Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
| Descritores: | COMPRA E VENDA PREÇO REDUÇÃO EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES | ||
| Nº do Documento: | SJ200501250044646 | ||
| Data do Acordão: | 01/25/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 2290/04 | ||
| Data: | 06/03/2004 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I - A redução do preço do contrato de compra e venda, em resultado de defeitos apresentados pelo prédio, construído pelo vendedor, não corresponde a uma indemnização. II - A redução do preço encontra o seu fundamento numa equivalência das prestações e, com ela, pretende-se tão só estabelecer um reajustamento do preço. III - A redução do preço também não corresponde ao custo da eliminação dos defeitos, porque se assim fosse haveria uma sobreposição de meios jurídicos para prevenir a situação. IV- A redução do preço depende de vários factores, entre os quais o mais relevante é a diminuição do valor mercantil da coisa. V- Para determinar o montante do preço a reduzir, por via de regra, é de seguir o critério objectivo consistente na diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa, com defeito. VI - Excepcionalmente, se se provar que há uma diferença entre o preço acordado e o valor de mercado de idêntica coisa, sem defeito, parece mais justo adoptar-se o critério que atenda a três factores: preço acordado; valor objectivo da coisa, com defeito; valor ideal do bem. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 21-5-01, A instaurou a presente acção ordinária contra B - Organização Imobiliária e de Construções, L.da, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 3.801.717$00, sendo 2.522.827$00 correspondentes à redução do preço de uma fracção autónoma de um prédio que esta lhe vendeu, e 1.278.890$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, tudo acrescido de juros moratórios, vencidos desde a citação e vincendos, até integral pagamento. Para tanto, o autor alegou o seguinte: Em 31-8-85, adquiriu a mencionada fracção à ré, que a construiu. Entre Fevereiro e Julho de 2000, apercebeu-se que a mesma continha vários defeitos, que limitam a sua aptidão e a utilização para o fim a que se destina, defeitos que denunciou à ré, por carta de 8-8-00 e cuja eliminação solicitou. Não vendo satisfeita a sua pretensão, o autor pediu a redução do preço da fracção, sendo o montante da redução aferido pelo custo do valor da eliminação dos defeitos, acrescido do custo de um estudo feito sobre as causas das anomalias (2.228.827$00 + 234.000$00 = 2.522.827$00), e ainda uma indemnização correspondente ao acréscimo que gastou em energia por via do deficiente isolamento térmico da fracção (427.890$00) e ao montante dos honorários de advogado necessário para o patrocínio da presente acção (351.000$00), para além de uma compensação de 500.000$00 por danos não patrimoniais. A ré contestou, arguindo a caducidade da acção e impugnando a existência dos defeitos e os danos. Houve réplica. No despacho saneador, foi relegado o conhecimento da caducidade para a sentença final e decidiu-se julgar improcedente o pedido quanto ao pagamento dos honorários do mandatário do autor, no montante de 351.000$00, absolvendo a ré dessa parte do pedido. Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença, que declarou improcedente a excepção da caducidade e julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 997,60 euros, respeitante à redução do preço da fracção, acrescida de juros, desde a citação até 30-4-03, à taxa anual de 7% , e à taxa anual de 4% desde 1-5-03, até integral pagamento, mas absolvendo-a da restante parte do pedido. Apelou o autor, mas a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 3-6-04, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida. Continuando inconformado, o autor pede revista, onde resumidamente conclui: 1 - A ampliação da matéria de facto a que o Ex.mo Juiz procedeu no decurso da audiência de julgamento, através do seu despacho de fls 261, ordenando o aditamento à base instrutória do quesito 10º, que mereceu a concordância do Acórdão recorrido, é ilegal, por violação do prescrito na alínea f) , do nº2, do art. 650 do C.P.C., pelo que tal quesito se deve ter por não escrito, bem como a respectiva resposta. 2 - A redução do preço da fracção deve ser determinada pela diferença entre o preço foi pago e o valor objectivo da coisa, com defeito. 3 - No caso em apreço, a redução deve corresponder ao custo da eliminação dos defeitos (2.228.827$00), acrescido do valor do parecer técnico que o autor teve de obter para se esclarecer sobre as patologias de que a fracção sofria e das soluções aconselháveis para as eliminar (234.000$00), por se tratar de um prejuízo resultante dos defeitos da coisa, causado por eles. 4 - Por isso, o preço pago deve ser reduzido de 2.522.827$00, por ser esse o desvalor da fracção em causa. 5 - Caso o Ex.mo Juiz não se considerasse esclarecido quanto ao valor concreto a reduzir ao preço pago (no âmbito da resposta ao quesito 5º) , então sempre deveria, atentos os defeitos dados como provados, relegar para execução de sentença o conhecimento do valor exacto desse desvalor. 6 - A indemnização pelo interesse contratual positivo é cumulável com a redução do preço. 7 - Tendo sido dado como provado, na resposta ao quesito 2º, que as deficiências no isolamento térmico provocam perdas térmicas substanciais no Inverno, deveria ser relegado para execução de sentença, o valor exacto desse prejuízo, nos termos do art. 661, nº2, do C.P.C. 8 - O valor dos danos não patrimoniais deve ser fixado em 500.000$00 ou ser definido equitativamente, por esses danos merecerem a tutela do direito. Não houve contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir. A Relação considerou provados os factos seguintes: 1 - Por escritura de compra e venda, celebrada em 31 de Agosto de 1995, a ré declarou vender e o autor declarou comprar, pelo preço declarado de 12.500 contos, a fracção autónoma designada pela letra"N", correspondente a uma habitação no 5º andar esquerdo, com entrada pelo nº 312 e dispondo de um lugar de estacionamento e arrumos na cave, com entrada pelo nº 308, do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Avenida Comendador Ferreira de Matos, em Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 353-A. 2 - Tal fracção foi entregue ao autor na data da outorga da referida escritura de compra e venda. 3 - A Câmara Municipal de Matosinhos, em 7 de Setembro de 1995, concedeu licença de utilização ao prédio em que se situa a fracção"N". 4 - Em 3-10-95, o autor enviou à ré os faxes juntos a fls 117 e 118 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. 5 - Em 16 de Novembro de 1995, a ré enviou ao autor o fax junto a fls 48 e 49 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido. 6 - Em 7 de Agosto de 2000, o autor enviou à ré a carta de fls 20 a 22, cujo conteúdo também se dá por reproduzido. 7 - O prédio urbano em que se situa a referida fracção "N" foi construído pela ré, a qual, para o efeito, adjudicou, por contrato de empreitada, a Construções C, L.da, a execução das obras necessárias. 8 - Em Fevereiro de 2000, a fracção em causa apresentava as seguintes anomalias: - as paredes e tectos apresentavam fissuras várias e pontos de humidades diversos; - apodrecimento e retracção da madeira no pavimento da zona junto à janela da sala, posterior à rectificação efectuada pela ré, na sequência de prévia entrada de água pela união da caixilharia à soleira, que não tinha sido isolada; - deficiências no isolamento térmico da cobertura, que é simultaneamente o tecto da fracção do autor, que tem perdas térmicas substanciais no inverno e ganhos térmicos muito elevados no verão. 9 - Os defeitos atrás referidos têm como causas: - a ausência de isolamento térmico na cobertura inclinada e empena sul; - a existência de pontes térmicas não corrigidas; - a retracção das argamassas dos rebocos interiores; - existem ainda fissuras mais acentuadas, devidas à deformidade dos elementos estruturais, como a do tecto da sala, as do quarto virado a sul-nascente e a existente na varanda, e condensação de vapor de água; - há desconformidades com os projectos térmico e de arquitectura do edifício, designadamente a colocação de vidros simples em vez de duplos e o não isolamento térmico da cobertura. 10 - Para identificar as causas e defeitos existentes na sua fracção, o autor solicitou um parecer a um especialista, pelo que gastou 234.000$00, incluindo IVA a 17%. 11 - A reparação dos defeitos descritos no anterior nº 8 importaria em quantia não apurada, tendo o autor gasto cerca de 200.000$00 (997,60 euros) na eliminação das fissuras e na pintura do interior da fracção. 12 - O autor ficou descontente perante o aparecimento das manifestações dos defeitos supra enunciados. 13 - Nos termos da escritura cuja fotocópia constitui de fls 264, que aqui se dá por reproduzida, o autor vendeu a ajuizada fracção em 11-9-2001, pelo preço declarado de 15.000 contos. Questão prévia: Além do mais, a Relação confirmou a decisão da 1ª instância, constante do despacho de fls 261, que determinou a ampliação da matéria de facto, com o aditamento à base instrutória do quesito 10º. O autor pretende recorrer dessa parte do Acórdão da Relação, com fundamento na violação do art. 650, nº2, al. f) do C.P.C. Só que não pode conhecer-se do objecto dessa parte da revista, baseada em pretensa violação da lei de processo, por ser inadmissível o recurso para o Supremo, nesse domínio, nos termos dos arts 722, nº1 e 754, nº2, do C.P.C. Por isso, acordam em não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, quanto à matéria dessa parte da decisão do Acórdão da Relação. Vejamos agora o mérito da parte subsistente da revista, tendo em conta as demais questões suscitadas nas conclusões da alegação. 1. Redução do preço: Na petição inicial, o autor invocou a existência de vários defeitos na fracção que comprou à ré e pediu a redução do preço que pagou, no montante necessário à reparação desses defeitos (2.228.827$00), acrescido do custo do parecer técnico que solicitou (234.000$00), para apuramento da natureza e da causa dos defeitos, As instâncias decidiram fixar em 997, 60 euros a redução do preço da fracção, correspondente ao valor que o autor efectivamente gastou na eliminação das fissuras e na pintura do interior da mesma fracção. Agora, na revista, o autor pretende ver reduzido o preço na medida da diferença entre o preço pago pela fracção e o valor objectivo da coisa, com defeito. Que dizer? Desde logo, pode afirmar-se que se trata de uma questão, que não foi oportunamente suscitada, nem discutida nos articulados, com esta nova configuração da causa de pedir. De todo o modo, sempre se dirá que aparece muitas vezes defendida a ideia de que a redução do preço corresponde a uma indemnização. Mas tal não é aceitável, por dois motivos, com o escreve Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, pág. 405): "Em primeiro lugar, a redução do preço encontra o seu fundamento numa equivalência das prestações e, com ela, pretende-se tão só estabelecer um reajustamento do preço; são, por conseguinte, diversas as funções que prosseguem cada um destes meios jurídicos. Por outro lado, a redução está sujeita a dois limites - tem de ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado - , que não incidem sobre o pedido de indemnização". Admite-se contudo que, em certos casos, a redução do preço possa ter um efeito prático idêntico ao da indemnização. Outro aspecto a salientar é o de que a redução do preço" não pode corresponder ao custo da eliminação dos defeitos, porque, se assim fosse, haveria uma sobreposição de meios jurídicos" (Pedro Romano Martinez, obra e local citados). A redução do preço depende de vários factores, entre os quais o mais relevante é a diminuição do valor mercantil. Este, por sua vez, está relacionado com factores técnicos e com as condições de formação do preço. A redução do preço faz-se através de avaliação - arts 913, nº1, 911, nº2 e 884 do C.C. Para se determinar o montante do preço a reduzir têm sido adoptados na doutrina quatro critérios (Pedro Romano Martinez, obra citada, págs 408 e 410). Por via de regra, é de seguir o critério objectivo consistente na diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa, com defeito. Excepcionalmente, se se provar que há uma diferença entre o preço acordado e o valor de mercado de idêntica coisa, sem defeito, parece mais justo adoptar-se o critério que atenda a três factores: preço acordado; valor objectivo da coisa com defeito; valor ideal do bem. Isto porque este último critério, em tal hipótese, é aquele que melhor assegura, proporcionalmente, as vantagens e desvantagens do negócio jurídico celebrado. Nada tendo sido articulado que justifique a aplicação deste critério excepcional, haverá que fazer uso do critério geral, indicado em 1º lugar. Segundo esse critério regra, deverá atender-se ao preço pago pelo autor, na compra da fracção, e o que esta valeria, objectivamente, com os defeitos que apresenta. É na precisa medida da diferença apurada que se justificará a redução do preço. Pois bem. O autor não alegou, para poder provar, que havia diferença entre o preço que pagou na aquisição da fracção e o que esta valeria, objectivamente, com os defeitos que ostenta, nem qual o valor dessa diferença, porventura existente. Incumbia-lhe o ónus de afirmação e prova desse facto constitutivo do seu direito, pelo que nada tendo articulado a tal respeito, nenhum dano provou, nesse âmbito, cuja liquidação possa ser relegada para execução de sentença, ao abrigo do art. 661, nº2, do C.P.C. No fundo, o autor só alegou que a fracção apresenta determinados defeitos, pedindo para ser indemnizado pelo montante necessário para ele próprio proceder à sua reparação. Mas os pressupostos da redução do preço e o custo da eliminação dos defeitos são coisas diversas, sendo irrelevante ter-se apurado, para o fim da redução do preço, que a reparação dos defeitos importará em quantia não apurada (resposta ao quesito 5º). O que releva é que a ré já se mostra condenada a pagar ao autor o que este gastou com a reparação dos defeitos a que efectivamente procedeu, antes de efectuar a sua venda a um terceiro, pela escritura de 11-9-01, consistentes na eliminação das fissuras e na pintura do interior da fracção, o que importou em 997, 60 euros. 2. A indemnização: Claudicando o autor na prova do desvalor da fracção, resultante da diferença entre o preço que pagou pela sua compra e o valor objectivo da mesma fracção, com defeitos, não pode também exigir a redução do preço, no valor do parecer técnico que pagou, para determinação dos defeitos. Também improcede o pedido de pagamento que o autor alegou ter tido, respeitante ao acréscimo de consumo de energia, por via do deficiente isolamento térmico da fracção, por não ter logrado provar tal acréscimo de consumo, como resulta da resposta negativa que mereceu o quesito 6º. Por outro lado, o simples descontentamento do autor, constante das respostas aos quesitos 7º e 8º, não se apresenta com suficiente gravidade para merecer a tutela do direito - art. 461, nº1, do C.C. Por isso, o autor não pode beneficiar de qualquer compensação por danos não patrimoniais, como bem decidiram as instâncias. Termos em que negam a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 25 de Janeiro de 2005 Azevedo Ramos Silva Salazar Ponce Leão |