Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
| Descritores: | DÚVIDA SOBRE A PROVA DE FACTO MEIO DE PROVA COMPRA E VENDA DIREITO DE REDUÇÃO DO PREÇO | ||
| Nº do Documento: | RP20251013464/21.9T8ILH.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, pelo que na formação da convicção do julgador resultante da apreciação da prova não relevam considerações relativas às regras de repartição do ónus da prova. II - Só no caso de não se alcançar convicção sobre a realidade de um facto após a valoração da prova é que é de aplicar a regra, substantiva, resultante do artigo 414.º do Código de Processo Civil, preceito que não se destina a resolver as dúvidas do julgador sobre a prova produzida durante o processo de formação da sua convicção. III - Não deve enumerar-se como facto provado o teor de um meio de prova. Assim, não tem o juiz que fazer constar dos factos provados o teor de autos de inspeção, relatórios periciais ou mesmo de depoimentos, devendo, tão-só, retirar deles a sua convicção sobre os factos que os mesmos se destinam a provar. IV - Com vista ao exercício do direito de redução do preço de compra e venda nos termos do artigo 911º do Código Civil cabe ao comprador alegar e provar os factos de que decorra a conclusão de que teria adquirido o bem por preço inferior. V - O critério a atender para a fixação do montante da redução de preço decorrente de defeitos na coisa adquirida é o do cotejo entre o preço da aquisição e o valor real do bem adquirido com os defeitos provados. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo número 464/21.9T8ILH.P1, Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, Juiz 2.
Recorrentes: AA e BB Recorridos: CC e DD
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeiro adjunto: Filipe César Osório Segunda adjunta: Carla Fraga Torres
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: 1. Em 23-06-2021 AA e BB propuseram ação a seguir a forma de processo comum contra CC e DD, pedindo a sua condenação no pagamento de 30 000 €. Para tanto alegaram que compraram aos réus um imóvel, pelo preço de 205 000 €, estando convictos da veracidade do que lhes fora transmitido pelos vendedores relativamente ao teor do certificado energético que referia a existência de determinados materiais de isolamento. Mais de um ano volvido sobre a aquisição e na sequência de infiltração decorrente de chuva que penetrou no interior da sua habitação por causa de quebra de telhas, constataram a inexistência desses materiais na habitação. Comunicaram aos réus a verificação dessa desconformidade e a consequente necessidade de realização de obras, pedindo a redução do preço da venda e consequente devolução de parte dele. Alegaram que apenas ofereceram 205 000 € para compra do imóvel por razões sentimentais, pois consideravam que o valor comercial do mesmo seria de 185 000 €, primeira proposta que fizeram aos vendedores. Pedem a devolução da diferença entre este valor e o efetivamente pago, por via da redução do preço de venda consequente aos defeitos encontrados, ou, assim não se entendendo, por forma a obstar ao enriquecimento sem causa dos réus à sua custa. 2. Em 25-06-2021 os autores pediram a produção antecipada de prova pericial alegando urgência na realização de obras de isolamento da cobertura do imóvel que constitui a sua casa e habitação. 2. Os réus foram citados e notificados do requerimento de produção antecipada de prova tendo-se oposto a este em 03-09-2021 e oferecido contestação em 15-09-2021. Nela impugnaram o alegado pelos autores quanto à forma de negociação do preço da compra e venda e à alegada falta de isolamento, que, caso exista, dizem desconhecer por terem adquirido o imóvel ao seu construtor e nunca terem detetado qualquer defeito de construção. Mais alegaram que os autores visitaram a casa pelo menos quatro vezes, duas delas acompanhados por um construtor civil, pois pretendiam remodelá-la e, por tal, orçaram as obras que iriam fazer antes de oferecerem qualquer preço. Celebraram mesmo com tal construtor um contrato de empreitada antes da formalização da compra e venda, pelo que conheciam o estado da construção. Segundo os réus os autores nunca os questionaram, nem ao mediador imobiliário, sobre as caraterísticas ou qualidade da construção que sabiam datar de 1999 e que tiveram ensejo de verificar com auxílio de pessoa qualificada, em várias visitas ao imóvel prévias à aquisição. Pediram a intervenção acessória provocada do emissor do certificado energético do imóvel, EE, para acautelar o eventual exercício de direito de regresso em caso de condenação. 3. Tal intervenção foi admitida por despacho de 22-11-2021 e ali foi ainda ordenado que se ouvissem as partes sobre a oportunidade da produção antecipada de prova, dado o lapso de tempo entretanto decorrido. 4. Por requerimento de 06-12-2021 autores manifestaram manter interesse na antecipação da prova pericial e juntaram aos autos ata de uma assembleia de condóminos em que se deliberou solicitar relatório sobre “o estado dos telhados da urbanização”, afirmando os autores que a sua habitação se insere em tal condomínio. 5. Os réus responderam em 20-12-2021, reiterando que a antecipação da prova pedida se prendia apenas com interesse dos autores na realização de uma obra que não é urgente e impugnando a existência de um condomínio/propriedade horizontal em que se integre a casa adquirida pelos autores. Contudo, argumentaram, a verificar-se que foi efetivamente constituída tal propriedade horizontal, daí decorrerá a ilegitimidade dos autores nos termos do previsto no artigo 1421.º alíneas a) e b)[1]. 6. Em 10-01-2022 o interveniente acessório EE apresentou contestação, admitindo ter sido o emissor do certificado energético a pedido de uma sociedade imobiliária. Afirmou, todavia, que para executar tal tarefa não tinha que avaliar a qualidade construtiva do imóvel, o que os autores enquanto compradores tinham que fazer e terão feito, não podendo os mesmos confundir o desempenho energético do imóvel com a sua impermeabilização. Alegou ainda que, além dos elementos documentais que lhe foram entregues e relativos à construção, apenas observou o imóvel sem destruir paredes e sem aceder à cobertura, pois tal não lhe era possível, pelo que quanto às caraterísticas de construção dessas áreas se guiou pelo “Estudo Térmico” para a construção do edifício que lhe foi entregue, não tendo razões para duvidar da conformidade do projeto com o edificado. Mais alegou que a existirem tais desconformidades não poderiam ter sido elas as causas das infiltrações descritas pelos autores que decorreram apenas da quebra de telhas. 7. Em 13-01-2022 os autores responderam à exceção de ilegitimidade (arguida pelos réus na resposta de 20-12-2021 ao seu requerimento de 06-12- 2021), juntando documentos com vista a comprovar a existência de um condomínio “restrito à gestão da área comum, composto por jardim e equipamentos desportivos” da urbanização em que se insere a sua habitação. 8. Na mesma data os réus responderam a tal requerimento impugnando a virtualidade dos documentos juntos para prova da alegada propriedade horizontal. 9. Ambos os requerimentos juntos a 13-01-2022 foram mandados desentranhar por despacho de 14-01-2022, que ordenou a notificação do interveniente acessório para se pronunciar sobre o pedido de produção antecipada de prova pericial. 10. Em 25-03-2022 foi proferido despacho saneador, após dispensa de audiência prévia e de fixação do valor à causa. Foi conhecida, pela sua improcedência, a exceção de ilegitimidade ativa. Foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova. Foram admitidos os requerimentos de prova, entre ela a pericial. 11. Em 01-07-2022 foi junto aos autos o relatório do colégio de peritos, tendo o mesmo sido alvo de reclamação por banda dos autores que pediram a sua correção em face das razões de discordância que enunciaram, bem como solicitaram esclarecimentos. 12. Ordenada a prestação de tais esclarecimentos pelo Tribunal a quo, os peritos responderam em 03-03-2023, ao que os autores reagiram com reiteração das discordâncias, pedidos de alteração e de esclarecimento já antes por si solicitados. 13. Tal pretensão foi-lhes indeferida por despacho de 02-05-2023, que ordenou a presença dos peritos em audiência de julgamento, como também fora pedido pelos autores, pelos réus e pelo interveniente acessório. 14. A audiência de julgamento iniciou-se em 27-09-2023 e terminou a 16-10-2023, tendo sido requerida pelos autores, em 11-10-2023, nova retificação ao relatório pericial, o que lhes foi indeferido na segunda sessão da audiência de julgamento. 15. Em 08-04-2025 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, tendo absolvido os réus do pedido.
II - O recurso: É desta sentença que recorrem os autores pretendendo alteração parcial da decisão sobre a matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência da ação. Para tanto, alegaram o que verteram da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: (…) * Os réus contra-alegaram sustentando que não existem fundamentos para a alteração da decisão relativa à matéria facto, pelo que deve ser confirmada a sentença.
III – Questões a resolver: Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver: 1. Alteração da matéria e facto nos seguintes termos: a) Passagem das alíneas a) e c) dos factos não provados para os provados; b) Alteração da redação das alíneas 47 e 48 dos factos provados; c) Aditamento de três novos factos ao elenco dos provados. 2. Em face da alteração ao elenco dos factos provados, a existência de fundamento para a pretendida redução do preço de aquisição do imóvel que os autores compraram aos réus.
IV – Fundamentação: Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa (destacar-se-ão desde já aqueles que os recorrentes pretendem que sejam alterados): Provados: “1. Entre Autores e Réus foi celebrado um contrato de compra e venda (e mútuo com hipoteca), em 26 de Fevereiro de 2020, nos termos do qual os Réus venderam ao Autores “o PRÉDIO URBANO composto por casa de habitação com área descoberta, denominado lote n.º ..., sito em Ílhavo (...), na Rua ..., da freguesia ... (...), concelho de Ílhavo, descrito na CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ÍLHAVO, sob o número ... – ÍLHAVO (...) com registo de aquisição a favor da PARTE VENDEDORA pela inscrição AP... de 1999/01/22, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia ... (...), do qual proveio o artigo ..., da freguesia ... (...) (Extinta), com valor patrimonial correspondente de Euros: 135.370,55, adiante designada abreviadamente por IMÓVEL.” 2. Imóvel esse que os autores adquiriram para sua habitação própria e permanente, pelo preço de 205.000,00€ (duzentos e cinco mil euros), valor pago em duas prestações, a primeira aquando da celebração do contrato promessa em 28/01/2020 no valor de 20.500,00 € (titulada por cheque com n.º ..., sacado sobre o Banco 1... S.A.) e a segunda, na data da celebração do contrato definitivo referido em 1º no valor remanescente de 184.500,00 € (cento e oitenta e quatro mil e quinhentos euros), quantias de que os Réus deram quitação. 3. Pelo que, são os autores os proprietários do imóvel identificado em 1. 4. O imóvel em apreço foi objeto de diversas diligências prévias por banda dos autores, anteriores à aquisição que infra se descrevem. 5. Os autores, tiveram conhecimento da intenção de venda do imóvel então pertencente aos réus, mediante pesquisa na internet, meio que utilizaram para demonstrar interesse no imóvel. 6. Em data não concretamente apurada, mas em Outubro ou Novembro de 2019, os autores pediram para verificar o imóvel, agendando visita, diretamente com o mediador A..., unipessoal, Lda. (titular da licença n.º ...-AMI), conhecida pela firma “B...”, com estabelecimento na Praça ..., ... Aveiro, que anunciava a venda do imóvel pelo valor de 220.000,00 € (duzentos e vinte mil euros). 7. Sociedade mediadora que foi sempre representada pelo Sr. FF (Real Estate Consultant Manager), que, por sua vez, agiu em representação e no interesse dos réus. 8. Assim, no mês de Novembro de 2019, os Autores visitaram o imóvel, pelo menos quatro vezes: As duas primeiras exclusivamente na companhia do mediador, Sr. FF; a terceira na companhia dos progenitores dos autores e do Sr. FF; e a última, antes de os autores apresentarem qualquer proposta de aquisição, com o Sr. FF, e o Sr. GG (empreiteiro que realizou diversas benfeitorias no imóvel, após a aquisição). 9. Posteriormente à primeira visita ao imóvel, no dia 21 de Novembro de 2019, pelas 10:49:42, Sr. FF, diretamente do seu email institucional (..........@.....), dirigiu um email ao autor, com o seguinte teor: “anexo orçamento da moradia as plantas, certificado Energético e a Caderneta Predial. A medida da porta de garagem é de 4,34 metros sendo a largura total da garagem 4.65 m e o comprimento 7,05 metros. Até Sábado, (...)”, juntando quatro documentos em anexo: - O “orçamento da moradia” (elaborado por C..., OR ..., datado de 2018-11-16), elaborado a pedido da mediadora e a ela dirigido, tendo como finalidade informar os potenciais compradores do montante necessário para pôr o imóvel com condições de habitabilidade e conforto, nomeadamente: - reparação de todas as fissuras existentes: - renovação do sistema elétrico dos estores ocultando cabos e caixas; - pintura de todos os tetos e paredes; - tratamento de rodapés, com colocação de silicones novos; - envernizar pisos em tacos e degraus das escadas; e - trocar frente das portas dos móveis da cozinha e colocação de módulo de ilha sem eletricidade; - As plantas em 2D (“untitled_31102018.pdf”) com indicação de áreas e respetivas medições; - O “certificado energético – Moradia de Ilhavo” n.º ..., válido até 24/07/2028; - A Caderneta predial. 10. No dia 23 de Novembro de 2019, os autores visitaram novamente o imóvel na companhia dos seus pais, para verificar o seu estado durante o dia porque a moradia não tinha serviço de eletricidade contratado, tendo fotografado o seu interior e exterior. 11. Nesta visita, os autores questionaram o mediador sobre as condições do telhado e das caleiras não visíveis do exterior, e especialmente no interior, na zona do quarto do último piso, porque um dos armários apresentava vestígios de uma infiltração anterior e, o teto, uma mancha de condensação/humidade. 12. Nessa data, foi explicado pelo Sr. FF, na presença dos progenitores e dos autores, que no passado tinha ocorrido uma infiltração por entupimento da caleira, produzindo os danos visíveis no armário e no teto, mas a anomalia tinha sido devidamente reparada e eliminadas. 13. Os autores reconhecem que o imóvel, com exceção da cozinha, eletrodomésticos, desatualização das casas de banho, algumas rachadelas interiores e dos danos num dos armários do quarto do último piso, se encontrava, aparentemente, em razoável estado de conservação, denunciando qualidades de construção. 14. Decorre do certificado energético n.º ..., junto como doc. 6 com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido, referente ao imóvel em apreço a indicação de atributos de desempenho energético do imóvel nos seguintes termos: “aquecimento ambiente, 31% mais eficiente que a referência; Arrefecimento ambiente, 100% mais eficiente que a referência; e Água quente sanitária, 11% menos eficiente que a referência”, tendo aí sido atribuída uma classificação energética B, sendo ainda ali expresso no segmento “propostas de medidas de melhoria” que “não foram identificadas medidas de melhoria. / Face ao reduzido potencial de melhoria, não são propostas quaisquer medidas no âmbito do processo de certificação energética”. 15. Mais consta do referido certificado energético a referência a materiais de isolamento aplicados no imóvel, concretamente, na parede exterior com XPS de 4 cm, na cobertura inclinada do andar com XPS de 4cm e em todos os pavimentos com XPS de 4 cm, conforme documento 6 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 16. Pretendendo dotar o imóvel de mais condições de conforto mais modernas e atuais, os autores solicitaram nova visita ao imóvel, que ocorreu em 26 de Novembro de 2019, na presença do Sr. FF e com o contributo do Sr. GG, empresário em nome individual. 17. Nesta visita, os autores solicitaram ao Sr. GG a elaboração de uma proposta de orçamento para realização das eventuais melhorias pretendidas pelos autores, para além das anteriormente orçamentadas, que receberam no mesmo dia por email. 18. Assim, para além das orçamentadas no documento elaborado a pedido da mediadora, os autores pretendiam: - Lavagem Exterior da moradia e reparação de pequenos pontos no tijolo; - Pintura de portão de acesso ao pátio da moradia; - substituição de pedra da banca por silestone revestindo a barra anti salpicos no mesmo material; - aplicação de novo rodapé na banca da cozinha; - retirar frigorífico e colocação de prateleiras; - fornecimento e aplicação de forno, placa e máquina de lavar louça; - fornecimento e aplicação de nova pia de embutir; - Wc R/C renovação completa com cerâmico novo até 30€/m2 (fornecimento de móvel com lavatório 90 e sanita); - Wc 1º Andar renovação completa com cerâmico até 30€/m2 (fornecimento de móvel com lavatório 90, sanita, bidé, base de ardósia e respetivo resguardo frontal fixo); - Wc 2º andar renovação completa com cerâmico até 30€/m2 (fornecimento de móvel com lavatório de 90, sanita, base de ardósia e respetivo resguardo frontal fixo); Orçamento, no valor de 27.146€ com iva, que foi posteriormente corrigido e objeto de contrato de empreitada datado de 14 de Fevereiro de 2020, para a execução dos serviços nele discriminados, pelo valor de 29.036,59 euros com IVA (Orçamento ... de 2020-02-12). 19. Assim, no dia 27/11/2019 pelas 15:38, apresentaram, por email e pelo montante de 185.000,00 euros (cento e oitenta e cinco mil euros) a primeira proposta, Trinta e cinco mil euros abaixo da proposta de venda que os autores entendiam ser justificada pelo seguinte: “Efetivamente, a avaliação das inovações que se apuraram para que o imóvel cumpra com as necessidades de conforto, terão um custo associado de cerca de 30.000 euros, (aliás, conforme é do seu conhecimento, já que o orçamento apresentado resultou por intermédio de sociedade por siindicada) sem considerar eventuais surpresas que poderão ocorrer após a contratação de serviços de água, eletricidade e gás, e das restantes situações não observadas em concreto, nomeadamente, o funcionamento dos restantes equipamento (caldeira, e acumulador de água), caleiras superiores não visíveis e telhado, motores dos portões, entre outros. / Mesmo assim estamos verdadeiramente interessados no imóvel, para mim, especialmente porque será um regresso às raízes familiares. / Para tanto, propomos um valor de aquisição de 185.000 euros. / Queira, portanto, fazer chegar a proposta para aquisição ao proprietários, dando a conhecer as diligencias já efetuadas para remodelação do imóvel, divulgando, querendo o valor associado.” 20. Perante a rejeição da primeira proposta, os autores apresentaram uma segunda proposta, por 195.000,00 € (cento e noventa e cinco mil euros), no dia 29 de Novembro (23:04), à qual o mediador respondeu: “o proprietário disse-me que nunca aceite propostas abaixo dos 200 000,00€”. 21. Mesmo assim, apresentou a segunda proposta aos réus, fazendo uma contraproposta no dia 05 de Dezembro de 2019 (17:25): “em conversa com o proprietário ficou definido o valor mínimo de venda do imóvel – 205 000,00 €” subordinado às seguintes condições: “10% com assinatura do CPCV / Escritura até 15 de Fevereiro”. 22. Assim, em 11 de Dezembro de 2019 (15:24) os autores deram por concluído o processo negocial, manifestando o mediador no dia 12 de Dezembro de 2019: “Já comuniquei a vossa decisão ao proprietário, que me pediu para pôr a casa a venda novamente. / Da minha parte fiz todo o possível para que se fechasse o negócio, pena pois os valores estavam perto e a casa merecia”. 23. Contudo, perante a ligação afetiva do autor à localização do imóvel, nunca escondida aos réus e essencialmente por essa razão, os autores decidiram acompanhar integralmente a contraproposta dos réus, oferecendo o valor proposto por estes de 205.000,00€ para aquisição do imóvel subordinado às condições também por aqueles propostas em 5/12/2019: 24. Negociação que culminou com a celebração do contrato promessa no dia 28 de Janeiro de 2020, data em que tiveram o primeiro contacto direto com os réus, posteriormente com o contrato de compra e venda celebrado a 26 de Fevereiro de 2020, momento em que obtiveram as chaves do imóvel. 25. Em meados de Fevereiro, início de Março de 2021, os autores aperceberam-se do aparecimento gradual de manchas de humidade na cobertura (tetos), e de duas infiltrações de águas das chuvas, em dois armários embutidos na fachada sul do imóvel, provenientes do telhado, que se veio a apurar serem resultantes deficiências no telhado (uma telha partida e outra deficientemente chumbada num cume), deficiências essas que foram reparadas. 26. Nessa altura, em fevereiro ou março de 2021, a propósito de tais anomalias no telhado, os autores foram alertados por um vizinho, HH, de que a cobertura era composta apenas por telha e blocos, não sendo visível qualquer material de isolamento quer de impermeabilização, térmico ou sonoro. 27. Foi então que os autores no sentido de verificar se os dados que constavam do seu certificado energético eram coincidentes com os dos outros lotes, conversaram com alguns proprietários dos outros lotes, alguns deles que já tinham substituído integralmente o telhado. 28. Embora poucos tivessem certificado energético (por não ser exigível à data de aquisição), afirmaram que as habitações não tinham isolamento térmico, ou qualquer outro tipo de isolamento, e que os telhados eram um problema antigo e conhecido pelos proprietários, que para além de não terem isolamento (impermeabilizante ou térmico), são pouco inclinados e propensos a infiltrações, o que obrigou alguns proprietários à substituição integral dos telhados para colocação de isolamento térmico, impermeabilização com subtelha, e telha de encaixe duplo. 29. Em concreto, o proprietário do lote ... (Rua ..., ... Ílhavo), o Sr. II, que posteriormente disponibilizou aos autores o contacto da sociedade que tinha realizado a reabilitação da sua cobertura, concretamente “D... - construções e contabilidade, Lda.”, na pessoa do Sr. JJ. 30. O Sr. HH, proprietário do Lote ..., que disponibilizou aos autores o certificado energético do seu lote, que não faz qualquer referência a materiais de isolamento, nas parede, coberturas, pavimento e pontes térmicas planas. 31. O Sr. KK, proprietário do Lote ..., que disponibilizou aos autores o certificado energético do seu lote. 32. Os autores então decidiram contactar a sociedade D..., na pessoa do Sr. JJ, para verificar e orçamentar a colocação de isolamento, pelo menos na cobertura, tendo este entregue o orçamento junto como documento 19, e que propõe as seguintes operações: - Remoção integral da telha da cobertura e aplicação de nova, - tratamento das chaminés e viga da frente posterior - tratamento do revestimento, em alvenaria, do muro de separação de águas; e - impermeabilização com rufos nas zonas de encontro do muro de separação com as telhas das 2 águas; - impermeabilização com rufos nas zonas dos meios fios das águas; e - tratamento da impermeabilização das caleiras. 33. Desde que começaram a habitar o imóvel, os autores verificaram que os pisos abaixo da cobertura, sem aquecimento, registaram temperaturas de 13 graus no inverno e 27 graus no verão. 34. Os autores assumiram que a diferença térmica sentida resultaria da deficiente afinação, ou falta de isolamento das janelas e das correntes de ar provocadas pelas claraboias. 37. Os réus habitaram no imóvel cerca de 10 anos. 38. De acordo com o “estudo térmico” do imóvel, datado de Fevereiro de 1996, junto como doc. 1 com a contestação do assistente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as paredes exteriores possuem isolamento térmico e as coberturas possuem isolamento com 4 cm de espessura. 39. No imóvel dos autores a cobertura do andar têm as seguintes características: - nas zonas onde a cobertura não é simultaneamente teto à vista dos compartimentos uteis da habitação: - não tem qualquer camada de estuque projectado cfr figs 22 e 23 infra; - é composta por laje aligeirada de 20cm de espessura; - não tem qualquer camada de XPS cfr figs 22, 23 e 25; - nas zonas onde a cobertura é simultaneamente teto à vista dos compartimentos uteis da habitação: - tem uma camada de estuque projectado cfr figs 1 a 3 e 5; - é composta por laje aligeirada de 20cm de espessura, admitindo que a espessura dessa laje se mantém constante em toda ela; - não tem qualquer camada de XPS cfr fig 25; 40. Verifica-se assim a inexistência de materiais de isolamento térmico na laje inclinada da cobertura, na laje do teto do segundo andar e na parede exterior da frente. 41. Sem sondagens intrusivas na estrutura do imóvel não é possível afirmar a existência de isolamento térmico nos seguintes elementos mencionados no certificado energético, a saber: - Paredes exteriores com tijolo de face à vista (Alçado de trás); - Paredes confinantes com vizinhos (laterais esquerda e direita); - Piso do andar sobre o exterior; - Piso do andar sobre a garagem; - Piso térreo do r/c. 42. A ausência de isolamento verificada, pelo menos na cobertura do andar, na laje do teto do segundo andar e na parede exterior da frente, torna o imóvel mais frio no inverno, e mais quente no verão, impondo custos energéticos acrescidos no inverno, para aquecimento da habitação, eventualmente com recurso a gás ou eletricidade, acrescidos da manutenção e desgaste dos equipamentos, por ser necessário manter o seu funcionamento por períodos mais longos e obriga a custos acrescidos no verão, para arrefecimento da habitação, com eletricidade, situação, apenas possível com a instalação de aparelhos de refrigeração. 43. Pelo referido, sabendo-se que a cobertura inclinada é a zona onde é mais fácil aplicar o isolamento térmico, é possível, não tendo sido apurado com grau de certeza, que as restantes paredes e os pavimentos também não possuem qualquer isolamento térmico. 44. Os autores procederam à realização de obras na cobertura (telhado), colocando isolamento térmico e impermeabilizante, obra que foi orçamentada em € 9.900,00, s/ IVA. 45. Em 26 de Março de 2021, por comunicações registadas com aviso de receção dirigidas aos réus (ref. RH667508034PT, RH667508048PT), os autores interpelaram aqueles, entre o mais, nos seguintes termos: “(…)Acontece que após vistoria e confronto de soluções propostas pelo segundo técnico, em meados de Março corrente, fomos confrontados com uma realidade que desconhecíamos e que não correspondia ao que nos tinha sido assegurado no momento da negociação e compra. / Efetivamente, de acordo com a documentação que nos foi disponibilizada por V. Exas. em 21/11/2019, por intermédio do mediador Sr. FF, no período pré negocial ao contrato promessa, foi-nos assegurado que a cobertura do imóvel era composta por laje aligeirada de 20 cm, com isolamento XPS de 4cm, e estuque projetado de 2 cm, completada no exterior (de forma visível) por telha tipo lusa. Tudo em conformidade com o certificado energético com ref. SCE180502319, que nos forneceu e que serviu de documento complementar/necessário para elaboração do contrato definitivo. (Cfr certificado energético que se junta e se dá por reproduzido) / Acontece que, no decurso da verificação efetuada por técnicos em Março de 2021, para resolver os problemas registados com aparecimento de humidade e infiltração de águas pela cobertura, fomos informados que a cobertura não tinha qualquer isolamento, sendo composta apenas por blocos de cimento (cobertura de cimento de cerca de 2 cm) e telha (colocada sobre viga de cimento chumbada no bloco).”(…) “Situação de difícil verificação, já que obrigaria à destruição de parte da fachada, paredes interiores e piso, com custos elevadíssimos, mas não impossíveis de verificação, por profissional encartado”. (…) “Se, por um lado, a destruição parcial para colocar o isolamento térmico nas fachadas exteriores é praticamente inviável, porque implicaria a remoção integral do material de tijolo exterior, colocação de isolamento e nova cobertura das fachadas (material não existente no mercado, com exigências urbanísticas de integração no loteamento das restantes 20 moradias), já será viável a reparação da cobertura com a colocação do isolamento.”(…) “Por tudo o exposto, afirmamos que o imóvel que nos foi vendido por V. Exas. não é aquele que foi apresentado e documentado. Consequentemente, o preço oferecido foi influenciado, entre outras caraterísticas e condições, também pelo fator energético do edifício (aliás, bastante favorável para a idade do mesmo). Formação de vontade que está inquinada pela falta de caraterísticas apontadas ao imóvel, por vós asseguradas pela exibição do documento referido, concretamente os materiais usados e eficiência energética certificada. Nesta data, não podemos afirmar que o valor do imóvel é omesmo que seria se tivesse o referido isolamento. Isto é, o que seria se possuísse as caraterísticas que nos garantiram que ele tinha. Sendo, também relevante os custos futuros que teremos, desde logo com a promoção de obras necessárias para dotar o imóvel das caraterísticas que nos garantiram ter (sendo que na cobertura tem caráter necessário e urgente, porque teremos que realizar a obra no período seco que se aproxima), e complementarmente, ou em alternativa, suportar os prejuízos presentes ocorridos pela ausência de caraterísticas garantidas por V. Exas. no imóvel e futuros provocados pela ineficiência energética do mesmo, nomeadamente, maior custo de recursos energéticos para aquecimento e arrefecimento do imóvel. Tudo isto, quando, à data da formação da vontade de comprar e posterior celebração de contrato de compra e venda, tais encargos não se perspetivavam, atentas as características que diziam que o prédio possuía. Somos, portanto, do entendimento que o preço contratualizado é passível de uma redução significativa face aos factos relatados, com a consequente devolução de parte do preço aos aqui signatários/compradores.” 46. Comunicação que mereceu a resposta junta como documento 22 e se dá por reproduzido, da qual se destaca o seguinte: “não iremos assim ceder à V. chantagem e ficaremos a aguardar pela respetiva ação judicial para ali demonstrarmos a falta de fundamento da V. pretensão.” 47. O imóvel em questão tinha um valor de mercado, reportado a Janeiro de 2020, caso tivesse as características de isolamento térmico referidas no certificado energético e aludidas em 15, no montante de € 226.081,00. 48. Por seu turno, o mesmo imóvel, considerando a ausência das referidas características de isolamento, à data de Janeiro de 2020, tinha um valor de mercado de € 220.770,00. 49. Para dotar o imóvel das características de isolamento térmico constantes do “estudo térmico” e do certificado energético atentas as soluções construtivas de recurso possíveis para aplicar atualmente esse isolamento térmico, importaria, nomeadamente: - nas paredes apenas se poderia executar capoto (sobre a face exterior da parede); - nos pisos previstos nesses Docs, aplicação do isolamento sob os tetos dos pisos, seguidos da aplicação de pladur e sua respectiva pintura; - na cobertura, aplicação do isolamento térmico sobre a laje inclinada 50. Para executar esses trabalhos de fornecimento e aplicação do isolamento térmico, atentos à natureza e condições de execução dos trabalhos, consideramos 10% de imprevistos, resulta um custo de 23.985€, reportados a janeiro de 2020. 51. As visitas efetuadas ao imóvel, as informações prestadas pelo mediador e os documentos disponibilizados aos autores referentes ao imóvel, elencados supra sob o ponto 9, bem assim a localização do imóvel, o qual se situa numa zona com estima e valor sentimental para o autor, foram os elementos a que os autores atenderam para a formação da vontade de comprar e da determinação do preço a oferecer”. * Não provados: “a) Os réus sabiam que o imóvel não era dotado dos materiais de isolamento térmico referido no certificado energético e aludidos em 15 e, através do mediador FF, asseguraram aos autores que este tinha as qualidades construtivas vertidas no respetivo certificado energético. b) Os réus afirmaram, no próprio dia da escritura e na presença dos demais, que: “no inverno até se dormia sem pijama. Bastava ligar o recuperador de calor da sala.” c) Os autores não teriam adquirido o imóvel pelo preço que pagaram se soubessem que este não tinha isolamento térmico.”. * 1. Quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto. A admissibilidade do recurso da matéria de facto depende do cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º, do Código de Processo Civil. Tal preceito, pelo seu número 1, impõe – no que agora releva convocar - ao recorrente que especifique, “sob pena de rejeição”: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. O número 2 do referido artigo estatui que “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Os recorrentes cumpriram de forma clara a obrigação de discriminação dos factos que quer ver alterados e indicaram a decisão que sobre eles quer ver proferida, mas, quanto a parte das suas pretensões, não indicaram quaisquer meios de prova a reapreciar. a) É o que acontece quanto à pretendida alteração da matéria de facto dada por não provada alíneas a) e c)). Os recorrentes alegam que o teor das referidas alíneas deve passar a provado sem indicarem em concreto em que meios de prova sustentam tal pretensão. Limitaram-se, a esse propósito, a formulações genéricas como as seguintes: “no que respeita aos factos não provados, alienas a) e c), foi decidido em desconformidade com a globalidade da prova efetivamente produzida e não observou as regras do ónus da prova”; “No que respeita à aliena a), dos factos não provados, a prova produzida é bastante para tal facto ser considerado provado”; e quanto à alínea c) “De toda a prova produzida não há indícios que os AA tenham apresentado propostas superiores à de aquisição, quando tinham plena convicção que o prédio tinha as caraterísticas apontadas nos documentos certificados fornecidos pelos RR. Da globalidade da prova retira-se o oposto” e outras do mesmo jaez. A tais afirmações, genéricas, acrescentaram considerações sobre a concreta motivação da decisão da matéria de facto, discordando da mesma quanto à valoração do depoimento e LL e do relatório pericial e alegando que os documentos 11 e 12 juntos à petição inicial levariam à prova da alínea c) dos factos não provados. Todavia, não transcreveram ou indicaram as quaisquer passagens do depoimento de LL que tenham tido por relevantes, apenas alegando que o Tribunal a quo não teve em conta que dele resulta que os autores sabiam das desconformidades do seu imóvel pois o mesmo confirmou, na qualidade de administrador de condomínio, que os réus eram notificados das deliberações das assembleias de condóminos, apesar de não comparecerem às mesmas. Tampouco indicam os recorrentes em que medida o teor do relatório pericial determinaria a alteração das alíneas a) a c) que, como é manifesto, em nada relacionam com o âmbito da prova pericial. Finalmente, quanto à alegação relativa ao teor dos documentos números 11 e 12, cumpre assinalar que o mesmo foi julgado provado nas alíneas 19 a 22 dos factos provados. Ou seja, e como ressuma do raciocínio dos recorrentes, o que os mesmos pretendem não é a valoração desses meios de prova – já que o seu teor está dado por provado -, mas sustentar que dessas comunicações, que ficaram provadas, resulta que os autores estavam convictos de que o imóvel tinha as características constantes do certificado energético e de que não adquiririam o imóvel pelo preço que vieram a pagar, caso não estivessem nessa convicção. A impugnação destas alíneas está, pois, sustentada numa censura dirigida à motivação da matéria de facto com argumentos que os autores dizem ser lógicos, e na alegação de questão de direito – relativa à distribuição do ónus da prova -, e não na pretensão de reapreciação de concretos meios de prova, que não é pedida. Nenhuma destas alegações - em que apenas são referidos de forma muito perfunctória alguns meios de prova -, visa a sua reapreciação, não sendo, além disso, indicadas passagens do único depoimento testemunhal referido. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 640º, números 1 b) e 2 a) do Código de Processo Civil é de rejeitar a impugnação da matéria de facto tal como nesse artigo está prevista. * Não obstante a impossibilidade de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto à luz de tal preceito, haverá ainda que tomar posição sobre os argumentos que os recorrentes alegam com vista a sustentar a prova do teor das alíneas a) e c). Do que alegam resulta que: a) vislumbram contradição entre a sua não prova e o elenco dos factos provados; b) entendem que tais alíneas resultam da lógica e da experiência comum; e c) que cabia aos réus o ónus da prova de que desconheciam o que os autores dizem ser desconformidades do imóvel vendido. Analisaremos cada um desses argumentos. Quanto à apontada contradição entre factos provados e a alínea a) dos não provados, ao contrário do que sustentam os recorrentes, o mero facto de os réus terem habitado o imóvel vendido aos autores durante cerca de 10 anos (facto provado 37) não impõe a conclusão de que os mesmos eram conhecedores da ausência de isolamento na cobertura do andar e na parede exterior. Cumpre assinalar que os autores habitaram o imóvel após a sua compra, na década de 1990, muito antes da emissão do certificado energético a ele relativo (datado de 24-07-2018) e que ao tempo não era obrigatório. Resulta, a esse propósito, da motivação da decisão da matéria de facto que apenas quando os réus quiseram colocar o imóvel à venda – em momento em que já não o habitavam há vários anos, portanto -, o mediador imobiliário lhes transmitiu a necessidade de obterem um certificado energético, tendo sido ele quem indicou o nome do interveniente acessório para a sua elaboração. Não decorre, assim, dos factos provados qualquer afirmação de que possa resultar infirmada a não prova de que os autores sabiam “que o imóvel não era dotado dos materiais de isolamento térmico referido no certificado energético e aludidos em 15”. Também o facto, provado, de outros proprietários de imóveis da mesma urbanização (de casas idênticas) terem afirmado que as suas habitações não tinham isolamento e que os telhados eram um problema antigo e conhecido que levara já muitos deles a substituí-los integralmente, não conduz inelutavelmente à conclusão de que todos, e entre eles os réus, sabiam concretamente da inexistência de isolamento. Desconhecem-se nomeadamente que as concretas obras que outros proprietários de imóveis idênticos ou semelhantes realizaram, sabendo-se que nem todos terão substituído os telhados e que os certificados energéticos que alguns exibiram aos autores diferiam muito entre si (alíneas 27 a 31 dos factos provados). Também se desconhece em que ano tais proprietários souberam das deficiências de isolamento (nomeadamente se durante os 10 anos em que os réus habitaram o imóvel) e sequer está alegado que todos os imóveis da mesma urbanização têm as mesmas exatas caraterísticas de construção. Tampouco pode julgar-se provado com base na experiência comum o teor das alíneas a) e c) dos factos provados. É plausível e não desafia qualquer lógica sustentada em critérios de normalidade que os réus tivessem habitado o imóvel durante 10 anos com início na década de 1990, sem que tivessem percebido a existência de variações térmicas que tivessem por desadequadas ao ano e tipo de construção do imóvel e nada se provou quanto a qualquer desconforto por eles sentido a esse propósito. O facto de os autores terem sentido esse desconforto térmico quase vinte anos volvidos e, portanto, num momento em que a qualidade imposta à construção já justifica um maior grau de exigência dos compradores e em que o imóvel já manifestava alguma obsolescência, não implica que também os autores, aquando da aquisição e nos 10 anos que ali habitaram, tivessem sentido idêntico incómodo e, menos ainda, que tivessem constatado que o imóvel não tinha o isolamento previsto no projeto de obra. A este propósito cumpre, ainda, salientar que os autores apenas se aperceberam da falta desse isolamento mais de um ano depois da entrega do imóvel (alíneas 24 e 25 dos factos provados) e só na sequência de vistorias que encetaram e que mandaram fazer por construtor civil e que foram motivadas pela infiltração de água da chuva decorrente da existência de uma telha partida e de outra deficientemente chumbada no cume. Os autores alegaram mesmo, e tal ficou provado, que até então, tinham atribuído a “diferença térmica sentida” à “deficiente afinação, ou falta de isolamento das janelas e das correntes de ar provocadas pelas claraboias” (cfr. alínea 34 dos factos provados). Pelo que é plausível que também os réus não tivessem conhecimento da falta de isolamento térmico da cobertura. Mais, provou-se que os autores antes da compra já tinham mandado executar orçamento para obras a um construtor civil, para renovação do imóvel, obras que vieram a realizar, não tendo em nenhum desses momentos sido percecionada pelo empreiteiro que contrataram e que acompanhou visitas ao imóvel a falta de isolamento que ora invocam como causa de pedir. Pelo que também perante estes factos é de admitir como muito plausível que também os autores nunca tenham constatado tal ausência de isolamento assim se justificando a não prova desse facto. Quanto ao teor da alínea c) dos factos provados não se alcança a “evidência” de que os autores não teriam adquirido o imóvel por 205 000 € se soubessem da inexistência de isolamento térmico o que não resulta necessariamente do facto de não terem posto em dúvida o teor do certificado energético. O Tribunal a quo considerou que tal certificado não foi o único fator que os norteou para a aceitação desse preço, o que, aliás, resulta do que os mesmos alegam na petição inicial, em que admitem que entendiam que o imóvel não teria o valor que por ele pagaram, mas sim o correspondente à primeira proposta que fizeram para a sua aquisição, mas que vieram a aumentar tal proposta em 20 000 € por considerações de natureza afetiva (cfr. artigo 43º da petição inicial). Repare-se no teor do email dado por provado sob a alínea 19, em que os autores fazem a primeira proposta de aquisição já tendo ali ponderado “a avaliação das inovações que se apuraram para que o imóvel cumpra com as necessidades de conforto, terão um custo associado de cerca de 30.000 euros, (aliás, conforme é do seu conhecimento, já que o orçamento apresentado resultou por intermédio de sociedade por siindicada) sem considerar eventuais surpresas que poderão ocorrer após a contratação de serviços de água, eletricidade e gás, e das restantes situações não observadas em concreto”. Deste facto resulta que os autores tiveram presentes as necessidades de realização de obras e a eventual descoberta de situações ainda não constatadas quando fizeram essa e, depois, as subsequentes ofertas para aquisição. Pelo que dos factos provados não resulta contradição com o teor da alínea c) dos não provados. Também não colhe a argumentação de que tal facto, negativo, é de prova impossível, tanto mais que, de seguida, os recorrentes pedem que o mesmo seja dado por provado em função da prova produzida. Cumpre ressaltar a este propósito que a sua não prova não resultou da falta de apresentação e meios de prova tendentes a confirmá-lo, mas da seguinte motivação, que se acompanha: “Desde logo, porque a apreciação do certificado energético não foi o único fator tido em consideração pelos autores. Por outro lado, afigura-se que aquele elemento não poderia ser decisivo no processo de formação de vontade dos autores no que diz respeito às características construtivas do imóvel porque esse elemento não visa atestar essas qualidades, outrossim certificar a eficiência energética do imóvel. E o autor marido, advogado de profissão, dotado, por isso, de qualificações acima da média do cidadão comum, tinha esse conhecimento. E como tal também tinha que tomar as diligências necessárias para, querendo aferir de tais elementos, se estes fossem de tal modo essenciais para a decisão de compra do imóvel, solicitando o projeto térmico e de arquitetura do imóvel, o que não fez. Mas ainda que o fizesse, de tais documentos, consta a existência daqueles elementos construtivos, pelo que tinham sempre os autores que ter determinado uma vistoria técnica ao imóvel, prudência que igualmente não tiveram e deviam, sobretudo tendo em consideração que estavam a adquirir um imóvel com cerca de 20 anos. Com efeito, os autores até se fizeram a acompanhar de empreiteiro para a realização de obras no imóvel que viriam a ser efetivadas, mas nunca questionaram o referido empreiteiro GG sobre a existência de isolamento ou outro elemento construtivo. Na verdade, a preocupação dos autores era com os interiores, como aliás se mostra plasmado no próprio orçamento de obras referido em 18. Acresce que, ficou provado que o imóvel, considerando a ausência das referidas características de isolamento, à data de Janeiro de 2020, tinha um valor de mercado de € 220.770,00 e os autores adquiriram-no por € 205.000,00, ou seja, muito abaixo do seu valor de mercado à data. De todo o exposto, não nos convencemos de que os autores não teriam adquirido o imóvel pelo preço que pagaram se tivessem tido conhecimento de que o imóvel não tinha isolamento térmico, não olvidando que a perícia apenas foi conclusiva quanto à ausência de isolamento térmico na cobertura, sendo provável a sua inexistência nas paredes, o que apenas poderia ser efetivamente verificado mediante a sua destruição parcial”. Quanto ao argumento de que cabia aos réus o ónus da prova de desconhecimento do que qualificam como defeito de construção, é manifesta, salvo o devido respeito, a confusão dos recorrentes quanto aos conceitos de ónus de produção de prova - questão se prende com a instrução da causa que serve de base à decisão da matéria de facto -, com as regras de distribuição do ónus de prova, de que decorre o critério de decisão no caso de dúvida sobre a ocorrência de um facto, o que é questão de direito. Impõe o artigo 413º do Código de Processo Civil que: “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.” O artigo 411º do mesmo Diploma, que consagra o “princípio do inquisitório” como demonstrado pela epígrafe do mesmo, impõe que o juiz realize ou ordene, “(…) mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”. Já o artigo 414º que determina que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o mesmo aproveita é uma norma de caráter substantivo[2] que está em consonância com o disposto nos artigos 342.º e 346.º do Código Civil quanto às regras a aplicar em caso de dúvida. Na apreciação da prova não pode, assim, espartilhar-se a produzida a pedido de cada uma das partes esquecendo todos os meios de prova adquiridos oficiosamente e/ou por via da prova trazida aos autos pela contraparte. Só no caso de não ser atingido um patamar de “probabilidade prevalecente” sobre a realidade de um facto após a valoração da prova é que “entra em campo a solução prescrita” no artigo 414.º do Código de Processo Civil[3]. Tal preceito não se destina, assim, a resolver as dúvidas do julgador sobre a prova produzida durante o processo de formação da sua convicção. Apenas em face do elenco final dos factos provados e não provados funcionará a regra da repartição do ónus da prova como critério de decisão. E tal, como se adiantou, essa é questão de direito que não pode servir de fundamento à pretendida alteração para provado do facto constante da alínea a) dos factos não provados. Pelo que, em conclusão, soçobrando toda a argumentação vinda de analisar e não tendo os recorrentes apresentado qualquer meio de prova tendente a corroborar essa versão (de que os “réus sabiam que o imóvel não era dotado dos materiais de isolamento térmico referido no certificado energético e aludidos em 15 e, através do mediador FF, asseguraram aos autores que este tinha as qualidades construtivas vertidas no respetivo certificado energético” e de que “não teriam adquirido o imóvel pelo preço que pagaram se soubessem que este não tinha isolamento térmico”), não há qualquer fundamento para a prova do teor dessas alíneas. * b) Os recorrentes impugnam ainda as alíneas 47 e 48 dos factos provados relativas ao valor do imóvel e àquele que ele teria caso tivesse o isolamento térmico em falta. Pedem que os mesmos passem a ter a seguinte redação: “47. Estimam os Srs. peritos que o imóvel em questão teria, eventualmente, um preço de mercado, reputado a Janeiro de 2020, caso tivesse as caraterísticas de isolamento térmico no certificado energético e aludidas em 15, mas aplicadas na data da construção, no montante de €226.081,00.” “48- Por seu turno, estimam os Srs. peritos que, o mesmo imóvel, considerando a ausência das referidas caraterísticas de isolamento, à data de Janeiro de 2020, teria, eventualmente, um valor de mercado de €220.770,00.”. Recordemos o teor das referidas alíneas dos factos provados: “47. O imóvel em questão tinha um valor de mercado, reportado a Janeiro de 2020, caso tivesse as características de isolamento térmico referidas no certificado energético e aludidas em 15, no montante de € 226.081,00. 48. Por seu turno, o mesmo imóvel, considerando a ausência das referidas características de isolamento, à data de Janeiro de 2020, tinha um valor de mercado de € 220.770,00”. Cotejado o teor destas alíneas com o proposto pelos recorrentes não se alcança a utilidade da sua pretensão. E evidencia-se desde logo que com a redação que propõem as alíneas em causa passariam a conter o teor de meios de prova e não factos, pelo que é manifesta a improcedência da sua pretensão. Nos termos do disposto nos números 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil, na sentença devem ser discriminados os factos que se julgam provados[4]. E, na motivação da sua convicção, deve o julgador analisar criticamente a prova especificando os elementos que foram decisivos para a sua convicção, como resulta do número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil. Como resulta deste preceito e é referido em acórdão desta secção de 19 de fevereiro de 2024[5], a seleção dos factos provados e não provados a constar da sentença deve conter os que sejam essenciais às pretensões das partes e na motivação da decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados e analisados os meios de prova que fundaram a mesma. Não deve enunciar-se como facto o teor de um meio de prova. Não tem o juiz que fazer constar dos factos provados o teor de autos de inspeção, relatórios periciais ou mesmo de depoimentos, devendo, tão-só, deles retirar a sua convicção sobre os factos que os mesmos se destinam a provar. Salvo se o teor de um documento for, em si mesmo, um facto relevante (vg. o envio de uma missiva que consubstancie interpelação suscetível de interromper um prazo de caducidade ou prescrição ou declarações negociais constantes de contrato), não tem de se fazer constar da sentença o seu teor como facto provado ou não provado, devendo ser o mesmo apenas referido na motivação da convicção que gerou sobre o facto a provar. O que basta para se indeferir a pretensão de alteração proposta pelos recorrentes. Não deixaremos, contudo, de assinalar ainda que também não procedem os argumentos em que sustentam essa pretensão. Os recorrentes alegam que não faz sentido “alterar” o valor dado ao imóvel pelas partes no contrato de compra e venda e que a peritagem faz um juízo “postecipado com grande grau de incerteza e especulação” não sendo de relevar tal meio de prova em face de outros meios e prova testemunhal e documental que permitem com maior grau de certeza concluir pelo preço de mercado do imóvel. Referem, a esse propósito, que o prédio adquirido pela testemunha HH em 2021, no mesmo loteamento, foi adquirido por 212 500 €, o que dizem resultar apenas do seu depoimento. Segue-se a afirmação de que os valores referidos no relatório pericial (afinal) nem relevam para a decisão da causa, que deve ater-se ao preço acordado entre as partes e à desvalorização do imóvel por força da inexistência do isolamento que tal preço pressupunha. Sustentaram ainda (no corpo das alegações, mas sem reflexo nas respetivas conclusões), que da perícia resulta que as obras necessárias ao isolamento custariam, em janeiro de 2020, 23 985 € pelo que é contraditória a conclusão de que o imóvel valeria, nessa data, 220 720 € e de que valeria 226 081 € caso o imóvel tivesse as características descritas no seu certificado energético. A esse propósito alegam que do “próprio relatório da perícia resulta a conclusão de que o imóvel adquirido pelos autores, sofreu uma desvalorização de 23.985,00€. Cfr. resposta ao quesito 6 – relatório da perícia;”. Finalmente sustentam que o Tribunal a quo não teve em conta que os réus haviam adquirido o imóvel por menos de 90 000 €. Ora, perante este argumentário, mesmo que fosse possível a alteração da redação sugerida para as alíneas 47 e 48 dos factos provados, a mesma teria de improceder pela ordem de razões que se exporá de seguida. Desde logo não foram alegados pelos autores, na ação, os valores da aquisição do imóvel pelos réus nem da aquisição de imóvel idêntico por um vizinho. Tampouco foram indicados no recurso outros meios de prova de que tais valores pudessem decorrer senão o depoimento de uma testemunha sem indicação das concretas passagens a atender, como impõe o artigo 640º, número 2 a) do Código de Processo Civil. Também não se acompanha o raciocínio dos recorrentes quanto pretendem fazer equivaler o custo da obra de instalação de isolamento com o desvalor que a sua falta acarreta ao imóvel. Não é verdade que o facto de se gastar um determinado valor com obra de melhoria num bem redunde em valorização do mesmo em igual montante. Obras há com custos reduzidos que têm a virtualidade de aumentar o valor de venda de um imóvel e outras podem importar um custo elevado e nem por isso aumentar significativamente o valor de venda. De todo o modo não deve olvidar-se que apenas ficou provado o dispêndio de 9 900 € +IVA com obras de colocação de isolamento térmico na cobertura, na alínea 44 dos factos provados, pelo que nem se compreende em que factos sustentam os recorrentes a reiteração da pretensão de verem o preço de compra reduzido em 30 000 €. Também a afirmação de que os valores referidos no relatório pericial não relevam para a decisão da causa – que não se compagina com a pretensão de que o teor do relatório pericial fique a constar dos factos provados – não pode servir de fundamento à decisão da matéria de facto. O argumento de que o Tribunal a quo se deveria ater ao preço acordado entre as partes e à desvalorização do imóvel por força da inexistência do isolamento que tal preço é questão alheia ao elenco dos factos provados, sendo antes relativa à interpretação a dar ao artigo 911º, número 1 do Código Civil. É aqui oportuno lembrar, todavia, que foram os próprios autores a pedir a realização de prova pericial e a indicar como objeto da perícia, sob os quesitos 3 a 5, os valores de mercado do imóvel com e sem o isolamento que o certificado energético referia. Com isso visavam a prova de que o valor real do imóvel com os defeitos de construção que alegaram seria de 175 000 €. Rematando a análise desta pretensão deve ainda assinalar-se que da resposta dada pelos peritos, por unanimidade, aos quesitos formulados pelos autores, não resulta a afirmação de valores “eventuais”, como os recorrentes pretendem que fique a constar, mas de valores de mercado do imóvel em janeiro de 2020 com e sem o isolamento térmico que se verificou faltar. E também não poderiam dar-se por provados valores “eventuais”, pois a atividade instrutória tem de redundar na prova ou não prova dos factos essenciais alegados e não na afirmação da sua eventualidade. Em suma, soçobram todos os argumentos em que os recorrentes sustentavam a pretendida alteração da matéria de facto provada. * c) Pretendem finalmente os recorrentes o aditamento de novas alíneas aos factos provados com os seguintes teores: 52. O prédio, adquirido pelos AA aos RR, com área útil de 179,00 m2 e valor patrimonial tributário de 133.370,00 euros, determinado em 2015, foi adquirido por 205.000,00 euros, em Janeiro de 2020.”; “53. O prédio, adquirido pela testemunha HH, em 2021, no mesmo loteamento que o prédio adquirido pelos AA aos RR, com área útil de 288,63 m2 (mais 109,63 m2 que o dos autores) e valor patrimonial tributário de 172.950,00 euros, determinado em 2020, foi adquirido por 212.500,00 euros 54. Questionados os Srs. peritos sobre o valor de desvalorização do imóvel, caso se verificasse a desconformidade do imóvel com as caraterísticas apontadas no certificado, foi indicado por aqueles que os referidos 23.985€, correspondem à desvalorização do imóvel.” Analisaremos tal pretensão tendo presente que o valor patrimonial declarado na matriz predial e o valor de aquisição do imóvel objeto dos autos já estão dados por provados nas alíneas 1 e 2 dos factos provados e que os autores não alegaram na petição inicial o ano em que o primeiro desses valores foi inscrito na matriz predial. Tampouco alegaram a aquisição de outro imóvel no mesmo loteamento por terceiro e nem o valor desta aquisição. O que é bastante para fundamentar a improcedência da pretensão de aditamento das duas primeiras alíneas. Como já acima foi afirmado, a matéria de facto que deve constar da sentença é aquela que, tendo sido alegada pelas partes, nos termos do previsto nos artigos 5º, número 1 e 552º, número 1 d) do Código de Processo Civil, seja relevante para a solução jurídica das pretensões das partes que tenha de conhecer. Quer o artigo 5º, número 1, quer a alínea d) do número 1 do artigo 552º referem a obrigação das partes de alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou o suporte para as exceções que invocam. O número 2 do referido artigo 5º, todavia, obriga a que se considerem ainda outros factos, não articulados pelas partes sendo eles: “a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.” Afirma Teixeira de Sousa[6] que “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Quanto aos primeiros afirma o referido Autor que “(…) são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”. Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.” Finalmente, quanto aos factos instrumentais o mesmo Autor entende que se destinam“(…) a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares(…)”e “(…) são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.” No momento da sentença o legislador obriga a que se discriminem os factos que se julgam provados e não provados, como resulta do disposto nos números 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil [7]. E, na motivação da sua convicção, deve o julgador indicar “as ilações tiradas dos factos instrumentais”, como resulta do número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil. Assim, a seleção dos factos provados e não provados a constar da sentença deve conter os que sejam essenciais às pretensões das partes, sendo os factos instrumentais (que tenham sido alegados, resultem da instrução ou tenham sido oficiosamente averiguados) úteis para a prova dos primeiros e não em si mesmos (salvo se deles resultar a aplicabilidade de presunção legal). Exemplificando, nos termos que constam do acórdão desta secção de 19-02-2024[8]: “a velocidade acima do limite legal a que seguia um veículo interveniente em acidente de viação será essencial caso a pretensão de uma das partes decorra da imputação de tal atuação ilícita e culposa ao seu condutor; já a extensão dos rastos de travagem que o mesmo deixou no pavimento será facto instrumental que, ainda que não alegado pode ser averiguado, e de que resultará indício tendente a confirmar ou infirmar o referido facto essencial”. Do mesmo modo, revertendo ao caso concreto, o valor comercial do imóvel adquirido pelos autores com consideração da falta de isolamento térmico é facto essencial à sua pretensão (valor que os mesmos alegaram ser de 175 000€), enquanto o valor que outros pagaram por imóvel no mesmo local e/ou o seu valor patrimonial declarado perante a Autoridade Tributária, são factos instrumentais eventualmente relevantes para a formação da convicção do tribunal, pelo não têm que constar dos factos provados. Não tendo os factos instrumentais que ser selecionados no elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença (salvo se deles resultar a aplicabilidade de uma presunção legal), apenas caberia referi-los na motivação da mesma, como previsto no número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil. Pelo que é de indeferir a pretensão do seu aditamento aos factos provados. Sempre se dirá ainda que também não se vê que as diferenças entre o valor patrimonial do imóvel que adquiriram e o preço que por ele pagaram e entre este e o alegadamente pago por terceiro na mesma altura por imóvel da mesma urbanização - nos montantes de 72 370 € e de 7 500 € respetivamente -, justifiquem o sucesso da pretensão dos réus no recurso, que é a de que se conclua que pagaram pelo imóvel um preço 30 000 € superior ao que o mesmo tinha em face da ausência do isolamento referido no seu certificado energético. Desde logo é muito frequente que o valor patrimonial dos imóveis seja significativamente inferior ao seu valor de mercado e também se desconhece se o prédio adquirido pelos autores era idêntico ao alegadamente adquirido por um vizinho da mesma urbanização resultando mesmo da alegação dos recorrentes que tal prédio tem mais 109,63 m2 que o seu. Quanto à terceira das alíneas que os recorrentes pretendem ver aditada, uma vez mais os mesmos pretendem que fique a constar do elenco dos factos provados não um facto, mas um meio de prova, sendo ele novamente o teor relatório pericial. Remetemos para o que acima se verteu sobre a inadmissibilidade de aditamento do teor de meios de prova como se de factos se tratassem. Do que decorre a improcedência total da pretensão dos recorrentes quanto à alteração da matéria de facto. * Os recorrentes fundaram a sua pretensão de revogação da sentença na impugnação da decisão da matéria de facto - com especial incidência quanto às questões da prova do valor do imóvel sem o isolamento que constava do respetivo certificado energético e de que teriam adquirido o imóvel por apenas 175 000 € caso soubessem da falta de isolamento térmico da cobertura. Ora essa pretensão de alteração dos factos provados improcedeu na sua totalidade. Não obstante, e como acima se foi referindo, ao impugnarem a decisão sobre a matéria e facto os autores foram suscitando algumas questões de direito. Afirmaram, por uma banda, que era ónus dos réus a prova de que desconheciam os defeitos do imóvel que ficaram provados (sem indicarem, todavia, a norma jurídica violada e/ou a aplicável, nos termos do artigo 639.º número 2 a) do Código de Processo Civil) e, ainda, que, nos termos do artigo 911.º do Código Civil, aplicável por força da remissão do artigo 913.º do mesmo Diploma deveria ter sido reduzido o preço de aquisição imóvel, uma vez que o que pagaram tinha por pressupostas certas qualidades do imóvel que se verificou que o mesmo não tinha, tendo-se provado que as mesmas o tornam menos confortável em termos térmicos e que impõem gastos acrescidos com aquecimento e refrigeração. Ora, não obstante a prova da desconformidade entre as características do imóvel e as que constavam do seu certificado energético (falta de isolamento térmico na cobertura do andar) e das consequências dessa desconformidade – apenas as que resultam das alíneas 39 e 40 e 42 dos factos provados – ficou por provar que os autores teriam adquirido o imóvel por preço inferior (em 30.000 € ou outro valor) ao pago, caso soubessem da inexistência desse isolamento. Como bem se salientou na sentença recorrida, por via desta ação os autores apenas pretendiam exercer um dos direitos que lhe são facultados pelo artigo 913.º do Código Civil: o da redução do preço de venda previsto no artigo 911.º do mesmo Diploma. Para tanto cumpria-lhes provar que caso não tivesse havido erro sobre as qualidades do imóvel o comprariam por preço inferior. Como salientado por Pires de Lima e Antunes Varela[9] “para que seja aplicável imperativamente o disposto no artigo 911º, é necessário que as circunstâncias mostrem que o comprador, mesmo conhecendo os ónus ou limitações, teria adquirido os bens”. Mediante tal prova, os autores teriam direito à restituição do preço pago, a calcular “de harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações que ficaram provados”. Ora, não ficou demonstrado que os autores apenas teriam adquirido o imóvel por um preço inferior ao efetivamente pago se soubessem que o mesmo não tinha isolamento térmico na cobertura. Tampouco há correspondência entre o custo das obras de instalação e isolamento na cobertura (9.900 € + IVA) dado por provado na alínea 44, com o de 30.000 € peticionado. Dos factos provados resulta que a aceitação do preço de aquisição pelos autores decorreu da consideração de vários fatores, entre eles o intuito de virem a fazer obras de monta no imóvel, com o que tencionavam gastar 29.036,59 € mais IVA, a antecipação de que o imóvel poderia ainda vir a revelar a necessidade de outras intervenções ainda não detetadas e, finalmente, por via de considerações de caráter afetivo (vejam-se as alíneas 18 e 19 dos factos provados). Do elenco dos factos provados não se retira pois, a conclusão pretendida pelos autores e cujos fundamentos de facto lhes cabia provar nos termos dos artigos 911º, número 1 e 342.º, número 1 do Código Civil: a de que teriam adquirido o imóvel por preço inferior se soubessem da falta de isolamento térmico. Também quanto ao pretendido valor da redução falhou a prova de que a desvalorização do imóvel corresponda a 30.000 €. Aliás, se bem se atentar na petição inicial, conclui-se que na verdade os autores fizeram uma primeira proposta de aquisição do imóvel 35 000 € abaixo do valor anunciado para venda, como resulta da alínea 19 dos factos provados e que o valor da terceira oferta, que veio a ser aceite pelos vendedores, era inferior em 15 000 € ao preço anunciado de venda. No cálculo do seu pedido os autores alegaram que a desvalorização do imóvel decorrente da falta de isolamento térmico correspondia a 30 000 €, apesar de admitirem que eles mesmos aceitaram pagar pelo imóvel um preço 20 000€ acima do que achavam ser o valor real do mesmo por “razões afetivas” Sublinhe-se ainda que foram os autores que, em abono da sua pretensão, alegaram na petição inicial o real valor comercial do imóvel e as “regras de mercado” como base de cálculo da redução pretendida, muito embora venham no recurso insurgir-se contra a relevância dada a esse critério pelo Tribunal a quo. Ora o critério indicado pelos autores na petição inicial é na verdade o correto em face do disposto no artigo 911.º, número 1 do Código Civil. Deste decorre que a redução do preço deve corresponder à desvalorização resultante dos ónus ou limitações. Para tal tem-se por adequado o cálculo que resulte do cotejo entre o valor de aquisição e o valor da coisa sem o defeito/desconformidade. A jurisprudência tem seguido este critério[10], tal como o propõe, na doutrina, Pedro Romano Martinez[11]. Ora adotando esse critério, o que resultou provado em face da perícia pedida pelos autores com vista a apurar o real valor do imóvel sem o defeito que veio a verificar-se existir, foi um valor real do imóvel superior ao da aquisição. Já não se acompanha o que os recorrentes sustentam no recurso e é contrário ao critério que enunciaram na petição inicial: que ao valor de compra deve ser deduzido aquele em que se consubstancia a desvalorização do imóvel fazendo corresponder esta ao preço da obra a realizar[12] e/ou aos custos acrescidos que decorrem da falta de isolamento térmico. Tais valores seriam apenas eventualmente relevantes para aferir o sucesso de uma pretensão de condenação dos réus no pagamento da reparação dos defeitos e de indemnização pelos prejuízos deles decorrentes, que não é o pedido na ação. Ou seja, nem se provou que o imóvel tenha sido adquirido por valor superior ao de mercado tendo em conta as suas reais caraterísticas, nem que os autores não o teriam comprado por valor superior a 175 000 € ou, sequer, que o não o adquiririam senão por valor inferior a 205 000 € caso soubessem da inexistência de isolamento térmico na sua cobertura. Pelo que é de confirmar a sentença recorrida. * Face à improcedência do recurso as custas do mesmo devem ser suportadas pelos recorrentes nos termos do artigo 527.º, número 1 do Código de Processo Civil.
V – Decisão: Julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil. |