Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1784/21.8T8LOU-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
EXECUÇÃO
TERCEIRO ADQUIRENTE
REGISTO PREDIAL
Nº do Documento: RP202502241784/21.8T8LOU-C.P1
Data do Acordão: 02/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Decorrente do seu regime substantivo, a impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial destinado a permitir aos credores reagirem contra atuações jurídicas do devedor que, pelo efeito que produzem no seu passivo ou no seu ativo, envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito.
II - Sendo essa a razão de ser do instituto, compreende-se que a reação dos credores seja admissível quer em relação à primeira alienação realizada pelo devedor (artigos 610.º a 612.º do CCivil), quer em relação a alienações subsequentes efetuadas pelo adquirente dos bens (artigo 613.º do mesmo compêndio normativo) constituindo, pois, uma ação específica destinada à impugnação desses atos, sendo de registar, neste conspecto, que os mesmos não enfermam, propriamente, de um qualquer vício genético sendo, em si, totalmente válidos e eficazes, embora padeçam de uma ineficácia relativa em relação ao credor impugnante, na medida em que os bens transmitidos pelo devedor continuam a responder pelas suas dívidas.
III - A execução pode ser promovida pelo credor contra o terceiro adquirente do bem que se pretende penhorar, quando a aquisição do mesmo por este tenha sido objeto de ação de impugnação pauliana julgada procedente nos termos conjugados dos artigos 616.º, n.º 1, 818.º, 2.ª parte, do CCivil e 735.º, n.º 2, do CPCivil.
IV- Em relação aos devedores, tem o credor que demonstrar que possui título executivo relativamente aos montantes em dívida, ainda que na ação pauliana se apure da existência do crédito do impugnante (cf. artigos 610.° alínea a) e 611.º do CCivil).
V - Tendo as transmissões posteriores sido efetuadas após a sentença de impugnação e antes de instaurada a ação executiva, o terceiro subadquirente pode ser executado diretamente caso a primitiva ação de impugnação tenha sido sujeita a registo predial [cf. art.º 3º nº 1 al. a) do CRP], já que a sentença produz também efeitos contra ele, ainda que não tenha intervindo no processo, ao abrigo do art.º 263.º, nº 3 do CPCivil.
VI - A penhora, no âmbito da execução da sentença de impugnação pauliana e quanto ao terceiro adquirente está limitada aos bens que foram objeto do ato impugnado, não podendo ser penhorados outros bens para além desses. Na procedência da ação pauliana, ao credor apenas é reconhecido o direito de poderem executar os bens vendidos na medida necessária à satisfação do seu crédito, no património dos adquirentes (terceiros) e a impugnação pauliana não tem o efeito de fazer retornar os bens à esfera jurídica do alienante.
VII - Se após o julgamento, com êxito, da ação pauliana os bens objeto de impugnação (parcelas de terreno destinas à construção) forem depois permutadas cabendo ao primitivo adquirente duas frações de prédio urbano a erigir nas mencionadas parcelas de terreno, não podem estas ser objeto de penhora no âmbito da execução da sentença de impugnação, quando o referido negócio (permuta) não foi impugnado e o subadquirente não é parte na ação executiva nem a ação de impugnação foi registada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1784/21.8T8LOU.P1-Apelação

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo de Execução de Lousada- J1

Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr.ª Maria Fernandes de Almeida
2º Adjunto Des. Dr. Carlos Gil

5ª Secção


Sumário:
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I - RELATÓRIO

AA, com residência na Avenida ..., ... instaurou execução de sentença para pagamento de quantia certa contra BB, residente na Rua ..., ..., A..., S.A., com sede na Rua ..., ... e B..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ... ....
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Apresenta como título executivo a sentença datada de 13/07//2020 com a seguinte parte dispositiva:
“Nos termos expostos, julga-se a ação procedente, por provada, pelo que se determina a ineficácia do ato de alienação pelo 1º Réu, mediante entrada em espécie no capital social da 2ª Ré, de metade indivisa de um prédio urbano, parcela de terreno destinada a construção, sito no Lugar ..., Travessa ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...60 e de metade indivisa de um prédio urbano, parcela de terreno destinada a construção, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número ..., na qual, pela AP. ...61 de 2018/06/14, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...30, autorizando-se a execução respetiva na medida em que tal execução se mostre necessária para assegurar ao Autor o pagamento de 100.000 EUR, conforme decisão proferida nos autos melhor identificados em A).”
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Em 13/05/2024 o exequente veio nomear à penhora/expectativa de aquisição dos seguintes bens:
1. - A fração autónoma do tipo T3 situada no segundo piso do prédio construído em regime de propriedade horizontal, correspondente à letra “B” do prédio sito no Lugar ..., na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., com área de 1620 metros quadrados, descrito na CRP de Paços de Ferreira sob o nº ...67, registado a favor de C..., Lda. pela AP. ...38 de 28/9/2018, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...30, com VP de €70776, 34, e
2. - A fração autónoma do tipo T2 situada no segundo piso do prédio construído em propriedade horizontal correspondente à letra “E” ou “C” ou “G” do prédio sito no Lugar ..., na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., com área de 1620 metros quadrados, descrito na CRP de Paços de Ferreira sob o nº ...67, registado a favor de C..., Lda. pela AP. ...38 de 28/9/2018, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...30, com VP de €70776, 34. ui30Conclusos os autos foi lavrado despacho que rejeitou liminarmente a execução.
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Alegou para o efeito que a executada A..., S.A., em resultado do contrato de permuta com eficácia real que celebrou com a C..., Lda. e da construção efetiva e realizada de moradias no prédio dado em permuta, a saber lote ...3..., descrito na C. R. Predial sob o nº ...67, ..., detém, desde a data da constituição da propriedade horizontal, o direito de propriedade das duas frações autónomas naquele prédio acima identificadas.
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Sobre o assim requerido foi exarado o seguinte despacho:
“Indefere-se a penhora dos bens indicados pelo exequente nos seus requerimentos de 13 de maio de 2024 (refª: 48890644), 15 de maio de 2024 (refª: 48908615) e 28 de maio de 2024 (refª: 49050209), pois insuficiência de titulo executivo para tal.
Com efeito o exequente não deu à execução a decisão do Tribunal da Relação do Porto de 11/04/2019 no qual foi BB condenado a:
- reconhecer a resolução do contrato-promessa de permuta por impossibilidade de cumprimento imputável á sociedade "D..., Lda";
- reconhecer a sua responsabilidade solidária pelo dito incumprimento e resolução do contrato;
- pagar ao Autor (naqueles e nestes autos) a quantia de 100.000 euros.
Apenas dá à execução a sentença de impugnação pauliana onde se provou que o BB transmitiu ½ indiviso do direito de propriedade sobre duas parcelas de terreno, uma da qual está integrada no prédio urbano identificado já nesta execução, ou seja, o prédio rústico identificado já nesta execução, ou seja, o prédio rústico denominado de parcela de terreno destinada a construção, lote ...3... construção, lote ...3..., descrito na competente Conservatória sob o nº ...67, da freguesia ..., Concelho ... e inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...30.
Na sentença foi decretada a ineficácia em relação ao Exequente da transmissão do referido ½ indiviso do direito de propriedade de cada um desses terrenos.
O direito do Exequente é apenas o de executar esse ½ indiviso sobre o sobre o direito de propriedade de cada um dos terrenos e nada mais.
Nestes termos, indefere-se o pedido do exequente para a penhora de outros bens, designadamente as indicadas expectativas de aquisição, e dada a procedência dos embargos de executado, mantem-se a decisão do Agente de Execução de extinção da execução quanto à executada”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o exequente interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho refª 95754032, de 01/07/2024 que julgou indeferir a penhora dos bens indicados pelo exequente AA nos seus requerimentos de 13 de maio de 2024 (refª: 48890644), 15 de maio de 2024 (refª: 48908615) e 28 de maio de 2024 (refª: 49050209), por “insuficiência de titulo executivo para tal”.
2. O despacho recorrido padece de nulidade, por violação dos limites do caso julgado material aplicável à decisão de embargos (arts. 615º/1 e) e 619º, 620º, 621º C.P.C.), por violação grosseira das regras civis e processuais civis, a saber 342º, 735º/2, 747º, 750º, 751º/5 c), 752º/2, 778º, 781º/2 todos do C.P.C. e 408º/1 ex vi 939º, 616º e 617º, 818º do C. Civil e por vício de excesso de pronúncia;
3. O procedimento de embargos do executado lançado pela executada C.... Lda., (e não, pela A..., S.A.) julgado procedente pelo STJ (em razão de considerar não existir título formal contra aquela dita executada/embargante, por entender que a ação pauliana não havia sido intentada contra aquela sociedade, mas apenas contra as pessoas singulares que, posteriormente, a constituíram) tem, necessariamente e por consequência, a extinção da execução apenas quanto a esta C..., Lda..
4. Em nenhum momento, a execução pode ser extinta em relação a BB e a A..., S.A.. Assente esse facto, a sentença dada à execução produz efeitos quanto àquela A..., S.A.,
5. Mais a mais, porquanto da sentença proferida em sede de ação de impugnação pauliana resulta, não só o reconhecimento do crédito do exequente sobre o devedor, mas também que esse crédito consta de uma outra sentença condenatória, a qual constitui, por sua vez, título executivo nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do C.P.C., e contem, então, os requisitos de exequibilidade necessários à determinação dos limites objetivos e subjetivos da pretensão executiva a deduzir contra o terceiro adquirente do bem a penhorar no respetivo património, nos termos conjugados dos artigos 616.º, n.º 1, e 818.º, 2.ª parte. do CC e dos artigos 10.º, n.º 5, e 735.º, n.º 2, do C.P.C.-cf., neste sentido, Acórdão do STJ de 13/05/2021 (Processo: 2215/16.0T8OER A.L1.S3).
6. Assente esse facto, a sentença dada à execução continua a produzir efeitos quanto àqueles dois executados (BB e A..., S.A.), devendo a mesma prosseguir os seus termos, penhorando-se os bens que existam ou venham a existir na titularidade destes dois executados.
7. Na ação pauliana, a sentença de procedência não afeta a validade do negócio, mantendo-se a transmissão do bem, embora facultando ao credor impugnante o direito de se fazer pagar pelo produto de tal bem, como se ele ainda fizesse parte do património do alienante–Acórdão Relação de Coimbra de 5/4/2022 (P. 7614/05.0TBLA-B.C1, Relator: MARIA JOÃO AREIAS).
8. Na sentença dada à execução, a A..., S.A. foi condenada a reconhecer e a suportar as consequências da declaração de ineficácia (em relação ao exequente AA) da transmissão operada por BB àquela A..., S.A. de duas metades indivisas de dois prédios ali devidamente identificados, uma delas, em particular, integrada no prédio urbano identificado já nesta execução, ou seja, parcela de terreno destinada a construção, lote ...3..., descrito na competente Conservatória sob o nº ...67, da freguesia ..., Concelho ... e inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...30.
9. Constam sinais nos autos que, depois da referida declaração de ineficácia, a A..., S.A.–que reuniu, em sua propriedade, as duas metades indivisas no mesmo (e referido) prédio-, o transmitiu posteriormente àquela declaração de ineficácia, por contrato de permuta, nos termos do qual adquiriu o direito a duas (2) frações autónomas ali devidamente discriminadas, as quais, na data da outorga do contrato, ainda iam ser construídas mas que, à presente data, já se encontram construídas e registadas em regime de propriedade horizontal.
10. Conforme consta dos autos, a executada A..., S.A., em resultado do contrato de permuta (e não, contrato promessa) que celebrou com a C..., Lda. e da construção, efetiva e já acabada, de moradias no prédio dado em permuta, a saber lote ...3..., descrito na C. R. Predial sob o nº ...67, detém, desde a data da constituição da propriedade horizontal, o direito de propriedade de duas frações autónomas naquele prédio–cfr. contrato permuta (doc. 1 junto com requerimento refª 48763081, de 30/04/2024) e descrição predial das frações (docs. 1 a 4 juntos com requerimento exequente refª 48890644, de 13/5/2024).
11. Na verdade, conforme dispõe o acórdão da Relação de Coimbra de 11/03/2014 (Relator Carvalho Martins, P. 1483/11.9TBVIS.C1, in www.dgsi.pt), “Na permuta de um terreno por frações autónomas de edifício a construir nesse terreno, o direito de propriedade do terreno transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeito do contrato de permuta. A transferência do direito de propriedade relativo às frações autónomas do edifício a construir (bens futuros) para os permutantes adquirentes também se dá por efeito direto do mesmo contrato de permuta, mas esse efeito apenas se produz após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que individualiza e confere autonomia jurídica a essas frações.”.
12. O presente pedido de penhora de duas (2) frações da propriedade da A..., S.A (por força da permuta) ou, salvo outro entendimento, da expectativa de aquisição de duas frações por parte da A..., S.A. é absolutamente legítimo atento o inevitável prosseguimento da execução contra aquela.
13. Ainda que se considere que, em virtude da permuta, existe apenas uma expectativa de aquisição de duas frações por parte da executada A..., S.A., a mesma é registável (art.2º, nº1, al. n), do C. R. Predial) e realiza-se com a notificação à contraparte contratual (C..., Lda.), de que, por via da penhora, a expectativa de aquisição de um bem ou do direito sobre um bem fica à ordem do agente de execução (art.º 856º, n.º 1 do CPC) e, uma vez consumada a aquisição, a penhora passa a incidir automaticamente sobre o bem transmitido, convertendo-se aquele registo, oficiosamente, em registo da penhora do próprio bem transmitido, uma vez efetuado o registo daquela aquisição.
14. Acresce que, extinta a execução sobre a C..., Lda. e levantada a penhora inicial é admitido ao exequente indicar novo bem à penhora e/ou substituir o bem inicialmente indicado, sem prejuízo da data em que a penhora foi registada.
15. Em particular, no caso sub iudice em que se deu à execução uma sentença proferida em ação de impugnação pauliana.
16. Não é praticando atos ou negócios sucessivos sobre os bens cuja anterior transmissão foi declarada ineficaz que o direito do credor pode ser anulado pois, caso contrário, de nenhum efeito útil serviria quer a sentença de ação pauliana, quer a penhora.
17. A penhora e o direito de sequela que lhe está subjacente acompanha o bem e todas as suas evoluções ou transformações físicas ou jurídicas, pelo que a penhora se estende às frações construídas que, a esta data, e por força da permuta, são já da propriedade da executada A..., S.A.
18. Acresce que não cabe na competência deste Tribunal, nem no âmbito do objeto do processo executivo, a pronúncia sobre a natureza rústica ou urbana do prédio em crise.
19. A penhora e o direito de sequela que lhe está subjacente acompanha o bem e todas as suas evoluções ou transformações físicas ou jurídicas, pelo que a penhora se estende às frações construídas que, a esta data, e por força da permuta, são já da propriedade da executada (vide, Acórdãos Relação Lisboa de 29/4/2021, P.12592/15.5T8ALM-B.L2-2 Relator Jorge Leal e da Relação de Évora de 10/10/2019, P. 3300/15.1T8ENT-A.E1, Relator: Tomé Ramião).
20. Face ao princípio da indivisibilidade (arts. 691.º, n.º 1, al. c), e 696.º, do C. Civil ex vi art. 678º), a penhora que incide inicialmente sobre a parcela de terreno transmitida estende-se posteriormente à implantação física do imóvel no terreno e às respetivas frações prediais aquando a sua constituição em propriedade horizontal.
21. Por força do direito de sequela que assiste ao credor, a penhora mantém-se inerente ao imóvel e subsequentes frações prediais, apesar destas passarem para a esfera jurídica de terceiro que não é o devedor. A penhora garante a obrigação enquanto esta se não extinguir, quem quer que seja o devedor ou o titular do imóvel onerado, sendo inoponíveis à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados (art. 819º C. Civil).
22. A circunstância de uma das metades indivisas dos bens ter sido penhorada não prejudicaria nem condicionaria o exercício do direito da titular da outra metade indivisa, no limite, fazer cessar a indivisão, o que não o fez. Ponto é que a exercitação desse direito de divisão não contendesse com o direito do exequente/penhorante, sendo indefensável uma qualquer alteração da consistência ou subsistência da penhora em termos de que resulte diminuição das garantias do credor.
23. Razões pelas quais, deve o despacho recorrido ser julgado nulo por todos os motivos acima elencados, determinando-se, em consequência, a penhora dos bens indicados pelo exequente nos seus requerimentos de 13 de maio de 2024 (refª: 48890644), 15 de maio de 2024 (refª: 48908615) e 28 de maio de 2024 (refª: 49050209), ou seja, a penhora do direito de propriedade (ou, salvo melhor entendimento, da expectativa de aquisição do direito de propriedade) da executada A..., S.A. sobre:
1.A fração autónoma do tipo T3 situada no segundo piso do prédio construído em regime de propriedade horizontal, correspondente à letra “B” do prédio sito no Lugar ..., na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., com área de 1620 metros quadrados, descrito na CRP de Paços de Ferreira sob o nº ...67, registado a favor de C..., Lda. pela AP. ...38 de 28/9/2018, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...30, com VP de €70776, 34; e
2.A fração autónoma do tipo T2 situada no segundo piso do prédio construído em propriedade horizontal correspondente à letra “E” ou “C” ou “G” (apenas uma delas) do prédio sito no Lugar ..., na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., com área de 1620 metros quadrados, descrito na CRP de Paços de Ferreira sob o nº ...67, registado a favor de C..., Lda. pela AP. ...38 de 28/9/2018, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...30, com VP de €70776, 34.
24. Mediante registo com data da penhora inicial de 6 de agosto de 2021 (e simples notificação aos executados), mais se ordenando a respetiva apreensão pelo agente de execução para prosseguir com a venda das mesmas.
25. Assim impõem os concretos meios probatórios: a) contrato permuta (doc. 1 junto com requerimento refª 48763081, de 30/04/2024); b) descrição predial das frações (docs. 1 a 4 juntos com requerimento exequente refª 48890644, de 13/5/2024); c) certidão judicial (doc. 4 junta com requerimento refª48113202, dia 28.02.2024).
26. Mostram-se violados, entre outros, os artigos 342º, 615º/1 e) e 619º, 620º, 621º, 735º/2 747º, 750º, 751º/5 c), 752º/2, 778º, 781º/2 todos do C.P.C. e 408º/1 ex vi 939º, 616º e 617º, 818º do C. Civil, bem como, jurisprudência relevante na matéria.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se, no âmbito da execução, podia o exequente nomear à penhora as frações acima identificadas.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A materialidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede e ainda a seguinte:[1]
1º- O exequente deduziu execução para pagamento de quantia certa contra BB, A..., S.A. e B..., Unipessoal, Limitada, alegando o que consta do requerimento executivo de 23.06.2021, e peticionando o pagamento do seu crédito de € 100.00,00 pela venda dos bens envolvidos no negócio que foi declarado ineficaz em relação ao exequente pela sentença de impugnação pauliana apresentada à execução.
2º- Para o efeito, o exequente apresentou, como título executivo, a sentença proferida, em 13.07.2020, na ação de impugnação pauliana com o n.º 2623/19.5T8PNF, do juízo central cível de Penafiel-J2, a qual se mostra junta na execução, com o teor que aqui se dá por reproduzido, onde o ora exequente figura como autor e BB, A..., S.A., CC, DD, EE e FF figuram como 1º, 2º, 3º, 4º 5º e 6º réus, respetivamente.
3º- A ação de impugnação pauliana não foi registada na descrição predial dos imóveis referidos no dispositivo da sentença exequenda.
4º- Da descrição predial do imóvel descrito na CRPredial de Paços de Ferreira sob o n.º ...90 constam as seguintes inscrições relevantes:
a. Aquisição, por permuta, a favor de B..., Unipessoal, Lda.”, pela ap. ...22, de 21.01.2021, tendo A..., S.A. como sujeito passivo;
b. Penhora de um meio na execução apensa, pela ap. ...99, de 06.08.2021.
5º- Da descrição predial do imóvel descrito na CRPredial de Paços de Ferreira sob o nº ...67 constam as seguintes inscrições relevantes:
a. Aquisição, por permuta, a favor de B..., Unipessoal, Lda.”, pela ap. ...22, de 21.01.2021, tendo A..., S.A. como sujeito passivo;
b. Penhora de um meio na execução apensa, pela ap. ...99, de 06.08.2021.
6º- A..., S.A., na qualidade de primeira outorgante, e B..., Unipessoal, Lda., como segunda outorgante, outorgaram a escritura pública de permuta junta com o seguinte teor:


 


 


 


 

 


7º- Por acórdão do STJ devidamente transitado em julgado foi a exequente B..., Unipessoal, Lda., considerada parte ilegítima na execução com a sua consequente absolvição da instância.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que no recurso vem colocada:
a)- saber se, no âmbito da execução, podia o exequente nomear à penhora as frações acima identificadas.
Importa antes de avançarmos na análise da suprarreferida questão que, ao contrário do que refere o apelante, o despacho recorrido não refere que a execução se encontra extinta em relação à executada A..., S.A..
Na verdade, quando aí se refere: “(…) mantem-se a decisão do Agente de Execução de extinção da execução quanto à executada”, torna-se evidente que tal menção é por referência à então também executada, B..., Unipessoal, Lda. e que, por decisão transitada em julgada, foi considerada parte ilegítima para a execução.
Aliás, essa menção (“extinção da execução quanto à executada”), como facilmente se depreende, advém da circunstância de o apelante pretender que sejam penhoradas as frações objeto da permuta celebrada entre a executada A..., SA e B..., Unipessoal, Lda. (cf. ponto 6º da resenha dos factos provados).
Portanto, o despacho recorrido não enferma de qualquer das nulidades que constam da conclusão 2ª formulada pelo apelante.
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Isto disto, analisemos a questão supra enunciada.
Como é sabido, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CPCivil, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva.”
Estes limites tanto respeitam ao objeto da obrigação exequenda como aos respetivos sujeitos como decorre do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do CPCivil.
Por sua vez, os títulos executivos encontram-se taxativamente previstos no atual artigo 703.º, n.º 1, correspondente ao anterior artigo 46.º, n.º 1, do CPCivil, com destaque, no que aqui interessa, para a sentença, compreendendo a de condenação implícita.
No caso em apreço o título executivo é uma sentença proferida em 13/07/2020, em ação de impugnação pauliana, que julgou ineficaz um determinado ato de compra e venda de metade indivisa de 2 prédios urbanos.
Ora, a impugnação pauliana prevista e regulada nos artigos 610.º a 618.º do CCivil consiste num meio judicial através do qual é facultada ao credor a obtenção da declaração da ineficácia de negócio jurídico celebrado entre devedor e um terceiro, envolvendo a diminuição da garantia patrimonial daquele credor.
Em termos gerais, a ação pauliana traduz-se numa ação constitutivo-modificativa, posto que tem por fim operar a ineficácia, duplamente relativa, do negócio impugnado, mais precisamente quanto ao credor impugnante e na medida do que se mostre necessário à satisfação do seu crédito.
Diz-se que a impugnação pauliana constitui uma garantia geral e pessoal[2], das obrigações (art.º 610.º do CCivil), já que concede ao credor o “direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição” (art.º 616º nº 1 CCivil).
Porém, a impugnação pauliana não tem como efeito imediato e automático o fazer regressar os bens (alvo de impugnação) à esfera jurídica dos alienantes. Donde, com mais propriedade, lhe caiba a designação de “meio de conservação de garantia patrimonial”, ao invés de garantia em sentido estrito.
Daqui decorre que o ato dispositivo impugnado (aqui, uma compra e venda) permanece válido; ele só perde eficácia perante o credor e apenas “na medida do seu crédito”.[3] E tanto assim é que bastará o devedor satisfazer o crédito para que a eficácia da impugnação pauliana deixe de ser operante (manifestação do caráter obrigacional).
Como refere Manuel de Andrade[4], estamos perante uma ineficácia relativa, na medida em que opera apenas perante o credor e só ele pode invocá-la.
Por esta razão se pode dizer que a ação pauliana só ganha efetividade prática na fase de execução; só depois de o impugnante obter o título executivo (a sentença), é que pode ir penhorar os bens que, apesar de já não serem propriedade do devedor (relembre-se que o negócio é válido), a lei permite que continuem vinculados à satisfação do crédito.
Ou seja, por força da sentença da impugnação pauliana, e do caso julgado que atinge os “obrigados à restituição”, o credor pode ir executar diretamente ao terceiro adquirente os bens objeto da impugnação, ao abrigo do art.º 610º, nº 1 do art.º 616º e art.º 818º do CCivil.
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Postos estes breves considerandos dúvidas não existem de que a execução apenas se encontra extinta em relação à C..., Lda., mas não aos restantes executados (BB e A..., S.A.) (cf. conclusão 6ª).
Porém, já não se acompanha a asserção constante da mesma conclusão quando aí se afirma que a execução deve prosseguir com a penhora de bens que existam ou venham a existir na titularidade destes dois executados.
Analisando.
Como já noutro passo se referiu, é questão isenta de dúvidas que o título dado à execução na ação executiva de que os presentes autos constituem apenso, é a sentença de impugnação pauliana como, aliás, isso mesmo resulta de forma expressa do requerimento inicial executivo (do seu rosto/formulário) onde se menciona:
“Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória”;
“Finalidade: Execução nos próprios autos”;
“Espécie: Exec. Sentença próprios autos (Ag. Exec) s/ Desp. Liminar”;
“Título executivo: Decisão judicial condenatória”.
E também dos artigos 1º a 10º dos respetivo articulado.
Como assim, importa, enfatizar que, ao contrário do que refere o apelante na conclusão 5ª, o título executivo que foi dado à execução foi apenas a sentença de impugnação pauliana e não qualquer outra e, concretamente, aquela que é referida no despacho recorrido por referência ao acórdão proferido por esta Relação datado de 11/04/2019.
É verdade que na sentença de impugnação pauliana se faz, na al. A) da resenha dos factos provados, referência a essa decisão, mas daí não se segue que o título executivo ora em questão (sentença de impugnação pauliana) também a englobe, tanto mais que nem a ela o apelante se refere no respetivo articulado.
Acresce que, é a parte vinculativa (dispositiva) da sentença e não o que consta dos seus fundamentos que tem o alcance de título executivo, independentemente de se entender ser este ou não a causa de pedir na execução.
Ora, a sentença de impugnação pauliana inclui-se, assim, na categoria de títulos executivos a que alude o artigo 703.º al. a) do CPC, já que a exequibilidade das sentenças ali mencionadas “(…) não se reporta apenas às sentenças proferidas nas acções de condenação a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art. 4.º, mas igualmente às sentenças exaradas nas acções de simples apreciação ou nas acções constitutivas da previsão das alíneas a) a c) do mesmo número e artigo (…)”.[5]
Assim, segundo João Cura Mariano[6], “(…) quando se pretende atingir o bem no património de terceiro, deve ser pedido que o tribunal reconheça a possibilidade do credor impugnante o executar ou praticar sobre ele os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (art.º 616.º, nº 1, do C.C.). Quando se vise a restituição pelo adquirente do valor do bem transmitido ou do enriquecimento obtido com a sua aquisição, quando já não seja possível a execução desse bem, o pedido já será de condenação no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro (art.º 616.º, nº 2, do C.C.). No primeiro caso, estamos perante uma acção constitutiva, enquanto a segunda hipótese integra uma acção de condenação, atenta a classificação dos diferentes tipos de acções cíveis, prevista no art.º 4.º, do C.P.C.)”.
E, como refere o mesmo autor[7], nada impede que, no mesmo processo, se cumule o pedido de condenação do devedor a satisfazer o crédito e o do terceiro adquirente nos efeitos da impugnação pauliana do ato que lesou a garantia patrimonial desse crédito, ao abrigo do disposto no art.º 30.º do CPCivil.[8]
E como se executa esta sentença?
Como acima já se referiu, a sentença proferida na ação pauliana apenas permite ao credor a cobrança do seu crédito, constituindo título executivo contra o terceiro adquirente.
Em relação aos devedores, embora se afigure conveniente a sua demanda na ação pauliana por a relação controvertida dizer respeito a três sujeitos (credor, devedor e terceiro)[9], os efeitos da procedência da ação, conforme expressa o artigo 616.º, n.º 1 do CCivil, refletem-se na esfera jurídica do terceiro, já que o direito à restituição dos bens na medida do interesse do credor, consiste em poder sujeitar à execução a medidas conservatórias dos bens adquiridos ao devedor[10], sendo certo que o terceiro é alheio à relação constitutiva do crédito.
Assim, ainda que na ação pauliana o apuramento da existência do crédito do impugnante (cuja prova lhe cabe) seja pressuposto da sua procedência [cf. artigos 610.º al. a) e 611.º do CCivil], a sentença não condena, sequer implicitamente, o devedor no pagamento de qualquer valor.
A referência ao crédito destina-se apenas a delimitar a extensão da ineficácia da alienação do imóvel realizada pelo devedor ao adquirente e, inerentemente, a delimitação da garantia real e limite até ao qual pode ser atingido o bem do adquirente.
Daí que o credor, caso queira executar os devedores, tenha de demonstrar que possui título executivo relativamente aos montantes em dívida.
E caso pretenda também executar o terceiro adquirente, terá de executar a sentença proferida na ação pauliana onde se reconheça a ineficácia do ato impugnado em relação ao impugnante/exequente, pois só com base nela a lei permite que a execução corra contra bens de terceiro (artigo 818.º do CCivil, artigo 54.º, n.º 2 e 735.º, n.º 2 do CPCivil), já que por via da procedência da impugnação pauliana o bem continua a integrar o acervo patrimonial do adquirente, embora fique sujeito à satisfação do crédito do impugnante, na estrita medida do decidido na sentença.
Assim, caso o credor pretenda dirigir a execução cumulativamente contra o devedor e contra o terceiro, terá de apresentar um título executivo integrado por aqueles dois (um dotado de exequibilidade contra o devedor e pela sentença obtida na ação pauliana contra o terceiro adquirente).
Neste mesmo sentido, refere Cura Mariano, “Obtida a sentença autorizando o credor a executar os bens alienados no património do seu adquirente, pode estruturar a execução para cobrança do seu crédito, se este já for exequível, ou prosseguir a execução já instaurada. O título executivo é integrado pelos documentos que permitem a execução da dívida, segundo as regras do art.º 46.º, do C.P.C., e pela sentença de procedência da impugnação pauliana, ainda que não transitada (cf. art.º 47.º, do C.P.C.)”.[11]
Se a execução já estiver pendente à data da obtenção da sentença proferida na ação de impugnação pauliana, não sendo, naturalmente, o terceiro parte na mesma, a solução que doutrinária e jurisprudencialmente tem vindo a ser proposta, de forma bastante expressiva, passa por admitir a intervenção principal do terceiro na execução (artigo 316.º do CPCivil).[12]
Portanto, o título obtido na impugnação não vale, por si só, para efeito de execução do crédito, devendo o título executivo, se o credor não dispuser ainda de documento com essa eficácia, ser obtido em ação declarativa de condenação, intentada contra o devedor.
Para, a final, como noutro passo já se referiu, que os efeitos da impugnação pauliana apenas poderão ser atendidos na fase da execução, depois de o autor obter o título executivo do seu crédito.[13]
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Isto dito e centrando-nos na questão colocada no recurso, podendo o apelante executar a terceira adquirente A..., S.A., a penhora, no âmbito da execução da sentença de impugnação pauliana e quanto ao terceiro adquirente, está limitada aos bens que foram objeto do ato impugnado, não podendo ser penhorados outros bens para além desses.
Ora, tendo a referida A..., S.A. celebrado com a B... Unipessoal Lda.-hoje denominada a C..., Lda., o contrato de permuta reproduzido no ponto 6º) dos factos provados, já depois do julgamento da ação pauliana, a mesma adquiriu a propriedade dos bens objeto de impugnação, pois que, o referido direito de propriedade transferiu-se imediatamente para o adquirente por efeito do citado contrato (cf. artigo 408.º, nº 1 do CCivil).[14]
Na verdade, é indiscutível que a eficácia da ação de impugnação pode ser posta em causa por novas transmissões, já que, se o negócio impugnado é válido, esses primitivos adquirentes podem posteriormente vender o bem a um outro terceiro que não foi parte na ação pauliana.
Acontece que, como escreveu Vaz Serra, citado no Ac. do STJ de 03/10/95[15], “os subadquirentes adquiriram do verdadeiro titular do direito e, portanto, a sua aquisição não cai pelo simples facto de ser julgada procedente a acção contra o adquirente primitivo. Para que possam ser obrigados, é preciso que sejam por sua vez accionados e se verifiquem, quanto a si mesmos, os requisitos gerais da ação” (negrito e sublinhados nossos).
Ou seja, no que respeita a transmissões posteriores para que a impugnação proceda é necessário que: a) relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores o da boa ou da má-fé conforme a natureza gratuita ou onerosa do ato; b) haja má-fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso (cf. artigo 613.º do CCivil).
Como refere Cura Mariano[16] “(…) a má fé ou a gratuitidade têm de estar presentes em todos os atos de transmissão ocorridos, não podendo a impugnação pauliana operar per saltum. Não estando presente um destes requisitos numa transmissão, quebra-se a corrente que vai permitindo a extensão do alcance da impugnação pauliana”.
Como assim, não tendo tal ato negocial sido objeto de impugnação nos moldes referidos, torna-se evidente que os bens objeto do ato impugnatório não podem ser penhorados e também não o podem ser as frações objeto de permuta (que o exequente/apelante nomeou à penhora) da titularidade do primitivo adquirente A..., S.A.., pois que esse ato negocial não perdeu eficácia perante o credor/apelante, ou seja, a ineficácia inicial não atinge nem o 1º adquirente nem o subadquirente no que se refere ao contrato de permuta.
Bom, mas dir-se-á: então o credor fica nestas situações desprotegido?
A resposta é negativa.
Em primeiro lugar havendo registo da ação,[17] antes do eventual registo da aquisição do terceiro adquirente, o credor sempre pode beneficiar do estatuído no artigo 266.º, nº 3 do CPCivil, cuja redação é a seguinte: “A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação”, ou seja, o terceiro adquirente fica sujeita ao caso julgado formado na ação de impugnação pauliana por força da referida exceção.
Como refere Cura Mariano[18] “ (…) o direito do credor impugnante executar o bem transmitido como meio de obter a satisfação do seu credito é incompatível com o poder absoluto inerente ao direito de propriedade de quem o adquiriu, pelo que a lei processual estende a força de caso julgado da acção em que procedeu a impugnação pauliana, porque presume que este teve conhecimento dessa acção antes da prática do acto de aquisição daquele direito de propriedade(negrito e sublinhados nossos).[19]
No caso esse benefício não pode ser exercido uma vez que não houve registo da ação paulina e, ao invés, houve registo do contrato de permuta [cf. ponto 5º al. a) dos factos provados].
Em segundo lugar sempre o credor pode propor nova ação de impugnação pauliana em relação a essa nova transmissão que, como acima se referiu, está sujeita aos requisitos estatuídos no artigo 613.º do CPCivil.
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Diz o apelante que extinta a execução sobre a C..., Lda. e levantada a penhora inicial é admitido ao exequente indicar novo bem à penhora e/ou substituir o bem inicialmente indicado, e em particular, no caso sub iudice em que se deu à execução uma sentença proferida em ação de impugnação pauliana (cf. conclusões 14ª e 15º).
Mas, salvo o devido respeito, não se acompanha este entendimento.
Como já acima se referiu a penhora, no âmbito da execução da sentença de impugnação pauliana, está limitada, no que se refere ao adquirente, aos bens que foram objeto do ato impugnado, não podendo ser penhorados outros bens para além desses.
Alega depois o recorrente que não é praticando atos ou negócios sucessivos sobre os bens cuja anterior transmissão foi declarada ineficaz que o direito do credor pode ser anulado pois, caso contrário, de nenhum efeito útil serviria quer a sentença de ação pauliana, quer a penhora (cf. conclusão 16ª).
Como se torna evidente e já acima referido, as sucessivas transmissões também elas podem ser objeto de impugnação, seja, na ação inicial seja em ação posterior quando, como no caso em apreço, elas tenham ocorrido já depois de finda a ação de impugnação relativamente ao primeiro ato de transmissão, ponto é que nessa ação se provem os requisitos exigidos pelo já citado artigo 613.º do CCivil.
Na conclusão 17ª afirma o apelante que a penhora e o direito de sequela que lhe está subjacente acompanha o bem e todas as suas evoluções ou transformações físicas ou jurídicas, pelo que a penhora se estende às frações construídas que, a esta data, e por força da permuta, são já da propriedade da executada A..., S.A..
Acontece que a penhora inicial já não subsiste uma vez que os imóveis sobre os quais incidiu já não são da propriedade da A..., S. A., mas sim da C..., Lda. por mor do contrato de permuta celebrado ente ambas, sendo que a penhora só pode incidir sobre bens do devedor (cf. artigo 601.º do CCivil e 735.º, nº 1 do CPCivil), e só podem ser penhorados bens de terceiro nos casos especialmente previstos na lei desde que a execução tenha sido movida contra ele (cf. os já citados artigos 818.º do CCivil e 735.º, nº 2 do CPCivil).
Portanto, o alegado pelo apelante apenas relevaria e tinha efeito útil se aquele ato de permuta tivesse sido procedentemente impugnado (o que, como se viu, não o foi), pois que, nessa caso, a penhora incidiria sobre os imóveis em questão (metades indivisas de prédios urbanos, parcelas de terreno destinadas a construção) independentemente de neles terem sido erigidas quaisquer construções.
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E as mesmas considerações valem, mutatis mutandis, em relação ao vertidos nas conclusões 19ª a 22ª além de que os artigos 692.º a 694.º, 701.º e 702º do CCivil e, concretamente, o princípio da indivisibilidade não é aplicável à penhora, mas apenas ao penhor (cf. artigo 678.º do CCivil)2´veláe e) figuras completamente distintas, a primeira é um ato judicial executivo e o segundo é um direito real de garantia.
Por último e no que se refere à conclusão 18ª o tribunal a qui limitou-se, embora mal, a proceder a identificação das parcelas sobre que incidiu o ato impugnatório, ou seja, não houve qualquer excesso de pronúncia a configurar a nulidade da al. e) do nº 1 do artigo 615 do CPCivil.
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Aqui chegados não temos a censurar ao despacho recorrido quando conclui pelo indeferimento da penhora dos bens em causa.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).


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Porto, 24/2/2025.

Des. Dr. Manuel Fernandes

Des. Dr.ª Maria Fernandes de Almeida

Dr. Carlos Gil.

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[1] Pontos cuja base probatória assenta: 3º a 5º nas certidões prediais juntas pelo exequente em 13/05/2024, ponto 6º na cópia da escritura pública de permuta junta com documento nº 4 com o requerimento executivo e 7º no acórdão proferido pelo STJ constante do apenso “B”. 
[2] Segundo Vaz Serra, “Responsabilidade Patrimonial”, estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), nº 75, pág. 287: “A acção pauliana é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má-fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce o crédito de eliminação daquele prejuízo...O efeito da acção deve ser uma simples consequência da sua razão de ser e, por isso, parece dever limitar-se à eliminação do prejuízo sofrido pelo credor, deixando o acto, quanto ao resto, tal como foi feito”.
Cf. ainda, Pedro Romano Martinez e Pedro Fuseta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, Almedina, 5ª edição, pág. 38-39.
[3] No mesmo sentido, acórdão do STJ, de 25/06/2009 (processo nº 184/09.2YFLSB), disponível em www.dgsi.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem: “1 - A impugnação pauliana-arts. 610º e segs. do Código Civil - consiste no pedido de declaração de ineficácia do acto impugnado pelo credor prejudicado, respondendo os bens transmitidos pelas dívidas do alienante, agora no património do adquirente, na medida do interesse do credor, caso tal pedido proceda. 2 – Desta procedência não resulta a extinção do direito real adquirido pelo terceiro, nem tão pouco a sua modificação, sendo que esta não afecta a validade dos actos de alienação realizados pelo devedor; apenas confere ao credor impugnante, no plano obrigacional e com fundamento na má-fé, tratando-se de negócios onerosos - como é o caso-o direito de obter daquele, e à custa dos bens que adquiriu, a quantia necessária à satisfação do seu crédito.”
[4] Manuel Domingues de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, pág. 411-412.
[5] Cf. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11.ª ed., Almedina, 2009, pág. 29, sendo que o ali referido artigo 4.º corresponde hoje aos nºs 1 e 2 do artigo 10.º do CPCivil.
[6] In “Impugnação Pauliana”, 2ª Ed.  Almedina, 2008, págs. 292/293.
[7] Obra citada, pág. 295.
[8] Cf. no mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., pág.75, nota 129, onde reproduz os ensinamentos de Ribeiro Mendes).
[9] Neste sentido, veja-se Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2-ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 137 e Ac. STJ, de 25.05.99, proc. 99A382, www.dgsi.pt..
[10] Entende-se, assim,  como refere Cura Mariano obra cit., pp. 242-244, que o direito à restituição mencionado no n.º 1 do artigo 616.º do CC não significa que o bem alienado reentra no património do alienante/devedor, já que com “a impugnação pauliana não se obtém a restauração do património do devedor, mas sim a reconstituição da garantia patrimonial do crédito do impugnante (…) o direito de propriedade do adquirente sobre os bens em causa é um direito debilitado, uma vez que estes respondem por dívida de terceiro”.
[11] Ob. cit., p. 296-297 e no mesmo sentido, cf. Amâncio Ferreira, ob. cit., pp. 83-84.
[12] Cf. Cura Mariano, ob. cit., p. 298, Romano Martinez/Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4.ª ed., Almedina, 2003, p. 37, Ac. RP, de 23.04.2001, CJ, 2001, II, p. 205 e Ac. RP, 03.07.2003, www.dgsi.pt. Em sentido contrário, veja-se o Ac.RC, de 02.11.2004, CJ, 2005, V, pág. 5.
[13] Cf. neste sentido Também no Acórdão do STJ, de 01/02/95 e Ac. da Relação de Lisboa de 28/05/2013-Processo nº 2094/08.1TBCSC-B.L1-7, consultáveis em www.dgsi.pt. e também Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, obra citada pág. 35, onde se refere, “Parece óbvio que os efeitos da impugnação pauliana apenas poderão ser atendidos na fase de execução, depois do autor obter título executivo do seu crédito – artigo 821º, nº2, do Código de Processo Civil”.
Idêntica posição é defendida por Menezes Cordeiro, in C.J., Ano XVII, tomo III, pág.57, onde afirma que “A acção pauliana visa a conservação da garantia patrimonial do credor. Em si, não é suficiente para desencadear qualquer processo executivo; apenas permite a quem, nos termos da lei, disponha dum título executivo, executar não apenas bens do devedor, mas também de terceiro”. 
[14] É claro que a transferência do direito de propriedade relativo às frações autónomas do edifício a construir (bens futuros) para a permutante A..., S.A. também se dá por efeito direto do mesmo contrato de permuta, mas esse efeito apenas se produziu após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que individualiza e confere autonomia jurídica a essas frações.
[15] CJ Ac. STJ, ano III, tomo 3, pág. 39,
[16] Obra citada pág. 203.
[17] Nos termos do art.º 3º nº 1 al. a) do Código de Registo Predial, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 04/07, as ações de impugnação pauliana passaram a estar sujeitas a registo a partir do dia 21 de julho de 2008 (cf. artigo 36.º desse diploma).
[18] Obra citada pág. 225.
[19] No mesmo sentido cf. Pedro Romano Martinez/ Pedro Fuzeta da Ponte, ob. cit., p. 31. e a Declaração de voto do Conselheiro Ferreira de Almeida, no AUJ n.º 6/2004, não obstante a aplicação do normativo em questão à impugnação pauliana não seja pacífico, ver, por todos, Ac. do Relação de Lisboa 11/12/2018-Processo nº 44533/06.5YYLSB-E.L2-7, consultável em www.dgsi.pt..