Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1341/24.7T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
INOVAÇÃO
APROVAÇÃO DA REALIZAÇÃO DA INOVAÇÃO
Nº do Documento: RP202511131341/24.7T8GDM.P1
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de recurso, só é admissível a junção de documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1ª instância.
II - A colocação de aparelho de ar condicionado na fachada de um prédio constituído em propriedade horizontal é considerada inovação para efeitos do disposto no artigo 1425.º, n.º 1 do Código Civil, exigindo, para ser autorizada, a aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1341/24.7T8GDM.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA AV...., com o NIF ...33, e sede na Rua ..., ..., ..., ... ..., representado pelos administradores AA e BB, propôs acção declarativa comum contra CC, residente na rua ..., ... ..., e DD, residente na rua ..., ... ..., peticionando que sejam os Réus condenados a retirar um aparelho de ar condicionado da fachada do prédio e ainda, que sejam condenados a pagar o montante de € 10 euros diários, desde a data do incumprimento - 1 de Março de 2024 - até data do efectivo cumprimento.

Para tanto, alega que os RR. são condóminos do 2.º esq. e, no início do ano de 2024, sem autorização para o efeito, o R, marido colocou na fachada do prédio, um aparelho de ar condicionado.

Como era do conhecimento dos RR, pouco tempo antes, outro condómino havia solicitado autorização ao condomínio, para colocar um aparelho de ar condicionado em local idêntico do prédio, o que lhe foi negado, autorizando-o a colocá-lo no chão da varanda, sem que fosse possível visualizá-lo do exterior.

Mesmo tendo conhecimento da situação, o Réu marido resolveu colocá-lo na referida parede exterior (parte comum do prédio), tendo a administração chamado a sua atenção no momento da colocação, no sentido de não poder colocá-lo naquele local, aconselhando-o a colocá-lo no chão da varanda, como tinha feito o condómino do andar superior, o que o R. ignorou, dizendo até, “a casa é minha, e eu faço o que eu quero”.

A nove de Fevereiro, foi efectuada reunião extraordinária de Condomínio, em que um dos pontos da ordem de trabalho foi a “instalação do ar condicionado na fachada frontal do prédio, em local visível na fração 2º Esqº”, apartamento dos Réus.

Nessa reunião, os condóminos votaram por maioria qualificada, apenas com o voto contra do Réu, para a retirada do aparelho de ar condicionado, no prazo de 15 dias, por ter sido colocado sem autorização da assembleia de condomínio e na fachada do prédio.

Foi ainda enviada uma carta registada onde lhe foi prorrogado o prazo por mais uma semana, para a retirada do aparelho, mas debalde, pois até ao momento o Réu não tirou o aparelho, e nem demonstra vontade em fazê-lo.

Foram regularmente citados os RR., que vieram contestar, por impugnação.

Sumariamente, para além de críticas à actuação da administração do condomínio noutras situações, sustentam que a varanda não é parte comum do prédio e que o aparelho de ar condicionado é de reduzidas dimensões.

Para a sua colocação, pediram antecipadamente um parecer à CM de Gondomar, que lhes comunicou que a sua colocação não tinha relevância urbanística, independentemente de qual fosse a opinião do condomínio.

Diz que existem vários aparelhos já instalados no prédio, só que estão aplicados no chão das varandas.

Colocaram o aparelho numa zona mais alta da varanda, a conselho do instalador, porque têm uma neta com nove anos que se podia empoleirar no mesmo se este estivesse no chão e cair da varanda.

Afirmam não estarem disponíveis para retirar o aparelho, porque a varanda não é área comum e estão a exercer um direito próprio, inalienável e legítimo, visando evitar um acidente com uma criança.

Afirmam ainda que o aparelho não provoca qualquer trepidação e não exala qualquer cheiro, não perturbando quem quer que seja, tendo sido instalado apenas com o intuito de evitar o desconforto que acontece nos dias de calor e sol, a que a parede do prédio está exposta durante o dia.

Pugnam pela improcedência da acção.

A 22/10/2024, foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os temas da prova e identificado o objecto do litígio.

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Nestes termos e pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência, condenar os Réus CC e DD, a retirarem o aparelho de ar condicionado colocado na fachada do prédio.

No mais, improcede o peticionado pelo A, absolvendo-se os RR. do pedido, na parte correspondente.

Custas por A. e RR., na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do CPC), que se fixa em 80% para os segundos e 20% para o primeiro”.

Não se conformando os Réus com tal sentença, dela interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

A) Os apelantes entendem que o Tribunal “a quo” não teve em particular atenção particularidades dos depoimentos prestados pelas várias Testemunhas elencadas e que se perfilaram durante o julgamento.

B) Sendo certo que os ora recorrentes têm perfeita noção que não lograram demonstrar em sede de julgamento de julgamento todos os elementos por si carreados aos autos em sede de contestação, também é certo que o Tribunal não pode, nem deve, decidir como decidiu.

C) Desde sempre que a posição assumida pelos recorrentes, ora apelantes, foi a de que a segurança da criança, sua neta, estaria numa primeira linha das suas preocupações.

D) É manifesto que o direito fundamental e pessoal da criança estará em primeiríssimo lugar;

E) E que o direito dos condóminos deve sussubrar perante tal facto, ainda que uma assembleia geral de condóminos desorganizada tivesse decidido que o aparelho de ar condicionado poderia ser colocado no chão da varanda;

F) E porque é que foi permitido a outros condóminos instalarem no mesmo prédio outros aparelhos de ar condicionado, eventualmente com as mesmas dimensões do que os RR. colocaram na parede e que não foram retirados do local onde estão, bem acima do chão da varanda, como se mostra nas fotos que se juntam?

G) Considerando tais elementos que fazem parte integrante dos depoimentos das ditas Testemunhas, deveria exigir-se outra atenção e que lhes fosse fixado outro valor probatório, sob pena de estarmos perante uma potencial colisão de direitos, porventura até de inconstitucionalidade;

H) Donde, perante estas modestas apreciações, compete ao digníssimo Tribunal da Relação do Porto ordenar a baixa dos autos à Primeira Instância para serem apreciadas as supra referidas incongruências, nomeadamente quanto ao direito pessoal e fundamental da segurança da criança que se deve sobrepor “erga omnes” aos direitos dos condóminos e, no final, ser outra a decisão que contemplasse o petitório dos Apelantes.

Ou então, a não ser assim, deverá ser outra a decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, pelo que a decisão da primeira instância deve ser anulada e substituída por outra que não a que foi proferida [...]”.

O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar a questão da colocação e permanência do aparelho de ar condicionado na parede do edifício onde se situa a fracção autónoma de que os recorrentes são proprietários.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:

1. Em reunião da assembleia de condóminos do condomínio A. de 4/1/2020, foi eleita por unanimidade dos presentes uma administração conjunta do condomínio, composta pelos Srs. AA e BB, condóminos do 2º direito e 3º esquerdo, respectivamente.

2. Essa administração foi mantida para os anos de 2021, 2022, 2023 e 2024.

3. Pela Ap. ...0, de 1987/06/25, foi registada a favor dos aqui RR. CC e DD a aquisição, por “compra”, da fracção autónoma designada pela letra "F", que corresponde a uma habitação no segundo andar esquerdo, com entrada pelo n.º ... e lugar de garagem com entrada pelo n.º ... do prédio do condomínio A., descrita na Conservatória Registo Predial de Gondomar sob o n.º ...7/19870330 - F, da freguesia ....

4. No início do ano de 2024, sem que para tanto tivessem autorização, os RR. colocaram na fachada do prédio um aparelho de ar condicionado.

5. Pouco tempo antes, outro condómino havia solicitado autorização à administração do condomínio, para colocar um aparelho de ar condicionado em local idêntico do prédio, o que lhe foi negado, autorizando-o a colocá-lo no chão da varanda, sem que fosse possível visualizá-lo do exterior.

6. Os RR. resolveram colocá-lo na referida parede exterior, tendo a administração chamado a atenção do R. marido no momento da colocação, no sentido de não poder colocá-lo naquele local, aconselhando-o a colocá-lo no chão da varanda, como tinha feito o outro condómino do andar superior,

7. Não obstante, os RR. colocaram o aparelho na fachada do prédio.

8. A nove de fevereiro de 2024, foi efetuada reunião extraordinária de Condomínio, em que um dos pontos da ordem de trabalho foi a “instalação do ar condicionado na fachada frontal do prédio, em local visível na fração 2º Esqº”, apartamento dos Réus.

9. Tal como resulta da ata da reunião da Assembleia de Condomínio desse dia (com o número 52), todos os condóminos, apenas com a excepção do Réu marido, que nela esteve presente e votou favoravelmente, rejeitaram a colocação do aparelho.

10. Fez-se ainda constar da referida ata que “Mais ficou aprovado que o condómino do 2º Esq. terá de retirar o aparelho de ar condicionado colocado na parede e, caso pretenda, pode instalar no chão da varanda”.

11. E que “o condómino do 2º Esq. terá 15 dias para retirar o aparelho de ar condicionado da parede, caso não respeite o prazo, será instaurado processo judicial”.

12. Foi ainda enviada pelo A. ao R. marido carta registada com aviso de recepção, subscrita por advogada e dirigida para a morada sita na rua ..., onde lhe foi prorrogado o prazo por mais uma semana, para a retirada do aparelho.

13. O R. marido recebeu a carta.

14. Porém, até ao momento, os RR. não procederam à retirada do aparelho nem demonstram vontade em fazê-lo.

15. Existem vários aparelhos de ar condicionado já instalados no prédio, só que estão aplicados no chão das varandas.

16. Os RR. têm uma neta com cinco anos de idade.

17. Os RR. foram aconselhados pelo instalador do aparelho de ar condicionado, a colocá-lo numa zona mais alta da sua varanda, para que a sua neta não se empoleirasse no mesmo e caísse da varanda.

18. O aparelho colocado tem cerca de 49,5 cm de altura, 72 cm de comprimento e 27 cm de profundidade.

19. Não exala cheiros nem provoca trepidação.

III.2. A mesma instância considerou não provados os seguintes factos:

a) Os RR. tivessem conhecimento do referido em 5.

b) O R., enquanto estava a ser colocado o aparelho de ar condicionado, tenha dito “a casa é minha, e eu faço o que eu quero”.

c) Os RR., antes de procederem à colocação do dito aparelho de ar condicionado, pediram um parecer à Câmara Municipal de Gondomar, que lhes comunicou que a sua colocação não tinha relevância urbanística, independentemente de qual fosse a opinião da Administração do Condomínio.

d) O ar condicionado tenha sido colocado apenas com o intuito de evitar o desconforto que acontece nos dias de calor e de muito sol, a que a parede do prédio está exposta durante o dia.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Questão prévia: admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.

Antes de entrar na análise do objecto do recurso, importa indagar da admissibilidade da junção dos documentos – fotografias - apresentados pelos recorrentes com as alegações de recurso, e a cuja junção o apelado se opôs nas suas contra-alegações.

Dispunha o artigo 693º-B do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8, que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude de julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º”.

O artigo 523.º, n.º 1 do Código de Processo Civil naquela versão, estabelecia que os documentos destinados a fazer a prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”, acrescentando o n.º 2: “se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 524.º do mesmo diploma dispunha: “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”; e o seu nº 2: “os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”.

Dispõe hoje o n.º 1 do artigo 651.º que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais que se refere o artigo 425.º[1] ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.

Por regra, os documentos devem ser apresentados com o correspondente articulado, ou seja, com a petição inicial, se pretenderem a demonstração dos factos fundamentadores da acção, ou com a contestação, se se destinarem a comprovar os fundamentos da defesa.

Como informa Abrantes Geraldes[2], “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1ª instância (art. 524º)”, adiantando o mesmo autor que “a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objectivos de celeridade[3].

Os recorrentes juntaram várias fotografias com as alegações de recurso, “só recentemente obtidas e que não foram carreadas aos autos tempestivamente”.

Como reconhecem os recorrentes, as fotografias que pretendem juntar com as alegações não foram tempestivamente trazidas aos autos, sendo que a invocação de que “só recentemente [foram] obtidas” não constitui justificação que valide a sua apresentação tardia.

Assim, inexistindo fundamento para a sua apresentação extemporânea, não se admite a junção dos documentos apresentados com as alegações, os quais, de resto, são totalmente desprovidos de interesse para o conhecimento do objecto do recurso.

2. Da aplicação do Direito aos factos apurados.

Uma das formas de organização da propriedade privada de edifícios é através do instituto da propriedade horizontal.

Não importando nesta sede uma análise teórica das várias teses em confronto[4], a teoria do direito real de gozo é a dominante na doutrina portuguesa[5], consolidada pelo regime jurídico consagrado no Código Civil, em que a propriedade singular apresenta restrições que não existem na propriedade em geral, como a prevista no artigo 1422.º, n.º 2, e o direito sobre as partes comuns, especificidades que o distinguem do regime de compropriedade em geral, como as previstas no artigo 1420.º, n.º 2, 1423.º, e as diversas regras relativas à administração, como as previstas nos artigos 1430.º e seguintes.

Segundo o n.º 1 do artigo 1420.º, do Código Civil, “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”, tipificando o n.º 1 do artigo 1421.º do mesmo diploma as partes comuns do edifício, integrando-se neste conceito, designadamente, “O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio” - alínea a).

As partes comuns não têm que ser especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal – determinam-se por exclusão de partes; as fracções autónomas, por força do disposto no artigo 1418.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil, são individualizadas no respectivo título constitutivo, sob pena de nulidade do mesmo, não constituindo propriedade privada tudo o que nele não seja especificado como tal.

As partes imperativamente comuns do edifício são, pois, as enumeradas no artigo 1421.º, n.º 1 do Código Civil. Como refere Sandra Passinhas[6], “Temos assim uma afectação estrutural, uma afectação envolvente ou de cobertura, uma funcional e uma de comunicação”.

Integram as partes comuns as paredes exteriores que delimitam o perímetro do prédio, que constituem as fachadas principais e as fachadas posteriores[7].

Ao contrário da administração da fracção autónoma, que cabe exclusivamente ao condómino titular do respectivo direito de propriedade, a administração das partes comuns compete à assembleia de condóminos e ao administrador, nos termos do artigo 1430.º, n.º 1.

O artigo 1422.º do Código Civil prevê limitações ao exercício dos direitos por parte dos condóminos ao estabelecer:

“1. Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.

2. É especialmente vedado aos condóminos:

a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;

b) Destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes;

c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;

d) Praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.

3 - As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

4 - Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fração autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, com exceção do previsto no artigo 1422.º-B”.

De facto, na propriedade horizontal o direito de propriedade dos condóminos está limitado “pela função social ou económica que desempenha”, sendo que a sua peculiar fisionomia “requer especial atenção à interdependência dos condóminos no uso e fruição do prédio, com relevo para a comodidade e tranquilidade destes e para a sua segurança e a do edifício[8].

De acordo com o n.º 1 do artigo 1425.º do Código Civil, “[S]em prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”.

Tal normativo adopta uma noção lata do termo inovações, compreendendo estas todas as obras novas que comportem uma alteração do edifício tal como foi originariamente construído, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, e aplica-se a todas as partes comuns do edifício, ainda que possam ser afectadas ao uso exclusivo de algum ou alguns condóminos.

As inovações podem consistir em alterações de parte comum do prédio, quer quanto à sua forma ou à sua substância, ou modificações na sua afectação, não tendo necessariamente em traduzir-se e, obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício: “o que releva é que seja criado algo de novo ou de diferente nas partes comuns do edifício”[9].

As obras de inovação a que o n.º 1 do artigo 1425.º se refere tanto podem beneficiar coisas comuns já existentes, como introduzir novas coisas comuns no edifício, designadamente instalações gerais de aquecimento, ar condicionado[10], água, electricidade[11].

É facto incontroverso que a colocação pelos Réus de um aparelho de ar condicionado na parede/fachada do edifício onde se situa a fracção de que são proprietários constitui obra de inovação para efeitos do disposto no citado artigo 1425.º, n.º 1, carecendo, como tal, de aprovação dos condóminos, nos termos exigidos pelo mencionado normativo.

Como anota a sentença recorrida, “...a colocação de um aparelho de ar condicionado na fachada de um edifício, mesmo que apoiado num qualquer tipo de suporte amovível mas fixado na parede, constitui, para este efeito, uma inovação, carecendo de aprovação por maioria absoluta dos condóminos”. Aprovação que, no caso, não existiu já que na Assembleia Geral para o efeito convocada todos os condóminos, à excepção do próprio Réu marido, rejeitaram, por votação, a colocação do dito aparelho.

Se efectuada a votação, a maioria exigida pelo referido dispositivo não for alcançada, tal significa que a obra não foi autorizada, pelo que não poderá realizar-se. A colocação do aparelho de ar condicionado pelos Réus na parede exterior do edifício, que constitui parte comum do mesmo – facto que os mesmos nem sequer se atrevem a contestar em sede de alegações de recurso -, processou-se, pois, com violação do disposto no citado artigo 1425.º do Código Civil.

Sendo que “as restrições previstas na lei para o exercício do direito de propriedade horizontal são verdadeiros direitos reais” [...], “no caso de violação de um direito real, ao respectivo titular cabe a faculdade de auto-defesa ou de actuação judicial, não sendo impeditiva desta a existência de autorização ou licença administrativa que permita a alguém a actuação que o titular do direito impugna[12]. Direito que o Autor exerceu ao demandar judicialmente os Réus peticionando a condenação destes para que procedam à retirada do aparelho de ar condicionado instalado em parte comum do edifício sem autorização da maioria qualificada dos demais condóminos.

Não obstante, persistem os Réus no declarado propósito de não retirarem o referido aparelho colocado em violação ao disposto em norma legal imperativa, alegando, para o efeito, que “a posição assumida pelos recorrentes, ora apelantes, foi a de que a segurança da criança, sua neta, estaria numa primeira linha das suas preocupações” e que “o direito fundamental e pessoal da criança estará em primeiríssimo lugar”, para, adiante, ainda reforçarem que o “direito pessoal e fundamental da segurança da criança que se deve sobrepor “erga omnes” aos direitos dos condóminos”.

Claramente que a “questão” colocada pelos recorrentes é uma não questão.

Primeiramente, porque, ao contrário do que parecem argumentar, não se está perante uma situação de colisão de direitos.

De facto, nada nos autos permite concluir que a solução proposta pelos demais condóminos – colocação do aparelho condicionado no chão da varanda da fracção dos recorrentes – represente um perigo, ou sequer um risco acrescido, para a segurança de alguém, incluindo a alegada neta dos mesmos[13], nada indicando que o referido aparelho não pudesse ser colocado afastado da vedação da varanda.

Mas, ainda que assim fosse, sempre incumbia aos recorrentes e/aos progenitores da criança exercer sobre ela o dever de vigilância, de forma a evitar qualquer risco para a sua segurança que, potencialmente sempre existirá, independentemente da colocação ou não daquele equipamento na varanda[14].

Ao contrário do que sustentem os recorrentes de que “o direito dos condóminos deve sussubrar[15] perante tal facto”, nada justifica a violação por parte dos mesmos de uma norma imperativa que proíbe obras de inovação, sem a devida autorização dos demais condóminos, em partes comum do edifício, inexistindo fundamento válido que legitime tal infracção, não se podendo reconhecer primazia a um hipotético direito pessoal a que os recorrentes atribuem supremacia absoluta, sobrepondo-o aos direitos dos demais condóminos, que a lei reconhece e protege.

Sendo clamorosa a falência dos argumentos usados pelos recorrentes para justificarem a permanência do aparelho de ar condicionado na fachada do edifício, improcede o recurso, com a consequente confirmação do decidido.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas – pelos apelantes: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Notifique.


Porto, 13.11.2025

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Judite Pires

António Carneiro da Silva

Ana Luísa Loureiro






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[1] Que corresponde ao nº1 do artigo 524º do anterior diploma.
[2] “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 228.
[3] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 184.
[4] A doutrina tem distinguido neste domínio cinco teses: teoria da pessoa colectiva, teoria da propriedade especial, teoria dualista, teoria do direito real complexo, e, finalmente, teoria do direito real de gozo.
[5] Cfr. Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2000, ed. Almedina, pág. 154; Luís Carvalho Fernandes, “A Situação Jurídica do Superficiário-Condómino”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, V, II, págs. 547-579, José Alberto González, “Propriedade Horizontal e Servidão Predial”, 1998, Revista de Ciência e Cultura, n.º 2, pág. 454.
[6] “Partes Comuns na Propriedade Horizontal”, Coimbra Editora, 1998, pág. 643,
[7] Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., pág. 421; Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 2.ª ed., págs. 39, 40.
[8] Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª ed., pág. 174.
[9] Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª ed., 2006, pág. 283.
[10] Cfr. acórdão da Relação do Porto de 2.10.1997, processo n.º 9730438, www.dgsi.pt.
[11] Pires de Lima/Antunes Varela, obra citada, pág. 434.
[12] Moitinho de Almeida, obra citada, págs. 64, 65.
[13] Quando nem sequer está demonstrado que com eles resida na fracção.
[14] Infelizmente, há registo de acidentes desta natureza, designadamente de quedas de crianças de varandas, mesmo quando nelas não existe equipamento de ar condicionado.
[15] Expressão utilizada pelos recorrentes.