Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MARTINS | ||
Descritores: | DECISÃO ADMINISTRATIVA GARANTIAS DE DEFESA | ||
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Nº do Documento: | RP202503263103/24.2T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO DO MINSTÉRIO PÚBLICO | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A decisão administrativa conjuntamente com o auto de notícia permite determinar qual é o enquadramento normativo da previsão e punibilidade da conduta imputada à arguida. II - A decisão administrativa observou o requisito a que alude o nº 1, al. c) do artigo 58º do RGCO, não estando em causa as garantias de defesa da arguida, já que exerceu plenamente o seu direito ao contraditório. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 3103/24.2T8VFR.P1 Comarca ... Juízo Local de ... Acordam em conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO I.1. A..., Lda. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida em 16.11.2023 no âmbito do processo de contraordenação n.º 0039/...54 que correu na Secção de Operações Treino e Relações Públicas – Guarda Nacional Republicana – Comando Territorial ..., que a condenou no pagamento de uma coima no valor de €1.000,00 (mil euros), pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, al. j), e 3.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26/06, e do artigo 28.º, n.º6, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 02/11. * I.2. Por sentença proferida em 06.12.2024 o recurso de impugnação judicial interposto pela A..., Lda. foi decidido: “Pelo exposto, julga-se o recurso procedente e, em consequência, decide-se revogar a condenação da Recorrente A..., Lda., pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, al. j), e 3.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26/06, e do artigo 28.º, n.º6, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 02/11, anulando-se a decisão administrativa proferida e todos os atos subsequentes a esta, remetendo-se o processo à entidade administrativa, Secção de Operações Treino e Relações Pública – Guarda Nacional Republicada – Comando Territorial ..., para sanação do vício julgado verificado.” * I.3. O ministério Público interpôs recurso da sentença, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral): “I. A decisão administrativa não violou o disposto nos art.°s 50° e 58°, n.° 1, als. b) e c) do RGCOC; II. Não há na decisão administrativa uma completa omissão das normas segundo as quais se puniu a sociedade arguida, mas apenas uma incompleta menção de todas elas: nela se referiu os artigos 2.°, al. j), e 3.°, n.°s 1 e 5, do Decreto-Lei n.° 28- B/2020, de 26/06 e não mencionou o art.° 21°, n.° 1 do Decreto n.° 3-C/2021, de 22/01 (embora este diploma fosse mencionado no auto de notícia e na notificação para o exercício do direito de defesa); III. Essa omissão é suscetível de ser suprível com recurso ao artigo 358.°, n.° 3 do C.P.P. ex vi artigo 41.°, n.° 1.° do RGCOC e, por isso, não implicava a nulidade da decisão administrativa; IV. A decisão administrativa, o auto de notícia e a notificação para o exercício de defesa contem uma descrição dos factos que integram a contraordenação e, por isso, a sociedade arguida pôde exercer a sua defesa de forma plena - cf. art.°s 50° e 58°, n.° 1 al. b) do RGCOC; V. Aliás, a este respeito, existe uma clara contradição entre a matéria de facto provada na sentença e a sua fundamentação - cf. art.° 410°, n.° 2, al. b) do C.P.P.; VI. A decisão recorrida fez uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 50° e 58°, n.° 1, als. b) e c) do RGCOC.” Pugna pela revogação da sentença recorrida e o consequente prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais. * I.4. A arguida A..., Lda., na resposta ao recurso, pronunciou-se pela improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público e manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição integral): “1. A decisão administrativa padece de vícios formais que justificam a sua nulidade nomeadamente a omissão de normas jurídicas essenciais e a descrição insuficiente dos factos; 2. O Tribunal "a quo" procedeu corretamente ao declarar a nulidade da decisão administrativa, garantindo assim o direito de defesa da sociedade arguida; 3. Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", por se encontrar devidamente fundamentada e em conformidade com o direito aplicável.” * I.5. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. * I.6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público. * I.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. **** II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt). Assim, da análise das conclusões apresentadas pelo recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir: 1ª Saber se a decisão recorrida padece do vício decisório previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do CPP; 2ª Saber se a decisão administrativa padece (ou não) de nulidade por omissão do requisito previsto no artigo 58º, n.º 1, al. c) do D.L. 433/82, de 27.10 (doravante RGCO). *** II.2- Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) “II - Os Factos Com relevância para a decisão a prolatar, resultaram provados os seguintes factos: 1. De documento intitulado "Notificação", datado de 16.02.2021, consta o seguinte: "LOCAL DOS FACTOS País Portugal Rua/Nome Avenida ..., ... Código Postal ... .../Concelho/... - ... - ... ARGUIDO B..., LDA Número de Identificação Fiscal (NIF) ...17 Pais de registo Portugal Sede Avenida ..., ... ..., Portugal, Distrito / Concelho / Freguesia: ... - ... - ... INFRAÇAO(OES) (conforme auto de contraordenação que junto se anexa à presente notificação): Data e Hora dos Factos - 2021-02-16 20:45 DESCRIÇÃO SUMÁRIA Na data e hora acima mencionado, foi abordado o Sr. AA, nascido ../../1966 com residência na Rua ... - ..., funcionário estabelecimento melhor acima identificado, devido ao referido estabelecimento estar laborar em take away, com clientes no interior do mesmo, incumprindo o dever de atendimento ao público pelo postigo ou no exterior do mesmo, imposto pelo estado de emergência regulamentado pelo decreto 3-c/2021 de 22 de janeiro. Infração n°- 1 Código da Infração- 28.02.10.00 Norma Infringida: Alínea J Artigo 2° Decreto-Lei n° 8-A de 2021-01-22 Norma Punitiva: Artigo 3° n° 1° Decreto-Lei n° 28-B de 2020-06-26, na sua atual redação. COIMAS APLICADAS Valor mínimo - 1000,00 EURO (EUR) Valor máximo - 10000,00 EURO (EUR) TERMOS DA NOTIFICAÇÃO Pela presente fica notificado que: É acusado da prática dos factos que constam da descrição sumária os quais constituem contraordenação prevista e sancionada nos termos das normas legais indicadas. O QUE FAZER: 1. Pode efetuar o depósito voluntário da coima pelo mínimo: 1.1 - No caso de notificação presencial, deve prestar depósito no valor igual ao montante mínimo da coima de imediato, ou no prazo máximo de quarenta e oito horas seguintes a contar da data da presente notificação. 1.2 - No caso de notificação postal, deve prestar depósito no valor igual ao montante mínimo da coima no prezo máximo das quarenta e oito horas seguintes a contar da data da presente notificação. 1.3 - Os depósitos referidos no n.° 1.1 e n° 1.2 destinam-se a garantir o pagamento da coima em que o infrator possa vir a ser condenado. 1.4 - O não pagamento voluntário da coima ou a falta de realização do depósito implica o pagamento das custas que sejam devidas e a majoração da culpa do agente. 1.5 - Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da cama, a qua, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas. 1.6 - Se não apresentar defesa e efetuar o pagamento voluntário pelo mínimo da coima, o processo é arquivado, sem prejuízo do disposto no número anterior. 1.7 - No caso de ser prestado depósito e não ser apresentada defesa dentro do prazo estipulado para o efeito, o depósito efetuado converte-se automaticamente em pagamento, determinando o arquivamento do processo. 2. Apresentar defesa ou requerimento, no prazo de 15 (quinze) dias úteis após a data da presente notificação: 2.1- A defesa ou o requerimento têm de ser escritos em língua portuguesa, assinados e com indicação do número de auto de contraordenação. 2.2 - A defesa ou qualquer requerimento deve ser enviado à entidade fiscalizadora, identificada no cabeçalho do presente auto, via correio ou entregue presencialmente em qualquer posto territorial da Guarda Nacional Republicana. 2.3 - A defesa deve conter a exposição dos factos, fundamentação e pedido, indicando os meios de prova e, querendo, testemunhas até ao limite de três, assinalando expressamente os factos sobre os quais incide a prova, sob pena de indeferimento das provas apresentadas. 2.4 - Pode ser apresentado requerimento para pedir o pagamento da coima em prestações desde que o valor mínimo da coima aplicável seja igual ou superior a 2 UC, que pode ser dividido, no máximo, em 12prestações mensais no valor igual ou superior a 50€." 2. De documento intitulado "DECISÃO", datado de 16.11.2023, consta o seguinte: "Processo de Contraordenação n.° 00039/...54 (...) Arguido: A..., LDA (B...), residente em Avenida ..., ... ..., NIF ...17 Data e local da infração: 16/02/2021, pelas 20h45, em Avenida ..., ... ... Infração:alínea j) do Art.° 2. °, do Decreto-Lei n. ° 28-B/2020, de 26 de junho conjugada com o n.° 6 do Art.° 28. ° da Resolução do Conselho de Ministros n. ° 92-A/2020, de 02 de novembro; Punição: n. °1 do Art.° 3.° do Decreto-Leei n. ° 28-B/2020 de 26 de junho, com coima de 1000.000€€ (mil euros) a 10.000.00€€ (dez mil euros), por se tratar de pessoa coletiva. DOS FACTOS a. Descrição circunstanciada (1) O presente processo tem por base os factos relatados no Auto de Notícia por Contraordenação n.° 00039/...54, elaborado pelo Posto Territorial .... (2) Os factos relatados no auto supracitado são referentes a uma ação de fiscalização decorrida no âmbito do policiamento geral, no dia 16 de fevereiro de 2021, efetuada por militares do Posto Territorial .... (3) No decorrer da fiscalização foi detetado que no local, sito em Avenida ... - ..., o arguido acima identificado se encontrava em incumprimento do dever de atendimento ao publico em regime de Take Away, tendo este que ser efetuado à porta ou ao postigo. (4) Em 23 de março de 2021, foi recebido através de correio registado com aviso de receção, a notificação efetuada, considerando-se assim o arguido notificado, no terceiro dia útil após essa data, por ter sido assinado por pessoa diversa do arguido, juntamente com cópia do Auto de Contraordenação, nos termos do art.° 50.° do Regime Geral da Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de outubro, com as alterações introduzidas pelo Dec- Lei n. ° 356/89 de 17O UT. Dec-Lei n. ° 244/95 de 14SET. Dec-Lei n. ° 323/2001, de 17DEC, pela Lei n.° 109/2001 de 24DEC. pelo Dec-Lei n.° 8-A/2021 de 22JAN. para no prazo de 15 dias, apresentar defesa ou requerer a sua inquirição caso desejasse, e ainda arrolar testemunhas e/ou outros meios de prova. 4. FACTOS PROVADOS a. O arguido acima identificado praticou a infração referida em incumprimento do dever atendimento ao publico em regime de Take Away, tendo este que ser efetuado ao postigo ou no exterior do estabelecimento, dando-se por provado o relatado no auto de notícia por contraordenação em referência, elaborado pelo autuante, em infração à alínea J) do Art. ° 2. do Decreto-Lei n. ° 28-B/2020 de 26 de junho, conjugado com o n.° 6 do Art.° 28. ° da Resolução do Conselho de Ministros n. ° 92-A/2020, de 02 de novembro; b. No direito contraordenacional vigora o princípio da livre apreciação da prova. no seu artigo 127. ° do Código de Processo Penal (CPP),. aplicável por via do art.° 41. do RGCO, ao abrigo do qual "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente": c. Esta livre apreciação pressupõe a inexistência de critérios predeterminados do valor a atribuir à prova, conferindo uma certa discricionariedade, o que não significa que a apreciação possa ser arbitrária e sem sujeição a qualquer tipo de controlo, tendo que obedecer a limites que vinculam esta discricionariedade, desde logo o dever de alcançar a verdade material dos factos, limites que condicionam a convicção subjetiva de quem aprecia, obrigando à formulação de convicções e critérios objetivos. E assim, poderá ser no sentido em que da parte de quem decide se verifique um real convencimento da verdade material dos factos para além de qualquer dúvida razoável: d. Como ponto de partida, cabe salientar que, no procedimento contraordenacional o Auto de Noticia "é um instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolam os atos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem postas em causa" (cfr. Art. 48. ° do RGCO: art. 99°, art. ° 169° e 243° do CPP). A fé dos autos de notícia reconduz-se a um especial valor probatório que não acarreta qualquer presunção de culpabilidade. Esse valor probatório não põe em crise o direito de defesa do arguido, pois sempre fica aberta a possibilidade de se produzir qualquer outra prova que se repute necessária; e. Nestes termos, não estando em causa a autenticidade do Auto de Notícia que despoletou a instrução do presente processo, nem até à data, a veracidade do seu conteúdo, o Auto de Notícia faz fé: f. Não foi feita prova que afaste a genuinidade do auto de notícia, sendo dada como provada a prática da contraordenação pelo arguido; g. Em suma, afigura-se seguro credibilizar a versão apresentada pelo Militar da Guarda Nacional Republicana que presenciou os factos, o qual em sede de inquérito corrobora o conteúdo do Auto de Notícia. referindo que verificou que a arguida se encontrava a laborar com clientes, estando a ser vendido a estes bens alimentares, não cumprindo desta forma o dever de laborar em regime de Take Away, tendo este que ser efetuado à porta ou ao postigo, tendo o arguido na sua defesa alegado que poderiam ser trabalhadores da arguida na reta final da sua jornada de trabalho, facto que por si só não coloca em causa o ilícito praticado. h. No que diz respeito a esta alegação apresentada pelo (a) arguido(a) aquando da verificação da infração é nos pertinente tecer as seguintes considerações: (...) j. Destarte, cabia ao arguido a obrigação, "de per si" ter tido um comportamento mais zeloso e esclarecendo-se quanto às medidas e deveres a observar com vista à prevenção de contágios por parte da doença COVID 19, advindo que a ignorância da lei não aproveita a(o), arguido(a), só afasta a culpa, o dolo ou a negligência, quando desculpável:k. Face ao exposto, somos, pois, levados a concluir pela punibilidade da contraordenação por infração ao disposto na alínea J) do art. ° 2° do Decreto-lei n." 28-B/2020 de 26 de junho conjugado com o n.° 6 do Art.° 28. ° da Resolução do Conselho de Ministros n. ° 92-A/2020 de 02 de novembro. 5. ENQUADRAMENTO LEGAL a. As infrações ao Decreto Lei n. ° 28-B/2020, de 26 de junho de 2020, no âmbito da situação de calamidade. contingência e alerta, constitui ilícito de mera ordenação, impondo no seu artigo 2. ° os deveres a observar pelas pessoas singulares e coletivas: b. Quanto aos elementos subjetivos correspondentes ao ilícito considerado, nos termos do art.° 5° do Regime Geral das Contraordenações "o facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso da omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido" c. Atenta a factualidade dada como provada na situação aqui apreciada, dá-se como preenchido o elemento objetivo da contraordenação em análise, uma vez que o (a) arguido(a) é responsável pela prática do ilícito cometido em violação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2 e à doença COV1D-19 no âmbito da declaração de situação de alerta, contingência e calamidade, visto que não cumpriu o dever de laborar em regime de Take Away. tendo este que ser efetuado à porta ou ao postigo, encontrando-se assim preenchida a previsão objetiva das normas acima citadas: d. Significa que, para que exista culpabilidade do agente no cometimento dos factos imputados, é necessário que os mesmos lhe possam ser "arguidos" a título de negligência ou dolo: e. Face à factualidade dada como provada. não havendo elementos suficientes para imputar ao arguido a contraordenação a título de dolo, conclui-se pelo comportamento pouco zeloso e diligente do arguido, o que revela uma atitude especifica da culpa, pelo que se presume a prática da contraordenação a título de negligência, sendo a mesma punível, nos termos do n.° 5 do artigo 3.° do Decreto-Lei 28-B/2020 de 26 de junho, com coima reduzida em 50%: f. Os factos foram praticados durante o Estado de Emergência, pelo que os valores mínimos e máximos da coima a aplicar são elevados para o dobro. conforme previsto no artigo 3. °-A do Decreto-Lei 28-B/2020 de 26 de junho, na sua versão atual: g. A conduta do arguido presume-se a título negligente, sendo a mesma punível. nos termos do n. ° 5 artigo 3° do Decreto Lei 28-B/2020 de 26 de junho, com coima reduzida em 50%: h. O arguido praticou uma infração em incumprimento dos deveres do Decreto-Lei n. ° 28-B/2020. de 26 de junho, pelo que constitui uma contraordenação, prevista no n. °1 do art.° 3.°, conjugado com o n.° 5 do mesmo artigo e com o artigo 3-A do supracitado diploma legal, punível com uma coima de 1 000.00€ (mil euros) a 10 000.00€ (dez mil euros) por se tratar de pessoa coletiva. (...) Da culpaa. O arguido agiu de forma livre e consciente da ilicitude. b. O arguido atuou consciente que com a sua conduta incorreria numa contraordenação e ainda assim adotou esse comportamento, conformando-se com esse resultado ". * Com relevo para a boa decisão da causa, inexistem factos não provados. * Não se elenca como provada ou não provada qualquer outra facticidade, por a mesma se referir a conceitos vagos, genéricos e/ou jurídicos e não atender a matéria relevante para a decisão de mérito. * Indicação e análise crítica da prova: O Tribunal estribou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, nos elementos probatórios já carreados para os autos (nomeadamente a prova documental), apreciados criticamente, atendendo-se à coerência, objetividade e isenção dos mesmos. Todos estes elementos de prova, recolhidos e obtidos de forma lícita, foram, assim, apreciados, ao abrigo do disposto no artigo 127.° do CPP, segundo as regras acima referidas e a livre convicção do julgador, ao qual cabe decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, tendo em mente o distanciamento e a ponderação que se impõe, tendo sido preponderante a prova documental junta. Assim, para prova dos factos provados de 1. e 2., o Tribunal atendeu ao auto de notícia por contraordenação n.° G0000628/...54 e à decisão administrativa n.° 0039/...54, no âmbito da qual se extrai o local e o momento em que foram praticados os factos imputados à recorrente/arguida, a conduta, por si adotada, bem como os termos em foi notificada, sendo certo que a arguida não indicou, nem requereu ou juntou qualquer prova. * III - O Direito Configurando este Tribunal um tribunal de recurso, apenas cabe apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, na respetiva impugnação judicial, em função das conclusões, não lhe cabendo proceder a um novo julgamento, sem prejuízo da impugnação da matéria de facto pelo Recorrente. Com efeito, como se lê no Ac. do STJ de 06.06.2018, proc. n.° 4691/16.2T8LSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.:"I. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal "ad quem" conhecer de questão que delas não conste. II. Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão proferida na 1a instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso. ", no que configura um corolário do disposto no art. 412.°, n.°1, do CPP, ex vi artigo 41.° do Regime Geral das Contraordenações ("RGCO"), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27/10: "a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido", constituindo as conclusões a delimitação do objeto do recurso. Consequentemente, constitui objeto do presente recurso de contraordenação apurar: A) Violação do direito de defesa da Recorrente, por falta de imputação dos factos integradores da infração cometida por dolo, na decisão condenatória e por, na notificação para o exercício do direito de audição e defesa, a entidade autuante não ter especificada o conjunto dos factos indiciadores da prática da contraordenação; B) Violação do direito de defesa da Recorrente, por alteração da qualificação jurídica, sem ter sido conferida à Recorrente qualquer possibilidade de exercer o seu direito ao contraditório; e C) Prática da infração apenas a título de negligência, com a aplicação da coima reduzida a 50%. * a) Da violação do direito de defesa da Recorrente, por falta de imputação dos factos integradores da infração cometida por dolo, na decisão condenatória e por, na notificação para o exercício do direito de audição e defesa, a entidade autuante não ter especificada o conjunto dos factos indiciadores da prática da contraordenação No que à notificação nos termos e para os efeitos do artigo 50.° do RGCO, atendendo no facto 5., pese embora a imputação a título de dolo, uma vez que se deu como demonstrado que a arguida atuou consciente que com a sua conduta incorreria numa contraordenação e ainda assim adotou esse comportamento, conformando-se com esse resultado, a verdade é que essa notificação, nos termos do artigo 50.° do RGCO imputa à Recorrente o incumprimento do "dever de atendimento ao público pelo postigo ou no exterior do mesmo, imposto pelo estado de emergência regulamentado pelo decreto 3-c/2021 de 22 de janeiro". Assim, afigura-se que tal permite o exercício cabal do direito de defesa da arguida. De facto, o artigo 50.° do RGCO dá respaldo ao direito de audição de arguido, a quem deve ser assegurada a possibilidade e o direito de se pronunciar sobre a contraordenação imputada e a sanção correspondente. Destarte, "a variação do grau de vinculação aos princípios do direito criminal, e a autonomia do tipo de sanção previsto para as contraordenações, repercute-se a nível adjetivo, não se justificando que sejam aplicáveis ao processo contraordenacional duma forma global e cega todos os princípios que orientam o direito processual penal. No plano jurídico- constitucional, a invocação das garantias de processo criminal em sede de procedimento contraordenacional deve ser precedida de especiais cautelas" - v. Ac. do TC n.° 487/2009, de 28.09.2009, in www.tribunalconstitucional.pt. Ora, a maior flexibilidade e simplicidade do processo contraordenacional, por comparação ao processo penal, não pode "dobrar" o direito de defesa do arguido, excluindo- lhe a possibilidade de afirmar se atuou, porque assim quis, porque assim aceitou ou porque não sabia poder assim atuar. Posto isto, olhando para o teor da notificação constante do facto provado 1, constata-se que é imputado à arguida o incumprimento do dever de atendimento ao público pelo postigo ou no exterior do mesmo, imposto pelo estado de emergência regulamentado pelo decreto 3- c/2021 de 22 de janeiro, não estando o estabelecimento a laborar em take away. Ora, ponderada a maior simplicidade subjacente ao processo contraordenacional, pese embora nada seja referido a título, nem de negligência, nem de dolo, a Recorrente encontrava- se em condições de se defender plenamente, na medida em que lhe é imputado o sobredito incumprimento, podendo justificá-lo, esclarecê-lo ou concretizá-lo, pelo que em nada foi coartado o seu direito de defesa. Face ao exposto, julga-se improcedente a nulidade invocada, com fundamento na falta de imputação concreta dos factos integradores da infração sancionada à Recorrente, na notificação prevista no artigo 50.° do RGCO. No que à falta de imputação concretizadores dos factos concretizadores da contraordenação imputada à arguida diz respeito, como decorre do facto 1., a Recorrente foi notificada para o exercício do direito de defesa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.° do RGCO, enquadrando-se a conduta que lhe era imputada, ao abrigo do disposto no artigo 2.°, al. j), do Decreto-Lei n.° 8-A/2021, de 22/01, e, como norma punitiva, o artigo 3.°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 28-B/2020, de 26/06. Por seu turno, a final, foi-lhe aplicada uma coima, pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 2.°, al. j), e 3.°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 28-B/2020, de 26/06, e do artigo 28.°, n.°6, da Resolução do Conselho de Ministros n.° 92-A/2020, de 02/11. Posto isto, preceitua o artigo 2.°, al. j), do Decreto-Lei n.° 8-A/2021, de 22/01, que "durante a verificação de estado de emergência ou da situação de alerta, contingência ou calamidade determinadas nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, declaradas no âmbito da situação epidemiológica originada pela doença COVID-19, constituem deveres das pessoas singulares e coletivas: (...) j) a observância das regras de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e similares". Já o artigo 3.°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 28-B/2020, de 26/06 estatui que "o incumprimento dos deveres estabelecidos no artigo anterior constitui contraordenação, sancionada com coima de (euro) 100,00 a (euro) 500,00 no caso de pessoas singulares, e de (euro) 1000,00 a (euro) 5000,00 no caso de pessoas coletivas.". Ora, os "deveres estabelecidos no artigo anterior" a que se refere esta norma legal são precisamente os do artigo 2.° deste diploma legal, donde não se descortina a citada alínea j), a qual foi introduzida pelo Decreto-Lei n.° 8-A/2021, de 22/01: esta corresponde à quinta alteração do Decreto-Lei n.° 28-B/2020, constituindo um único corpo legislativo, do mesmo regime jurídico, a vigorar durante a vigência do Estado de Calamidade e de Emergência, decorrente da pandemia COVID-19, entre 19 de Março e 2 de Maio de 2020 e de 9 de Novembro de 2020 a 30 de Abril de 2021. Já o artigo 28.°, n.°6, da Resolução do Conselho de Ministros n.° 92-A/2020, de 02/11, determina que "nos concelhos referidos no anexo ii do presente regime, todos os estabelecimentos de comércio a retalho e de prestação de serviços, bem como os que se encontrem em conjuntos comerciais, encerram até às 22:00 h, excetuando-se: a) Estabelecimentos de restauração, os quais devem encerrar às 22:30 h; b) Estabelecimentos de restauração e similares exclusivamente para efeitos de entrega no domicílio, diretamente ou através de intermediário, os quais não podem fornecer bebidas alcoólicas no âmbito dessa atividade, os quais devem encerrar à 01:00 h; c) Farmácias e locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica; d) Consultórios e clínicas, designadamente clínicas dentárias e centros de atendimento médico- veterinário com urgências; e) Atividades funerárias e conexas; f) Estabelecimentos de prestação de serviços de aluguer de veículos de mercadorias sem condutor (rent-a-cargo) e de aluguer de veículos de passageiros sem condutor (rent-a-car), podendo, sempre que o respetivo horário de funcionamento o permita, encerrar à 01:00 h e reabrir às 06:00 h; g) Estabelecimentos situados no interior de aeroportos situados em território nacional continental, após o controlo de segurança dos passageiros; h) Áreas de serviço e postos de abastecimento de combustíveis que integrem autoestradas; i) Postos de abastecimento de combustíveis não abrangidos pela alínea anterior, exclusivamente para efeitos de venda ao público de combustíveis e abastecimento de veículos; j) Equipamentos culturais, os quais devem encerrar às 22:30 h". Posto isto, tem-se que a conduta imputada à Recorrente, que culminou na aplicação de uma coima pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 2.°, al. j), e 3.°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 28-B/2020, de 26/06, e do artigo 28.°, n.°6, da Resolução do Conselho de Ministros n.° 92-A/2020, de 02/11, não se insere neste ilícito, pois nenhuma das citadas normas prevê o incumprimento do dever de atendimento ao público pelo postigo ou no exterior do mesmo. De facto, esta emerge do artigo 21.°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 3-C/2021, de 22/01, o qual estatui que "os estabelecimentos de restauração e similares, independentemente da área de venda ou prestação de serviços, funcionam exclusivamente para efeitos de atividade de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento através de entrega ao domicílio, diretamente ou através de intermediário, bem como para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take-away).". Sucede que, perscrutada toda a decisão administrativa, não se encontra o enquadramento da conduta da Recorrente nesta norma, a que jamais é feita qualquer referência, razão pela qual é manifesto concluir que a decisão condenatória é nula por omissão da indicação das normas segundo as quais se pune (v. artigo 58.°, n.°1, al. c), do RGCO). Ora, no que constitui um corolário da garantia consagrada no artigo 32.°, n.°10, da CRP ("Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os diomesreitos de audiência e defesa"), preceitua O artigo 50.° do RGCO que "não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.". Consagra-se, assim, o direito de audição e de defesa do arguido/recorrente, a quem deve ser concedida a oportunidade para ele se pronunciar e tomar posição sobre a conduta que lhe é imputada e respetivo enquadramento jurídico, podendo requerer a realização de diligências de prova, bem como apresentar uma versão distinta dos factos que lhe são imputados. Com efeito, como referem GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, A Constituição da República Portuguesa Anotada. 4.a ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 413, "(...) A doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (...) (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado das provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos (...)." (negrito e itálico nossos). Ora, ao abrigo do artigo 1.° do Regime Geral das Contraordenações ("RGCO"), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27/10, "constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima", apenas sendo punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, nos termos do artigo 8.°, n.°1, do mesmo diploma. Prevê o artigo 58.°, n.°1, do RGCO, que a decisão administrativa que aplica uma coisa ou sanção acessória deve conter, desde logo, "a) a identificação dos arguidos; b) descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; e d) a coima e as sanções acessórias.". Estes requisitos impõem-se como forma de assegurar o exercício efectivo do direito de defesa, uma vez que o coimado só se pode "defender" quanto aos factos que lhe são imputados, se tiver conhecimento e puder alcançar os mesmos, de modo a que possa tomar posição quanto aos mesmos. E isso quer quanto aos factos objectivos, quer quanto aos factos subjectivos, os quais devem constar da acusação, sob pena de nulidade desta (neste sentido, cfr. Simas Santos e Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 5.a Edição, 2009, Vislis. Editores, p. 454). Se assim não for, a falta daqueles requisitos implica a nulidade da decisão, consequência processual não prevista no RGCO, mas decorrente do disposto nos artigos 374.°, n.°s 2 e 3, e 379.°, n.°1, al. a), do CPP, ex vi artigo 41.°, n.°1, daquele diploma. Por isso, a decisão administrativa tem de conter a descrição dos factos relevantes para a existência ou inexistência da contraordenação, ou seja, os elementos constitutivos da contraordenação, onde se incluem os elementos objetivos (relativos ao conteúdo ou à materialidade da ação ou omissão qualificada como contraordenação) e os elementos subjetivos (ligação do agente com a conduta adotada e tipificada como contraordenação). Destarte, sendo omitida, na decisão administrativa, a factualidade referente ao elemento objetivo e ao elemento subjetivo da contraordenação, a mesma é nula, porquanto deve valer tal e qual como uma acusação e, nesse conspecto, na esteira da jurisprudência fixada pelo Ac. do STJ n.° 1/2015, de 27/01, in DR, 1.a Série, n.° 18, de 27.01.2015, não pode ser integrada em julgamento, ou melhor, no recurso contraordenacional proposto para o Tribunal de 1.a Instância e, por isso, na sua decisão final. Contudo, uma vez que "a decisão administrativa não é uma sentença, [não] tem que obedecer ao formalismo desta", por força da menor restrição ao nível da liberdade e do património das pessoas que implica - v. Ac. do TRC de 09.01.2019, proc. n.° 257/18.0T8SRT.C1, disponível in www.dgsi.pt. Como se aponta no citado acórdão, ainda que não se esteja "na presença de uma técnica jurídica refinada...é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, caracterizado pela celeridade e simplicidade processuais, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu". Consequentemente, embora a decisão a ser apreciada possa não corresponder a um padrão adequado, tanto não determina a sua nulidade, desde que acautele o efectivo exercício do direito de defesa pelo arguido. Isso mesmo sufraga o Ac. do TRL de 11.11.2020, proc. n.° 473/20.5T8SXL. L1-3, in www.dgsi.pt."Naturalmente que seria desejável que a decisão fosse concretizada em eventos da vida real e pormenorizada na indicação de todos os factos de onde o decisor retirou todos os elementos referentes ao funcionamento da máquina e ao dolo na conduta imputada à sociedade arguida. Ainda assim, a omissão de rigor na arrumação desses elementos não afectou as garantias de defesa, nem dificultou o exercício do direito de impugnação judicial, uma vez que são compreensíveis as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas, a entidade administrativa considera que a Arguida, por intermédio dos seus representantes, incorreu no cometimento da contra-ordenação.". Em suma, "é pacifico na jurisprudência que as necessidades de fundamentação das decisões penais e contraordenacionais não são iguais, não sendo exigível à entidade administrativa uma fundamentação tão profunda e exaustiva quanto uma sentença, desde logo porque ela não assume a qualidade de sentença condenatória. Em conformidade, basta uma fundamentação sucinta que permita ao arguido exercer o seu direito de defesa. Deste modo, conclui-se que necessário é que a decisão administrativa contenha os motivos de facto e de direito em que tal decisão se baseou e permitam a sua impugnação judicial", in Ac. do TRL de 09.01.2024, proc. n.° 152/22.9T9VLS.L1-5, in www.dgsi.pt. Ora, no que tange à conduta objetiva, na decisão administrativa consta o seguinte: "Data e local da infração: 16/02/2021, pelas 20h45, em Avenida ..., ... ... (...) - a. Descrição circunstanciada (1) O presente processo tem por base os factos relatados no Auto de Notícia por Contraordenação n. ° 00039/...54, elaborado pelo Posto Territorial .... (2) Os factos relatados no auto supracitado são referentes a uma ação de fiscalização decorrida no âmbito do policiamento geral, no dia 16 de fevereiro de 2021, efetuada por militares do Posto Territorial .... (3) No decorrer da fiscalização foi detetado que no local, sito em Avenida ... - ..., o arguido acima identificado se encontrava em incumprimento do dever de atendimento ao publico em regime de Take Away, tendo este que ser efetuado à porta ou ao postigo. (...) 4. FACTOS PROVADOSa. O arguido acima identificado praticou a infração referida em incumprimento do dever atendimento ao publico em regime de Take Away, tendo este que ser efetuado ao postigo ou no exterior do estabelecimento, dando-se por provado o relatado no auto de notícia por contraordenação em referência, elaborado pelo autuante, em infração à alínea J) do Art.° 2. °. do Decreto-Lei n. ° 28-B/2020 de 26 de junho, conjugado com o n.° 6 do Art.° 28. ° da Resolução do Conselho de Ministros n. ° 92-A/2020, de 02 de novembro. (...) Da culpac. O arguido agiu de forma livre e consciente da ilicitude. d. O arguido atuou consciente que com a sua conduta incorreria numa contraordenação e ainda assim adotou esse comportamento, conformando-se com esse resultado ". Posto isto, afigura-se que a decisão administrativa padece de nulidade porquanto não contém todos os elementos necessários e imposto pelo artigo 58.° do RGCO. De facto, da descrição da conduta da Recorrente acima citada não se extraem as circunstâncias de modo de cometimento da infração, sendo-lhe somente imputado um facto conclusivo. que não permite concretizar, nem descortinar a conduta em causa, de tal modo que também nós não nos mostramos capazes de consignar a mesma como provada ou não provada, no que representou um nítido coartar do direito de defesa da Recorrente. Destarte, não basta aludir ao incumprimento de um dever: tanto constitui somente uma conclusão, que carece de ser densificada: de que modo ocorreu este incumprimento e a venda ao público pela Recorrente, a quem, se a clientes e a que clientes, o que jamais é referido. Por conseguinte, não só não são concretizados os factos pertinentes imputados, como as normas jurídicas que terão sido violadas, não constituem qualquer ilícito de ordenação social, quedando por invocar aquela (norma) que o faz, consistente no artigo 21.°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 3-C/2021. Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 32.°, n.° 10, da CRP, no artigo 58.°, n.°1, al. c), do RGCO e no artigo 122°, n.°1, do CPP, julga-se verificada a nulidade da decisão administrativa, por falta de indicação das normas segundo as quais se pune a infração e, em consequência, revoga-se a mesma e todos os atos praticados após a mesma. * Decorrência do que antecede, encontra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.” *** II.3- Do auto de notícia (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) "Data da ocorrência – 2021-02-16 20:45 (…) LOCAL DOS FACTOS Avenida ..., ... ..., Portugal, (…), Distrito/Concelho/Freguesia: ... - ... - ... ARGUIDO B..., LDA Número de Identificação Fiscal (NIF) ...17 País de registo Portugal Sede Avenida ..., ... ..., Portugal, Distrito / Concelho / Freguesia: ... - ... - ... DESCRIÇÃO DOS FACTOS E INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR Presenciada pelo Autuante? – Sim (…) Descrição Sumária Na data e hora acima mencionado, foi abordado o Sr. AA, nascido ../../1966 com residência na Rua ... - ..., funcionário estabelecimento melhor acima identificado, devido ao referido estabelecimento estar laborar em take away, com clientes no interior do mesmo, incumprindo o dever de atendimento ao público pelo postigo ou no exterior do mesmo, imposto pelo estado de emergência regulamentado pelo decreto 3-c/2021 de 22 de janeiro. INFRAÇÃO (ÕES) Infração n° - 1 Código da Infração - 28.02.10.00 Norma Infringida: Alínea J Artigo 2° Decreto-Lei n° 8-A de 2021-01-22 Norma Punitiva: Artigo 3° n° 1° Decreto-Lei n° 28-B de 2020-06-26, na sua atual redação. Coima - valor mínimo - 1000,00 EURO (EUR) Coima - valor máximo - 10000,00 EURO (EUR)”. *** II.4. Do requerimento apresentado pela arguida ao abrigo do disposto no artigo 50º do D.L. 433/82, de 27.10 (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) “A..., LDA., (…), arguida nos presentes autos de contraordenação, vem, ao abrigo do disposto no artigo 50º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, exercer o seu direito de defesa, nos termo e com os fundamentos que se seguem: 1.º O presente processo de ilícito de mera ordenação social circunscreve-se, de acordo com a notificação recebida, ao campo de aplicação das normas conjugadas dos “artigos 2.º al. j) do Decreto Lei n.º 8-A/2021, de 22/01 e 3.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 28-B/2020, de 26/06, na sua atual redacção”. 8.º Desconhece a arguida a base legal de suporte de atribuição à infração ao código “28.02.10.00” pois que não faz parte do tipo legal a que se referem os “artigos 2.º al. j) do Decreto Lei n.º 8-A/2021, de 22/01 e 3.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 28-B/2020, de 26/06, na sua atual redacção”. 9.º O art.º 2.º do DL n.º 8-A/2021, de 22/01 não prevê quaisquer alíneas, não se conseguindo precisar, por referência ao n.º 1 do art.º 3º do DL 28-B/2020, de 26/06, a que concreta infracção se pretende alegadamente reportar àquele DL n.º 8-A/2021.” *** II.5. Do recurso de impugnação judicial (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) “A... LDA, (…), notificada da decisão condenatória de aplicação de coima referida e não se conformando com a mesma, vem, (…) IMPUGNAR JUDICIALMENTE a dita decisão, (…) o que faz nos termos seguintes: (…) 8.º (…) no auto e noticia vem indicada, como norma punitiva da infracção, a “alínea j) artigo 2.º do Decreto Lei n.º 8-A/2021, de 22/01”, 9.º Vindo agora, na decisão condenatória, a ser alterada e substituída pela “alínea j) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26/06”, ou seja, normativo distinto. 10.º Sem que, para tanto, à recorrente tenha sido conferida qualquer possibilidade de, quanto a esta alteração da qualificação jurídica, poder exercer o seu direito ao contraditório. (…) 16.º Sem prescindir, sempre se dirá, que não foram, no interior do estabelecimento da recorrente, identificados quaisquer indivíduos como se tratando de “clientes”. 17.º Sendo que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritos, bem podiam ser, como tudo indica que fossem, trabalhadores da recorrente no final da sua jornada de trabalho e a prepararem-se para se deslocarem par as suas residências. 18.º Em lado algum do n.º 6 do artigo 28.º da Resolução de Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 02/11 vem referida, mesmo que conjugada com a alínea j) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26/06, a infração pela qual a recorrente veio a ser condenada. (…)”. *** II.6- Apreciação do recurso II.6.1. Dos vícios decisórios – artigo 410º do CPP §1. O recorrente entende que a decisão recorrida padece do vício da contradição insanável entre a matéria de facto provada e a fundamentação previsto na alínea b), do n.º 2 do artigo 410º do CPP: Para tal alega, sucintamente, que os factos provados sob os pontos 2, 3, 4.f.e 4.g. estão em contradição com o segmento da fundamentação de direito na parte em que se refere “da descrição da conduta da Recorrente acima citada não se extraem as circunstâncias de modo de cometimento da infração, sendo-lhe somente imputado um facto conclusivo. que não permite concretizar, nem descortinar a conduta em causa, de tal modo que também nós não nos mostramos capazes de consignar a mesma como provada ou não provada, no que representou um nítido coartar do direito de defesa da Recorrente. Destarte, não basta aludir ao incumprimento de um dever: tanto constitui somente uma conclusão, que carece de ser densificada: de que modo ocorreu este incumprimento e a venda ao público pela Recorrente, a quem, se a clientes e a que clientes, o que jamais é referido.” * §2. Nos termos do artigo 410º, n.º 2 do CPP o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova. Em qualquer um dos apontados fundamentos, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.), tratando-se assim de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente. Sendo do conhecimento oficioso (cfr. acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), percorrida a sentença recorrida teremos que concluir que a mesma não evidencia, por si e no seu texto, os vícios previstos nas als. a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP. * §3. Passemos a analisar o vício decisório invocado pelo recorrente previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do CPP. Conforme já referimos vício da contradição insanável entre a matéria de facto provada e a fundamentação tem necessariamente que decorrer do texto da decisão recorrida e ocorrerá quando consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão, tendo de resultar do texto da própria sentença, sem recurso a elementos externos. Percorrida a sentença recorrida constatamos que não se verifica o vício apontado pelo recorrente. Na verdade, por um lado, dos fundamentos do recurso depreende-se que o recorrente discorda da interpretação que o tribunal a quo fez do disposto no artigo 58º, n.º 1 do RGCO por entender que, na sua óptica, a matéria de facto provada contém todos os elementos do tipo de contraordenação (designadamente, a descrição dos factos imputados), confundindo o seu enquadramento com o vício decisório previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do CPP. Por outro lado, o tribunal a quo não declarou expressamente nula a decisão administrativa por falta de descrição dos factos imputados, o que aliás está em consonância com o que foi decidido numa das questões suscitadas em sede de impugnação, que julgou improcedente a nulidade invocada com fundamento na falta de imputação concreta dos factos integradores da infracção sancionada à recorrente na notificação prevista no artigo 50º do RGCO, já que a descrição factual constante nessa notificação coincide precisamente com aquela que consta na decisão administrativa. Improcede, nesta parte, o recurso. *** II.6.2. Da omissão das normas aplicáveis §1. O recorrente entende que na decisão administrativa não há uma completa omissão das normas segundo as quais se puniu a sociedade arguida, mas apenas uma incompleta menção de todas elas, não ocorrendo a nulidade da decisão administrativa. Alega ainda que, o que se verifica é uma incompleta qualificação jurídica dos factos reveladores de um certo ilícito contraordenacional (um erro na indicação completa das normas que prevêem o ilícito que se imputa à sociedade arguida), o qual na fase de recurso da decisão administrativa é suprível nos mesmos termos em que o seria no âmbito de um processo penal (artigo 358º, n.º 3 do CPP ex vi artigo 41º, n.º 1 do RGCOC). ** §2. Começamos por transcrever as normas legais (pela sua ordem cronológica) à luz das quais será decidida esta questão contidas nos seguintes diplomas: - O Decreto n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro (Regime Geral das Contraordenações) O artigo 58.º com a epígrafe “Decisão condenatória”: “1- A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias dever conter: a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias.” - Decreto Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho O artigo 1º com a epígrafe “Objecto”: “1- O presente decreto-lei estabelece o regime sancionatório aplicável ao incumprimento dos deveres estabelecidos por declaração da situação de alerta, contingência ou calamidade adotada ao abrigo da Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, na sua redacção atual, que aprova a Lei de Bases da Proteção Civil, e da Lei n.º 81/2009, de 21 de Agosto, que estabelece o Sistema de Vigilância em Saúde Pública.” O artigo 2º com a epígrafe “Deveres”: “Durante a situação de alerta, contingência ou calamidade, declarado no âmbito da situação epidemiológica originada pela doença COVID-19 declarada nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, constituem deveres das pessoas singulares e coletivas: (…)”. O artigo 3º com a epígrafe “Contraordenações”: “1- O incumprimento dos deveres estabelecidos no artigo anterior constitui contraordenação, sancionada com coima de € 100,00 a € 500,00 no caso de pessoas singulares, e de € 1000,00 a € 5000,00 no caso de pessoas coletivas.” - O decreto Lei n.º 6-A/2021, de 14 de Janeiro (Altera o regime contraordenacional no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta e agrava a contraordenação relativa ao teletrabalho obrigatório durante o estado de emergência) O artigo 1º com a epígrafe “Objeto”: “O presente decreto-lei procede: a) À quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 37-A/2020, de 15 de julho, 87-A/2020, de 15 de outubro, e 99/2020, de 22 de novembro, que estabelece o regime contraordenacional, no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta; (…)”. O artigo 3º com a epígrafe “Aditamento ao Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho”: “É aditado ao Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, na sua redação atual, o artigo 3º-A, com a seguinte redação: Artigo 3.º A- Critério Especial de medida da coima Durante o estado de emergência, os valores mínimos e máximos das coimas previstas no artigo anterior são elevados para o dobro”. - O Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro (Regulamento estado de emergência decretado pelo Presidente da República) O artigo 1º com a epígrafe “Objeto”: “O presente decreto regulamenta a modificação e prorrogação do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de Janeiro.” O artigo 21º com a epígrafe “Restauração e similares”: “1- Os estabelecimentos de restauração e similares, independentemente da área de venda ou prestação de serviços, funcionam exclusivamente para efeitos de atividade de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento através de entrega ao domicílio, diretamente ou através de intermediário, bem como para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take-away).” - O Decreto n.º 3-C/2021, de 22 de Janeiro (Altera a regulamentação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República) O artigo 1º com a epígrafe “Objeto”: “1- O presente decreto procede à segunda alteração ao Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro, alterado pelo Decreto n.º 3-B/2021, de 19 de Janeiro, que regulamente o estado de emergência decretado pelo Presidente da República.” O artigo 2º com a epígrafe “Alteração ao Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro”: “Os artigos 4º, 15º, 31º e 38º do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação: (…)”. O artigo 6º com a epígrafe “Republicação”: “É republicado, em anexo III ao presente decreto e do qual faz parte integrante, o Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro, na redação dada pelo presente decreto.” - Decreto Lei n.º 8-A/2021, de 22.01 (Altera o regime contraordenacional no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta e procede à qualificação contraordenacional dos deveres impostos pelo estado de emergência) O artigo 1º com a epígrafe “Objeto”: “O presente decreto-lei procede: a) À quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 37-A/2020, de 15 de julho, 87-A/20020, de 15 de outubro, 99/2020, de 22 de Novembro, e 6-A/2021, de 14 de janeiro, que estabelece o regime contraordenacional, no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta;(…)”. O artigo 2º com a epígrafe “Alteração ao Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho”: “Os artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 7º e 8º do Decreto-Lei n.º 28-b/2020, de 26 de Junho, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação: “Artigo 2º […] (…) j) A inobservância das regras de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e similares; (…) Artigo 3º […] 1- O incumprimento dos deveres estabelecidos nas alíneas a) a p) e r) a w) do artigo anterior constitui contraordenação, sancionada com coima de (euro) 100 a (euro) 500, no caso de pessoas singulares, e de (euro) 1000 a (euro) 10000 no caso de pessoas coletivas.” ** §3. Feito o enquadramento jurídico e regressando ao caso que nos ocupa, face à pretensão do recorrente importa apurar se a decisão recorrida contém o requisito previsto na al. c) do nº 1 do artigo 58º do RGCO, na sua redacção actual. Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral”, 3.ª edição, 2006, Vislis Editores, em anotação ao artigo 58.º, “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos”.” Como está escrito no acórdão do TRC de 02.03.2011, relatado por Paulo Guerra (acessível em www.dgsi.pt), “as contra-ordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão-só à tutela de meras conveniências de organização social e económica e à defesa de interesses da mais variada gama, que ao Estado incumbe regular através de uma actuação de pendor intervencionista, que nos últimos anos se vem acentuando com progressiva visibilidade, impondo regras de conduta dos mais variados domínios de relevo para a organização e bem-estar social. Estas normas, ditas de mera ordenação social (que não devem validar a afirmação de que estaremos perante um “direito de bagatelas penais”), não têm a ressonância ética das normas penais mas não deixam de ter a sua tutela assegurada através da descrição legal de ilícitos que tomam o nome de contra-ordenações, cuja violação é punível com a aplicação de coimas, a que podem, em determinados casos, acrescer sanções acessórias. A execução da vertente sancionatória pressupõe um processo previamente determinado, de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal (que por força da gravosa natureza das sanções que por seu intermédio podem ser aplicadas, exige a observância de apertadas garantias de defesa), mas que assegure, ainda assim, os direitos de audiência e de defesa (arts. 32.º, n.º 10, da CRP e art. 50.º do RGCO). Para essa finalidade, o legislador adoptou um procedimento consideravelmente mais simplificado e menos formal do que o processo penal, cujo quadro geral consta dos arts. 33.º e ss. do RGCO”. No caso vertente, começando pelo auto de notícia (cujo teor foi notificado à arguida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50º do RGCO) do mesmo resulta categoricamente que a infracção imputada à recorrente corresponde ao incumprimento do dever de observância das regras de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e similares previsto no artigo 2º, n.º 1, al. j) do DL n.º 28-B/2020, de 26/06, na redacção introduzida pelo DL n.º 8-A/2021, de 22.01 (que aditou esta alínea a este artigo). Nesta parte, pese embora conste no auto de notícia como norma infringida a alínea j) do artigo 2° do Decreto-Lei n.º 8-A/2021, de 22.01, bastava uma leitura atenta e linear deste diploma legal para se apreender sem qualquer dificuldade de interpretação que a dita alínea j) do artigo 2º diz evidentemente respeito ao DL n.º 28-B/2020, de 26.06, não se compreendendo de todo a dificuldade alegada pela arguida em identificar a concreta infracção que aqui estava em causa. Aliás, o artigo 2º do DL n.º 8-A/2021, de 22.01 com a epígrafe “Alteração ao Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho” contém, entre outros artigos, a alteração do referido artigo 2º daquele Decreto-Lei, onde aditou precisamente a alínea j) aqui em questão. Acresce ainda que, desse mesmo auto de notícia também é possível depreender-se quer o concreto dever inobservado pela arguida – o referido estabelecimento estava a laborar em take away, com clientes no interior do mesmo, incumprindo o dever de atendimento ao público pelo postigo ou no exterior do mesmo –, quer o diploma legal que regulamenta esse mesmo dever – o Decreto 3-c/2021, de 22.01. Ora, este decreto veio alterar a regulamentação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República constante no Decreto n.º 3-A/2021, de 14.01. E, da simples análise desse decreto, facilmente depreendemos que o dever aqui em causa, devidamente concretizado no auto de notícia e expressamente comunicado à arguida, está regulamentado no artigo 21º desse Decreto. Mais. Do auto de notícia consta ainda que a infracção imputada à arguida é punida pelo artigo 3º, n.º 1 do DL n.º 28-B/2020, de 26/06, na sua atual redação. Passando para a decisão administrativa importa desde logo salientar que este documento, onde estão refletidas as opções da autoridade administrativa, funciona como um todo e nesse sentido as várias dimensões factuais e justificativas que a compõem devem articular-se, em toda a estrutura da fundamentação (relativa à matéria de facto e relativa às questões de direito). Assim sendo, tendo a decisão administrativa se fundado no auto de notícia para o qual remete expressamente (fazendo parte integrante daquela decisão) é possível determinar qual é o enquadramento normativo da previsão e punibilidade da conduta imputada à arguida, a saber: i) A infracção cometida pela arguida está prevista na alínea j), do artigo 2º do DL n.º 28-B/2020, de 26.06, na sua actual redacção – a inobservância das regras de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e similares – e é punida pelo artigo 3º, n.º 1 do DL n.º 28-B/2020, de 26.06, na sua atual redação e pelo artigo 3º-A, aditado ao DL n.º 28-B/2020, de 26.06 pelo DL n.º 6-A/2021, de 14.01; ii) Essa infração traduziu-se no incumprimento do dever de atendimento ao público em regime de take away, que devia ser feito ao postigo ou no exterior do estabelecimento, dever esse regulamentado no Decreto 3-C/2021, de 22.01, que alterou o Decreto 3-A/2021, de 14.01 (mais precisamente no seu artigo 21º). Ora, a omissão na decisão administrativa do artigo 21º do Decreto n.º 3-A/2021, de 14.01, com a redacção introduzida pelo Decreto 3-C/2021, de 22.01, podendo eventualmente redundar num esforço acrescido para o seu destinatário na identificação dessa norma legal, no caso concreto, não se traduz num elemento absolutamente imprescindível à completude da decisão administrativa, porquanto, com os restantes elementos divulgados na decisão administrativa conjuntamente com o auto de notícia (designadamente, a narração completa da factologia relevante, a identificação da infracção e da respectiva punição) é possível aceder à mencionada norma legal. Donde, não está em causa as garantias de defesa da arguida, tendo esta exercido plenamente o seu direito ao contraditório. Aliás, conforme decorre do seu recurso de impugnação judicial, a arguida pronunciou-se efectivamente sobre a infracção aqui em questão, negando ter clientes no interior do seu estabelecimento, o que inculca que a mesma sabia perfeitamente qual o dever que lhe era imposto para poder funcionar em regime de Take Away e que não foi por ela observado (não se compreendendo a invocação do desconhecimento da legislação em vigor aquando da apresentação do seu requerimento ao abrigo do disposto no artigo 50º do DL n.º 433/82, de 27.10). ** §4. Perante o exposto, a decisão administrativa observou o requisito a que alude o nº 1, al. c) do artigo 58º do RGCO, não padecendo a mesma do apontado vício (independentemente da sua qualificação dada a divergência na doutrina e na jurisprudência sobre a consequência processual para a preterição dos requisitos elencados no citado artigo 58º), tendo naturalmente que a decisão recorrida ser revogada. Em consequência, o tribunal da 1ª instância deverá pronunciar-se sobre as demais questões suscitadas pela arguida no seu recurso de impugnação judicial, sob pena de se coarctar a possibilidade dos sujeitos processuais recorrerem da decisão que versar sobre tais questões. **** III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decide-se: a) Revogar a sentença recorrida na parte em que revogou a condenação da Recorrente A..., Lda., pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, al. j), e 3.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26/06, e do artigo 28.º, n.º6, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 02/11, anulou a decisão administrativa proferida e todos os actos subsequentes a esta e remeteu o processo à entidade administrativa, Secção de Operações Treino e Relações Pública – Guarda Nacional Republicada – Comando Territorial ..., para sanação do vício julgado verificado; b) Determinar que o tribunal da 1ª instância prossiga com os autos, pronunciando-se sobre as demais questões suscitadas pela arguida no seu recurso de impugnação judicial. * Sem custas.Porto, 26.03.2025 Maria do Rosário Martins (Relatora) Luís Coimbra (1º Adjunto) Amélia Maria Catarino Almeida (2ª Adjunta) |