decisão proferida após audiência final, que se «laborará».
Tem o seguinte teor a decisão recorrida:
«(….) i. Da probabilidade da existência do direito de crédito Da factualidade indiciada resulta suficientemente fundada a probabilidade séria da existência do crédito invocado pela Requerente. Com efeito, trata-se de um crédito titulado por requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, o que lhe confere força executiva, satisfazendo o requisito do fumus boni iuris exigido para a procedência da providência cautelar.
ii. Do justificado receio de perda de garantia patrimonial Cumpre agora apreciar se se encontra verificado o pressuposto do fundado receio de dissipação do património que possa responder pelo crédito, tal como exigido pelo artigo 392.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, estando em causa o arresto de direitos transmitidos a terceiro. Abreviando razões, no caso em apreço não se provou a existência de qualquer ato de disposição patrimonial. Antes, tem-se somente por verificada a cessão de certa posição contratual, traduzida na transmissão da incumbência de organizar determinado festival e de, nessa medida, poder receber a correspondente comparticipação municipal. Em rigor, não se transmitiu sequer um crédito eventual, porquanto a sua constituição dependia da realização efetiva da prestação, que a sociedade cedente já se encontrava impossibilitada de cumprir. Numa palavra: a cedente não era, nem tinha possibilidade de vir a ser, credora do Município. O que desapareceu não foi património, mas apenas a posição contratual correspondente ao “lugar” de organizador do festival, cuja execução exigia capacidade e meios que a cedente já não dispunha. Assim, não se demonstrando qualquer diminuição do acervo patrimonial da cedente, não se verifica o pressuposto do fundado receio da perda de garantia patrimonial.
iii. Dos pressupostos da impugnação pauliana Quando o arresto é requerido como preliminar de ação de impugnação pauliana, nos termos do artigo 619.º, n.º 2 do Código Civil e do artigo 392.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, cabe ao requerente alegar factos que tornem provável a procedência da ação. A intervenção do adquirente prende-se com a tutela do credor contra atos de transmissão de bens que possam frustrar a sua garantia patrimonial, sob pena de a ação de impugnação se revelar inútil se não for assegurada a apreensão prévia do bem transmitido. O artigo 610.º, alínea b), do Código Civil exige que o ato impugnado torne impossível ao credor a satisfação integral do seu crédito ou agrave essa impossibilidade. Ou seja, pressupõe-se já a verificação de um perigo de perda da garantia patrimonial. No entanto, da factualidade apurada resulta claro que não ocorreu qualquer ato suscetível de integrar tal requisito. Não houve cessão de créditos, nem disposição de bens ou direitos patrimoniais, mas apenas a transmissão da posição contratual de organizador de um festival. No limite, ainda que, por absurdo, se revertesse essa cessão por efeito dos mecanismos processuais ora desencadeados e ainda a desencadear, o efeito prático seria apenas devolver à cedente a incumbência de organizar o festival que não tinha condições de realizar. Nenhum incremento patrimonial daí resultaria, pois o que estaria em causa não seria um bem, mas um encargo que a cedente não podia (ou não queria, legitimamente) assumir. Reduzindo a questão ao seu núcleo essencial: admitir a impugnação pauliana e o arresto nos presentes autos equivaleria a utilizá-los para obrigar uma sociedade a organizar um festival, com vista a criar artificialmente a possibilidade de formação de um crédito. Tal não corresponde à função da providência cautelar nem ao escopo da impugnação pauliana, que visam tutelar a garantia patrimonial do credor e não obrigar um devedor a gerar ativos que nunca existiram.»
Não encontramos fundamentos para discordar da decisão, no sentido de entender-se, como pretendido pela apelante, que foi transferido acervo patrimonial para a 2ª requerida que compromete a garantia patrimonial do seu crédito.
Bem pelo contrário.
De facto, se liminarmente se poderia defender o que se defendeu no acórdão oportunamente proferido, ou seja, que com a factualidade alegada e/ou outra que lhe acrescesse na sequência de convite para o efeito, o arresto teria potencialmente «pernas para andar»[3], nesta sede, com os factos apurados, o que deles se retira é que não foi transferida para a 2ª requerida qualquer crédito previamente constituído, destarte envolvendo isso a diminuição da garantia patrimonial da requerente, por conseguinte não sendo expectável a procedência da projectada impugnação pauliana[4]/[5].
Na verdade, não se perscruta da matéria de facto o quer que seja que permita concluir que se tenha sido transferida para a 2ª requerida pela 1ª qualquer crédito «apendiculado» à cessão contratual que ocorreu entre ambas[6].
Releva esta circunstância na medida em que, pressuposto da impugnação pauliana é, desde logo, a prática de um acto do devedor que envolva a diminuição da garantia patrimonial, entre os quais os actos de alienação de bens ou de transmissão de direitos, destacando-se os direitos de crédito, bem como a renúncia a direitos existentes no seu património. – art.º610.º e 612.º do CC[7].
Com a citada cessão da posição contratual assinalada na matéria de facto não resulta qualquer crédito consolidado e que não dependa da contribuição sinalagmática da 2ª requerida.
Veja-se o que se relevou como indiciariamente assente sob o ponto 11: «Está previsto o pagamento de 70% da verba anual aprovada 90 dias antes da realização do festival e os restantes 30% até 7 dias depois da realização do mesmo à entidade incumbida da realização do festival e na justa medida em que este seja realizado.»
Ou seja, o crédito em causa, a existir, terá a sua génese em actividade sinalagmática da 2ª requerida, o mesmo é dizer que, determinado o arresto, estaria a sua existência dependente da iniciativa desta, que, antolha-se, seria omitida.
Fica, pois, por demonstrar a diminuição do acervo patrimonial da cedente, desta sorte não se verificando o pressuposto do fundado receio da perda de garantia patrimonial exigida à procedência do arresto, outrossim a prova sumária dos pressupostos da própria impugnação pauliana (art.º619.º, n.º 2 do CC e art.º 392.º, n.º 2 do CPC).
Conclui-se, pois, como o fez a sentença:
«(…) no caso em apreço não se provou a existência de qualquer ato de disposição patrimonial.
Antes, tem-se somente por verificada a cessão de certa posição contratual, traduzida na transmissão da incumbência de organizar determinado festival e de, nessa medida, poder receber a correspondente comparticipação municipal.
Em rigor, não se transmitiu sequer um crédito eventual, porquanto a sua constituição dependia da realização efetiva da prestação, que a sociedade cedente já se encontrava impossibilitada de cumprir.
(….)
O que desapareceu não foi património, mas apenas a posição contratual correspondente ao “lugar” de organizador do festival, cuja execução exigia capacidade e meios que a cedente já não dispunha.
Assim, não se demonstrando qualquer diminuição do acervo patrimonial da cedente, não se verifica o pressuposto do fundado receio da perda de garantia patrimonial.»
E mais à frente:
O artigo 610.º, alínea b), do Código Civil exige que o ato impugnado torne impossível ao credor a satisfação integral do seu crédito ou agrave essa impossibilidade. Ou seja, pressupõe-se já a verificação de um perigo de perda da garantia patrimonial.
No entanto, da factualidade apurada resulta claro que não ocorreu qualquer ato suscetível de integrar tal requisito. Não houve cessão de créditos, nem disposição de bens ou direitos patrimoniais, mas apenas a transmissão da posição contratual de organizador de um festival.
No limite, ainda que, por absurdo, se revertesse essa cessão por efeito dos mecanismos processuais ora desencadeados e ainda a desencadear, o efeito prático seria apenas devolver à cedente a incumbência de organizar o festival que não tinha condições de realizar.
Nenhum incremento patrimonial daí resultaria, pois o que estaria em causa não seria um bem, mas um encargo que a cedente não podia (ou não queria, legitimamente) assumir.»
Em face do exposto é de justiça manter a decisão. * IV. Pelo exposto, dando-se como não provido o recurso, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante. ** Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Carlos Cunha Rodrigues Carvalho Judite Pires Álvaro Monteiro ________________ [1] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.» - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - «[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.» - in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - «[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.» - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418. [2] Ao ponto 8 fez-se acrescer a data da celebração do protocolo. [3] Assim se tendo ordenado o prosseguimento da p.c. para, produzida a prova, se decidir em conformidade. [4] Impugnação pauliana que permite ao credor que o acto do devedor de natureza não pessoal, que se repercutiu na diminuição do respectivo património, quer seja o mesmo lícito e válido ou seja nulo, se torne ineficaz relativamente a si, permitindo-se-lhe a satisfação do respectivo crédito através da execução do bem, já titulado na pessoa do adquirente ou do subadquirente, ou executando o património destes. [5] Este aspecto é no quadro da presente providência de especial relevo visto que quando o arresto é requerido como preliminar de ação de impugnação pauliana, nos termos do artigo 619.º, n.º 2 do Código Civil e do artigo 392.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, cabe ao requerente alegar factos que tornem provável a procedência da ação. Sendo a p.c. preliminar à impugnação pauliana «(….) exige-se complementarmente a alegação e prova sumária dos pressupostos da própria impugnação pauliana, como fator de credibilidade e de seriedade da pretensão. (…) – António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, cpc anotado, 3ª ed., V. I, p506, nota 6. [6] Factos indiciariamente assentes: 7. No dia 06 de junho de 2024 a B..., Lda. havia cedido a sua posição contratual à empresa C... – Unipessoal, Lda., no âmbito do Protocolo relativo ao Festival ..., a título gratuito. / 8. Tal protocolo foi realizado em maio de 2022 e destinou-se à organização do referido evento nos anos de 2023 a 2026. [7] Ac. da RG de 2.9.17, proc.162/10.9TBAVV.G1: «I) - Os pressupostos da acção de impugnação pauliana, tal como resultam dos artºs 610º e 612º do Código Civil, são: a existência de um crédito; a anterioridade desse crédito em relação ao acto impugnado, ou sendo posterior, que o acto tenha sido praticado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente; que do acto resulte a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade. II) - Nos actos gratuitos não se exige a má-fé, porque são, por natureza, prejudiciais para os credores. III) - Os actos abrangidos pela impugnação pauliana são todos os actos do devedor que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito, entre os quais se destacam os actos de alienação de bens ou de transmissão de direitos, bem como a renúncia a direitos existentes no seu património.» |