Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO "A TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL" ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP202511263048/24.6T8AVR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Para se concluir pela violação do princípio «a trabalho igual salário igual» é imprescindível que seja demonstrada a prestação efetiva de trabalho igual, recorrendo à delimitação concreta da função do trabalhador (natureza do trabalho) e ao seu rendimento na execução das tarefas que integram aquela função (a qualidade e quantidade do trabalho prestado). II - Assim, não basta afirmar que aos trabalhadores em causa esteja atribuída uma mesma categoria profissional, porque aí não estão em causa as funções efetivas as funções padronizadas. III - Sendo alegada a violação do princípio «a trabalho igual salário igual», sem que tenham sido invocados quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação [referidas no art.º 24º do Código do Trabalho] cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do art.º 342º, nº 1, do Código Civil, dos factos constitutivos do direito alegado, não tendo em tal situação lugar a presunção a que se refere a 2ª parte do nº 5 do art.º 25º do Código do Trabalho. (Sumário do acórdão elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 3048/24.6T8AVR.P1 ** Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Autor interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]: Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de o recurso ser julgado improcedente, referindo, em essência, que, quanto à matéria de facto, o Recorrente não cumpriu o disposto no art.º 640º do Código de Processo Civil, e, quanto, ao direito, não cumpriu o Autor o ónus de demonstrar os factos constitutivos do seu direito.
O Recorrente apresentou resposta ao parecer, dizendo que não tem nem nunca teve por intenção a impugnação da decisão da matéria de facto, aquilo que pretendeu fazer foi, e no seguimento do disposto no n.º 2 do artigo 614º do CPC, alertar não só o Tribunal ad quem mas principalmente o Tribunal a quo da necessidade de se proceder à retificação de um erro material quanto à omissão/clarificação de um facto que por acordo ficou assente, mas que não ficou (pelo menos de forma clara) plasmado nos factos provados.
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir.
** Questão prévia (do pedido de retificação de lapso material) Em recurso, o Autor alega que o Tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova produzida [cfr. conclusão 2ª], mas sem que efetivamente identifique qualquer concreto ponto da matéria de facto como incorretamente julgado, ou seja, sem que manifestamente sejam cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil à pate recorrente que impugna o decidido quanto a matéria de facto. Em resposta ao parecer do o Digno Procurador-Geral-Adjunto, em que este refere precisamente não estarem cumpridos aqueles ónus, o Recorrente esclarece que nunca teve por intenção a impugnação da decisão da matéria de facto, acrescentando que aquilo que pretendeu fazer foi, e no seguimento do disposto no n.º 2 do artigo 614º do CPC, alertar não só o Tribunal ad quem mas principalmente o Tribunal a quo da necessidade de se proceder à retificação de um erro material quanto à omissão/clarificação de um facto que por acordo ficou assente, mas que não ficou (pelo menos de forma clara) plasmado nos factos provados. Assente que não foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto, pergunta-se se pode ter lugar a retificação referida pelo Recorrente na resposta ao parecer. O art.º 614º, invocado pelo Recorrente, refere-se à “retificação de erros materiais”, dispondo que o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando a mesma contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, sendo essa retificação, como decorre claramente do nº 2 dessa disposição legal [e não podia ser de outra forma, diga-se], efetuada pelo tribunal que proferiu a sentença, ou seja, quem incorreu em lapso. Como refere Rui Pinto[3], na retificabilidade de uma decisão estão em causa situações em que há uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz, ou seja, o juiz escreve uma coisa diversa daquela que queria escrever, e, dada a dificuldade em apurar a “boa”, ou “não errada”, vontade real do juiz, apenas releva o erro material que seja manifesto. É verdade que, como alega o Recorrente na resposta ao parecer, e consta quer da ata de julgamento [de 25/03/2025] quer da sentença proferida [motivação da decisão sobre a matéria de facto], grande parte dos factos ficaram assentes por ser entendido haver acordo sobre os mesmos nos articulados, donde prescindir o Autor de produção de prova, sendo o seguinte o teor da referida ata [na parte que ora importa, e retificando-se evidentes lapsos de escrita ali constantes]: Porém, não se alcança que em recurso [seja por requerimento dirigido diretamente a quem praticou o alegado “erro”, seja por invocação na motivação e conclusões de recurso] o Autor tenha solicitado a retificação de um erro material quanto à omissão/clarificação de um facto que por acordo ficou assente, sendo por isso claramente intempestiva a alegação da existência de erro material. De todo o modo, sempre se diz que, apesar de não especificar em que frase, parágrafo… está o lapso, aquilo que o Recorrente alega na resposta ao parecer é que não ficou mencionado de forma clara que era prestado “trabalho igual”, e tal expressão, em si, assume cariz conclusivo [pressupõe aquilo quem termos jurídicos se entende como tal], integrando, como melhor se perceberá infra, a resolução do thema decidendum [entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão], logo insuscetível de integrar a factualidade [de outros factos que eventualmente integrem os factos provados se concluirá se estamos, ou não, perante “trabalho igual”[4]]. Sem prejuízo do acabado de referir, naturalmente que se for pacífico, processualmente, que o trabalho prestado era igual, não deixará de ser considerada essa pacificidade [mas desde já se diz que afirmar que ter atribuída a mesma categoria não equivale a afirmar que o trabalho era igual]. Sendo assim, desde logo porque intempestiva, não é considerado qualquer pedido de retificação de erro material que eventualmente conste na enunciação dos factos provados.
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FUNDAMENTAÇÃO Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[5], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[6] é saber se o Autor, em termos salariais, é discriminado em relação aos trabalhadores, colegas de trabalho, CC e BB.
** Não tendo havido impugnação da decisão sobre a matéria de facto [como se expôs], os factos provados e não provados a considerar na apreciação do recurso são aqueles considerados como tal na sentença de 1ª instância, objeto de recurso, que se passam a enunciar.
Factos PROVADOS:
Quanto a factos NÃO PROVADOS, foi consignado que inexistem factos com relevo por apurar.
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O Autor impulsionou a presente ação apelando aos artos 12º e 59º, nº 1, al. a) da CRP e aos artos 24º e 25º do Código do Trabalho, estando em causa o denominado princípio «a trabalho igual salário igual». O tribunal a quo considerou que ser objetivamente justificada uma diferenciação remuneratória baseada na antiguidade, escrevendo essencialmente o seguinte [que se reproduz para melhor se perceber o que depois se dirá, realçando-se as passagens que se consideram mais relevantes para perceber a posição do julgador a quo]: O Recorrente discorda deste entendimento, podendo identificar-se os seguintes vetores na sua linha argumentativa: - não se pode falar na existência de um critério objetivo, até porque os outros dois trabalhadores ganham o mesmo e têm antiguidades diferentes; - foi desconsiderado que a Ré paga diuturnidades, ou seja, remunera a antiguidade de forma autónoma, não podendo fazê-lo pelas duas vias (incremento do salário base e atribuição de diuturnidades) [cita o acórdão desta Secção Social do TRP de 19/12/2023, processo nº 3715/21.6T8MTS.P1]; - a antiguidade sem estar associada a patamares não é controlável o aumento do salário base em função da antiguidade, logo não traduz um critério objetivo [cita o acórdão do TRG de 09/01/2025, processo nº 5088/23.3T8VNF.G1]; - não se pode afirmar que o aumento percentual é uniforme quando está provado que o Autor teve aumento superior. A posição da Recorrida, é no sentido de se manter o decidido, podendo identificar-se, por sua vez, os seguintes vetores: - o Autor tinha o ónus de demonstrar que foi vítima de discriminação, já que não beneficia de qualquer presunção, o qual não cumpriu [o Autor não provou qualquer discriminação salarial e a Ré demonstrou ter uma política salarial com base em critério objetivo e não discriminatório]; - nada consta dos factos provados quanto ao pagamento de diuturnidades, mas mesmo que sejam pagas visam compensar a progressão na carreira; - a lei não impõe a implementação de um plano de carreiras; - os aumentos superiores do Autor decorrem da sua antiguidade. Posto isto, façamos algumas considerações por forma a enquadrar a questão a resolver. O princípio «trabalho igual salário igual» tem expressão no art.º 270º do Código do Trabalho. Antes de existir o desenvolvimento legal do princípio constitucional «trabalho igual, salário igual» consagrado no art.º 59º, nº 1, al. a) da CRP [o que aconteceu com o Código do Trabalho em 2003 [11]], procurava-se concretizar os critérios da «quantidade, natureza e qualidade» do trabalho prestado que a al. a) do nº 1 do art.º 59º da CRP enuncia[12], para efeitos da determinação de que trabalho é, efetivamente, um trabalho igual, procurava-se concretizar os critérios, repete-se, designadamente com recurso à delimitação concreta da função do trabalhador (natureza do trabalho) e ao seu rendimento na execução das tarefas que integram aquela função (a qualidade e quantidade do trabalho prestado). Atualmente, sem perder naturalmente de vista a CRP, conjugando os artos 270º e 25º do Código do Trabalho, a questão pode também ser enquadrada da seguinte forma: as diferenças retributivas entre trabalhadores, não justificadas objetivamente, são qualificadas como situação de tratamento discriminatório, o que é vedado ao empregador. Quando é alegada, como in casu, violação do princípio «a trabalho igual salário igual», sem que tenham sido invocados quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação [ascendência, idade, sexo, etc.], cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do art.º 342º, nº 1, do Código Civil, dos factos constitutivos do direito alegado, não tendo em tal situação lugar a presunção a que se refere a 2ª parte do nº 5 do art.º 25º do Código do Trabalho[13]. Mas, para se poder fazer um juízo comparativo não basta a mera prova da mesma categoria profissional[14] e da diferença retributiva, tendo o trabalhador que alegar e demonstrar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho, objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao(s) trabalhador(es) face ao(s) qual(is) se diz discriminado e permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade. Ou seja, para se concluir pela violação do referido princípio, é imprescindível que seja demonstrada a prestação efetiva de trabalho igual, recorrendo à delimitação concreta da função do trabalhador (natureza do trabalho) e ao seu rendimento na execução das tarefas que integram aquela função (a qualidade e quantidade do trabalho prestado). Como se referiu no acórdão desta Secção Social do TRP de 13/02/2017 [15], pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio «para trabalho igual, salário igual», cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador. Ou, como se referiu no acórdão também desta Secção Social do TRP de 08/11/2018 [16], o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), quantidade (intensidade e duração) e qualidade (dos conhecimentos, da prática e da capacidade)[17]. Quer isto dizer que poderá haver um tratamento diferenciado no campo salarial conforme à especial situação de um trabalhador. Rui Medeiros[18] refere-nos que, aparentemente, para evitar que exista espaço para o arbítrio patronal deve exigir-se que, mesmo neste plano da atribuição de uma vantagem retributiva a um determinado trabalhador, o empregador apresente os elementos que evidenciam a racionalidade objetiva da decisão de tratamento privilegiado, sendo necessário que a justificação fornecida não deixe nenhuma dúvida sobre o carácter objetivo-racional do fundamento para a diferenciação. Mas, acrescenta o mesmo autor[19], que se não sofre contestação a ilegitimidade constitucional de um arbítrio unilateral do empregador que revele – para empregar a expressão de Pietro Ichino – um “capricho servil”, não se deve recusar em absoluto, máxime na atribuição de vantagens retributivas com base em fatores não suspeitos, um espaço de liberdade de ponderação não estritamente objetivo-racional. Em tal espaço há a possibilidade de o empregador fazer prevalecer razões subjetivas desde que não se traduzam na adoção de comportamentos discriminatórios à luz das categorias suspeitas e não representem “ofensas intoleráveis à dignidade da pessoa humana”. António Monteiro Fernandes[20],sintetiza o escrito a propósito da relevância do rendimento do trabalho para efeitos de equidade salarial, dizendo que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que se demonstre a diferença de qualidade da prestação; os critérios fixados no art.º 59º da CRP [quantidade, natureza, qualidade do trabalho] podem conduzir a uma diferenciação de tratamento remuneratório, assim objetivamente justificada; essa diferenciação tanto pode resultar da qualidade, como da natureza do trabalho, ainda que dentro da mesma categoria. Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça[21], ao qual se adere, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional[22]. No caso sub judice, não é posto em causa que existe diferenciação salarial, e tal resulta cristalino dos factos provados [cfr. pontos 30) e 39) a 49) dos factos provados], mas a sentença recorrida retira conclusões como se dos factos provados constasse factualidade que efetivamente não está, logo não pode ser considerada. Assim, a afirmação de que “na presente situação, em que os trabalhadores em causa têm anualmente aumentos (refletidos na retribuição base e não nas diuturnidades) …” [pág. 13] não tem apoio nos factos provados, pois não encontramos neles qualquer referência a diuturnidades [o Recorrente refere que dos recibos de vencimento juntos no processo consta que sim, através da rubrica “prémio topo carreira 15, 20 e 25 anos”, mas, além de que os documentos são meios de prova de factos e não os factos em si, não constam dos factos provados elementos para dizer que o pago nessa rubrica corresponda à “diuturnidade” a que alude o art.º 262º, nº 2, al. b) do Código do Trabalho]. Por outro lado, a afirmação de “que o Autor e os colegas exercem a mesma função de Macheiro Mecânico de Fundição, desde 2017”, é uma afirmação reportada à atividade em abstrato, porquanto dos factos provados não constam as funções que em concreto exerciam o Autor e os trabalhadores CC e BB. Com efeito, nos factos provados encontramos que a Ré é composta por 4 sectores, entre eles o da Macharia [ponto 16) dos factos provados], sector esse que comporta 6 postos de trabalho, entre os quais o de Macheiro Mecânico de Fundição [ponto 18) dos factos provados], posto esse ocupado pelos referidos 3 trabalhadores [pontos 5), 10), 13) e 14) dos factos provados], e que corresponde ao posto mais exigente dentro dos 6 do sector em causa [ponto 24) dos factos provados]. Só que, se no ponto 26) dos factos provados encontramos descritas as funções que em abstrato correspondem a esse posto de trabalho, não se sabe se em concreto correspondem às desempenhadas, ou melhor, à totalidade das desempenhadas por cada um dos referidos 3 trabalhadores: Autor, CC e BB. É que, o exercerem funções que levem a dizer integrarem esse posto de trabalho não se confunde com a atividade em concreto levada a cabo que permite aquela conclusão. Como é sabido, o empregador deverá atribuir ao trabalhador uma categoria-estatuto (categoria profissional institucionalizada, ou regulada a nível legal ou pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, com atribuição de determinados direitos mínimos e determinada remuneração) que, em termos de classificação e integração retributiva, corresponda à categoria-função (funções que no essencial o trabalhador se obrigou a prestar por contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica), devendo aquela assentar nas funções efetivamente desempenhadas[24]. Tem pertinência, pela relevância e clareza, transcrever o escrito por António Monteiro Fernandes a este propósito[25]: Transpondo o acabado de expor para o caso concreto, aquilo que consta do ponto 26) dos factos provados [que teve origem no alegado no artigo 26º do articulado de contestação] corresponde manifestamente ao descritivo do conjunto de funções que constituem o padrão das funções da categoria estatuto do Macheiro Mecânico de Fundição, e se as principais funções efetivas de um trabalhador corresponderem àquela descrição poderemos afirmar estarmos perante um Macheiro Mecânico de Fundição [já acima deixámos expresso que para poder fazer um juízo comparativo não basta a mera prova da mesma categoria profissional]. Acresce que não encontramos nos factos provados de todo suporte para a afirmação de “que resultou cabalmente provado que a antiguidade é o fundamento objetivo para a diferenciação salarial inicial praticada, a qual resulta de política salarial da empresa que leva a cabo aos aumentos da forma que se comprovou: sobre a retribuição base e sempre com a aplicação uniforme de uma percentagem, sendo a mesma acordada e conhecida de forma publica”. Parece que o julgador a quo quando retira a conclusão de “que a antiguidade é o fundamento objetivo para a diferenciação salarial” se está a referir à antiguidade na função de Macheiro Mecânico de Fundição [pois só em relação a ela temos datas nos pontos 5), 10) e 13) dos factos provados, não havendo elementos para falar da antiguidade na empresa, e dos pontos 21) a 24) dos factos provados resulta haver uma progressão dentro do sector da Macharia], mas, sucede que não encontramos nos factos provados suporte para essa afirmação. Na verdade, nos factos provados consta como se processavam os aumentos salariais anualmente [pontos 31) a 38) dos factos provados], mas nada encontramos que expresse ou permitir concluir por alguma explicação para que o salário base pago ao Autor e aos outros dois trabalhadores seja diferente porque tem antiguidade diversa, apenas se podendo pôr essa hipótese, mas sem ter sustento nos factos provados. Aqui chegados, pergunta-se: então o recurso/ação procede? Ora, do exposto resulta que a questão que se encontra a montante é a de saber se temos condições para fazer o juízo comparativo entre as funções efetivamente desempenhadas por cada um dos trabalhadores [Autor, CC e BB], pois, como se deixou expresso supra, para se concluir pela violação do princípio em análise é imprescindível que seja demonstrada a prestação efetiva de trabalho igual, recorrendo à delimitação concreta da função do trabalhador (natureza do trabalho) e ao seu rendimento na execução das tarefas que integram aquela função (a qualidade e quantidade do trabalho prestado), e a resposta a essa questão em face da factualidade apurada, é negativa. Ou seja, só depois de concluir que estamos perante a mesma natureza do trabalho, é que se passa para a análise da qualidade do trabalho prestado, de saber se ela é idêntica (rendimento na execução das tarefas que integram a função) e/ou saber se está evidenciada uma racionalidade objetiva para o tratamento desigual. E sendo assim, a questão vem a pôr-se em termos de ónus da prova, sendo o desfecho da ação contra quem tinha esse ónus e não o cumpriu. Como refere Miguel Teixeira de Sousa[27], decorre da circunstância de existir o ónus de prova uma importante consequência: não é a parte que nega que os factos invocados pela contraparte que está onerada com a prova de que esses factos não são verdadeiros, pelo que da falta ou insuficiência dessa prova não podem resultar para ela quaisquer desvantagens. Como decorre do que se deixou expresso supra, numa situação como a destes autos, não existe presunção de discriminação pois não está em causa a inserção nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, referidas do art.º 24º do Código do Trabalho [cfr. o acórdão do STJ de 01/06/2017 acima referido], pelo que cabia ao Autor provar os factos que levassem a concluir pela discriminação salarial, como factos constitutivos do direito alegado. Isso mesmo está dito no acórdão desta Secção Social do TRP de 19/12/2023 [já acima referenciado, consultável em www.dgsi.pt [28]], sendo de referir, em face do alegado em recurso, que, relativamente à antiguidade como justificação para a diferenciação salarial [questão que aqui não chega a colocar-se, porque se colocaria a jusante da questão que, porque determina a improcedência da ação, prejudica o conhecimento dela], na situação subjacente a esse aresto estava provado, desde logo que com essa política de revisão salarial é intenção da ré premiar a antiguidade dos trabalhadores e a experiência a esta associada, o que não acontece neste processo [em que apenas temos as condições gerais de aumentos salariais – pontos 31) a 38) dos factos provados].. Em suma, ainda que com fundamentação diversa da utilizada em 1ª instância, improcede o recurso, mantendo-se o decidido na sentença recorrida.
* Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficariam a cargo do Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil), mas será ponderada a isenção do pagamento de taxa de justiça nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais, respondendo o Recorrente nos termos dos nos 6 e 7 do mesmo art.º 4º Regulamento das Custas Processuais.
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DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar o decidido na sentença recorrida. Custas pelo Recorrente [sem prejuízo do referido supra sobre a isenção]. Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP). Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 26 de novembro de 2025 António Luís Carvalhão [Relator] Rui Manuel Barata Penha [1º Adjunto] Maria Luzia Carvalho [2ª Adjunta]
______________________________ [1] Do contrato de trabalho de trabalho junto com a contestação consta escrever-se “CC”. [2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico. [3] “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613º a 617º do CPC)”, julgar Online, maio de 2020, págs. 5 a 7. [4] Objeto de prova não é se era prestado “trabalho igual”, mas antes que atividade em concreto exercia o trabalhador A e que atividade em concreto exercia o trabalhador B, e em face disso se poderá concluir, ou não, que era prestado “trabalho igual”. [5] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”). [6] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho). [7] Faltava a preposição “em”, que se introduziu. [8] Constava «€ 1.029,57», o que na conjugação com os pontos anteriores e subsequentes resulta ser lapso. Na motivação da decisão sobre matéria de facto consta, a propósito deste ponto, essencialmente o seguinte: O facto provado n.º 2 a 32 e 41 a 51 resulta indiretamente de acordo das partes. / Os factos provados n.º 41 a 51 retirou-se do depoimento de EE e DD, (cuja credibilidade se avalia infra), e da ausência de impugnação. Assim, ponderados, por um lado, os recibos de vencimento juntos com a PI, e, por outro lado, o constante do artigo 5º da PI e quadro do artigo 62º da contestação da Ré, conclui-se ser este o valor a considerar, e como tal se consignou. [9] Não constava o valor, mas, ponderando o escrito na motivação da decisão sobre matéria de facto [cfr. trecho transcrito na nota anterior], tendo este ponto suporte nos recibos de vencimento juntos com a PI, e ponderando o constante do artigo 5º da PI e quadro do artigo 62º da contestação da Ré, conjugando os mesmos, conclui-se dever ser este o valor a considerar, e como tal se consignou. [10] Não constava a data, mas apelando ao quadro constante do artigo 62º da contestação da Ré, concluímos ser esta, por consequência, a data a considerar. [11] O qual veio consagrar norma com sentido idêntico ao art.º 59º, nº 1, al. a) da CRP, o art.º 263º, a que corresponde atualmente o art.º 270º. [12] É a seguinte a sua redação: todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna (sublinhou-se). [13] Vd. o acórdão do STJ de 01/06/2017 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 816/14.0T8LSB.L1.S1), cujo sumário, porque elucidativo, se transcreve: 1. O Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual. 2. O art.º 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. 3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação. 4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção. 5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu. [14] Muito menos a mera prova de que foi atribuída a mesma categoria-estatuto, interessando a correspondente categoria-função [infra desenvolveremos estes conceitos]. [15] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 10879/15.6T8VNG.P1. [16] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3697/17.9T8PRT.P1. [17] Por mais recente, vd. o acórdão do TRL de 27/04/2022, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 7848/20.8T8LSB.L1-4. [18] In “O Direito Fundamental à Retribuição – Em Especial, o Princípio a Trabalho Igual Salário Igual”, -Universidade Católica Editora, novembro 2016, pág. 106. [19] Ibidem, pág. 109. [20] In “Direito do Trabalho”, Almedina, 22ª edição, 2023, pág. 379. [21] Vd. os acórdãos do STJ de 14/05/2008, de 04/06/2008 e de 18/12/2013, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 07S3519, nº 07S4100 e nº 248/10.0TTBRG.P1.S1, respetivamente. [22] No mesmo sentido, vd. o acórdão do TRE de 06/03/2012, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 207/09.5TTSTB.E1. [23] Referido pela Recorrente, consultável em www.tribunalconstitucional.pt. [24] Vd. Ac. desta Secção Social do TRP de 03/05/2010, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1698/08.7TTPRT.P1. [25] In Direito do Trabalho”, Almedina, 22ª edição (revista e atualizada), 2023, págs. 309/310, 313 e 319. [26] Em nota de rodapé esclarece tratar-se, há muito, de orientação pacífica na jurisprudência (citando acórdãos). [27] In “As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa”, Lex, Lisboa 1995, pág. 218. [28] Relatado pelo agora 1º adjunto. |