Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
82/17.6GAALB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: PROCESSO PENAL
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE AMEAÇA
FACTOS VAGOS
FACTOS GENÉRICOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP2018062782/17.6GAALB.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º29/2018, FLS.81-89)
Área Temática: .
Sumário: I - Se dos factos provados não se descortina a necessária situação de domínio, de degradação, de aviltamento da dignidade da pessoa da ofendida, nem as situações provadas têm um padrão de frequência ou intensidade desvaliosa, para se poderem enquadrar num modelo de comportamento, então não está preenchida a previsão do tipo legal de violência doméstica.
II - Dizer numa ocasião, em JUL 2013, na sequência de uma discussão quando a ofendida estava grávida de 3 meses, que a filha não era dele e que lhe passava o carro por cima, integra a factualidade típica, objectiva, do crime de ameaça.
III - Por outro lado, tem que se ter como não escrito que, “de cada vez que a ofendida o contrariava, aquando das visitas à filha, o arguido a apelidava de puta e vaca e lhe dizia que não era mulher de um homem só” e que “por diversas vezes disse que mataria a ofendida”, por não estar concretizado no tempo nem balizado temporalmente, antes resultando em imputações vagas e genéricas, que impossibilitam o arguido de se defender, de as poder contraditar.
IV - Uma vez que o arguido teve já a oportunidade de se defender de todos os factos julgados como provados e sendo certo que o crime de violência doméstica, de que vinha acusado, cobre a situação que isoladamente pode configurar diferente situação típica, no caso, crime de ameaça, a condenação, em via de recurso, por este crime não posterga as suas garantias de defesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 82/17.6GAALB.P1
Relatora (por vencimento) Maria Manuela Paupério
Presidente da Secção: Desembargador Francisco Marcolino de Jesus

Processo nº 82/17.GAALB.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No Processo Comum (Singular) nº 82/17.GAALB (do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha - Juiz 2), em que é arguido B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, no dia 13.12.2017 foi proferida sentença (constante de fls. 231 a 241vº) onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição na parte relevante):
“Face ao exposto e ao abrigo dos preceitos legais supracitados, o Tribunal julga a acusação parcialmente procedente e, em consequência, condena o arguido B…:
a) em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, n.ºs 1, al. b) e 2 do Código Penal, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses:
b) na pena acessória de proibição de contacto com a vítima (por qualquer meio, seja diretamente, seja por interposta pessoa) pelo período de 2 (dois) anos, com exceção do estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos comuns do casal, nos termos do artigo 152.º n.º 4 do Código Penal, e que inclui o afastamento do arguido da residência e do local de trabalho da ofendida, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do n.º 5 do artigo em análise.
(…)
Julgo procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público em relação à ofendida C… e condeno o demandado civil B…, a pagar-lhe a quantia de €600,00 (seiscentos euros) nos termos do art.º 21º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16/9 e art.º 82-A do CPP.
(…)”
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 247 a 256), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“A) O Tribunal a quo procedeu a uma incorreta aplicação do direito, aplicou-se o art. 152.° do Código Penal, para condenar o arguido, pois os elementos típicos do tipo de crime, salvo o devido respeito, não se encontram preenchidos, devendo aquele ser absolvido com as legais consequências.
B) Acresce que o Tribunal a quo decidiu que os actos praticados pelo arguido teriam a potencialidade para integrar a agravação do n.º 2 do art. 152.º do CP e por tal normativo o condenou. Também aqui julgou erroneamente porquanto inexiste qualquer facto provado que integre alguma das quatro circunstâncias:
a) nem se provou qualquer facto praticado contra a menor – D…;
b) nem os factos ilícitos dados como provados foram praticados na presença da menor;
c) provou-se inexistir domicílio comum entre arguido e ofendida;
d) nem tampouco se provou que os factos ocorreram no domicílio da vítima.
C) Não se provou qualquer ascendente do arguido sobre a ofendida.
D) O Tribunal a quo condenou, unicamente, com base no depoimento da ofendida, quando podia e devia, atenta a prova produzida, ter dúvidas sobre a realidade dos factos. As declarações da ofendida foram nitidamente parciais e não corroboradas com qualquer outra prova para condenar o arguido, porquanto a douta acusação não foi acompanhada por qualquer meio de prova, nem documental nem testemunhal, apenas pelas declarações vagas e descontextualizadas no tempo e no espaço da alegada vítima que se revelou despeitada por ter visto a relação amorosa finda por iniciativa do arguido.
E) Perante a insuficiência de prova produzida e, apelando aos mais elementares princípios que regem o Direito Penai e Processual Penal deverá o aqui arguido/recorrente ser absolvido com as devidas e legais consequências, quanto à condenação de que foi alvo.
F) O Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação de prova, previsto no artigo 127° do C.P.P., pois condenou o aqui arguido apesar da dúvida razoável que se impunha, em face da dúvida inultrapassável, séria e razoável que emerge da simples circunstância de in casu existirem duas versões contraditórias e inexistirem razões para que, de um modo, objectivo, se possa conferir mais credibilidade a um depoimento em relação a outro.
G) A insuficiência de prova, ou prova em sentido diverso do tipo legal de crime, por referência ao princípio basilar do processo penal “In dubio pro reo”, deveria ter levado o douto Tribunal a quo a absolver o arguido, ou seja, a falta de prova não pode desfavorecer a posição do arguido, pelo contrário um non liquet, tem de ser sempre valorado a favor do arguido.
H) Não resultou provado que o arguido tenha agredido fisicamente a ofendida nem que tenha apelidado a mesma de "puta e vaca” ou lhe tenha dito que, “não és mulher de um homem só”.
I) O Tribunal a quo julgou erroneamente ao dar como provado (factos provados n.º 14) que o arguido pretendeu e logrou atentar, de forma reiterada, contra a saúde física e psíquica da ofendida quando foi a própria ofendida que declarou taxativamente (ao minuto 12:20) no seu depoimento, não sentir medo do arguido.
J) Caso seja outro o douto entendimento de V. Exas que não o de absolver o arguido, sempre a pena aplicada pelo Tribunal a quo será iníqua e desproporcionada à factualidade dada como provada, porquanto, o arguido não deveria ter sido condenado com a agravação do n.º 2 da norma incriminadora (art. 152.º CP) mas simplesmente pelo n.º 1 dessa norma e, além disso, sempre militariam circunstâncias a favor do condenado, a saber: o arguido não coabita com a ofendida, o arguido não tem antecedentes criminais por crime idêntico, encontra-se plenamente inserido social e familiarmente para além de que, havendo dolo, nunca terá agido com dolo direto. Pelo que a medida concreta da pena nunca deveria ir além do mínimo legal.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, resulta que a Sentença ora recorrida violou, entre outros:
a) os artigos 202.° n° 2, 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa,
b) art. 410° n° 2, alínea a) e c) do Código de Processo Penal
c) art. 127° do Código de Processo Penal.
Termos em que deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser substituída por outra que absolva o arguido, com as devidas e legais consequências;
com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido por despacho de fls. 258.
A magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, a fls. 260 a 265, respondeu ao recurso, pugnando que ao mesmo deve ser negado provimento e confirmada a sentença recorrida, através da formulação das seguintes conclusões (transcrição):
A) Nenhum concreto ponto de facto foi incorretamente julgado pelo Mm.º Juíz a quo.
B) Todos os factos dados como provados o foram na sequência de uma livre apreciação do Tribunal (artigo 127.º, n.º1 do Código de Processo Penal), mas que não foi arbitrária, nem contraditória, uma vez que a decisão acerca da matéria de facto proferida se pautou por respeito às regras da experiência comum e pelos ditames da lógica, numa apreciação conjugada de todos os elementos de prova que formaram a convicção do Tribunal, apontados pelo MM.º Juiz na motivação da Sentença recorrida, com os quais concordamos na íntegra.
C) Na condenação sob recurso não foram violados os princípios “in dúbio pro reo”.
D) Com a sua conduta o arguido incorreu na prática do crime pelo qual foi condenado na Douta Sentença Recorrida.
E) Não deverá merecer qualquer reparo a medida concreta da pena em que o arguido foi condenado.
Assim, negando-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e condenando-o nos precisos termos da sentença recorrida, farão V.ªs Ex.ªs JUSTIÇA.

Nesta Relação, a Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 273 a 277) emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, atendendo ao que das conclusões consta são as seguintes as questões suscitadas:
- Incorreta aplicação do direito aos factos provados;
- Violação do princípio do in dubio pro reo;
- Incorreta apreciação da prova, dando como provados factos relativamente aos quais nenhuma prova se fez;
- Saber se o arguido deve ser absolvido do crime por que foi condenado
- Medida da pena
2. Decisão recorrida:
Definidas as questões a tratar, vejamos, desde já, o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à motivação da matéria de facto (transcrição):
2.1.1 - Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1º) O arguido e a ofendida C… iniciaram uma relação de namoro no decurso do ano de 2012, nunca tendo residido juntos, sendo que dessa relação nasceu D…, em 02 de Janeiro de 2014.
2º) Durante a relação de namoro, em data não concretamente apurada de Julho de 2013, estando a ofendida grávida de três meses, na sequência de uma discussão ocorrida na residência da ofendida, sita na …, nº …, em …, Albergaria-a-Velha, o arguido exaltou-se porque aquela se recusou a dar-lhe dinheiro e disse-lhe que a filha não era dele e que lhe passava com o carro por cima.
3º) Cerca de quatro meses após o nascimento da filha D…, a ofendida foi residir com a menor para a Rua …, nº …, …, …, Albergaria-a-Velha, terminando a relação de namoro com o arguido em Agosto de 2014.
4º) Em Abril de 2016, a ofendida iniciou novo relacionamento amoroso, com o qual o arguido não se conformou, a pretexto de não querer que a filha chamasse pai a outro.
5º) Nessa sequência, aproveitando o facto de a ofendida permitir que passasse o fim-de-semana com a filha de 15 em 15 dias, o arguido ameaçou fugir com a criança, quando se deslocou a sua casa, sita na morada referida em 3º, para ir buscar a menor.
6º) Além disso, de cada vez que a ofendida o contrariava quanto à concretização das visitas à filha, o arguido apelidava-a de “puta” e “vaca” e dizia-lhe que “não era mulher de um só homem”.
7º) Em 06 de Julho de 2016, a ofendida requereu na Instância Central de Família e Menores de Aveiro a regulação das responsabilidades parentais relativas à filha D…, dando origem ao Processo nº 2196/16.0T8AVR, que correu termos no Juiz 1 da 1ª Secção.
8º) Por decisão provisória proferida em 06 de Outubro de 2016 no âmbito do processo referido em 6º, ficou decidido, designadamente, que a menor D… ficaria a residir com a ofendida e que passaria um fim-de-semana com o pai quinzenalmente.
9º) Contudo, o arguido não se conformou com tal decisão, por entender que deveria ser-lhe atribuída a ele guarda exclusiva da filha.
10º) Acresce que, após alguns fins-de-semana passados com o arguido, a menor D… começou a chegar a casa da ofendida com lesões físicas, que fizeram esta última suspeitar que a filha fosse maltratada, tendo confrontado o arguido em várias ocasiões com essa possibilidade.
11º) Em resposta, o arguido por diversas ocasiões, e para ameaçar aquela, dizia-lhe que se o Tribunal não lhe desse a filha, mataria a ofendida.
12º) O arguido ofendeu a honra e consideração da ofendida por diversas vezes, após esta ter tomado a iniciativa de terminar a relação de namoro, decisão esta com a qual aquele não se conformou, apelidando-a com nomes objectivamente insultuosos.
13º) Mais actuou com a intenção concretizada de atemorizar a ofendida, ameaçando-a de morte, bem como ameaçando fugir com a filha menor, caso a guarda não lhe fosse atribuída, ciente de que tal conduta era adequada e idónea a provocar-lhe medo e inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação.
14º) O arguido pretendeu e logrou atentar, de forma reiterada, contra a saúde física e psíquica da ofendida, por forma a afectar a sua dignidade pessoal, actuando sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
15º) O arguido já foi condenado, em 22/10/2013, no Proc. n.º 2465/03.0PTAVR, que correu os seus termos no 2º Juízo Criminal de Aveiro, pela prática, em 21/10/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, já extinta; foi condenado, em 6/5/2004, no Proc. n.º 50/03.5 GCILH, que correu os seus termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 1/9/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, já extinta; foi condenado, em 16/6/2004, no Proc. n.º 465/04.1 GBILH, que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 1/9/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, já extinta; foi condenado, em 21/2/2008, no Proc. n.º 33/08.9 G GTAVR, que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 25/1/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, já extinta; foi condenado, em 9/5/2013, no Proc. n.º 480/12.1 GBILH, que correu os seus termos no J2 do Tribunal de Ílhavo, pela prática, em 4/8/2012, de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, posteriormente suspensa; foi condenado, em 24/4/2008, no Proc. n.º 290/07.8 GTAVR, que correu os seus termos no 1º Juízo Criminal de Aveiro, pela prática, em 27/7/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, já extinta; foi condenado, em 11/9/2008, no Proc. n.º 693/08.0 GBILH, que correu os seus termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 3/9/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, já extinta; foi condenado, em 29/4/2008, no Proc. n.º 123/07.5 GBMIR, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Mira, pela prática, em 28/10/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, já extinta; foi condenado, em 12/5/2008, no Proc. n.º 439/07.0 GBILH, que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 1/9/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, substituída por prisão na habitação, já extinta; foi condenado, em 24/10/2011, no Proc. n.º 494/07.3 GTAVR, que correu os seus termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 22/11/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, já extinta; foi condenado, em 16/6/2008, no Proc. n.º 471/07.4 GBILH, que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 21/3/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, já extinta; foi condenado, em 11/7/2008, no Proc. n.º 76/07.0 PBAVR, que correu os seus termos no 3º Juízo Criminal de Aveiro, pela prática, em 11/1/2007, de um crime de condução sem habilitação legal e detenção de arma proibida, numa pena de prisão, suspensa na sua execução, já extinta; foi condenado, em 12/9/2008, no Proc. n.º 909/08.3 PTAVR, que correu os seus termos no 2º Juízo Criminal de Aveiro, pela prática, em 21/10/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, já extinta; foi condenado, em 17/6/2009, no Proc. n.º 254/08.4 GCAVR, que correu os seus termos no Juiz 3 da Média Instância Criminal de Aveiro, pela prática, em 9/6/2008 de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão efectiva; foi condenado, em 10/11/2009, no Proc. n.º 88/08.6 GBILH, que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, pela prática, em 19/1/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de injúria agravada e um crime de resistência e coação, numa pena de prisão suspensa na sua execução; foi condenado, em 18/5/2010, no Proc. n.º 2678/09.0 PTAVR, que correu os seus termos na pequena Instância Criminal de Ílhavo, pela prática, em 19/11/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão por dias livres, já extinta; foi condenado, em 16/12/2010, no Proc. n.º 856/08.9 GBILH, que correu os seus termos na pequena Instância Criminal de Ílhavo, pela prática, em 27/10/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão suspensa na sua execução, já extinta.
16º) O arguido é motorista para a firma E…, auferindo €650,00 mensais; vive em união de facto há 6 anos, sendo a sua companheira operária fabril, auferindo e €675,00; vive em casa arrendada, pela qual despende €400,00 mensais; tem 10 filhos, residindo 3 consigo; paga de pensão de alimentos €150,00 por dois deles; tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.
2.1.2 – Não se provou, da acusação pública:
a) Que o relatado em 5º tenha ocorrido em duas ocasiões.
b) Que em resposta, a partir de Dezembro de 2016, o arguido aproveitou as deslocações a casa da ofendida ou a uma pastelaria na mesma localidade para ir buscar a filha para ameaçar aquela, dizendo-lhe que se o Tribunal não lhe desse a filha, mataria a ofendida, entregaria a criança a uma instituição e entregar-se-ia a si próprio à polícia, mas apenas o que consta da factualidade dada como provada em 11º).
c) Que no dia 10 de Fevereiro de 2017, pelas 14.00h, quando o arguido se deslocou à residência da ofendida referida em 3º para ir buscar a filha para passar consigo o fim-de-semana, disse para aquela que se a filha lhe fosse “dada pelo Tribunal”, dava-lhe um tiro, levava a menina para uma instituição e entregava-se às autoridades.
d) Que o arguido tenha acusado a ofendida de ter relações sexuais com outras pessoas.
e) Que o arguido tenha feito a ofendida temer pela sua vida e integridade física.
2.2 - Motivação da matéria de facto:
2.2.1 – Factos Provados:
O arguido limitou-se a negar, de forma liminar, a prática dos factos pelos quais vinha acusado, apenas admitindo parcialmente um episódio que lhe vem imputado, mais concretamente que terá verbalizado à ofendida que fugiria com a filha de ambos e que terá discutido com esta em virtude de ter dúvidas que fosse pai daquela, procurando, sem sucesso, e aparentemente, vitimizar-se em relação ao período em que namoraram.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações da ofendida C… produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, ou seja, as ameaças e insultos verbalizados pelo arguido, e os motivos que estariam na base de tal actuação por parte do arguido, quais sejam os desentendimentos em sede de responsabilidades parentais, concatenado com o teor dos documentos de fls. 88 a 93, 99 a 116 e 134 a 141, relatório de fls. 67 a 69, e aliado às regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, tendo resultado uma versão unânime, coerente e homogénea da forma como os factos ocorreram e que se encontram plasmados na factualidade dada como provada.
Com efeito, as declarações do arguido, na parte em que nega, de forma liminar, a prática dos factos que lhe são imputados não foram valoradas na medida em que são contraditadas, à saciedade, pela demais prova valorada, não merecendo, por conseguinte, qualquer credibilidade por parte do Tribunal, sendo mesmo inusitado que declare que as pisaduras que a menor outrora apresentava resultaram de acidentes e brincadeiras.
Por outro lado, o Tribunal valorou na totalidade o depoimento da ofendida C…, atendendo à descrição pormenorizada, com a ressalva das respectivas datas, serena e coerente de todo o circunstancialismo que rodeou o namoro com o arguido, não se coibindo de descrever as ameaças e insultos de que foi vítima, entroncando, por coincidentes, e ainda que parcialmente, no teor da demais prova valorada, sendo paradigmático que esta, em determinada altura, tenha sido acolhida numa Casa Abrigo, não se levantando engulhos quanto à credibilidade do declarado.
O Tribunal valorou, ainda, as declarações do arguido para esclarecimento das suas condições económicas, sociais, bem como o seu Certificado de Registo Criminal junto a estes autos, cfr. fls. 193 a 209.
2.2.2 – Factos Não Provados:
Os factos não provados resultaram da ausência de prova nesse sentido.“

Importa então conhecer das questões que nos foram colocadas.
Começa o recorrente, na primeira conclusão formulada no seu recurso, por sufragar que o tribunal recorrido procedeu a uma incorreta aplicação do direito, ao condená-lo pelo crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º do Código Penal.
Antes mesmo de colocar em causa alguns dos factos que resultaram provados, com os quais o recorrente discorda por entender que não se produziu prova bastante para assim se concluir, o que convoca a nossa apreciação é a de saber se a factualidade provada permite ou não a conclusão de ter o arguido cometido o crime de violência doméstica.
Vejamos então o que previne e pune o referido artigo 152º do Código Penal:
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.”
Na formulação deste tipo legal criminalizam-se comportamentos que configurem maus tratos, conceito lato e abrangente, que pode ser integrado quer por agressões físicas ou psíquicas, incluindo-se neles os castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais.
Importa então perceber e concretizar de que se fala quando se alude a “maus tratos“. Em acórdão por nós anteriormente relatado[1], tratamos desta questão, pelo que socorremo-nos de novo do que ali deixamos exarado,:
«A diversidade de condutas que podem integrar este crime (violência doméstica) e a variedade relações interpessoais que, no mesmo, se encontram elencadas, dificultam a limitação do concreto bem jurídico que com nele se visa proteger.
Inserido este preceito legal no capítulo III: “Dos crimes contra a integridade física”, no âmbito dos crimes contra as pessoas, sabemos bem que o bem jurídico que com ele se visa proteger não é apenas a integridade física, pois o próprio artigo alude a que é punido quem «infligir maus tratos» físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais. Pode configurar-se como maus tratos psicológicos, as ofensas verbais ou os insultos, mas também a indiferença constante, a desconsideração pessoal, o vexame, sendo que, todas estas ações ou omissões, têm de ser particularmente graves, quer porque constantes ou reiteradas, traduzindo um padrão comportamental, quer porque particularmente intensas ou desvaliosas, prescindindo-se então dessa reiteração.
O tipo legal constante do artigo 152º do Código Penal, que cobre ações típicas semelhantes àquelas que se acham já prevenidas noutros tipos legais (artigos 143º - ofensas à integridade física, 183º injúrias, 163º coação sexual), não pode ser visto como reconduzindo-se à punição de um qualquer somatório de comportamentos deste tipo ocorridos entre pessoas que, a ligá-las, tenham, ou tenham tido, uma qualquer relação de proximidade familiar ou afetiva; o seu fundamento deve ser encontrado na proteção de quem, no âmbito de uma concreta relação interpessoal - conjugal ou não – vê a sua integridade pessoal, liberdade e segurança ameaçadas com tais condutas.
Pese embora a maior parte dos casos de crimes de violência doméstica, ocorram no âmbito da vivência conjugal – formal ou de facto – a atual redação do preceito, ao alargar o âmbito da incriminação ao ex-cônjuge e ao prescindir mesmo da coabitação, coloca agora mais o enfoque na situação relacional existente entre agressor e vítima.
Assim este tipo legal previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e atue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
Este é, segundo cremos, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual.
O bem jurídico tutelado pela incriminação, assim caraterizado, é plural e complexo, visando essencialmente a defesa da integridade pessoal (física e psicológica) e a proteção da dignidade humana no âmbito de uma particular relação interpessoal.
Desta mesma forma ele se encontra caraterizado por André Lamas Leite,[2], quando refere que o mesmo tem como fim o “ (…) asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima de tipo familiar ou análogo (…)” sendo este bem jurídico multímodo “(…) uma concretização do direito fundamental (artigo 25º da C.R.P.) mas também do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26º da C.R.P.), nas dimensões não recobertas pelo artigo 25º da Lei Fundamental, ambos emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana.
(…) A degradação, centrada na pessoa do ofendido, desses valores jurídico constitucionais deve ser a pergunta operatória no distinguo entre o crime de violência doméstica e todos os outros que, por via do designado concurso legal, com ele se relacionam
Entre muitos outros, cremos particularmente feliz a síntese contida no sumário do Acórdão desta Relação do seguinte teor: “No ilícito de violência doméstica é objetivo da lei assegurar uma ‘tutela especial e reforçada’ da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima.[3] (sublinhado nosso).
Daqui sobressai o que cremos essencial para a caraterização do crime de violência doméstica, que se evidencia da sua génese e evolução; a existência de uma vítima e de um vitimador, este numa posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela».
Importa, de tudo o que se encontra dito, reter o seguinte:
- Não é bastante a existência de uma especial relação pessoal entre agressor e vítima para que ofensas à integridade física, injúrias ou quaisquer outros crimes que possam, por aquele, ser cometidos se insiram, sem mais, na previsão do artigo 152º do Código Penal.
Não deixou de haver crimes de ofensas à integridade física, de ameaças, de injúrias, ou outros, cometido por um cônjuge (ex cônjuge, namorado, progenitor do descendente comum) contra o outro.
A existência deste tipo legal não apagou os demais.
A proliferação de processos crime instaurados por violência doméstica resulta de uma situação francamente positiva de maior consciência das pessoas, de todas as pessoas, dos seus direitos, da sua relação de paridade e de igualdade em todos os contextos e, portanto, também no contexto familiar.
Mas resulta também dum entendimento (a nosso ver totalmente infundado) de que tudo o que se passa entre quem é, ou foi, cônjuge (ex cônjuge, namorado, progenitor do descendente comum) tem de ser acusado e condenado, como violência doméstica. E não é.
Ciente da existência de muitas situações de maus tratos que importa censurar de modo grave, o pior sinal que se pode dar à sociedade é tratar todas as situações da mesma forma, banalizando o crime de violência doméstica.
Isto dito, revertendo ao caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião contrária, é, a nosso ver, manifesto que razão assiste ao recorrente quando refere que os factos provados não consubstanciam a prática do crime de violência doméstica.
Vejamos porquê.
Para tanto importa voltar a atentar na matéria que resultou provada, [ainda sem nos atermos no acerto, ou não, de assim terem resultado]
1º) O arguido e a ofendida C… iniciaram uma relação de namoro no decurso do ano de 2012, nunca tendo residido juntos, sendo que dessa relação nasceu D…, em 02 de Janeiro de 2014.
2º) Durante a relação de namoro, em data não concretamente apurada de Julho de 2013, estando a ofendida grávida de três meses, na sequência de uma discussão ocorrida na residência da ofendida, sita na …, nº …, em …, Albergaria-a-Velha, o arguido exaltou-se porque aquela se recusou a dar-lhe dinheiro e disse-lhe que a filha não era dele e que lhe passava com o carro por cima.
3º) Cerca de quatro meses após o nascimento da filha D…, a ofendida foi residir com a menor para a Rua …, nº .., …, …, Albergaria-a-Velha, terminando a relação de namoro com o arguido em Agosto de 2014.
4º) Em Abril de 2016, a ofendida iniciou novo relacionamento amoroso, com o qual o arguido não se conformou, a pretexto de não querer que a filha chamasse pai a outro.
5º) Nessa sequência, aproveitando o facto de a ofendida permitir que passasse o fim-de-semana com a filha de 15 em 15 dias, o arguido ameaçou fugir com a criança, quando se deslocou a sua casa, sita na morada referida em 3º, para ir buscar a menor.
6º) Além disso, de cada vez que a ofendida o contrariava quanto à concretização das visitas à filha, o arguido apelidava-a de “puta” e “vaca” e dizia-lhe que “não era mulher de um só homem”.
7º) Em 06 de Julho de 2016, a ofendida requereu na Instância Central de Família e Menores de Aveiro a regulação das responsabilidades parentais relativas à filha D…, dando origem ao Processo nº 2196/16.0T8AVR, que correu termos no Juiz 1 da 1ª Secção.
8º) Por decisão provisória proferida em 06 de Outubro de 2016 no âmbito do processo referido em 6º, ficou decidido, designadamente, que a menor D… ficaria a residir com a ofendida e que passaria um fim-de-semana com o pai quinzenalmente.
9º) Contudo, o arguido não se conformou com tal decisão, por entender que deveria ser-lhe atribuída a ele guarda exclusiva da filha.
10º) Acresce que, após alguns fins-de-semana passados com o arguido, a menor D… começou a chegar a casa da ofendida com lesões físicas, que fizeram esta última suspeitar que a filha fosse maltratada, tendo confrontado o arguido em várias ocasiões com essa possibilidade.
11º) Em resposta, o arguido por diversas ocasiões, e para ameaçar aquela, dizia-lhe que se o Tribunal não lhe desse a filha, mataria a ofendida.
12º) O arguido ofendeu a honra e consideração da ofendida por diversas vezes, após esta ter tomado a iniciativa de terminar a relação de namoro, decisão esta com a qual aquele não se conformou, apelidando-a com nomes objectivamente insultuosos.
13º) Mais actuou com a intenção concretizada de atemorizar a ofendida, ameaçando-a de morte, bem como ameaçando fugir com a filha menor, caso a guarda não lhe fosse atribuída, ciente de que tal conduta era adequada e idónea a provocar-lhe medo e inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação.
14º) O arguido pretendeu e logrou atentar, de forma reiterada, contra a saúde física e psíquica da ofendida, por forma a afectar a sua dignidade pessoal, actuando sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Ora depois de se ter provado que o arguido e a ofendida tiveram uma relação de namoro da qual nasceu uma filha, no ponto dois da matéria assente consta que, por uma vez, em julho de 2013, quando a ofendida estava grávida de três meses, na sequência de uma discussão, o arguido exaltou-se e disse que a filha não era dele e que lhe passava com um carro por cima.
Em 2 de janeiro de 2014 nasceu a filha de ambos e em agosto desse ano a ofendida terminou o relacionamento que tinha com o arguido.
Resulta depois, do ponto 4º, que em abril de 2016, a ofendida iniciou nova relação de namoro com a qual o arguido não se conformou a pretexto de não querer que a filha chamasse pai a outro.
Fiquemo-nos agora por aqui analisando a factualidade que consta dos pontos 1 a 4 da matéria assente.
Como acima se disse na configuração que o legislador entendeu dar ao artigo 152º, sobretudo após a alteração introduzida pela Lei 59/2007 de 04/09, ficou expressamente consagrado que “maus tratos” podem existir independentemente de serem ou não prática reiterada por banda do agressor. Até aí o tipo legal apenas se preenchia quando houvesse reiteração do comportamento. Bem se percebe a alteração. Pese embora a maior parte das situações de subjugação e de domínio sejam condutas que se prolongam no tempo, pode haver situações – infelizmente não tão raras como isso- em que a conduta do(a) agressor(a) é de tão acentuada censura que basta uma atuação única para, com ela, se preencher o conceito de maus tratos. Pense-se na atuação de alguém que querendo depreciar a pessoa da ofendida lhe corta à tesourada os cabelos, lhe tira e queima a prótese dentária… pense-se em alguém que sabendo estar a vítima a tomar banho se aproxima da banheira e urina para dentro dela…. Creio que sem divergência se concluiu que condutas deste jaez [situações infelizmente não imaginadas por nós mas com as quais nos deparamos na nossa vida profissional] ainda que tenham ocorrido apenas uma só vez são, sem qualquer sombra de dúvida, maus tratos infligidos pelo agressor.
Coisa diversa é, no âmbito de uma discussão, o arguido dizer à ofendida que lhe passa com um carro por cima, ou seja, que a matava, e fazê-lo, tal como resultou igualmente provado no facto 13, com o propósito, a intenção de a atemorizar, desiderato sequer atingido como se alcança do ponto e) da matéria não provada [resultado, no entanto completamente irrelevante, como a seguir se dirá].
Este facto, ocorrido em 2013, não é, portanto, reiterado, muito menos tem uma gravidade tal que dela prescinda para por si só configurar uma situação de maus tratos.
Depois de a decisão recorrida balizar no ano de 2016 a data do início de um novo relacionamento amoroso por parte da ofendida não há mais nenhuma concretização temporal dos factos ocorridos.
No ponto 5 da matéria assente diz-se que a ofendida acedeu a deixar que a filha de ambos estivesse com o pai de 15 em 15 dias, presume-se que antes de 6 de outubro de 2016, data a partir da qual as responsabilidades parentais ficaram fixadas e estabelecido o regime de visitas.
Mas logo a seguir dá-se como provado que “de cada vez que a ofendida o contrariava quanto às visitas à filha o arguido apelida-a de “puta” e “vaca” e dizia-lhe que não era mulher de um homem só”. Ora, quantas vezes foram? Quando e em que contexto os factos ocorreram? Para que o arguido tenha possibilidade de se defender da imputação que lhe é feita, é mister que os factos que lhe são assacados se encontrem se não concretizados no tempo, pelo menos balizados temporalmente, o que não equivale ao uso da formulação vaga e genérica constante da matéria assente.
No ocorrido em 2013 existe essa concretização mínima – os factos ocorreram por volta do terceiro mês de gravidez da ofendida.
Veja-se, entre outros, o que, no concernente à necessidade de concretização dos factos que são imputados ao arguido, tem vindo a ser decidido pelo nosso mais Alto Tribunal : « (…) 5- Não são "factos" susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ("procediam à venda de produtos estupefacientes", "essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos", "a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína", "utilizavam também "correios", "utilizavam também crianças", etc.).
6 - As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição.»[4]
Claro que o que consta da decisão proferida era exatamente o que constava já da acusação, nessa parte imperfeita, que foi deduzida.
Mas desta materialidade, pela forma como a mesma está plasmada, não pode o arguido defender-se.
De todo o modo, entendendo nós, salvo o devido respeito por opinião contrária, que não estamos perante o cometimento do crime de violência doméstica, porque lendo e relendo os factos provados – mesmo sem cuidar ainda se devidamente assentes – não descortinamos a necessária situação de domínio, de degradação, de aviltamento da dignidade da pessoa da ofendida, nem as situações provadas que constam da decisão recorrida têm um padrão de frequência ou intensidade desvaliosa, para se poderem enquadrar num modelo de comportamento que se inscreva na previsão do tipo legal de violência doméstica.
Os factos ocorridos em 2013, integram, ao invés, o cometimento pelo arguido de um crime de ameaças, tal como se encontra prevenido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155ºnº 1 alínea a) ambos do Código Penal. Cfr. Acórdão de fixação de jurisprudência de 2/02/2013 e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jstj.ns: « A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal.
Esta conclusão está, ademais, de acordo com os factos vertidos no ponto 13 da matéria assente, que se reportam ao dolo. A este propósito a decisão recorrida, padece de contradição entre os factos provados, sendo incompatível o que consta do ponto 14º onde se diz: «O arguido pretendeu e logrou atentar, de forma reiterada, contra a saúde física e psíquica da ofendida, por forma a afectar a sua dignidade pessoal, actuando sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.» formulação genérica geralmente usada na imputação do crime de violência doméstica mas que, como vimos dizendo, não decorre da matéria apurada.
Contradição que não temos por insanável uma vez que o dolo – realidade do mundo interior, da intenção motivadora da ação – ou se prova pela confissão do próprio agente ou se retira dos factos provados -. Como dos factos apurados não se retira a reiteração de um comportamento atentatório da integridade física e psíquica da ofendida, nem quaisquer condutas que afetassem a sua dignidade pessoal, temos de concluir que esses factos não podem constar da matéria assente.
Para além deste crime, poder-se-ia ainda retirar da matéria assente – relativamente aos apodos de “puta”, “ vaca” e a afirmação de que a ofendida “ (…) não era mulher de um homem só”, o cometimento, pelo arguido, de um crime de injúrias, tal como se encontra estatuído no artigo 181º do Código Penal.
Porém, como se disse, não estando minimamente balizado temporalmente o seu cometimento, resultando da matéria provada uma imputação tão vaga e genérica que impossibilita que o arguido deles se possa defender, que os possa contraditar, tal como lhe é constitucionalmente garantido – cfr. número 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa- tais factos terão de ser tidos por não escritos.
De todo o modo ainda que assim não fosse sempre teriam de ser penalmente desconsiderados, porquanto, conforme consagrado no artigo 188º do Código Penal, o procedimento criminal por este tipo de crime depende de acusação particular que inexiste no caso.
O mesmo se passa relativamente ao que consta do ponto 11 da matéria provada onde se dá por assente que o arguido” Por diversas ocasiões disse que mataria a ofendida”, retomando assim a formulação vaga, genérica, impossível de contraditar, portanto contrária às garantias processuais com consagração constitucional a que aludimos supra, razão pela qual, tais factos têm igualmente de ser desconsiderados.
Ademais, e entrando agora no conhecimento da impugnação da matéria de facto, ouvida, por mais de três vezes, a gravação do julgamento, concretamente o depoimento prestado pela ofendida, esta em momento algum disse de modo claro ou sequer implícito ou sugerido que por diversas vezes tivesse sido ameaçada de morte, como consta provado no ponto 11 da matéria assente.
Transcrevendo, o que consta da gravação temos por volta do minuto 8:43 a magistrada do Ministério Público a perguntar à ofendida:
«Alguma vez (o arguido) a ameaçou de alguma coisa?
De que a matava?.»
Resposta da ofendida:
«sim da última vez que foi buscar a menina, à porta de minha casa
Pergunta do Ministério Público:
«Mas disse isso mais do que uma vez? Ou foi só desta vez?»
Antes mesmo da ofendida responder o senhor juiz a quo alude ao que constava da acusação; duas situações distintas de conteúdo mais ou menos idêntico, uma ocorrida em dezembro de 2016 e outra em fevereiro de 2017, pedindo à ofendida que concretizasse se assim tinha sucedido e em que data.
A ofendida alude a uma situação ocorrida em janeiro de 2017.
Na pouca capacidade de concretizar datas, o que se percebe, o senhor juiz insiste na pergunta:
«Mas foi só desta vez, ou houve outras antes?»
Resposta pronta e espontânea da ofendida:
«foram duas vezes, duas situações, uma quando estava grávida e outra da última vez quando fui buscar a menina. – por volta do minuto 11:14.
Do depoimento da ofendida resultou sem qualquer sombra de dúvida a existência de um mau relacionamento entre os progenitores por causa da filha em comum. Que, por causa disso, se desentenderam e discutiram algumas vezes; que o arguido pretendia ter a guarda da filha, que com isto não se conformava a ofendida.
A dado passo das suas declarações a ofendida diz claramente que a única razão pela qual foi para a Casa Abrigo foi para que o arguido não soubesse onde estava a filha de ambos.
Face ao que acabamos de referir bem se entende a discordância do recorrente quanto à fixação da matéria de facto, ainda que o modo como coloca a questão, como impugna a matéria assente, não seja a mais correta.
O problema não está no facto de o tribunal ter apenas alicerçado a sua convicção no depoimento de uma só pessoa, mesmo que essa pessoa seja a ofendida. Isso acontece muitas vezes, sobretudo em determinado tipo de crimes, como por exemplo crimes que atentem contra a liberdade e autodeterminação sexual, muitos crimes de violência doméstica, obviamente, porque muitos deles são cometidos sem que haja outro tipo de prova para apreciar para além do depoimento do próprio ofendido a maior parte das vezes em contradição com a versão dos factos que é dada pelo arguido quando este se dispõe a tal.
É uma questão de convicção do tribunal. Situações deste jaez não são incomuns. Não é pelo facto de se ter apenas duas versões que tem de se fazer funcionar o princípio in dubio pro reo. Pode acontecer, e acontece muitas vezes, que ouvidas versões distintas sobre os factos acusados - a do ofendido e o do arguido - o tribunal não tenha qualquer dúvida em valorar uma em detrimento da outra.
Mas não se pode esquecer que, em todos os casos, no julgamento de todo o tipo de crime, o arguido se presume inocente.
Portanto o interrogatório não pode ser “conduzido”, as perguntas não podem ser formuladas induzindo, sugerindo ou facilitando as respostas. Sempre em todos os casos. É o que resulta do estatuído no artigo 138º do Código Processo Penal -. Mais ainda quando a prova é escassa. Muito menos, como é bom de ver, partindo do princípio de que a testemunha está ali para chancelar o que da acusação consta, ao invés de, como tem de ser, a prova dos factos constantes da acusação depender do seu testemunho isento, espontâneo, consistente.
Portanto o que está aqui em causa não é discordar da convicção formada pelo tribunal a quo, ou substituir-se, este tribunal de recurso, àquele, formando uma outra convicção.
Do que se cuida aqui é mesmo da inexistência de prova que sustente parte da matéria assente, concretamente a que consta do ponto 11, que por essa razão tem de ser dada como não provada.
Aqui chegados, resta-nos então, provadamente cometido pelo arguido, o crime de ameaça agravada tal como se encontra prevenido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155ºnº 1 alínea a) ambos do Código Penal.
Como acima se disse apesar da ofendida ter dito de modo claro que não sentiu medo quando o arguido a ameaçou essa circunstância não impede o cometimento do crime: ” (…) atenta a natureza do crime, não é aplicável a teoria da adequação do resultado à ação, mas a mensagem comunicada tem de ser "adequada" a provocar medo inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do destinatário. Isto é, não é necessário que o destinatário tenha efetivamente ficado com medo ou inquieto ou inibido na sua liberdade de determinação. Basta que as palavras ou sinais feitos tivessem essa potencialidade (…) “O que se exige, para preenchimento do tipo, é que a ação reúna certas características, não sendo necessário que em concreto se chegue a provocar o medo ou a inquietação” (actas CP/Figueiredo Dias, 1993: 500”. [5]
Assim sendo, importa agora saber se podemos condenar o arguido por este crime ou se teremos de dar cumprimento ao preceituado no ar 424º número 3 do Código de Processo Penal.
A este propósito, tomamos já posição que se encontra expressa no acórdão por nós relatado e que acima aludimos.
Portanto, seja-nos, de novo, permitido transcrever o que ali se deixou expresso:
«Sendo diverso o tipo legal no qual se enquadra a conduta do arguido, será que deve o processo baixar à primeira instância para aí ser dado cumprimento ao preceituado no artigo 358º do Código de Processo Penal?
Cremos que não.
Com efeito o arguido defendeu-se já de todos os factos que agora aqui se conhecem.
Neste sentido a douta decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão publicado no DR, 1.ª série – número 146 de 30 de Julho de 2008 Pesquisado em http://dre.pt/pdf1s : “(…) E com a publicação da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, através de aditamento de um número ao artigo 424.º (n.º 3), alargou a possibilidade de a alteração da qualificação jurídica poder ser feita no tribunal de recurso (bem como de a alteração poder incidir sobre os factos descritos na decisão em recurso, desde que não substancial), alteração que, obviamente, no caso de ser desconhecida do arguido, terá de lhe ser comunicada para o mesmo, querendo, sobre ela se pronunciar. Certo é que este alargamento já era jurisprudencialmente admitido, consabido que este Supremo Tribunal através do Acórdão n.º 4/95 fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que o tribunal superior pode em recurso alterar oficiosamente a qualificação jurídico -penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus. Com tudo isto, porém, não resulta pacífico o entendimento sobre a obrigatoriedade de comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e concessão ao mesmo de prazo para a defesa. Com efeito, para além da ressalva contida no n.º 2 do artigo 358.º, segundo a qual a alteração não carece de ser comunicada ao arguido, o que bem se percebe, visto que a mesma é resultado de alegação por si produzida, vem-se entendendo que outros casos ocorrem em que é inútil prevenir o arguido da alteração da qualificação jurídica, razão pela qual se considera não dever ter lugar a comunicação. Vejamos. O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico -criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender. Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido - n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa - consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado. Assim e atenta a ratio do instituto, vem -se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República - o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder -lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender -se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou «menos agravado», ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado. O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave que o da acusação ou da pronúncia em consequência de redução da matéria facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação.”.» Ora, sendo o crime de violência doméstica um tipo legal que recobre situações diversas que isoladamente consideradas poderiam configurar diferentes situações típicas, p. ex. de ofensas à integridade física, de injúrias, de ameaças, quando não se prove o cometimento do crime de violência doméstica, pode sobejar, como no caso, apenas a prova de alguns dos factos que se inserem numa das ações típica.
O arguido/recorrente teve já a possibilidade de se defender desses concretos factos que agora aqui se consideram para efeito da sua condenação, ademais eles configuram, relativamente ao crime pelo qual vinha condenado um minima de malis, a condenação, nesta instância de recurso, pelo crime de ameaça agravada, previsto e punido, pelas já referidas disposições legais constantes do artigo 153º e 155º número 1 alínea a) ambos do Código Penal, não posterga as garantias de defesa do arguido/recorrente.»
Assim sendo, importa então determinar a pena concreta a aplicar-lhe pelo crime de ameaça agravada, cometido em dia concretamente não apurado do mês de julho de 2013, dentro da moldura penal prevista para aquele ilícito de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240.
Sendo este crime punível, em alternativa, com pena de prisão ou multa temos de decidir por qual das penas optar no caso concreto.
Nos termos do preceituado no artigo 70º do Código Penal deve optar-se pela pena de multa sempre que for de concluir que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso não cremos que assim seja.
Com efeito, o arguido tem um impressionante e extenso rol de condenações penais, ainda que praticamente todas pelo mesmo tipo de crime de condução sem habilitação legal. Crime diverso daquele que agora nos ocupa, mas, mesmo assim, tendo já sido condenado em pena de prisão entendemos que não se adequa que agora se censure a sua conduta com uma pena principal mais leve que a prisão. Embora agora, como se disse, por crime diverso daqueles pelos quais anteriormente foi condenado o certo é que o arguido voltou a delinquir, demonstrando, assim, uma personalidade desconforme com as regras e normas socialmente imperantes.
Passando então à concretização do quantum da pena de prisão, começando pela determinação do grau de culpa do arguido, concluiu-se que este atuou com culpa não muito acentuada.
As exigências de prevenção especial muito acentuadas, considerando como se disse, a panóplia de condenações já sofridas.
Maiores as exigências de prevenção geral, atendendo a que, com muita frequência, se cometem crimes deste tipo sobretudo em contextos e por razões similares.
O tempo, entretanto, decorrido, desde a data da sua prática até ao presente, esbate, de modo acentuado, a necessidade de um grande rigor punitivo.
Assim, na consideração conjunta de todas estas vertentes e no mais que consta do artigo 71º do Código Penal, para se concluir, como adequada e justa fixar a pena concreta a aplicar a este arguido em 4 (quatro) meses de prisão, pena que, nos termos do preceituado no artigo 43º do Código Penal se substituiu 120 dias de multa à taxa diária de 5,00€, ou seja na multa de 600,00€, pena que se reputa ajustada para que o arguido sinta a reprovação da sua conduta e para o impedir da prática de outros crimes.
Concluindo: Por tudo o que se deixa exposto resulta evidenciado que o arguido tem de ser absolvido do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, soçobrando tudo o mais que esta condenação resultava; concretamente a condenação na indemnização civil arbitrada à ofendida, ou seja, ainda que, com fundamentos não totalmente coincidentes com os aduzidos pelo recorrente, termina-se pelo parcial provimento do recurso
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação julgar parcialmente procedente o recurso interposto ainda que com fundamentos não totalmente coincidentes com os aduzidos pelo recorrente e, em consequência:
- Absolver o arguido B… do crime de violência doméstica pelo qual vinha condenado e do demais que desta condenação resultava;
- Condenar o arguido B… pela autoria de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º número 1 alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
- Substituir esta pena de prisão por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 5,00€, ou seja, na multa de 600,00€.

Sem tributação

27 de junho de 2018
Maria Manuela Paupério
Francisco Marcolino
Luís Coimbra (relator vencido, nos termos da declaração de voto que junto).
_____
[1] Acórdão de 09/01/2013, votado por unanimidade e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/
[2] Estudo publicado na Revista Julgar, nº 12, página 25 e ss
[3] Acórdão de Relação do Porto de 28/09/2011 relatado por Artur Oliveira e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/
[4] Ver Acórdão da
[5] Cfr. Paulo Albuquerque in “Comentário ao Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2.º Ed., páginas 473-4”
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Declaração de voto:
Como inicial relator voto vencido, pelas razões que de seguida, e de forma muito sintética, passo a enunciar:
No âmbito da denominada “impugnação restrita” da matéria de facto, apesar do recorrente ter invocado indiscriminadamente as alíneas a), b) e c) do n.º2 do art. 410º do CPP, não se detectaram vícios decisórios na sentença recorrida enquadráveis no mencionado normativo;
No âmbito da também denominada “impugnação ampla” da matéria de facto, apesar das versões contraditórias do arguido e ofendida considerei – tal como também o havia considerado o Sr. Juiz a quo que usufruiu, em toda a plenitude, do principio da imediação da prova – que as declarações da ofendida eram merecedoras de credibilidade, motivo pelo qual manteria toda a factualidade que tinha sido dada como provada, com a ressalva do termo “física” que constava do ponto 14 (termo esse que mais não passava de um lapsos calami oriundo já da acusação que, certamente por outro lapso decorrente da cópia da acusação para o processador de texto, indevidamente também ficara a constar da factualidade dada como provada, sendo ainda certo que, pela audição do seu gravado depoimento, a ofendida nunca disse que o arguido a agrediu fisicamente). Assim, aditaria aos factos não provados uma alínea f) com o seguinte teor: “f) Que o arguido pretendeu e logrou atentar contra a saúde física da ofendida.”
Ao nível do enquadramento jurídico tinha considerado, tal como o fizera o tribunal a quo, que os factos apurados integrariam o crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º n.º1 b) e 2 do Código Penal.
Com efeito.
- estamos perante um sujeito passivo enquadrável na alínea b) do nº1 do 152º do CP;
- parte dos factos ocorreram em casa da ofendida/vítima;
- existe uma sucessão reiterada, entre Julho de 2013 e finais de 2016, de comportamentos ameaçadores (por exemplo, dizer à ofendida “que lhe passava com o carro por cima”, “ameaçou [a ofendida] fugir com a criança [filha de ambos], quando se deslocou a sua casa (…) para ir buscar a menor”, “… para ameaçar aquela [a ofendida], dizia-lhe que se o Tribunal não lhe desse a filha, mataria a ofendida”) e de conteúdo injurioso e pejorativo da dignidade de qualquer pessoa (apelidar a ofendida de “puta” e “vaca” e dizia-lhe que “não era mulher de um só homem”, “dizer-lhe que a filha não era dele”, “não querer que a filha chamasse pai a outro”, etc);
- a pessoa alvo desses comportamentos teve uma relação de namoro com o arguido e até é a própria mãe da filha de ambos (e grande parte desses factos tendo por fio condutor as responsabilidades parentais da filha de ambos).
Ora, perante todo este comportamento do arguido no envolvente contexto espácio-temporal em que foi ocorrendo, por integrar o conceito abrangente do “infligir maus tratos psíquicos”, seria de aglutinar num só crime (violência doméstica), e não autonomizar cada um desses comportamentos em outros tantos crimes.
Por tal razão manteria a qualificação jurídica e, bem assim, as penas (principal e acessória) e a indemnização à vitima, tal qual tinham sido fixadas pela primeira instância e, nessa decorrência, negaria provimento ao recurso.

Luís Coimbra