Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1310/23.4T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
PERDAS SALARIAIS
Nº do Documento: RP202411211310/23.4T8PNF.P1
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A quantia arbitrada a título de dano patrimonial emergente do défice da integridade físico-psíquica que não se reconduza a uma perda de rendimentos provenientes do trabalho habitual, mas antes a uma maior penosidade deste e a uma expectável não progressão na carreira, não representa imediata e totalmente uma duplicação da indemnização consubstanciada no recebimento do capital de remição.
II - O valor pecuniário arbitrado não tem como função e finalidade exclusiva a compensação das perdas salariais decorrentes do grau de incapacidade laboral fixado ao sinistrado no procedimento de acidente de trabalho, mas antes também a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das lesões sofridas – e nessa medida, autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais.
III - O dano que a indemnização visa ressarcir não é um dano exclusivamente laboral, mas um dano de natureza geral, ou seja, o que corresponde à denominada incapacidade permanente geral, correspondente à afectação definitiva da capacidade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1310/23.4T8PNF.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 3

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: Aristides Rodrigues de Almeida

2º Adjunto: Carlos Cunha Carvalho

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA instaurou a presente acção declarativa comum de condenação, destinada a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, demandando a ré A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 447.475,00€, acrescida de juros legais de mora a partir da citação e acrescida, ainda, do que se liquidar ulteriormente em ampliação do pedido ou incidente de liquidação; reconduzindo-se à culpa do condutor de veículo seguro na Ré pela ocorrência de um sinistro que lhe determinou danos físicos cujas sequelas permanecem, a demandar ressarcimento integral.

A Ré contestou, aceitando a existência do contrato de seguro invocado pela autora e a versão do acidente descrita pela mesma, admitindo, pois, o fundamento da obrigação de indemnizar, impugnado os danos, por desconhecimento e exagero.

Mais alegou que a Autora foi já ressarcida pelos danos patrimoniais decorrentes do sinistro dos autos ao abrigo da apólice obrigatória de acidentes de trabalho, sendo certo que são inacumuláveis as indemnizações devidas por acidentes de trabalho e acidentes de viação. Bem assim, que a Autora foi já ressarcida pela seguradora de acidentes de trabalho dos vencimentos perdidos durante o período de ITA, na quantia de € 33.842,44, das despesas de tratamento na quantia de € 27.579,61, e das despesas de transporte na quantia de € 3.264.82, do dano patrimonial futuro, como remição de pensão na quantia de € 51.185,91, valores que devem ser deduzidos à indemnização que se vier a fixar.

Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, a qual julgou parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a pagar à A.:

a) a quantia de € 38.814,09 (trinta e oito mil oitocentos e catorze euros e nove cêntimos), a título de indemnização remanescente pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos deste a citação da ré e até integral e efectivo pagamento;

b) uma indemnização pelos danos futuros descritos nos pontos 89, 90, 91 e 92 dos factos provados, cujo valor será quantificado no incidente de liquidação de sentença;

c) indemnização pelos danos futuros, patrimoniais e não patrimoniais, descritos no ponto 93 dos factos provados, cujo valor será quantificado no incidente de liquidação de sentença;

d) a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da prolação da presente sentença e até efectivo e integral pagamento.

É desta decisão que vem interposto recurso, por ambas as partes.

Recorreu, desde logo a Ré, mediante as seguintes conclusões:

(…)

Recorreu já a Autora, pugnando pela exiguidade da indemnização arbitrada a título de indemnização pelo dano patrimonial, mediante as seguintes conclusões:

(…)

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a tratar, pese embora dois os recursos: a da liquidação excessiva ou deficitária/insuficiente do dano patrimonial e da liquidação exagerada do dano não patrimonial na sentença.

Assim é que, não obstante o corpo do recurso da Ré e a alusão na conclusão 15ª a um valor do rendimento anual da recorrida a atender, o de € 14.767,86, que não é o considerado na sentença, a recorrente não cumpre os requisitos legais da impugnação da matéria de facto respectiva, em termos de se impor o não conhecimento de uma pretensão que, de resto, não vem deduzida ou requerida, cabal e claramente.

Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do CPC:1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acresce que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.

Acontece que, como se adiantou, lidas as conclusões do recurso, constatamos que a recorrente apenas indirecta ou reflexamente se reporta a uma pretensão (eventual)[1] de alteração da matéria de facto, ao reconduzir-se sem mais a um valor de rendimento distinto do apurado na sentença e usado para o cálculo da indemnização.

Ora, conforme se decidiu o acórdão do STJ, de 08-04-2021, disponível em www.dgsi.pt: “II - O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto, conciliando o princípio da autorresponsabilidade das partes que as obriga ao cumprimento de regras muito precisas no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência a aspetos de ordem material, e não formal. III - O recorrente que impugne a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; por sua vez, na motivação deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”[2]

Desta forma, se se prefiguram dúvidas (interpretativas) sobre se o recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, não existem dúvidas de que teria para o efeito de proceder à indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e do sentido pretendido para a decisão, desde logo, porque tal especificação serve para delimitar o objeto do recurso.

Assim sendo, omitindo a recorrente o cumprimento do ónus fixado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, impõe-se a rejeição imediata da (eventual) impugnação da matéria de facto.

Esta impõe-se nas seguintes hipóteses: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda.(…)

As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[3].

Posto isto, porquanto a recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia (mormente o que vem de referir-se sob a) e b)) e, consequentemente, este tribunal não pode proceder à reapreciação da matéria de facto impondo-se, por isso, nesta parte, a manutenção inalterada da matéria de facto dada como provada e não provada[4].

Ausente já, do ponto de vista da matéria de direito também, o apelo e/ou a verificação oficiosa, de uma aquisição probatória contra regras substantivas e imperativas de direito probatório…

É certo que os recibos de vencimento, como a declaração do rendimento para efeitos de cobertura do seguro de trabalho fazem prova plena, nos termos do art. 376º/1 do CC, do valor que a entidade patronal declarou à Segurança Social e à Companhia de Seguros de Acidentes de Trabalho, mas não de que a autora não tenha auferido rendimentos superiores[5].

Donde, com relevo para a decisão da causa, estão assentes os seguintes factos:

1. No dia 4 de julho de 2018, pelas 18:50 horas, ocorreu um acidente de viação ao Km 1,056 da EN ..., na localidade de ..., freguesia ..., concelho de Paredes, na área desta comarca, no qual foram intervieram o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-NR-.., pertencente a B..., Lda., conduzido por BB e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-FM-.., conduzido pela A.

2. Neste dia, hora e local, a A., ao volante do veículo ..-FM-.., circulava pela EN ... no sentido ... – ....

3. Era então pleno dia.

4. O piso da EN ... encontrava-se seco e estava um bom estado de conservação.

5. A referida via tem ali a largura de 6,25 metros, dividida em duas metades iguais, destinadas a sentidos de trânsito opostos, separadas entre si por uma linha longitudinal contínua pintada no pavimento com tinta de cor branca.

6. A velocidade máxima ali consentida cifrava-se em 50 km/hora.

7. A A. imprimia ao ..-FM-.. uma velocidade moderada, não superior a 50 km/hora.

8. E transitava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu alegado sentido de marcha (... – ...).

9. Descrevia uma curva ligeira que se desenhava para o seu lado esquerdo.

10. Nessa ocasião, surgiu o veículo ..-NR-.., conduzido pelo referido BB.

11. Este último transitava também pela EN ..., mas em sentido contrário ao da A., ou seja, de ... para ....

12. Sucede que o BB imprimia ao veículo ..-NR-.. uma velocidade não inferior a 80 km/hora.

13. Ia, além disso, distraído, pois não prestava atenção ao trânsito.

14. Em razão da conjugação desses fatores, não conseguiu descrever a sobredita curva, que se lhe apresentava para o lado direito.

15. “Saiu de frente” e permitiu que o veículo ..-NR-.. fletisse para o seu lado esquerdo

16. Transpôs a linha longitudinal contínua que divide ambas as metades opostas da via.

17. E invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu aludido sentido de marcha (... - ...).

18. Aí, nessa metade da via, foi embater com a frente do veículo ..-NR-.. na frente do veículo ..-FM-...

19. Sendo que a A., surpreendida pela invasão da metade da via destinada ao seu sentido de trânsito, nada pôde fazer para evitar esse embate.

20. O veículo ..-NR-.. pertencia, como atrás se disse, a B..., Lda. e o BB, sendo empregado da dita sociedade, conduzia o veículo por sua conta, no seu interesse e ao seu serviço, no desempenho das tarefas e funções de que fora por ela incumbido.

21. À data do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-NR-.. havia sido transferida para a A... – Companhia de Seguros, S.A., ora R., através do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ....

22. A Autora nasceu em ../../1985.

23. Em consequência do sinistro, a Autora foi assistida, no local, pelos serviços do INEM, que a transportaram, imobilizada em plano duro com colar cervical, para o Hospital ..., na cidade do Porto.

24. Deu entrada no serviço de urgência do dito Hospital, onde foi submetida a diversos exames, incluindo RX e TAC do tórax e TAC cerebral.

25. Em face destes exames, foi constatado que a A., além de contusões e feridas várias, havia sofrido traumatismo crânio encefálico, com hematoma frontal anterior e fratura exposta distal da tíbia direita grau IIIA de Gustilo.

26. Ficou, por isso, internada no serviço de ortopedia da referida unidade hospitalar, a fim de ser submetida a intervenção cirúrgica.

27. Foi levada ao bloco operatório, onde foi submetida a intervenção cirúrgica, sob anestesia geral, em que foi feita redução da fratura mediante osteossíntese, com aplicação de placa e dois parafusos.

28. Seguidamente, foi imobilizado o membro inferior direito com tala gessada suropodálica.

29. Durante o internamento hospitalar sofreu necrose cutânea da ferida operatória, pelo que teve de sujeitar-se a curativos e tratamentos locais.

30. A A. permaneceu internada no Hospital ... até 18/07/2018, data em que teve alta hospitalar, não curada.

31. Aquando da alta, tinha indicações da “C...” (seguradora de AT) para prosseguir tratamentos em regime de internamento no Hospital 1..., na cidade do Porto.

32. Acabou por ver ser-lhe recusado o internamento neste último Hospital.

33. E, assim, foi levada para o domicílio.

34. Visto que vivia sozinha, andava em cadeira de rodas e carecia de acompanhamento permanente e de tratamentos regulares, teve de contratar os serviços de uma enfermeira, a tempo inteiro, ou seja, 24 horas por dia.

35. Em 25/07/2018 teve consulta de ortopedia no Hospital 1....

36. Ali realizou RX e foi recomendada a continuação de tratamentos de penso da ferida operatória.

37. Tais tratamentos perduraram até outubro de 2018, a um ritmo inicial de mudança de penso de 2 em 2 dias e, depois, de 3 em 3 dias.

38. Em setembro de 2018, iniciou marcha com apoio em duas canadianas.

39. Em outubro de 2018, a mãe da A., que vivia no Brasil, veio para Portugal, a fim de acompanhar a A..

40. A partir de então, a A. suspendeu a prestação de serviços da enfermeira que tinha contratado.

41. No dia 4 de outubro de 2018 iniciou tratamentos de fisioterapia (MFR) no Hospital 1....

42. Em 21/01/2019, realizou TAC que mostrou que a fratura do maléolo externo estava por consolidar.

43. Em 06/02/2019, realizou RX do membro inferior direito que evidenciou pseudartrose do maléolo externo.

44. Por tais motivos foi prescrita a necessidade de realização de nova intervenção cirúrgica.

45. Em 28/02/2019, a A. foi novamente operada para tratamento da pseudartrose da fratura peronial, com aplicação de enxerto autólogo do perónio.

46. Cerca de 2 semanas após esta cirurgia, a A. retomou a marcha, com apoio em duas canadianas.

47. Manteve o uso de canadianas durante cerca de 5 semanas.

48. Em junho de 2019 realizou TAC, que mostrou que a fratura do perónio continuava por consolidar.

49. Em julho de 2019, em nova consulta de ortopedia, realizou RX que, além de confirmar que a fratura não estava consolidada, mostrou dois parafusos partidos.

50. Em 12/09/2019, a A. foi submetida a nova intervenção cirúrgica, em que foram retirados os parafusos partidos, foi feita a descorticação e aplicado novo enxerto autólogo, previamente retirado da bacia.

51. Após esta cirurgia, realizou múltiplos curativos, em virtude de problemas de cicatrização.

52. E retomou tratamentos regulares de fisioterapia (MFR).

53. Posteriormente a esta última intervenção cirúrgica, a A. recorreu a consulta com o ortopedista Dr. CC, no Hospital 1....

54. Este médico, após ter examinado a A. sugeriu a realização de artrodese do tornozelo direito.

55. Antes de decidir sobre a realização desta cirurgia a A. colheu a opinião de dois outros médicos ortopedistas, a saber: Dr. DD e Dr. EE.

56. Ambos estes clínicos que a A. consultou foram de opinião que a A. teria de ser novamente operada para artrodese.

57. E o Dr. EE indicou que seria necessário, antes da realização da artrodese e para que esta tivesse sucesso, realizar uma operação para alongamento peronial e retificação de valgismo do tornozelo.

58. Acolhendo esta indicação, a A. em 9 de janeiro de 2020, submeteu-se no Hospital 2..., em Vila Nova de Gaia, a nova intervenção cirúrgica, sob anestesia geral, consistente em osteotomia de alongamento do maléolo peronial e artroscopia anterior com desbridamento da sindesmose e fixação desta.

59. Após esta última cirurgia, a A. permaneceu internada no dito Hospital até 13/01/2020, data em que teve alta, não curada.

60. Cerca de três semanas após a sobredita operação, a A. iniciou tratamentos de fisioterapia, no Hospital 2..., em Vila Nova de Gaia.

61. No dia 05/03/2020, foi novamente internada neste último Hospital, onde foi submetida a mais uma cirurgia, sob anestesia geral, em que foram extraídos os parafusos sindesmóticos.

62. Em maio de 2020, realizou nova TAC, que mostrou que a fratura não estava ainda consolidada e evidenciou um agravamento da lesão condral.

63. Até meados de junho de 2020 usou canadianas para se locomover e, ainda, bota Walker.

64. Em setembro de 2020, realizou nova TAC, que revelou consolidação da fratura em cerca de 50%.

65. Mantinha, porém, a A. um quadro de dor incapacitante.

66. Em 13/01/2021, realizou infiltração de triancinolona, sob controle Ecográfico.

67. Por efeito da cirurgia que realizara em janeiro de 2020, foi corrigida a deformidade em valgo do tornozelo da A..

68. Esta apresentava uma progressão na artrose para uma artrose global, com incapacidade funcional marcada.

69. Por esta razão foi proposta pelo médico a realização de uma última intervenção cirúrgica.

70. Para o efeito, a A. foi, uma vez mais, internada no Hospital 2..., em Vila Nova de Gaia, no dia 18/02/2021, onde foi submetida a operação, sob anestesia geral.

71. Nesta operação, foi feita artrodese tibiotársica do tornozelo direito, por via anterior, com aplicação de placa anterior e com enxerto autólogo proximal da tíbia direita.

72. Manteve-se a A. internada até 22/02/2021, data em que teve alta hospitalar.

73. Em 17/03/2021 iniciou marcha, com apoio de duas canadianas e uso de bota Walker, que manteve até 26/05/2021.

74. A partir de 23/06/2021, iniciou marcha autónoma e sem apoio.

75. A A. manteve-se em tratamentos e consultas até 20/10/2021.

76. E nesta data as lesões sofridas pela A. atingiram a estabilidade clínica e a fase sequelar.

77. Apesar de curada, a A., em resultado das lesões sofridas no acidente, ficou a padecer das seguintes sequelas do foro ortopédico: face: cicatriz linear normocromática na região frontal mediana horizontal com 2cm de comprimento quase impercetível; Membro superior esquerdo: cicatriz nacarada oblíqua inferolateralmente no terço distal da face anterior do antebraço com 4cm de comprimento; Membro inferior direito: cicatriz linear avermelhada ligeirmanete hipertrófica na crista ilíaca direita oblíqua inferomedialmente com 5cm de comprimento; cicatriz linear na face anterior do joelho com 4cm vertical; cicatriz linear face anterolateral do terço proximal da perna com 5cm horizontal; cicatriz linear na face média da perna vertical com 5,5cm; cicatriz na face anterior do terço distal da perna com 10cm vertical; cicatriz na face lateral do terço distal da perna com 12cm vertical; cicatriz na face medial do terço distal da perna com 3cm horizontal; anquilose do tornozelo a 0º, consegue ficar em pontas e em calcanhares mas com dificuldade na marcha.

78. De sorte que é o seguinte o quadro das sequelas ortopédicas de que sofre a A.: anquilose ou artrodese do tornozelo direito.

79. Em virtude dessa sequela, a A. tem: dificuldades na locomoção e na marcha correspondentes ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer; tem dificuldades em correr, saltar e andar depressa, tudo de forma correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer; tem dificuldades em subir e descer escadas, bem como em percorrer pisos irregulares ou inclinados, tudo de forma correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer, tem dificuldades em fazer caminhadas prolongadas, tendo de parar amiúde por sentir dor o tornozelo direito, tudo de forma correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer.

80. Tem também dificuldades em conduzir veículos automóveis de forma correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer.

81. Tem dificuldade, em razão das dores, em permanecer muito tempo na mesma posição e em pé de forma correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer.

82. A descrita sequela que afecta a A. implica que ela seja portadora de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (anteriormente designado de incapacidade permanente geral (IPG)) de 10 pontos - Mc0634 da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.

83. À data do embate, a A. tinha a profissão de Gestora de Publicidade e Marketing, exercendo a respetiva atividade por conta e ao serviço da sociedade D..., S.A., sua entidade patronal.

84. Auferia, em contrapartida do seu trabalho, a retribuição mensal base de 980,00€ x 14 meses, acrescida de 90,93€ mensais x 11 meses, a título de subsídio de alimentação.

85. E beneficiava de várias regalias, proporcionadas pela sua entidade patronal, com valor económico, tais como: veículo automóvel de serviço, com autorização para uso pessoal e fora do contexto do trabalho; telemóvel da empresa, com custos suportados por esta, incluindo para chamadas pessoais; renda da habitação suportada pela empresa.

86. Estas regalias implicam um benefício para a A. cujo montante estimado corresponde a um montante mensal não inferior a 700,00€.

87. A A., por virtude da sequela de que é portadora, tem de desenvolver esforços suplementares no exercício da sua atividade profissional, esforços esses proporcionais ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos de que padece.

88. A A. necessita de empenhar esforços suplementares, proporcionais ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos de que padece, na execução das tarefas profissionais em relação às quais, antes do acidente, não sentia qualquer tipo de dificuldade.

89. A A. carece de tomar regularmente, em SOS, medicação analgésica, antiespasmódicos ou antiepilépticos.

90. Carece, ainda, a A. de realizar tratamentos de MFR, à razão de 2 ciclos de 20 sessões cada, por ano.

91. Carece a A. de se submeter a uma consulta anual de ortopedia.

92. Estas carências implicam, no futuro, gastos, incómodos e transtornos na aquisição dos medicamentos e nos ditos tratamentos e consultas.

93. É de prever que a sequela de que a A. padece, tendo em conta a sua localização e tipologia, venham a agravar-se com o decorrer dos anos e que a A. venha a ter de ser submetida a novas intervenções cirúrgicas.

94. A A. padeceu de dores, em virtude das lesões sofridas.

95. Sujeitou-se a prolongados e dolorosos tratamentos, durante cerca de 40 meses.

96. Foi submetida a seis intervenções cirúrgicas, com anestesia geral.

97. Esteve internada em hospitais durante vários dias e privada do convívio com familiares, colegas e amigos.

98. Durante vários meses teve de andar em cadeira de rodas e com apoio de canadianas.

99. As dores que padeceu são quantificáveis num grau 5, numa escala crescente de 1 a 7.

100. Durante o período de ITA, que perdurou durante 29 dias, a A. ficou impossibilitada de realizar as suas tarefas pessoais, tais como deitar-se, levantar-se, vestir, calçar, alimentar- se e impossibilitada até de tratar da sua higiene diária, tendo, por isso, recorrido aos serviços de uma terceira pessoa para lhe realizar as referidas tarefas, o que lhe causou constrangimentos.

101. Sofreu grandes incómodos e privações.

102. Já após a alta definitiva, a A. continua limitada funcionalmente com o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos de que padece.

103. A A., ainda, sente dores, de forma regular, no tornozelo e pé direitos.

104. Está limitada nos moldes descritos e sente complexos e desgosto em face das sequelas que possui.

105. As descritas dores e limitações funcionais causam dificuldades acrescidas à A. em andar de bicicleta, de fazer corrida e cross training, atividades que realizava regularmente, o que constitui causa de transtornos.

106. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é graduável em 5, numa escala de 1 a 7.

107. Anteriormente ao acidente, a A. era uma pessoa ativa, autónoma, saudável e escorreita.

108. Sente complexos, vergonha e desgosto por virtude das mazelas físicas que possui, mormente das cicatrizes que a marcam e que a desfeiam, como ilustram as fotos integradas na petição inicial.

109. Tais cicatrizes que ostenta dão lugar a um dano estético fixável em grau 3, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7.

110. Em transportes para acorrer a tratamentos e consultas, a A. despendeu quantia não inferior a 2.000,00€.

111. Durante o período de ITA, que foi de 29 dias, a A. ficou impossibilitada de realizar as suas tarefas pessoais, tais como deitar-se, levantar-se, vestir, calçar, alimentar- se, tratar da casa e impossibilitada até de tratar da sua higiene diária, tendo, por isso, recorrido aos serviços de uma terceira pessoa para lhe realizar as referidas tarefas.

112. Esses serviços foram prestados durante os 29 dias de ITA e durante os dois primeiros meses de défice funcional temporário parcial (este que se computou em 1176 dias), por uma enfermeira, com encargos pagos pela “C...” (seguradora de acidente de trabalho).

113. Nos meses seguintes, em virtude do défice funcional temporário parcial (este que se computou em 1176 dias), a autora, agora já com uma autonomia crescente, beneficiou do apoio e auxílio da sua mãe que, para tal, veio propositadamente do Brasil.

114. O acidente em apreço foi, simultaneamente, de viação e de trabalho, sendo a “C...”, á época, a seguradora de acidente de trabalho da entidade patronal da Autora.

115. Neste contexto, a Autora foi ressarcida pela seguradora de acidentes de trabalho dos vencimentos perdidos durante o período de ITA, na quantia de € 33.842,44, das despesas de tratamento na quantia de € 27.579,61, e das despesas de transporte referidas em 110 dos factos provados na quantia de € 3.264.82, do dano patrimonial futuro, como remição de pensão na quantia de € 51.185,91.


A) Da liquidação do dano patrimonial emergente do Défice funcional da integridade físico-psíquica

Quanto agora à excessiva ou insuficiente, como pretendido, respectivamente, pela Ré e pela Autora liquidação do dano patrimonial correspondente ao défice da integridade físico psíquica, a integrar um erro de juízo/julgamento, pela atendibilidade de decisões dissemelhantes, apreciar-se-ão conjuntamente, como se impõe, por dependerem da apreciação dos mesmos factos e direito.

Em causa já a questão da ressarcibilidade da perda de capacidade laboral geral, do denominado dano biológico, sob a vertente patrimonial. Recorre-se já à terminologia de Maria da Graça Trigo, a quem se deve a reflexão mais e completa sobre a jurisprudência portuguesa que sobre este particular vem versando, vg em Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, ROA, Ano 72, I, Jan-Mar 2012 e em Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, UC, 20015.

Os Tribunais superiores têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, porquanto se entende que a existência de incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, pode determinar a necessidade de desenvolver um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido.

Com efeito, conforme se escreve no já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2012[6] “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”. Mais adiante desenvolve “ na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira capitis deminutio num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”.

Neste contexto, os lucros cessantes não decorrem apenas de uma incapacidade que implique uma perda total ou parcial de rendimentos auferidos pelo lesado no exercício da sua atividade profissional, mas igualmente prejuízos que incidem na sua esfera patrimonial[7], relacionados com a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[8].

Noutra perspetiva, o dano biológico tem sido configurado como um tertius genus, com autonomia relativamente ao dano não patrimonial, pois se pondera que se trata de um dano de natureza específica, que envolve prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado[9], que implica uma perda genérica de potencialidades funcionais do lesado das quais deriva penosidade acrescida no exercício das tarefas do dia a dia[10]/[11]. Essa a dimensão que acresce ao reflexo na actividade profissional exercida ou a exercer futuramente. Nessa medida, entende-se que mesmo não sendo perspetiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, aquela perda constitui um dano ressarcível, o qual, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito[12].

Por outras palavras, o dano biológico enquanto dano-evento, integrado por uma lesão de bens eminentemente pessoais, concretamente, da saúde, coloca a ênfase num aspeto importante: tratando-se de uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, traduz-se numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando (ou podia desempenhar), com regularidade[13]. Este enquadramento permite valorizar o dano biológico em lesados que não entraram ainda no mercado de trabalho ou que, por via da idade ou de outras vicissitudes, não exercem uma atividade profissional.

O dano em causa é entendido como tendo um cariz dinâmico compreendendo vários fatores, sejam atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais[14], tanto mais que se traduz numa “diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”[15]. Por outras palavras, o dano biológico reflete a afetação da potencialidade física do lesado determinando uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará, com perda de qualidade de vida.

[Aqui se consigna que o recurso a jurisprudência já longínqua no tempo visa reforçar a noção acima de estar em causa na fixação equitativa da indemnização um complexo de conceitos, noções ou aquisições sedimentadas e fundamentadas ao longo do tempo pela jurisprudência, mormente dos tribunais superiores.]

Mais do que a respectiva qualificação — como dano patrimonial, não patrimonial ou como um tertium genus —, o que verdadeiramente se revela complexo é atribuir a soma justa tendente a ressarcir um dano que, na jurisprudência dos tribunais superiores, é tratado de modo díspar.

Quando esteja em causa uma incapacidade que não implique abandono da profissão ou perda de capacidade de ganho, mas antes acréscimo dos esforços para o desempenho das mesmas tarefas profissionais, as indemnizações arbitradas divergem substancialmente, apesar de a esmagadora maioria das mesmas recorrer ao mesmo tipo de cálculo e de todas elas se socorrerem da equidade, com a consequente desigualdade no tratamento dos titulares do direito a uma indemnização.

Como se refere no Ac. do STJ de 26.01.2012 (na base de dados da dgsi), «[o] conceito de “dano biológico” “dano à pessoa”, “dano à saúde”, “dano corporal” ou ainda “dano à integridade psicofísica” (…) emergiu, com particular relevância, com a sentença 184/86 do Tribunal Constitucional italiano, o qual, em interpretação dos artigos 32.º da Constituição e 2043.º do Código Civil [italiano], o considerou como um tertium genus a demandar indemnização por si, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que lhe estejam associados».

Essa construção veio a ter tradução legislativa em Itália, sendo que, em Portugal, onde os danos estão codificados como patrimoniais ou não patrimoniais, a jurisprudência foi seguindo um caminho onde, apesar de se ir firmando a ideia da ressarcibilidade do dano biológico independentemente da sua repercussão ou não na capacidade de ganho, não chegou a uma qualificação unânime.

Assim se afirma no Ac. do TRL de 22.11.2016 que «(…) inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística. Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico. Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente».

Ainda assim, com excepção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais[16], para as demais correntes, este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar.

Sufraga-se, a exemplo do Ac. do TRL de 22.11.2016, na base de dados da dgsi, o pressuposto de que «(…) o dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico- -legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada directamente no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição («a integridade moral e física das pessoas é inviolável») e no artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil».

Assume-se, como naquele mesmo Acórdão, que o dano consiste «[n]uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade».

Reconhece-se que tal dano tem expressão patrimonial, por se admitir que a respectiva integração no dano não patrimonial tende à subvalorização do mesmo: é a avaliação médico-legal e o respectivo enquadramento tabelar que fornecem a base para que a jurisprudência possa partir de elementos objectivos para a determinação do valor da indemnização. Reportar o dano da afectação psicofísica à categoria de dano não patrimonial, a mais de desconsiderar que a capacidade de obter rendimento, que fica prejudicada, constitui um dano de natureza patrimonial, acrescenta nas mãos do julgador o encargo de materializar o que não é material, aumentando a álea e, com isso, a potencial desigualdade entre lesados[17].

Quanto à quantificação deste dano, sublinha-se no Ac. do TRP de 30.09.2014 (no mesmo lugar) que tal «(…) constitui uma espinhosa tarefa (…). A percepção das dificuldades e, mais do que isso, a apreciação crítica da diversidade dos resultados decorrente do recurso a critérios rodeados de elevada dose de subjectividade levou a que em alguns sistemas se tenha avançado para a introdução de outros potenciadores de maior objectividade. Assim aconteceu, por exemplo, em Espanha, com a introdução de medidas de “baremacion”, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 8-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em “barémes” que se encontra implantado em França (…). É de reconhecer também o esforço do legislador português no sentido da uniformização de critérios de cálculo e defesa do interesse das vítimas de acidentes de viação, designadamente através da publicação de vários diplomas, como sejam o Decreto-Lei n.º 83/2006, de 3 de Maio, o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro — que introduziu na ordem jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil —, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente de automóvel e a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que, além do mais, veio actualizar os valores daqueloutra, de acordo com o índice de preços ao consumidor de 2008».

No que concerne aos factores a ponderar no respetivo cálculo, com vista à maior uniformidade na sua quantificação, têm sido apontados os seguintes[18]:

- a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

- no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

- os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação que se impõe fundada na equidade;

- deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos[19] introduzindo um desconto no valor encontrado;

- deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa do lesado, a respetiva esperança média de vida do lesado, enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para além do tempo da reforma[20];

- a idade do lesado;

- o grau de défice funcional permanente;

- as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações.

A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).

Ora “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (Acórdão do STJ, de 21 de fevereiro de 2013, acessível em www.dgsi.pt), cumprindo não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes (Ac. do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).

Desde logo, se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos. Princípio da igualdade expressamente assumido, desde logo no Ac. do TRL de 22.11.2016, já citado, e no Ac. do STJ de 26.01.2012, no mesmo lugar, neste último se referindo, aliás, que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da «(…) irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento».

Na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados.

Temos como adequada, pois, a consideração do salário médio nacional.

Assim é que, quando ao valor de referência para o cálculo, o mesmo critério uniformizador e a ponderação de que idêntico grau de défice funcional permanente não é maior nem menor consoante o valor do vencimento, sucedendo, com frequência, serem as profissões produtoras de menores rendimentos, relacionadas com funções indiferenciadas por via da inexistência de formação técnica ou superior, aquelas onde se encontram os lesados mais afetados, vem-se defendendo que importa partir do valor do salário médio nacional.

Nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.; Ac. RC de 29.01.2019 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 342/17.6T8CBR.C1, com os quais concordamos.

Ponderando o respectivo valor mensal à data da consolidação médico-legal das lesões, como acessível em www.pordata.pt/Portugal, o défice funcional permanente de 10 pontos, a idade da Autora, a esperança média de vida até aos 83 anos, as taxas de juro das aplicações financeiras e a inflação e recorrendo à equidade (sede em que interfere a ponderação do rendimento demonstradamente obtido[21], como a susceptibilidade do seu incremento, bem como a demonstrada maior dificuldade no exercício da actividade da condução), afigura-se que o montante alcançado de € 90.000 é adequado para o ressarcimento do dano em causa.

Mais se sufraga a unificação na decisão recorrida sob este dano patrimonial das quantias pela Autora, de forma autónoma e cumulativa: por uma alegada desvalorização de 16 pontos que alegadamente afecta a autora, alegando que aquela quantia já foi deduzida do capital de remição da pensão pago no alegado montante de € 37.646,78; pela repercussão que aquela desvalorização acarreta na sua actividade profissional, a implicar maiores esforços; pelo dano biológico que aquela desvalorização acarreta.

Como se anota na decisão recorrida: «estas três indemnizações baseiam-se num único dano, a saber: como consequência directa e necessária do acidente e da sequela sofrida a autora passou a padecer um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos - Mc0634 da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (não se tendo provado os 16 pontos alegados pela autora). Este único dano tem repercussões patrimoniais na actividade profissional da autora e nas actividades gerais, pessoais e diárias da sua vida, a implicar esforços suplementares numa e noutras. Assim, nestas vertentes patrimoniais do dano em causa, entende o Tribunal ser de arbitrar uma única indemnização e não indemnizações autónomas, como pretende a autora, sem prejuízo da mesma contemplar e valorar aquelas duas dimensões.»

Percorrendo-se ademais algumas situações na jurisprudência, assim os exemplos constantes do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Julho de 2023 [proferido no processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/], (alguns dos apresentam menor gravidade quanto à incapacidade, ainda quando maior extensão temporal do dano) com a situação em causa nos autos, temos:

- a um ciclista, estudante, de 19 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente de 3%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial futuro de € 15.000,00 (acórdão do STJ de 11.11.2020, processo 16576/17.0T8PRT.P1.S1);

- a um peão de 45 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 5%, atribuiu-se a indemnização de € 12.500,00 (acórdão do STJ de 12.11.2020, 4212/18.2T8CBR.C1.S1);

- a dois lesados, de 45 e 51 anos de idade, que ficaram afetados, respetivamente, de défice funcional permanente de 28% e 8%, o STJ atribuiu, respetivamente, indemnização por dano patrimonial futuro, de € 40.000,00 e € 10.000,00 (acórdão do STJ de 12.11.2020, processo 317/12.1TBCPV.P1.S1);

- a um lesado com 32 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 4%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial no valor de € 20.000,00 (acórdão do STJ de 14.01.2021, processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1).

Aqui se consigna que, naturalmente, se ponderaram as concretas circunstâncias da inflação e taxas de juro actuais e ademais a influência do défice da integridade em termos de progressão na carreira e possibilidade de empregabilidade futura, vista ademais a idade da ofendida e a sua profissão. É o que de resto mereceu já uma majoração, ponderada a natureza da actividade profissional concreta exercida e a natureza do agravamento da penosidade desta relacionada com a incapacidade geral (assim as dificuldades de execução de tarefas normalmente compreendidas na profissão habitual, como a condução, a permanência na mesma posição durante períodos alargados, as dores).

Improcedentes, ambos, os recursos, mantendo-se a indemnização arbitrada a este título.

É que outrossim se concorda com o modo e operância do desconto do valor arbitrado em sede de acidente de trabalho, remanescendo o valor arbitrado de 38.814,19 EUR.

Quanto agora à necessidade de descontar ao valor arbitrado a título de dano patrimonial emergente do défice funcional permanente da integridade físico psíquica o valor já recebido pela A. a título de capital de remição, pela Seguradora do Acidente de trabalho, aqui nos reconduzimos ao decidido no Acórdão do STJ de 11.12.2012, relatado eximiamente por Lopes do Rego, o qual sintetiza o enquadramento jurídico da questão decidenda. Assim:

«As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

Constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

Por outro lado, não é controvertida a conclusão segundo a qual a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que:

- no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações;

- no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respectiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, directa ou indirectamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente.

Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspectos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria. Assim:

- no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art. 523º do CC) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efectivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exacto, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente (cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10)10, proferido pelo STJ no P. 696/07.2TBMTS.P1.S1); e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respectiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito (cfr. Acs. de 9/3/10, proferido pelo STJ no P. 2270/04.6TBVLG.P1.S1, e de 11/1/01, proferido no P. 4760/07.0TBBRG.G1.S1);

- no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor (actualmente, o art. 31º da Lei 100/97), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efectivado necessariamente por uma de três formas:

- substituindo-se ao lesado na propositura da acção indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;

- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efectivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas;

- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral.»

Desde logo, interpretando adequadamente a sentença proferida, a partir naturalmente, do pedido da Autora (que contempla a indemnização atinente ao reflexo patrimonial da incapacidade no exercício da sua profissão habitual, independentemente do valor recebido em sede de processo de acidente de trabalho e não para além dele) e vistas as considerações supra quanto ao dano patrimonial emergente do défice da integridade físico-psíquica de que a A. ficou a padecer, que no caso concreto não se reconduz a uma perda de rendimentos provenientes do trabalho habitual, mas antes a uma maior penosidade deste e a uma expectável não progressão na carreira e consequente aumento de rendimentos (no que concerne directamente ao plano laboral da afectação, sendo que outros domínios, com dimensão imediatamente patrimonial foram ademais ressaltados, em termos que afastam a argumentação pela Recorrente Ré de que a totalidade deste dano foi ressarcida mediante o capital de remissão recebido já), tem de concluir-se que a quantia arbitrada à lesada a título de ressarcimento do dano patrimonial futuro representaria sem aquele desconto uma duplicação da indemnização consubstanciada no recebimento do capital de remição: analisando a linha argumentativa nela expendida, e, decisivamente, a que antecede, tem de concluir-se que o valor pecuniário arbitrado tem também ou ainda como função e finalidade a compensação das perdas salariais decorrentes do grau de incapacidade laboral fixado ao sinistrado no procedimento de acidente de trabalho, a que acresce a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das lesões sofridas – e nessa medida, totalmente autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais.

Reforçando o entendimento segundo o qual no valor arbitrado à lesada vão ressarcidos outros aspectos do dano biológico não compensados através da entrega do capital de remição, reitera-se que as sequelas das lesões sofridas implicam esforços ou sacrifícios acrescidos, não apenas no exercício das concretas tarefas laborais, caracterizando-se como um dano de natureza geral, ou seja, o que corresponde à denominada incapacidade permanente geral, correspondente à afectação definitiva da capacidade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, a qual não tem apenas expressão em termos de inabilitação para o trabalho habitual, apenas exigindo esforços acrescidos nesse domínio.


B) Quanto já à liquidação dano moral, como posta em causa no recurso da Ré…

Quanto aos danos não patrimoniais, correspondem a prejuízos não susceptíveis de avaliação pecuniária e o montante indemnizatório ou compensatório destes danos, que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil), há-de ser fixado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa) ex æquo et bono, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias que, no caso, se justifiquem (arts. 496º n.º 1 e 3 e 566º n.º 3 do Cód. Civil). Podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.

Enquanto os primeiros podem ser reparados ou indemnizados, os danos não patrimoniais apenas poderão ser compensados.

A ressarcibilidade dos danos morais foi expressamente reconhecida no nosso ordenamento jurídico, conforme decorre do art. 496º do Código Civil que dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Do normativo legal ora transcrito resulta claramente que apenas são ressarcíveis os danos não patrimoniais que assumam determinada gravidade, merecedora da tutela do direito.

Conforme refere Antunes Varela (op. cit., pág. 606), “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquando a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos”, referindo, ainda, que a gravidade apreciar-se-á também “em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”.

Caso se conclua pela ressarcibilidade dos aludidos danos, a indemnização deverá ser fixada em conformidade com o disposto no n.º 3 do citado art. 496º do Código Civil. Assim, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”. O montante da indemnização deve, desta forma, ser fixado de forma equitativa, tendo em atenção o grau de culpabilidade, a situação económica do agente e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

No que respeita aos danos não patrimoniais, importa referir que o Tribunal tem, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles, Direito das Obrigações, pag. 377). O prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, "mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano" - Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, nº 1, 1º ano, APADAC, pag. 20). Como se diz no Ac. STJ 16/04/1991 (BMJ 406-618, Cura Mariano), o art. 496º, do CC, fixou "não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado".

Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496, nº 3, CC, o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo" (Ac. cit., pag. 621), mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial.

No caso dos autos, temos que, como danos não patrimoniais, surgem as dores sofridas pela Autora com as lesões, consideráveis, e ademais a afectação da vida quotidiana e a incapacidade geral de que padeceu e ainda padece o dano estético, tudo conforme matéria assente. Decisivo se nos afigura ademais o tempo de recuperação e o prejuízo de afirmação pessoal, não escamoteável.

Aqui se destaca que a Autora foi submetida a seis cirurgias com anestesia geral, sempre relacionadas com a não consolidação adequada ou eficaz das lesões e com vicissitudes várias, descritas na matéria de facto, aptas a gerar angústia sobre a evolução favorável; mais tendo sido sujeita a 40 meses de tratamentos…

Todos estes danos assumem um carácter suficientemente grave para permitir a sua tutela pelo direito, sendo que, neles se pode sublinhar, destacando-se, a dor.

A dor, na definição da Associação Internacional para o Estudo da Dor, traduz-se numa "experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesão tecidular ou descrita em termos de lesão tecidular" (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 98), constituindo-se, assim, como uma "experiência subjectiva resultante da actividade cerebral como resposta a traumatismos físicos e/ou psíquicos", ou seja, como resposta, entre outras situações, a um traumatismo de qualquer parte do corpo ou da mente. Esta definição pode ser tomada como "pedra de toque para a aceitação dos seus elementos nucleares, ou seja a dor física e a dor psicológica" (J. Coelho dos Santos, A reparação civil do dano corporal: reflexão jurídica sobre a perícia médico legal e o dano dor, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Maio 1994, Ano III, nº 4, APADAC, IML-Coimbra, pag. 77), devendo - portanto - ter-se em conta, que "o dano-dor abarca a dor física e a dor em sentido psicológico, a primeira resultante dos ferimentos aquando da acção lesiva e das posteriores intervenções cirúrgicas e tratamentos - tendentes à reconstituição natural da integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão, pois, idealmente, procura-se a cura, ou seja, impedir que a lesão corporal deixe sequelas permanentes - integrando a segunda um trauma psíquico consequente do facto gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura reacção emotiva individual sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um reflexo desta" (Coelho dos Santos, ob. cit., pag. 78; cfr., ainda, Mamede de Albuquerque-Taborda Seiça-Paula Briosa, Dor e dano osteoarticular, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, nº 5, APADAC, IML-Coimbra, pag. 73-86).

Já se vê, assim, que não é fácil descrever esta experiência sensorial, mesmo para quem usa a palavra como instrumento para criação literária. "Virgínia Woolf lamentava a pobreza da língua quando se tratava de descrever a dor física, e Jonh Updike, (...) dizia que «a doença e a dor ...] interessam muito a quem as sofre, mas a sua descrição cansa-nos ao fim de poucos parágrafos»" (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 97). A dor (tal como a doença), "é quase sempre uma experiência individual, intransmissível, profundamente solitária" (João Lobo Antunes, Aluno-médico-doente, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 107), sendo o modo como é sofrida e a angústia que a envolve, fenómenos ideosincráticos, com um acentuado componente cultural (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 102).

A avaliação da dor é, por seu turno, sempre algo complicada, por nela deverem intervir muitos factores, como sejam o sexo, a idade, a profissão, o meio social e cultural. Assim, deve ser levado em conta, na falta de outros dados que infirmem estas constatações, que os limiares e a tolerância individual à dor são mais baixos na mulher que no homem e que no mesmo sexo, são tanto mais baixos quanto maior for a emotividade (Pinto da Costa, O Código Penal e a Dor, Revista de Investigação Criminal).

Em termos médico-legais, por seu turno, importa sublinhar que o concreto quantum doloris da Autor em causa, no caso dos autos e na escala valorativa de sete graus (muito ligeiro, ligeiro, moderado, médio, considerável, importante, muito importante), com os dados constantes do processo, deve considerar-se como considerável (cfr., Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, APADAC, IML-Coimbra, 1992, pag. 135).

Considerem-se ademais os défices temporário total e permanente parcial da integridade físico-psíquica. Como os tratamentos e internamentos padecidos.

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, como se viu, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado – art. 494º ex vi art. 496º, nº3, ambos do Código Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc. Deve ter-se ainda presente que o bem supremo, e por isso o mais valioso, é o bem vida e que, por isso, a indemnização devida por danos físicos e psíquicos deverá calcular-se por referência à que seria arbitrada em caso de privação da vida.

É sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.

Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor, “para restabelecer um desequilíbrio verificado fora do património, na esfera incomensurável da felicidade humana” (Pachioni).

Por isso que o valor dessa reparação, como ensina o Prof. Antunes Varela, deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

A indemnização reveste, assim, no caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista: por um lado visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar as dores sofridas pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente- v. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 2ª ed., pág. 486 e nota 3 e pág. 488.

Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil.

Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496, nº 3, CC, o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo" (Ac. cit., pag. 621), mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial.

O Ac. STJ de 25 de Novembro de 2009 (in http://www.dgsi.pt/ processo nº 397/03.0GEBNV.S1) elenca, exaustivamente, as seguintes componentes do dano não patrimonial:

- o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico;

- o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;

- o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a atividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas;

- o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”;

- o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;

- o prejuízo juvenil pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade;

- o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência ou dificuldades, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais;

- o “prejuízo da autossuficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os atos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade caminhar, de se vestir, de se alimentar.

No caso dos autos, temos que, como danos não patrimoniais, surgem, decisivamente: o Quantum Doloris, fixável no grau 5/7; o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos; os demonstrados dano estético (grau 3) e prejuízo de afirmação pessoal, novamente 5/7, aqui ponderada a idade da lesada.

Analisem-se, finalmente, – tendo ainda em conta que no acórdão do STJ de 21 de Janeiro de 2021 (processo nº 6705/14) foi atribuída compensação de € 40 000,00 a lesada com 32 anos de idade que ficou com défice funcional de 27 pontos, tendo sofrido graves lesões (fratura do nariz, sobrolho, testa, traumatismo craniano e fractura dos dentes) e sendo submetida a intervenção cirúrgica; no acórdão do STJ de 07 de Setembro de 2022 (processo nº 5466/15) foi atribuída a compensação de € 60.000,00 a lesado em acidente de viação, com 34 anos, que sofreu esmagamento dos membros inferiores, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 67 pontos, com quantum doloris de grau 6 numa escala de 7, entre outras sequelas gravíssimas; no acórdão do STJ de 19 de Setembro de 2019 (processo nº 2706/17) foi atribuída a compensação de € 50.000,00 a lesado de 55 anos, sujeito a uma intervenção cirúrgica, exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, que ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos, dores quantificáveis em 5 escala de 7, e dano estético de grau 3 escala de 7, impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, o que o afectou psicologicamente; no acórdão do STJ de 26 de Maio de 2021 (processo nº 763/17) foi atribuída a compensação de € 35.000,00 a lesado que ficou afectado de défice funcional permanente de 13 pontos, que teve de usar durante 6 meses colete lombar, e que sofreu dores muito intensas; no acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2021 (processo nº 2601/19) foi atribuída a compensação de € 45.000,00 a sinistrado com 44 anos, que esteve 2 anos de baixa médica, dos quais 22 dias em internamento hospitalar; quantum doloris de grau 5 numa escala de 7, dano estético de 3 numa escala de 7, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de 15 pontos, nunca mais deixando de claudicar [todas as decisões disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/], grande parte destas decisões retratando realidades objectivamente menos gravosas, salvo sempre melhor opinião, que o dano sofrido pela aqui autora (submetida a nada mais nada menos que 6 cirurgias com anestesia geral e 40 meses de tratamentos); não esquecendo os valores que no entender da administração pública corresponderão a proposta razoável de indemnização aos lesados por acidente de viação (fixados por portaria dos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Justiça nº 377/08, de 26 de Maio, alterada pela portaria das mesmas entidades nº 679/2009, de 25 de Junho); e sempre tendo em conta a importância que os valores eminentemente pessoais assumem como meio para a realização da pessoa (afinal, o núcleo ético inviolável da nossa sociedade - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência; 1993; tomo 3; página 181) – não se afigura excessivo fixar em € 100.000,00 o valor pecuniário susceptível de compensar a autora pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em causa nos autos, sendo-o quer a título de dano emergente, quer em relação ao dano não patrimonial determinado pelo défice funcional do qual ficou afectada.

Tudo para concluir pela intangibilidade da decisão recorrida.

III.

Tudo visto, nega-se provimento a ambos os recursos, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas na proporção do decaimento.


Porto, 21 de Novembro de 2024
Isabel Peixoto Pereira
Aristides Rodrigues de Almeida
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
________________
[1] É que outrossim não resulta já e das conclusões do recurso, como se impõe, se está em causa uma pretensão de alteração da matéria de facto ou antes a uma propugnada desconsideração dos valores “adicionais/acrescidos ao montante do salário” utilizados em sede de liquidação do dano patrimonial, por via já do entendimento sobre o conceito jurídico de retribuição, como parâmetro do dano a indemnizar… Acresce que não se alude minimamente ao facto a que se dirige a impugnação…
[2] No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 01/10/2015, 17/11/2021 e 19/01/2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina, págs. 200 e 201.
[4] Sempre, como melhor resultará infra, por via da solução preconizada quanto ao valor a atender para a determinação da indemnização pelo dano patrimonial correspondente ao dano biológico, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, ao Tribunal não se imporia reapreciar a matéria de facto, na medida em que o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação se apresenta, face às circunstância próprias do caso em apreciação como irrelevante ou inócuo, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).
[5] Sempre, na situação decidenda, como resulta da decisão recorrida, em causa outras atribuições em espécie avaliadas ou computadas, que não apenas quantias em dinheiro.
[6] In http://www.dgsi.pt/ processo nº 632/2001.G1.S1.
[7] No sentido que “o dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado”, vide Ac. STJ de 28. 01.2017 in http://www.dgsi.pt/ processo nº Proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1.
[8] Nesse sentido, citando a Conselheira Maria da Graça Trigo, vide Ac. STJ de 15.06.2016 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 1364/06.8TBBCL.G1.S2.
[9] O dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial, abrangendo as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana – nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.
[10] Nesse sentido, vide Ac. STJ de 8.06.2017 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 1029/12.1TAMAI.P1.S1.
[11] Trata-se de uma limitação funcional geral com repercussões negativas no desenvolvimento de esforços e na qualidade de vida, acrescentando maior penosidade ao desgaste natural da vitalidade no que diz respeito a paciência, atenção, diminuindo perspetivas de carreira, gerando desencantos e acrescentando fragilidade a nível somático ou psíquico.
[12] Há quem sustente que apesar das conceções que defendem um ressarcimento ou compensação a definir casuisticamente verificando-se “verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade”, entende-se que “não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial” nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.
[13] Nesse sentido, vide Ac. RL de 22.11.2016 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7.
[14] Nesse sentido, vide Ac. STJ de 19.05.2009 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 298/06.0TBSJM.S1.
[15] Citação do Acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2005 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 05A2167.
[16] Em manifesta minoria. A título de exemplo, vd. o Ac. do STJ de 30.06.2016, processo n.º 161/11.3 TBPTB.G1.S1.
[17] Assim Rita Mota Soares, O dano biológico quando da afectação funcional não resulte a perda da capacidade de ganho, Julgar, n.º 33, p. 121 e ss, com uma resenha de jurisprudência.
[18] Nesse sentido, vide Ac. RC de 29.01.2019 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 342/17.6T8CBR.C1. Ainda, a título meramente exemplificativo, Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt.
[19] Evidentemente que o valor a atender terá de sê-lo com referência ao valor médio das taxas de juro remuneratórias na ocasião em que se fixa a indemnização, sendo que este, como é sabido, também varia em função do montante em causa e do tempo de imobilização do depósito. Sem que se esqueça a possibilidade de investimento em produtos de maior rendibilidade, com o que insubsistente o argumento na argumentação da recorrente A. de que tal desconto é a desconsiderar completamente.
[20] Basta-nos remeter para o Acórdão do STJ de 1/3/2018 (Relatora: Maria da Graça Trigo): “a afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (…)”. A esperança média de vida das mulheres, segundo os dados mais recentes do INE que localizámos, é de 83,5 anos.
[21] Não sufragamos assim alguma jurisprudência, de resto minoritária, ultrapassada e sem acolhimento pelo STJ (do que se constitui exemplo o Ac. do STJ de 14/10/2008, na base de dados da dgsi), sempre julgada inconstitucional pelo TC no já longínquo Acórdão n.º 383/2012, proferido a 12.07.2012Processo n.º 437/10, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 184 — 21 de setembro de 2012, para o qual nos remetemos, o qual decidiu:« julgar materialmente inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto -Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período».