Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
988/22.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20240506988/22.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 05/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico (sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais). Tal indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, mesmo que não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da restrição às oportunidades profissionais à sua disposição quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas;
II - Sendo inviável estabelecer o seu quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função da gravidade das sequelas sofridas;
III - É adequada, necessária e proporcional a importância de 91.000,00€ para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do acidente era carteiro (trabalhando nos CTT – Correios de Portugal) e contava 49 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 17%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares, tendo o período de défice temporário sido de cerca de 1060 dias;
IV - A indemnização por danos não patrimoniais, a fixar por equidade, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão. Tal compensação deve traduzir a ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos do Código Civil;
V - Os preceitos anteriormente referidos devem ser aplicados com prudência e bom senso, pois têm como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais, o que é suscetível de gerar injustiças absolutas e relativas para os lesados, devendo, para as evitar, seguir-se critérios que permitam obter um modelo indemnizatório que conduza a uma maior igualdade, certeza e segurança jurídica, sem se perder de vista as circunstâncias do caso;
VI - É adequada, necessária e proporcional a importância de 35.000,00€ para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo referido lesado, de 49 anos de idade, que, em consequência do acidente, além do mais, sofreu contusão do ombro direito (lado ativo), contusão da grade costal direita com fratura de arcos costais e contusão do joelho direito, tendo sido submetido a cirurgia e ficado com cicatrizes, a padecer de dores, ansiedade, irritabilidade, conflituosidade, manifestações fóbicas, perturbação do sono, angústia, depressão, limitação ao nível da atividade sexual, necessidade de tomar medicação analgésica, antidepressiva e ansiolítica, do referido défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e que teve um quantum doloris no grau 4/7, um dano estético permanente no grau 1/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 2/7, desgosto pela perda de agilidade que passou a ter depois do embate, por não poder gozar a vida como o fazia antes, tendo abandonado as suas atividades lúdicas, nomeadamente ginásio, natação, ciclismo e motociclismo, atividades que praticava regularmente, e desenvolveu um quadro clínico compatível com o diagnóstico de perturbação da adaptação com humor misto, ansioso e depressivo e sintomas fóbicos em relação a andar de mota.
VII - Fixada indemnização com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade, o que manifestamente, não sucede no caso. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 988/22.0T8PNF.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 1




Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Ana Paula Amorim
2º Adjunto: Des. Anabela Morais




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto






Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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RELATÓRIO

Recorrente: “Gabinete Português de Carta Verde”

Recorrido: AA

AA, intentou a presente ação, sob a forma de processo comum, contra o Réu, "Gabinete Português de Carta Verde", pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 150.000,00, acrescida dos juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Alega, para tanto, os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de no dia 27 de julho de 2017, pelas 13h40m, na Rua ..., freguesia ..., Concelho ..., ter ocorrido um embate entre o motociclo com a matricula "..-QM-..", pertencente ao Autor e por ele conduzido e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula "VD-......", pertencente a BB e conduzido por CC.

Mais alega que a faixa de rodagem do seu lado direito, atento o sentido ..., é ladeada por uma baia de estacionamento, local onde se encontrava estacionado o veículo .... O motociclo circulava sobre a referida Rua ..., no sentido ..., a uma velocidade de cerca de 30/40 km/hora, descrevendo a curva que se lhe desenhava para a sua direita, considerado o seu sentido de marcha, distanciado da correspondente berma direita cerca de 1 metro. Quando o condutor do motociclo prosseguia a sua marcha nas referidas condições, surge-lhe pela sua frente, o veículo Renault, que saiu da referida baia de estacionamento e, de imediato, ocupou toda a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo, atravessando-se sobre a referida hemi-faixa de rodagem. O Autor, ao ver obstruída a sua hemi-faixa de rodagem, travou com o intuito de evitar o embate frontal. Atenta a curta distancia que separava ambos os veículos, o motociclo foi embater com a sua frente no painel lateral esquerdo do Renault, na hemi-faixa de rodagem direita da Rua ..., atento o sentido ..., por onde circulava o motociclo, a cerca de 1 metro do eixo da via. Conclui, dizendo, que o sinistro se ficou a dever, única e exclusivamente, à condutora do veículo Renault por ter atuado com negligência.

O Réu, na sua contestação, assume a sua responsabilidade pela ocorrência do sinistro, mas considera excessivos os valores peticionados pelo Autor a título de indemnização.

O Autor, na resposta, mantém os factos por si alegados.


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Foi proferido despacho saneador.

Procedeu-se a audiência de julgamento, com a observância das formalidades legais.


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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto decide-se julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:
a) condenar o Réu "Gabinete Português de Carta Verde", a pagar ao Autor, AA, as seguintes quantias:
€ 95.176,00 pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais contados desde a citação até integral pagamento.
€ 35.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescido dos juros legais, contados a partir da presente data.
c) absolver o Réu do restante pedido contra si deduzido.
e) Custas por Autor e Réu na proporção dos respetivos decaimentos”.
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Apresentou o Réu recurso de apelação, pugnando por que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, nos termos que peticiona, com base nas seguintes
CONCLUSÕES:
“1) Os presentes autos dimanam da ocorrência de um acidente de viação de que foi vítima o Autor/Apelado, não estando controvertida a matéria referente à dinâmica e culpa pela ocorrência do acidente rodoviário em causa, por ter sido, desde logo, assumida pelo Apelante.
2) O Mmo. Tribunal "a quo" condenou a Seguradora ora apelante no pagamento da quantia global de Euro 130.176,00 (incluindo aqui danos patrimoniais e danos não patrimoniais).
3) Não pode, porém, o Apelante conformar-se com tal entendimento, por se afigurar que os valores indemnizatórios fixados a título de dano patrimonial/lucros cessantes e danos não patrimoniais se mostram fundados em critérios desajustados face aos dispositivos legais aplicáveis e ao entendimento maioritário da jurisprudência em situações semelhantes, discordando-se, pois, dos valores em que os mesmos foram fixados, que se mostram amplamente excessivos.
4) Assim, e segmentando o recurso ora interposto, verifica-se que o Réu se insurge contra:
a. Critério utilizado e montante fixado a título de indemnização por lucros cessantes/perda de ganho (que se fixou em € 91.000,00)
b. Valor arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais (que se fixou em € 35.000,00)
c. Valor a título de pagamento de despesas em fármacos ao longo da sua vida (que se fixou em € 4.176,00).
5) Andou mal o Mmo. Tribunal a quo na fixação dos aludidos valores indemnizatórios, que são desadequados aos danos que se pretendem ver ressarcidos impondo-se, pois, a revogação da decisão proferida, nos precisos termos que infra se aduzirá.
6) Perante a supra elencada factualidade considerada provada, e assente que estava, desde o início, o apuramento da responsabilidade pelo evento em apreço nos presentes autos, entendeu o Mmo. Tribunal a quo, e para o que no presente recurso releva, conceder ao Apelado uma indemnização por danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes /dano futuro pela perda da capacidade de ganho, que fixou em Euro 91.000,00.
7) A indemnização em causa deverá obedecer ao disposto nos art. 562° e ss do Cód. Civil.
8) A dificuldade na sua determinação concreta acha-se no facto de se tratarem de danos futuros, razão pela qual não há um entendimento uniforme junto da nossa doutrina e jurisprudência.
9) Refere-se, contudo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/07/2007, in www.dgsi.pt:
"Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante da diminuição da capacidade para os angariar. Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa do lesado. Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido. É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um quantum total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos. Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo,"
10) Ainda, nesta esteira, pronunciou-se este Venerando Tribunal do Porto, no Acórdão de 07/10/2004, mencionando "Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental. No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder á quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou omissão lesiva em causa"
11) Estes juízos lógicos de probabilidade carecem de ser temperados com critérios objetivos e, citando o Prof. Antunes Varela, "a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
12) E ponderando vários fatores, tais como, o grau de incapacidade, a idade da vítima, o tempo provável da sua vida, a natureza do trabalho, a variação dos rendimentos, a possibilidade de progressão na carreira, a desvalorização da moeda em função da inflação, aliando-os a uma correção de acordo com a equidade, temos que, salvo o devido respeito por diversa opinião, o montante indemnizatório arbitrado na douta sentença recorrida mostra-se absolutamente exagerado face ao efetivo dano gerado na esfera jurídica do lesado, sendo mesmo suscetível de lhe gerar um efetivo rendimento que o mesmo jamais viria a obter caso não se tivesse dado o acidente.
13) No caso em apreço e coligida a factualidade que resultou provada nos presentes autos, e sempre com o máximo respeito por opinião diversa, o que se verifica é que o défice funcional de 17 pontos de que o lesado ficou a padecer por virtude do acidente não tem um qualquer específico e permanente rebate profissional.
14) Ou seja, a incapacidade em causa não determina uma efetiva e concreta perda de proventos laborais, implicando apenas esforços suplementares no desempenho da atividade profissional.
15) Não deixou o lesado de auferir o rendimento que percebia antes do evento danoso, exercendo as mesmas funções profissionais que até então vinha desempenhando.
16) Ou seja, em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psico-física).
17) Qualificação esta que não pode deixar de ser tida em linha de conta para a fixação do montante indemnizatório aqui em análise.
18) Entende o Apelante que andou mal o Mmo. Tribunal a quo em múltiplos aspetos atinentes à fixação desta indemnização, a saber:
a. Não podia o Mmo. Tribunal a quo, para o cálculo da indemnização atender, sem mais, ao valor da retribuição anual recebida pela sinistrada
b. Não podia o Mmo. Tribunal a quo, para esse mesmo cálculo, simplesmente multiplicar o valor da remuneração anual pelo número de anos restantes até ao fim da idade útil/activa (que entendeu ser, indevidamente, os 78 anos) pois como se referiu supra não ficou provada a existência de um concreto rebate profissional emergente do défice funcional
19) Escalpelizada a douta decisão aqui posta em crise, o que da mesma se retira é que o Mmo. Tribunal a quo fez um raciocínio puramente linear aplicando à retribuição anual auferida pelo Apelado, a pontuação dos 17 pontos, correspondente ao défice funcional/incapacidade de que o mesmo ficou afetado, e multiplicando tal valor pelo número de anos restantes até perfazer os 78 anos de idade (idade que teve como o fim da vida ativa).
20) Verifica-se que o Mmo. Tribunal a quo opera um raciocínio muito semelhante àquele que dimana do cálculo indemnizatório da pensão devida por acidente de trabalho - que se destina única e exclusivamente a ressarcir uma efetiva perda da capacidade de trabalho/ganho.
21) Mas mesmo neste caso - que se considera ser desajustado aos presentes autos pois, como vimos, não estamos diante da existência de uma efetiva desvalorização para a prestação de trabalho - ainda assim estaria mal a decisão proferida.
22)Desde logo que, mesmo nas indemnizações/pensões calculadas nos termos do direito do trabalho, se opera sempre uma redução do valor em causa (no caso do trabalho mediante a aplicação do fator correspondente à idade e vertido na Tabela aplicável) por forma a impedir que o lesado tenha uma vantagem com o recebimento da quantia indemnizatória de uma só vez, vantagem essa que consabidamente não teria ao trabalhar regularmente e até ao final da sua vida ativa.
23) Entende o Apelante, porém, que não pode ser este o raciocínio e critério a seguir na fixação do valor indemnizatório, a título de dano patrimonial futuro e que o valor da indemnização a fixar deverá ser por reporte à equidade, sempre sem deixar de ter em mente, naturalmente, os factos provados e circunstâncias do caso relevantes para esta apreciação.
24) Assim, e revertendo para o caso em apreço, temos que, para além do vencimento anual do Apelado, os factos tidos como relevantes para a determinação do quantum indemnizatório, a título de dano biológico/dano patrimonial futuro, serão os seguintes:
- Idade: 49 anos à data do evento danoso
- Atividade profissional a que se dedicava: carteiro
- Natureza das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente - sequelas permanentes que lhe demandam um défice funcional de integridade físico-psíquica de 17 pontos
- idade da reforma: 65 anos (e não 70 como se ajuizou na sentença recorrida)
25) Perante tal realidade fáctica e recorrendo aos critérios doutrinários e jurisprudenciais supra referidos, sem nunca esquecer o cálculo decorrente de utilização da fórmula matemática vertida no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/04/1995 compatibilizada com a decorrente do Acórdão do STJ de 05/05/1994, e cotejada com um juízo equitativo, sem esquecer o necessário desconto a operar face à vantagem de receber todo este valor de uma só vez, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, afigura-se adequada a atribuição da indemnização a título de dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico, no valor nunca superior a Euro 45.000,00
26) Ao consignar diverso entendimento a douta decisão proferida violou, entre o demais, o disposto no art. 562° do Cód. Proc, Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, por apelo ao supra alegado, fixe a indemnização a título de dano patrimonial futuro em valor nunca superior a Euro 45.000,00.
27) Com efeito, entendeu o Mmo. Tribunal "a quo" fixar ao A., ora Apelado, a título de indemnização pelo dano não patrimonial, no montante de Euro 35.000,00.
28) Para tanto, e em suma, recorreu a um juízo de pura equidade.
29) Não se conforma, porém, o Apelante com o valor de Euro 35.000,00 assim arbitrado, entendendo-se que o valor compensatório justo e adequado, em face da concreta factualidade dada como provada e por via do vertido no art, 496° do Cód Civil, se quedaria na quantia de Euro 25.000,00, e não mais.
30) Por aferição aos critérios jurisprudenciais a seguir no caso concreto, destaca-se, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012, Proc. 3046/09.0TBFIG.S1, onde se fixou €15.000,00 para lesado com 24/25 anos, estudante, IPG de 13 pontos, decorrente de lesões no punho e tornozelo esquerdo que tenderão a agravar- se no futuro, quantum doloris valorado em 4 numa escala de 7, teve grande sofrimento físico e psíquico com a intervenção cirúrgica a que foi sujeito, e sente grandes dificuldades em nadar, andar de bicicleta e a pé;
31) Ora, comparando tais circunstâncias com a situação concreta do Apelada nos presentes autos - que contava com 49 anos e sofre de desvalorização um pouco superior - não podemos deixar de constatar que a quantia de Euro 35.000,00 arbitrada, se mostra francamente desajustada aos efetivos danos em apreço.
32) E, sobretudo, se atendermos ao facto de que foi autonomamente indemnizado o dano biológico sofrido pelo Apelado.
33) Ora, sempre com o máximo respeito, considera o Recorrente que o Meritíssimo Tribunal a quo se orientou por critérios que embora fundados na equidade, se mostram desfasados da atual realidade e, portanto, desconformes às orientações jurisprudenciais.
34) Recorde-se que o recurso à equidade não afasta a necessidade de cumprir as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente compatível com as circunstâncias do caso concreto.
35) E sob pena da equidade se consubstanciar em verdadeira arbitrariedade.
36) É ainda consabido que a fixação da compensação por danos não patrimoniais implica o recurso aos padrões definidos pela jurisprudência, e de molde a obter-se uma uniformização de critérios que evite o subjetivismo na determinação do quantum indemnizatur.
37) E que se têm entendido, de forma praticamente unânime, que esta compensação tem de revestir um papel significativo, procurando um justo grau de compensação e não se compadecendo com a atribuição de valores simplesmente simbólicos, certo é que se tivermos em linha de conta que os nossos tribunais superiores têm entendido como justo e adequado fixar uma indemnização de Euro 20.000,00 para a dor incomparável e verdadeiramente irressarcível da perda de um filho, facilmente depreendemos que o valor equivalente fixado nos presentes autos para os danos morais sofridos pela Apelada, se mostra completamente excessivo e desajustado.
38) Assim sendo, tendo por base os supra citados arestos, e atendendo à factualidade considerada provada e relevante para esta questão (sobretudo a períodos de défice funcional total, quantum doloris, e demais padecimentos havidos por força do acidente), temos que se mostraria justo e adequado o montante nunca superior a Euro 25.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Apelado.
39) Ao consignar diverso entendimento, andou mal a douta sentença proferida, violando, além do mais, o disposto no art. 496° do Cód. Civil, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que fixe a indemnização atribuída em sede de danos não patrimoniais no montante de Euro 25.000,00.
40) À semelhança do que sucedeu com a indemnização a título de perda de capacidade de ganho, não se operou uma redução do valor (1/3) em causa por forma a impedir que o lesado tenha uma vantagem com o recebimento da quantia indemnizatória de uma só vez, vantagem essa que consabidamente não teria ao receber a quantia a título de despesas de fármacos até ao fim da vida - devendo ser arbitrada a quantia de € 2.784,00”.
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Apresentou-se o Autor a responder pugnando por que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, concluindo bem ter o Tribunal a quo analisado os factos provados e decidido em conformidade com os mesmos, na observância das regras substantivas e/ou adjetivas do nosso direito, e também se ter confinado à jurisprudência atualmente aplicada a casos similares.
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         Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

       Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões decidendas são as seguintes:
1. Se cumpre alterar, em conformidade com as conclusões das alegações, o quantum indemnizatório fixado:
1.1- a título de danos patrimoniais futuros – dano biológico enquanto perda de capacidade de ganho - e a título de despesas de fármacos até ao fim da vida;
1.2- a título de danos não patrimoniais.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

         1. FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição):

1- No dia 27 de julho de 2017, pelas 13h40m, na Rua ..., freguesia ..., Concelho ..., ocorreu um embate entre o motociclo com a matricula "..-QM-..", pertencente ao Autor e por ele conduzido e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula "VD-......", pertencente a BB e conduzido por CC.

2- A faixa de rodagem do seu lado direito, atento o sentido ..., é ladeada por uma baia de estacionamento, local onde se encontrava estacionado o veículo Renault.

3- O motociclo circulava sobre a referida Rua ..., no sentido ..., a uma velocidade de cerca de 30/40 km/hora, descrevendo a curva que se lhe desenhava para a sua direita, considerado o seu sentido de marcha.

4- Distanciado da correspondente berma direita cerca de 1 metro.

5- Quando o condutor do motociclo prosseguia a sua marcha nas referidas condições, surge-lhe pela sua frente, o veículo Renault, que saiu da referida baia de estacionamento e, de imediato, ocupou toda a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo, atravessando-se sobre a referida hemi-faixa de rodagem.

6- O Autor, ao ver obstruída a sua hemi-faixa de rodagem, travou com o intuito de evitar o embate frontal.

7- Atenta a curta distancia que separava ambos os veículos, o motociclo foi embater com a sua frente no painel lateral esquerdo do Renault.

8 - O embate ocorreu sobre a hemi-faixa de rodagem direita da Rua ..., atento o sentido ..., por onde circulava o motociclo, a cerca de 1 metro do eixo da via.

9- A Rua ... liga as localidades ... e vice-versa, por nela se operar o tráfego em ambos os sentidos.

10- A faixa de rodagem desta Rua tem a largura de 7 metros, com hemi-faixas de rodagem de 3,5m de largura, cada uma.

11- O local do embate configura uma curva à direita, com inclinação descendente, atento o sentido ....

12- Quando ocorreu o embate, o piso betuminoso desta Rua encontrava-se seco e com aderência.

13- O Réu, enquanto correspondente da Companhia Seguros A..., pagou ao Autor as despesas médicas, medicamentosas, viagens e vencimentos.

14- O Autor nasceu em ../../1968.

15- Antes do embate, o Autor praticava ginásio, natação, ciclismo e motociclismo.

16- O Autor não padecia de qualquer doença, tinha compleição física, era ativo, alegre, com dinamismo profissional, social e familiar.

17- O Autor, à data do embate, exercia a profissão de CRT (carteiro) afeto aos CTT- Correios de Portugal, Secção de ....

18- Por esta atividade, o Autor auferia o vencimento base mensal de 993,40€, a que acresciam os subsídios anuais de natal e férias de 1.986,80€, ou seja, 993,40€ X 2 diuturnidades mensais, no montante de 152,856, subsidio diário de refeição no montante de 9,01€/dia, abono de falhas mensal no montante de 22,00€, complemento especial de distribuição mensal no montante de 11,66€, diuturnidade especial mensal no montante de 13,11€ e subsidio de condução mensal no valor de 47,52€.

19- O Autor, até à data do embate, tinha um rendimento anual, proveniente da sua mencionada atividade, nunca inferior a 18.806,406.

20- Por causa das lesões sofridas com o embate, o Autor foi assistido no Hospital ..., em ..., onde foi observado e fez exames.

21- Após esta observação foi medicado e regressou a casa.

22- Mais tarde, porque sentia muitas dores, recorreu ao seu médico de família e ao serviço particular de ortopedia do hospital 2....

23- O Autor esteve em tratamentos desde a data da ocorrência do embate até 23 de abril de 2018, data em que reiniciou o seu trabalho, mas com tarefas melhoradas.

24- Em 7 de Junho de 2019 voltou a entrar de baixa médica para ser operado por artroscopia, com a colocação de duas ancoras.

25- Posteriormente fez fisioterapia e veio a ter alta em 21 de junho de 2020.

26- Em consequência do embate o Autor sofreu:

Contusão do ombro direito (lado ativo)

Contusão da grade costal direita com fratura de arcos costais

Contusão do joelho direito.

27- Apresenta como sequelas deste embate:

-Dor à palpação das últimas costelas na grelha costal anterior à direita, com dor à compressão laterolateral e palpação no local.

-Ao nível do membro superior direito: Compleição física forte, notando-se atrofia do braço direito quantificável em 1 cm; ativamente, faz abdução e flexão acima dos 90°, embora não ultrapassando os 130 rotações e retropulsão limitadas, conseguindo levar a mão à nuca, ao ombro oposto à região lombar / nádega direita com alguma dificuldade; Passivamente, abdução completa, conseguindo levar a mão à nuca e ao ombro contrário.

-Tem cicatrizes de artroscopia e atrofia ligeira no ombro direito da cirurgia efetuada.

-Alteração do comportamento.

-Irritabilidade.

-Conflituosidade.

-Manifestações fóbicas deixando de conduzir mota.

-Perturbação do sono.

-Sentimento de angústia.

- A data da consolidação médico legal das lesões é fixável em 21/6/2020.

28 - O período de Défice Funcional Temporário Total é de 4 dias.

29 - O período de Défice Funcional Temporário Parcial é de 1057 dias.

30 - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 650

dias.

31 - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é de 411 dias.

32- As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 17 pontos, sendo tais sequelas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

33 - O Autor apresenta um dano estético permanente de grau 1 numa escala de 1 a 7.

34 - E apresenta um Quantum doloris fixado no grau 4 numa escala de 1 a 7.

35 - Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2 numa escala de 1 a 7.

36- O Autor necessita de medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica, cuja regularidade e tipologia deverá ser definida pelo médico assistente, consoante a evolução clínica.

37 - Por via do embate, o Autor sofreu dores quer as resultantes do impacto causado pelo embate, quer as resultantes dos tratamentos a que foi sujeito, quer as dores que continua e continuará a padecer no ombro, nomeadamente, quando faz esforços no trabalho, carrega pesos e quando tem que elevar os braços acima dos ombros.

38 - O Autor sente um enorme desgosto pela perda de agilidade que passou a ter depois do embate, por não poder gozar a vida como o fazia antes.

39 - O Autor abandonou as suas atividades lúdicas, nomeadamente ginásio, natação, ciclismo e motociclismo, atividades que praticava regularmente.

40 - O Autor por via das elencadas sequelas passou a sentir limitação ao nível de desempenho na atividade sexual, atendendo às dores, rigidez e limitação funcional do ombro direito.

41 - O Autor sofre de persistentes perturbações do humor depressivo e alterações do sono.

42 - O Autor desenvolveu um quadro clinico compatível com o diagnóstico de Perturbação da Adaptação com humor misto, ansioso e depressivo, alterações do sono, sintomas fóbicos em relação a andar de mota, tendo tal perturbação uma valorização de 11 pontos na tabela de incapacidades, existindo um nexo de causalidade entre o evento traumático e a patologia mental apresentada.

43 - O Autor ficou dependente de ajudas medicamentosas correspondendo à necessidade de medicamentos para alívio das dores, antidepressivos e ansiolíticos, correspondendo à toma de comprimidos, no que despende anualmente, em média, 144,00€.

44 - O veículo de matrícula "VD-......" encontrava-se, à data do embate, matriculado em país estrangeiro da Comunidade Económica Europeia, tendo transferido a responsabilidade pelo risco de danos causados a terceiros com a circulação do mesmo para a "Companhia de Seguros A...", por via de um contrato de seguro válido, titulado pela Apólice n.º ...00 e era portador da carta verde.


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         2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram com relevância para a causa os restantes factos, nomeadamente

que:

a) Para além do referido no ponto 32, que as lesões determinaram, como determinam, para o Autor, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22 pontos.
b) O Autor vive angustiado pela ideia do agravamento da instabilidade do seu ombro direito, agravamento que já começa a sentir e que o leva a pensar que o poderá impedir de exercer a sua atividade profissional de carteiro.
c)   O Autor ficou a padecer de contusão óssea na cabeça do úmero, rotura do SE     superior a 50% e com intersecção articular, tendimite do infra-espinhoso (IE), subluxação da articulação acrómio-clavicular (AC) direita, pseudartrose da 7a. e 8a. costela direita, Hipertrofia degenerativa da articulação AC.

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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Decidido se mostra já que por o veículo de matrícula "VD-......" se encontrar à data do embate, matriculado em país estrangeiro da Comunidade Económica Europeia, tendo transferido a responsabilidade pelo risco de danos causados a terceiros com a circulação do mesmo para a "Companhia de Seguros A...", por via de um contrato de seguro válido, titulado pela Apólice n.º ...00 e era portador da carta verde, “Uma vez que o Gabinete Português Carta Verde atua como gabinete gestor, representando os interesses das seguradoras e gabinetes estrangeiros e assegura os direitos das vítimas de acidentes ocorridos em Portugal da responsabilidade das seguradoras inscritas nos gabinetes congéneres estrangeiros, nos termos do disposto no artigo 90.°, al. a), do Decreto- Lei n.° 291/2007, a satisfação das indemnizações devidas nos termos desta lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados, no que aqui interessa, por veículos matriculados em países da Comunidade Europeia, como era o caso, é do Gabinete, pelo que o mesmo é responsável pela indemnização a atribuir ao Autor”.
E encontram-se preenchidos, in casu, os pressupostos do dever de indemnizar com base em responsabilidade civil extracontratual, sendo eles: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano, como bem se analisa na sentença recorrida, o que não é posto em causa neste recurso, que, como se referiu, está delimitado pelas conclusões das alegações do recurso de apelação, acima analisadas.
Na verdade, constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um ato ilícito, a existência de nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do ato ao agente em termos de culpa, apreciada, como regra, em abstrato, segundo a diligência de um “bom pai de família”[1].

1 - Do quantum indemnizatório
Insurge-se o Réu contra os montantes fixados pelo Tribunal a quo, pretendendo que se atribua ao Autor:
- a título de danos patrimoniais pela perda de capacidade de ganho a quantia de €45.000,00 euros em vez dos €91.000,00, fixados pela 1.ª instância.
- a título de despesas de fármacos ao longo da vida a quantia de €2.784,00 em vez de € 4.176,0, fixados na 1ª instância (reduzindo-se de 1/3 por forma a impedir que o lesado tenha uma vantagem com o recebimento da quantia indemnizatória de uma só vez).
- a título de danos não patrimoniais a quantia de €25.000,00, em vez dos €35.000,00 fixados pela 1ª instância.
Vejamos, antes de mais, a fundamentação da decisão recorrida quanto a cada uma das referidas parcelas indemnizatórias que integram a indemnização fixada para determinar o quantum a atribuir.

A sentença recorrida, apreciando a exata medida da obrigação de indemnizar, analisa ser o dano biológico indemnizável autonomamente, referindo:
Em consequência do acidente, o Autor sofreu lesões que lhe provocaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 17 pontos, sendo tais sequelas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (ponto 32), aqui se incluindo a valorização de 11 pontos na tabela de incapacidades por o Autor sofrer de uma Perturbação da Adaptação com humor misto, ansioso e depressivo, alterações do sono, sintomas fóbicos em relação a andar de mota, existindo um nexo de causalidade entre o evento traumático e a patologia mental apresentada (ponto 42).
O Autor nasceu em ../../1968 (ponto 14), tendo 49 anos à data do acidente. O Autor, à data do embate, exercia a profissão de CRT (carteiro) afeto aos CTT- Correios de Portugal, Secção de .... Por esta atividade, o Autor auferia o vencimento base mensal de 993,40€, a que acresciam os subsídios anuais de natal e férias de 1.986,806, ou seja, 993,406 X 2 diuturnidades mensais, no montante de 152,856, subsidio diário de refeição no montante de 9,016/dia, abono de falhas mensal no montante de 22,006, complemento especial de distribuição mensal no montante de 11,666, diuturnidade especial mensal no montante de 13,116 e subsidio de condução mensal no valor de 47,526. O Autor, até à data do embate, tinha um rendimento anual, proveniente da sua mencionada atividade, nunca inferior a 18.806,406. (pontos 17 a 20)
Nos termos do art. 564°, n.° 2, do CC, "na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (...)".
Por sua vez, o já citado art. 566°, n.° 3, do CC, manda ajuizar em termos de equidade sempre que não seja possível averiguar o valor exato dos danos. Note-se que não se justifica aqui a aplicação da segunda parte do n.° 2 do art. 564°, porquanto o dano ora em análise é determinável.
A jurisprudência tem usado, ao longo dos tempos, critérios ou fórmulas diferentes para o cálculo da perda da capacidade de ganho.
Aquele que nos parece mais correto, embora como critério meramente orientador, sendo provavelmente o mais seguido, determina que a indemnização seja calculada "em atenção ao tempo de vida do lesado, de forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a comparticipação do próprio capital, compense, até ao seu esgotamento, a vítima dos ganhos de trabalho que, durante esse tempo, perdeu".  (…) justificando-se que o ponto de partida tenha uma base técnico contabilística, como critério indicativo e orientador, a final não poderá deixar de se corrigir o capital obtido fazendo apelo à equidade e às características específicas do caso concreto.
Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outras, circunstâncias como o rendimento anual perdido, a percentagem de incapacidade para o trabalho em geral e para a profissão habitual, a idade da vítima à data do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez, as suas condições de saúde ao tempo do sinistro, o tempo provável da sua vida ativa, a natureza do trabalho que realizava, o salário líquido obtido, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juro dos mercados financeiros, a perenidade do emprego, a progressão na carreira, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade (…) considerando um quadro normal de vida e saúde, que o Autor venha a exercer a sua atividade, pelo menos, até aos 70 anos, estando a esperança de vida dos homens fixada nos 78 anos de idade”.

Quanto a pagamento da despesa de fármacos ao longo da sua vida considerou o Tribunal a quo: “Resulta da factualidade provada que o Autor necessita de medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica, cuja regularidade e tipologia deverá ser definida pelo médico assistente, consoante a evolução clínica. (ponto 36)”, “O Autor ficou dependente de ajudas medicamentosas correspondendo à necessidade de medicamentos para alívio das dores, antidepressivos e ansiolíticos, correspondendo à toma de comprimidos, no que despende anualmente, em média, 144,00€. (ponto 43)” e “Atendendo à esperança de vida dos homens fixada nos 78 anos de idade” chegou ao montante de € 4.176,00.
E entende quanto aos “Danos não patrimoniais” terem os mesmos de ser objeto de compensação relevando para a fixação da indemnização os factos provados dos pontos 15, 16, 20 a 31, 33 a 40, referindo:
“Valorizando-se os mencionados danos por referência ao momento atual, considerando que o Autor, por causa do embate, foi operado por artroscopia, com a colocação de duas ancoras, tendo efetuado posteriormente fisioterapia. Teve um período de Défice Funcional Temporário Total é de 4 dias, de Défice Funcional Temporário Parcial é de 1057 dias, de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é de 650 dias e de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é de 411 dias.
O Autor apresenta um quantum doloris fixado no grau 4 numa escala de 1 a 7, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2 numa escala de 1 a 7.
O Autor necessita de medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica. Por via do embate, o Autor sofreu dores quer as resultantes do impacto causado pelo embate, quer as resultantes dos tratamentos a que foi sujeito, quer as dores que continua e continuará a padecer no ombro, nomeadamente, quando faz esforços no trabalho, carrega pesos e quando tem que elevar os braços acima dos ombros.
O Autor sente um enorme desgosto pela perda de agilidade que passou a ter depois do embate, por não poder gozar a vida como o fazia antes, por ter abandonado as suas atividades lúdicas, nomeadamente ginásio, natação, ciclismo e motociclismo, atividades que praticava regularmente.
O Autor por via das elencadas sequelas passou a sentir limitação ao nível de desempenho na atividade sexual, atendendo às dores, rigidez e limitação funcional do ombro direito.
Assim, não restam dúvidas que estamos perante um dano não patrimonial relevante - merecedor da tutela do direito - quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alterem a sua situação patrimonial - cfr. De Cupis, II Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, I, 2a ed., Milano, 1966, págs. 44 e ss. -, quer pela formulação positiva, segundo a qual, o dano não patrimonial ou dano moral, tem por objeto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insuscetível em rigor, de avaliação pecuniária. A indemnização não visa então propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 4a ed., pg. 560 e Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pg. 270.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso ( haja dolo ou mera culpa do lesante ), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização - art. 494°, "ex vi" do art. 496°, n° 3 do C.Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda etc., sendo fundamental que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica ou miserabilista”.


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         Vistas as conclusões das alegações, a parte dispositiva da sentença e a fundamentação para os concretos danos sofridos, posta em causa no recurso apenas relativamente aos referidos montantes atribuídos pelo dano biológico e de despesas com medicação durante a vida e pelos danos não patrimoniais, cumpre analisar os critérios que hão de presidir à indemnização a fixar e decidir o quantum indemnizatório a atribuir ao Autor pelo dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho) e referidas despesas e pelos danos não patrimoniais que sofreu.
1.1 – Dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho)
A responsabilidade do Réu traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado, designada por obrigação de indemnizar, cujo princípio geral se encontra consagrado no artigo 562.º, do Código Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência.
 No quadro da responsabilidade civil, a nossa lei não contempla uma definição de dano, mas refere-o como sendo um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, quer da responsabilidade civil extracontratual quer da responsabilidade civil contratual (v. artigos 483.º, n.º 1, e 798.º), e fornece os parâmetros que permitem chegar a uma definição. Desde logo, o referido artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, consigna que: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e o artigo 563.º, sob a epigrafe “Nexo de causalidade”, prescreve que: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (teoria da causalidade adequada).
Quais são, pois, os danos indemnizáveis?
Refere Joaquim José de Sousa Dinis “Fazendo um zoom sobre a realidade “dano”, como o fez o Ac. do STJ de 28/10/92 (CJ, Ano XVII, T.4, p. 28 e ss), podemos encontrar os seguintes aspectos:
1 - Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 - Ganhos cessantes;
3 – Lucros cessantes;
4 – Custos de reconstituição ou reparação;
5 – Danos futuros;
6 – Prejuízos de ordem não patrimonial.
Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida destes; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. Mas não deve ser confundida: a) com a perda de capacidade de trabalho que é nitidamente um dano direto, que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades (…).
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer,… e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
Segundo certa classificação dos danos eles podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado. Os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza)”[2]
O “dano” ou “prejuízo” consagrado, desde logo, no referido art. 564º, surge sob vários aspetos. Na verdade, o dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) – nº1 – e os danos futuros – nº2.
A responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
O montante indemnizatório deve equivaler ao dano efetivo, à avaliação concreta do prejuízo sofrido (e não à abstrata), sendo certo que decore do nº1, do artigo 564º, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim, o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes.
Nessa base, a doutrina tem definido o dano, embora sob formulações variadas, como sendo a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa, que é juridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito.
Daí que o dano não traduza uma realidade puramente empírica nem uma mera categoria normativa. Assume-se, antes, como um conceito empírico-normativo, que convoca um dado naturalístico mas requer um referencial normativo.
Exige-se, pois, que traduza uma equação entre a situação económica real em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.
Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão desenhada com apelo a um juízo de probabilidade, e não a uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão.
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é, na verdade, condição essencial à obrigação de indemnizar.
Se esse prejuízo se regista ou se reflete na situação patrimonial do lesado estamos perante um dano patrimonial. E este manifesta-se, como vimos, sob duas modalidades: o dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão, e o lucro cessante que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito. O dever de indemnizar compreende um e outro, como flui do disposto no n.º 1 do art. 564º. Este preceito abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho[3].
Mas, como evidencia PESSOA JORGE, que segue o entendimento de VAZ SERRA e de PEREIRA COELHO, o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho (cfr. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa 1972, pág. 378 e nota (348).[4]
Conforme ensina Galvão Teles os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho[5].
Os lucros cessantes correspondem aos ganhos que o lesado deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património[6]
Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho[7].
Pires de Lima e A. Varela fazem ressaltar que o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o acto lesivo [8].
O lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho – o que não se verifica nos casos em que existe uma simples expectativa, uma mera possibilidade de a vítima vir a ser titular dessa situação jurídica.[9]
Acresce que a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar.
O art. 566º, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido[10].
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento[11].
Manda, ainda, como vimos, atender aos danos futuros (nº2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.
Na responsabilidade civil extracontratual, designadamente a emergente de acidente de viação, e no âmbito dos danos patrimoniais, previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 562.º a 564.º, encontram-se os danos resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.
No âmbito destes, movemo-nos no chamado dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, podendo, neste, distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.
Na incapacidade fisiológica ou funcional, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente, previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, incluindo, eventualmente, as suas tarefas profissionais. É esse agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização (autónoma) pelo dano biológico. Há, assim, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos futuros ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando a demonstração de que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano. Indemniza-se, assim, basicamente o dano corporal sofrido, por si, quantificado por referência a um índice 100 (que corresponde à plena integridade psicossomática), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode, até, não existir. Este entendimento, que vem sendo perfilhado pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela, sempre lhe exigindo um esforço ou transtorno acrescido, independentemente da sua repercussão negativa a nível salarial.[12]
Na reparação do dano corporal, a jurisprudência tem procurado, com vista a encontrar o quantum indemnizatório, determinar o capital que produza o rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a métodos matemáticos, sendo entendimento jurisprudencial uniforme que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como meros índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender, sempre, à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornam único e diferente[13].
Na verdade, é uniforme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras, e, sendo o recurso a fórmulas meramente indiciário, não pode o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade.
No cálculo da indemnização, com recurso à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, iremos socorrer-nos, como critério objetivador, aferidor e orientador, com vista a evitar subjetivismos, das fórmulas matemáticas, designadamente da enunciada no Ac. STJ. de 04/12/2007, Proc. 07A3836, in base de dados da DGSI, da prevista nos estudos efetuados pelo Dr. Sousa Dinis, in CJ/STJ, 1997, t. II, págs. 11 e ss e das enunciadas na Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo que o recurso a elas é meramente indicador e instrumental, já que o critério que vai presidir, até por imposição legal, à fixação desta concreta indemnização é a equidade.
Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são, de modo algum, imperativas. Até se refere no Acórdão deste STJ, de 18.3.97, in CJ STJ, 1997, II, 24: “Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.
Na determinação do quantum indemnizatório correspondente ao citado dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, o tribunal está, apenas, sujeito aos critérios que emergem do Código Civil, em particular ao da equidade, sendo que os consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam ser atentados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do sistema substantivo, primordialmente  do Código Civil.
O DL nº 352/2007, de 23/10, que veio introduzir na Ordem Jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidade Permanentes em Direito Civil e a Portaria nº 377/2008, de 26/5, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente automóvel. A Portaria nº 679/2009, de 25/6, veio atualizar os valores daquela de acordo com o índice de preços ao consumidor em 2008 e alargou o direito indemnizatório por esforços acrescidos.
Porém, tais “valores orientadores” são apenas uma reflecção.
Como é comummente entendido, os juízes não devem lançar mão destas tabelas, que quando muito servirão para comparar, para fazer simulações – cfr.  designadamente Joaquim José de Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), sustenta serem estas tabelas apenas orientadoras e que “Se forem utilizadas, o juiz no seu prudente arbítrio tem o dever de “saltar” para fora dos valores máximos” não devendo delas ficar “escravo” , nunca podendo olvidar o art. 496º, do CC. “Caso contrário corre-se o risco de se implantar nas decisões judiciais uma “ditadura das seguradoras”[14].
Na verdade, é entendimento jurisprudencial uniforme que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consagrados no Código Civil, não vinculando os tribunais na administração da justiça nos casos concretos. Os mesmos visam, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, a servir de critério orientador para esse confessado fim.[15] Até no próprio preâmbulo se refere, expressamente, que o objetivo da mesma não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do D.L. n.º 291/2007, de 21.08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando, ainda, que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.
Deste modo, e não obstante as referidas Portarias, os critérios a seguir na fixação das indemnizações continuam a ser os emergentes do Código Civil, mormente o da equidade, devendo, por razões de igualdade e desejável uniformidade jurisprudencial, com vista a uma maior certeza e segurança jurídicas, nos valores tendencialmente a fixar serem seguidos os aplicados pelo mais Alto Tribunal em casos idênticos.
Assim, as tabelas financeiras, tal como as tabelas constantes das Portarias nº 377/2008, de 26 de maio e nº 679/2009, de 25 de junho, servem, apenas de indicador[16], podendo é definir o patamar inferior da indemnização a arbitrar (porque ponderam já a disponibilidade imediata do capital).
Sendo grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC - parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.
Deve a estimativa desse dano fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, n.º 3, e, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida, da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
Como se referiu, são utilizadas fórmulas e tabelas matemáticas como auxiliares de cálculo, que servem como instrumento de trabalho e têm grande utilidade na medida em que nos serve de farol para, ponderando tudo, se alcançar a decisão mais justa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre muitos o Ac. de 8/5/2012 – Processo 3492/07.3TBVFR.P1, in www.stj.pt) vem fazendo um esforço de clarificação, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, de modo a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis.
Os princípios fundamentais adotados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, resumidos na citação constante do Acórdão de 05 de julho de 2007, no processo n°07A1734, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Nuno Cameira, são os seguintes:
A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal "das coisas, é razoável”;
As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)[17].
No caso dos autos, pese embora o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta o Autor, o facto disso poder não gerar perda de rendimentos laborais não implica que, pelo défice de que padece, não tenha de ser indemnizado, havendo a considerar, como vimos, como dano futuro o dano biológico já que a afetação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.
No Ac. da Relação de Guimarães de 18/12/2017, proc. nº 2050/12.5TJVNF.G1, em que a ora relatora foi adjunta, refere-se que “O conceito de “dano biológico” surgiu em Itália e no ordenamento jurídico nacional não existe consenso quanto à forma de ressarcimento desse dano: a posição maioritária é que esse dano deve ser valorado na vertente patrimonial; outra corrente sufraga que esse dano carece de ser valorado na vertente patrimonial ou na não patrimonial, conforme a apreciação casuística do caso; uma terceira corrente entende que se está perante um tertium genus, não subsumível à categoria dos danos patrimoniais ou não patrimoniais, devendo ser indemnizado de per se.
O dano biológico, na medida em que constitui uma lesão de bens eminentemente pessoais do lesado (a saúde), determinando-lhe uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do seu corpo no desenvolvimento de todas as suas atividades (sejam profissionais, lazer, familiar e demais dimensões da sua vida), carece de ser, sempre, indemnizado na vertente patrimonial, independentemente de ter ou não repercussões negativas a nível salarial ou na atividade profissional do lesado, mesmo que este último não desempenhe, à data do evento, atividade profissional remunerada e, ainda que se trate de pessoa já reformada.
O cálculo dessa indemnização (frustração da capacidade de ganho futura) é feito por recurso à equidade, devendo como critério objetivador, instrumental e orientador, ter-se presente as fórmulas matemáticas seguidas pela jurisprudência”.
Também no Ac. Relação de Guimarães, proc. 1315/14.6TJVNF.G1 em que a ora relatora foi, igualmente, adjunta se decidiu e vem sumariado “A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas.
Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoa. Esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu” quantum”, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa.
Sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjetivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto”.
Como se refere no Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 13/7/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, relator Senhor Juiz Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, a “lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária[1][18].
Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[2] . (sublinhado e negrito nosso).
No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1[3], considerou que:
“… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de -emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”
E, no mesmo aresto, se acrescenta que:
“Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal…”
Assim, a este propósito podem projetar-se em dois planos:
- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual”[19].
Como se refere no citado Acórdão do STJ de 19/5/2009, o “dano biológico que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.
“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.
O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida”.
A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida”.[20]
Ora, in casu, resulta provado que, em consequência do acidente de viação, ocorrido em 27 de julho de 2017, o Autor, que nasceu no dia ../../1968, sofreu contusões do lado direito, no ombro, grade costal e joelho, ficando a padecer de dores, que se agravam com esforços, perda de agilidade, com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17 pontos e, apesar de não estar impedido de exercer a sua atividade tal incapacidade implica esforços suplementares nesse exercício.
A aptidão funcional do Autor está comprometida, havendo, para efeito de indemnizar o dano biológico, que ponderar não apenas o tempo de atividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo da sua vida.
 E como se refere no citado Acórdão do STJ de 19/5/2009 “A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima.
É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt.
“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt.
A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais.(…) O trabalho doméstico, no contexto da vivência familiar, tem um valor avaliável em dinheiro ainda que nenhuma remuneração haja; por outro lado, pese embora a idade da lesada à data do acidente, ela executava sem auxílio de ninguém as tarefas da casa, sinal que a sua capacidade laboral, ainda que para aquelas funções, existia e ficou afectada com o acidente.
A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.
Pelo que deixamos entrever o facto de o Autor não ter perdido rendimentos em consequência da lesão não invalida que seja ressarcido por causa da IPG que o afecta. Esse dano é indemnizável em si mesmo como dano patrimonial.(…) Também aqui haverá que, numa perspectiva de equidade, ponderar que esse auxílio perdurará pelo tempo de vida da Autora, devendo atender-se à expectativa de vida estatística, da longevidade como pessoa do sexo feminino, devendo ponderar-se, também, o custo da evolução salarial desse prestador de serviços, pelo que considerando a expectativa de vida da Autora, cerca de 24 anos, não se afigura violadora da equidade a indemnização que as instâncias atribuíram …”[21].
Como se refere no Ac. do STJ 10/11/2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, “ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização (…).
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma …): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro de 3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).
Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
… Saliente-se, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui, como é evidente, integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão no leque de oportunidades profissionais de quem o sofre - e, portanto, enquanto reflectido na previsível carreira profissional da lesada, ressarcível ainda no perímetro dos danos patrimoniais futuros.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em limitações funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo lesado.
A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18 anos de idade, ficando as perspectivas de evolução no campo profissional plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das gravosas lesões corporais sofridas.
E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional – considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação adequada desse dano biológico o valor de €15.000, que acrescerá assim ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido”[22].
Assim, constata-se, à luz das regras da experiência, que as referidas sequelas sofridas pelo Autor são de molde a afetar, para além das tarefas do seu quotidiano, o cabal desempenho da sua atividade laboral, representando, nessa medida, uma diminuição da sua capacidade económica, avaliável em termos do dito dano biológico (vertente patrimonial).
Cumpre, ainda, esclarecer, por forma a que não fique ideia errada de existência de duplicação da avaliação do mesmo dano, que na avaliação do dito dano biológico só relevam as implicações de alcance económico e não as respeitantes a outras incidências, mas sem um alcance dessa natureza (económica). Nessa linha, e como se decidiu no referido acórdão, não é de ter em conta aqui, por exemplo, as implicações na vida sexual do lesado, vertentes estas a ser ponderadas em sede de danos não patrimoniais.
E como aí se refere “não se apurando o valor exato da referida diminuição de rendimento económico … nem, dadas as suas características, se divisando tão pouco a viabilidade de um apuramento exato, não se mostra adequado, como se referiu na sentença da 1.ª instância, recorrer a um cálculo puramente aritmético, restando lançar mão do critério da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas existentes” (negrito e sublinhado nosso).
Valorando os dados de facto, considera-se que não merece censura o decidido no que respeita aplicação de tabelas financeiras correntes, baseadas em concreta e efetiva remuneração à data do acidente e no Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, temperados com juízos de equidade.
Assim, segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta o referido circunstancialismo, as consequência das lesões sofridas pelo Autor com o acidente, considerando a  sua idade e expetativa de vida de acordo com os dados do INE, tem-se por ajustada e em linha com os padrões da jurisprudência[23] a valoração do dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, na quantia fixada pelo Tribunal de 1.ª instância - de €91.000,00 para o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho do Autor.
Nenhuma censura nos merece, pois, a sentença recorrida quando nela se atribui uma indemnização pelo dano patrimonial futuro (perda da capacidade de ganho futura) sofrida pelo autor, correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, com que se encontra afetado em consequência do comportamento ilícito e culposo do condutor do veículo causador do acidente.

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Quanto a despesa de fármacos ao longo da vida do Autor, considerou o Tribunal a quo e resulta da factualidade provada que o Autor necessita de medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica, cuja regularidade e tipologia deverá ser definida pelo médico assistente, consoante a evolução clínica e que o Autor ficou dependente de ajudas medicamentosas para alívio das dores, antidepressivos e ansiolíticos, no que despende anualmente, em média, 144,00€.

Se bem atentarmos, este montante a pouco mais de 10,00 € por mês corresponde e atendendo à esperança de vida do Autor chegou o Tribunal a quo ao montante de € 4.176,00, não se justificando a pretendida redução atentos os factos que resultaram provados, nenhum fundamento legal existindo a justificar a sua redução, tanto mais que o preço dos medicamentos bem pode, também, sofrer agravamento.


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1.2 - Quanto à compensação pelos danos não patrimoniais
Estabelece o art. 496º, do Código Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que: 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E o nº 4, do referido artigo, que O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.
Resulta, assim, do referido nº1 a admissibilidade genérica do ressarcimento dos danos não patrimoniais. Como dele decorre, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito.
Antunes Varela define danos não patrimoniais como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[24].
Luís Manuel Teles Menezes Leitão define-os como “aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido”[25].
Tais danos só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar, objetivamente, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. A gravidade mede-se por um critério objetivo, de normalidade e bom senso prático. A gravidade deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc”[26] .
Enunciam-se alguns danos não patrimoniais que têm sido, recentemente, considerados pela jurisprudência merecerem a tutela do direito como: a perceção que o lesado, mesmo em estado de não (pelo menos completa) consciência, possa ter da situação em que se encontra, do grau de irreversibilidade das lesões, a destruição de um projeto de vida de casal, a impotência sexual de que fique a padecer o lesado bem como o consequente dano de seu cônjuge ou companheiro, o dano biológico, isto é a perda de qualidade de vida do sujeito[27].
No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente ao autor revestem elevada gravidade, como bem foi decidido, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. Por graves, tem o Autor direito a ser indemnizado por eles, como a própria recorrente reconhece, cabendo determinar qual o quantum a atribuir.
Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no art. 562º, do C Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (v. nº2 do art. 566º).
Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.
E “se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe proporcionavam”[28].
Nos termos do nº4, do 496º, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar. Este tipo de indemnização será fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
E daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais “não se reveste de natureza exclusivamente ressarcitória, mas também cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[29].
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto, Processo 108/08.4TBMCN.P1, de 8/7/2010, “refere “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização», «aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc”[30].
Estes preceitos devem ser aplicados com prudência, pois a sua aplicação tem como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais[31], como entende Galvão de Teles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p.357, nota 1, o que pode, por isso, gerar injustiças para os lesados, a beliscar a certeza e segurança jurídicas, fins sempre tidos em vista na aplicação da justiça.
Como afirma Dário Martins de Almeida[32], “pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. …A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Como é sabido, a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é suscetível de equivalente[33]. “É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante”[34].
E a indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofrera em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica.
Tal compensação deve “ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[35]. E para haver uma efetiva compensação têm de ser ponderados os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo.
A lei ao, através da remissão feita no art. 496°, n°4 “para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório"[36].
Como se refere no Ac. de 18/12/2017, proc. nº 397.12.5TBAMR.G1, da Relação de Guimarães, em que a ora relatora foi adjunta, “nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento.
Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil.
Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 4 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares.[37]
Com efeito, como se refere no citado Ac. STJ de 18.06.2015,[38]não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso).
E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhado nosso).
No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015[39] (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto.
Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.[40]
Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo.
Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Está-se, pois, aqui perante uma indemnização com natureza não estritamente reparadora, mas também sancionatória, devendo considerar-se o grau de culpa do agente uma vez que o sofrimento ou desgosto do lesado é o reflexo dele.
Como se refere no Acórdão do STJ de 19/5/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1“realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se, no seu ensino, os tratadistas.
Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299.
Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, nº l, 1º ano, Setembro, 1992, p. 21”.
O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”.
Também no Acórdão do STJ de 13/7/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, se refere “Como ensina o Sr. Prof. Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta lesiva[41].
Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente. Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver"[42].
Analisando a prática dos tribunais, constatamos que os quantitativos indemnizatórios, que antes eram quase simbólicos, têm vindo progressivamente a subir nos últimos anos.
In casu, foi violada a integridade física do Autor, que viu o acidente causar-lhe danos corporais graves - que lhe deixaram sequelas permanentes - e, como tais, merecedores da tutela do direito.
Face aos factos que resultaram provados, vejamos qual a indemnização a atribuir pelos danos em causa.
Visto o enquadramento jurídico da questão e subsumindo o direito aos factos verifica-se que o autor não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa. Antes o mesmo se deveu a culpa exclusiva do outro condutor interveniente no acidente.
Demonstrou-se, com relevância para a determinação do quantum da indemnização pelos danos não patrimoniais a atribuir ao Autor que:
- por causa das lesões sofridas com o embate, o Autor foi assistido no Hospital ..., em ..., onde foi observado e fez exames e após esta observação foi medicado e regressou a casa, sendo que mais tarde, porque sentia muitas dores, recorreu ao seu médico de família e ao serviço particular de ortopedia do hospital 2....
- esteve em tratamentos desde a data da ocorrência do embate até 23 de abril de 2018, data em que reiniciou o seu trabalho, mas com tarefas melhoradas.
- em 7 de Junho de 2019 voltou a entrar de baixa médica para ser operado por artroscopia, com a colocação de duas ancoras.
-  fez fisioterapia e veio a ter alta em 21 de junho de 2020.
- Em consequência do embate o Autor sofreu: contusão do ombro direito (lado ativo) contusão da grade costal direita com fratura de arcos costais e contusão do joelho direito.
- Apresenta como sequelas deste embate:
. dor à palpação das últimas costelas na grelha costal anterior à direita, com dor à compressão laterolateral e palpação no local.
. Ao nível do membro superior direito: Compleição física forte, notando-se atrofia do braço direito quantificável em 1 cm; ativamente, faz abdução e flexão acima dos 90°, embora não ultrapassando os 130 rotações e retropulsão limitadas, conseguindo levar a mão à nuca, ao ombro oposto à região lombar / nádega direita com alguma dificuldade; Passivamente, abdução completa, conseguindo levar a mão à nuca e ao ombro contrário.
.Tem cicatrizes de artroscopia e atrofia ligeira no ombro direito da cirurgia efetuada.
. Alteração do comportamento.
. Irritabilidade.
. Conflituosidade.
. Manifestações fóbicas deixando de conduzir mota.
. Perturbação do sono.
. Sentimento de angústia.
- A data da consolidação médico legal das lesões é fixável em 21/6/2020.
- O período de Défice Funcional Temporário Total é de 4 dias.
- O período de Défice Funcional Temporário Parcial é de 1057 dias (sendo o período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 650 dias e o período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 411 dias).
- As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 17 pontos, sendo tais sequelas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
- O Autor apresenta um dano estético permanente de grau 1 numa escala de 1 a 7.
- E apresenta um Quantum doloris fixado no grau 4 numa escala de 1 a 7.
-Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2 numa escala de 1 a 7.
- O Autor necessita de medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica, cuja regularidade e tipologia deverá ser definida pelo médico assistente, consoante a evolução clínica.
 - Por via do embate, o Autor sofreu dores quer as resultantes do impacto causado pelo embate, quer as resultantes dos tratamentos a que foi sujeito, quer as dores que continua e continuará a padecer no ombro, nomeadamente, quando faz esforços no trabalho, carrega pesos e quando tem que elevar os braços acima dos ombros.
- O Autor sente um enorme desgosto pela perda de agilidade que passou a ter depois do embate, por não poder gozar a vida como o fazia antes.
 - O Autor abandonou as suas atividades lúdicas, nomeadamente ginásio, natação, ciclismo e motociclismo, atividades que praticava regularmente.
 - O Autor por via das elencadas sequelas passou a sentir limitação ao nível de desempenho na atividade sexual, atendendo às dores, rigidez e limitação funcional do ombro direito.
 - O Autor sofre de persistentes perturbações do humor depressivo e alterações do sono.
 - O Autor desenvolveu um quadro clínico compatível com o diagnóstico de Perturbação da Adaptação com humor misto, ansioso e depressivo, alterações do sono, sintomas fóbicos em relação a andar de mota, tendo tal perturbação uma valorização de 11 pontos na tabela de incapacidades, existindo um nexo de causalidade entre o evento traumático e a patologia mental apresentada.
- O Autor ficou dependente de ajudas medicamentosas correspondendo à necessidade de medicamentos para alívio das dores, antidepressivos e ansiolíticos.

           Ora, perante o referido circunstancialismo fáctico, a atender e tendo em conta, designadamente, a idade do autor à data do acidente, a experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, o período de convalescença, a cirurgia e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris, a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa grave e exclusiva do condutor do veículo segurado na ré, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência[43], afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização fixada pelo tribunal a quo no valor de 35.000,00€, para a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
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Diga-se, ainda, quanto aos valores fixados, que o juízo de equidade da 1ª instância, “essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”[44], pelo que sempre os montantes indemnizatórios, por inteiramente conformes ao referido, devem ser mantidos.
Assim, fixada a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade, o que manifestamente, não sucede no caso. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida. 

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Improcedem, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer normativo invocado pelo apelante, devendo a decisão recorrida ser mantida.

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         III. DECISÃO

           Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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           Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.








Porto, 6 de maio de 2024,
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Ana Paula Amorim
Anabela Morais

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[1] Acórdão do STJ, de 10.3.1998, BMJ 475, pág 635.
[2] José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg
[3] Acórdão do S.T.J. de 21/11/79, BMJ. nº 291, pág. 480.
[4] Acórdão do STJ de 18/12/2007 Processo 07B3715, in dgsi.net
[5] Galvão de Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 373.
[6] Acórdão do S.T.J. de 4/3/80, RLJ, 114º- 317.
[7] Acórdão do S.T.J de 23/5/78, BMJ nº 277; pág. 258
[8] Pires de Lima e A. Varela (Cód. Civil Anotado, I, pág. 580)
[9] Acórdão do STJ de 18/12/2007, Processo 07B3715, in dgsi.net
[10] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pag 936.
[11] Idem, págs 936 e 937
[12] Cfr. Ac. STJ de 20.11.2014, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 21.01.2016, proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 02.06.2016, proc. n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes; Ac. STJ de 16.06.2016, proc. n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes; Ac STJ de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 14.12.2016, proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 26.01.2017, proc. n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, relator Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 16.03.2017, proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 25.05.2017, proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Acs. STJ de 4/2/93, in AC STJ, I, 129; 5/5/94 in, AC STJ, II, 86; de 28/9/95, in AC STJ, III, 36; de 15/12/98, in AC STJ, 111, 155.
[14] Joaquim José de Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 38 e seg
[15] Vide, neste sentido, Ac. STJ de 07.06.2011 e de 04.06.2015, ibidem, e Ac. STJ de 16.01.2014, proc. n.º 1269/06.2TBBCL.G1.S1; e Ac. STJ de 07.05.2014, proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[16] Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2012, relatado por Sérgio Poças, no processo nº 184/04.9TBARC.P2.S1, acessível in dgsi.net.
[17] Acórdão do STJ de 05 de julho de 2007, no processo n°07A1734, relatado por Nuno Cameira
[18] [1] Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] Relatado por Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[19] Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net
[20] Acórdão do STJ de 19/5/2009 Processo 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net
[21] Acórdão do STJ de  19/5/2009 Processo 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net
[22] Acórdão do STJ 10/11/2016, Processo 175/05.2TBPSR.E2.S1,in dgsi.net
[23] Vide, in dgsi.net, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente:
- Acórdão do STJ de 21 de março de 2013, proferido no processo nº 565/10.9TBVPL.S1, relatado por Salazar Casanova e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2009, afetado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, sem reflexos nos ganhos laborais, com um rendimento bruto anual de €17.575,00, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 60.000,00.
- Acórdão do STJ de 07 de junho de 2011, proferido no processo nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1, relatado por Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com trinta e um anos de idade, à data do sinistro, economista com elevada qualificação profissional e expectativas de ascensão na carreira, com um rendimento mensal ilíquido de € 2.200,00, afetado de incapacidade parcial genérica de 29,55 %, com agravamento previsto de mais 10%, atribuindo-se a indemnização por danos patrimoniais futuros de € 225.000,00.
-Acórdão do STJ de 06 de dezembro de 2011, proferido no processo n° 52/06.0TBVNC.G1.S1, relatado por Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2003, com trinta e dois anos de idade, à data do sinistro, inativa nessa data, mas tencionando ingressar no mercado laboral como empregada fabril, afetada de uma incapacidade permanente geral de € 20 %, acrescida de um previsível agravamento futuro de mais 10 %, tendo-se fixado a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00.
[24] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6ª ed., l°, pág .571.
[25] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 14ª edição, Almedina, págs. 328.
[26] Antunes Varela, Idem, p. 600
[27] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, 1º vol., 2017, Almedina, pág 648
[28]Luís Menezes Leitão, Ibidem, pág. 330.
[29] Idem, pág 331
[30] Acórdão da Relação do Porto, Processo 108/08.4TBMCN.P1 de 8/7/2010, in www.dgsi.pt
[31] Ana Prata (Coord.), idem, pág 644
[32] Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., Almedina. pág 73/74.
[33] Em sentido contrário, Ana Prata (Coord.), idem, pág 647, Diversamente do que por vezes se lê, os danos não patrimoniais são suscetíveis de avaliação pecuniária, pois são objeto de indemnização e esta é em dinheiro na esmagadora maioria dos casos. Os interesses lesados, esses sim, é que são não patrimoniais.
[34] Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, p. 104.
[35] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, Coimbra, p. 501
[36] Antunes Varela, ibidem p. 607 e segs.
[37] Vide, neste sentido, Ac. STJ de 04.06.2015, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, já citado; e Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; ou, ainda, Ac. STJ de 18.06.2015, proc. n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[38] Proc. n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, acessível em www.dgsi.pt.  
[39] Proc. n.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt
[40] Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 18.06.2015, já citado, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, proc.n.º 875/05.7TBILLH.C1.S1, relator Nuno Cameira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[41] [4] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral Vol. 1.º 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.
[42] Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net
[43] Cfr., in dgsi.net, entre outros:
- Ac. STJ de 24.4.2013, Processo 198/06TBPMS.C1.S1, em que a lesada é mulher de 51 anos, em que se fixou uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 40.000,00 nele se referindo-se “A indemnização por danos não patrimoniais sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral. II - Tal indemnização deve, ainda, englobar, nomeadamente, os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros. III - A sua fixação não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC. IV- Se a lesada, com 51 anos à data do sinistro (29-08-2005), gozava de boa saúde, era bem humorada, equilibrada, saudável, alegre e trabalhadora, e em consequência do mesmo sofreu graves lesões (fractura do fémur reduzida com placa e parafusos de osteossíntese, que ainda hoje mantém, e lesão traumática do menisco externo do joelho esquerdo), que lhe impuseram a efectivação de duas intervenções cirúrgicas, com internamento por 8 dias, sendo seguida em consultas até 3-06-2006, andando com duas canadianas até Fevereiro de 2006, e uma até Maio do mesmo ano e viu a sua qualidade de vida afectada de forma irreversível (sofreu 90 dias de ITA e 189 de ITP, tem dificuldade em subir e descer escadas, falta de força no membro inferior esquerdo, dor no compartimento interno do joelho esquerdo, com atrofia muscular da coxa esquerda em 3 cms, não podendo andar muito, nem fazer as caminhadas que fazia, ou andar de bicicleta, sente dores na perna e coxeando, tornou-se impaciente, evitando sair de casa, onde faz as tarefas domésticas com acrescido esforço e ajuda de terceiros, e sentindo-se deprimida e triste com a situação), tem-se como equitativa a compensação de €40.000, ao invés dos €20.000, fixados na Relação”.
- Acórdão do STJ de 19/5/2009, Processo 298/06.0TBSJM.S1, cujo relator foi Fonseca Ramos em que fixou no mesmo montante, de 40.000,00 €, a indemnização por danos não patrimoniais à lesada, de 57 anos de idade.
- Acórdão do STJ de 22/2/2017, Processo 5808/12.1TBALM.L1.S1, cujo relator foi Lopes do Rego, que considerou não ser desproporcionada à gravidade objetiva e subjetiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €25.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência, em lesado de 27 anos de idade, de fractura de membro inferior, implicando a realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores.
[44] Acórdão do STJ de 29/6/2017, processo 976/12.5TBBCL.G1.S1, in dgsi.net, cujo relator foi Lopes do Rego
Cfr, ainda, neste sentido, Ac. do STJ de 26/5/2015, Processo 2607/11; Sumários, Maio/2015, pag 51, citado por Abílio Neto, Código Civil Anotado, 19ª Edição, 2016, Ediforum, pag 545.