Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
106478/22.8YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: ASSINATURA ELETRÓNICA DE DOCUMENTOS
OBRIGAÇÃO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RP20241007106478/22.8YIPRT.P1
Data do Acordão: 10/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A lei reconhece aos prestadores de serviços de confiança certificados pelos organismos nacionais de acreditação competência para atestar a autoria da assinatura eletrónica de documentos particulares, nos termos do disposto nos artigos 8.º a 10.º do DL 12/2021 de 9 de fevereiro que assegura, na ordem jurídica interna, a execução do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno.
II - Sendo a empresa certificadora da veracidade da assinatura digital uma das empresas qualificadas para o efeito de acordo com o referido Regulamento e estando a identificação do documento que consta da declaração de certificação em perfeita consonância com a aposição em cada página do contrato do mesmo código de identificação, deve julgar-se provado que foi o Réu quem assinou eletronicamente tal documento.
III - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 781.º e 805.º número 1 do Código Civil, o credor de obrigação liquidável em prestações deve, em caso de incumprimento pelo devedor do dever de pagamento de uma das prestações, manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações ainda não vencidas através da interpelação do devedor que pode ser feita extrajudicialmente ou judicialmente através, nomeadamente, da citação para os termos da ação nos termos do previsto no artigo 610.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil.

(Da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 106478/22.8YIPRT.P1, Juízo de Competência Genérica de Anadia.

Recorrente: A... (Sucursal da S.A. francesa A...)

Recorrido: AA


Relatora: Ana Olívia Loureiro
Primeiro adjunto: Jorge Martins Ribeiro
Segundo adjunto: Carlos Gil





Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1 - Em 12-12-2022 A... (Sucursal da S.A. francesa A...) propôs junto do Balcão Nacional de Injunções processo especial de injunção contra AA para pagamento de 5.405,06 € alegando ter celebrado com este um contrato de “concessão de crédito” que o mesmo deixou de cumprir a partir de 12-01-2022.

2 – Frustrada a citação do Requerido, foram os autos remetidos ao Juízo de Competência Genérica de Anadia onde, a 09-06-2023, esgotadas as tentativas para a sua citação pessoal, foi determinada a citação edital que veio a ter lugar em 22-06-2023.

3 – Em 02-10-2023 foi citado o Ministério Público em sua representação, nos termos do previsto no artigo 21.º do Código de Processo Civil.

4 – A 23-01-2024 a Requerente apresentou requerimento para junção de documentos e de depoimento escrito da testemunha BB, bem como comunicou que não se faria representar na audiência de julgamento.

5 – Em audiência de julgamento de 25-01-2024, na ausência do mandatário da Autora, foi admitida a prova documental e testemunhal requerida e foram proferidas alegações orais pelo Ministério Público, em representação do Réu.

6 – Em 21-03-2024 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu do pedido.

II - O recurso:
É desta sentença que recorre a Autora pretendendo a alteração do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência da ação.
Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
“1 - O presente recurso interposto pelo Recorrente, Autor nos autos em epígrafe, tem por objecto a douta sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Anadia que julgou totalmente improcedente a acção intentada pelo Autor e, em consequência, absolveu o Réu do pedido, a saber, do pagamento da quantia de €4.604,71 a título de capital, acrescida de € 447,35 de juros de mora vencidos e de €200 a título de outras quantias, num total de € 5.640,71 (cinco mil seiscentos e quarenta Euros e setenta e um cêntimos).
2. Face à prova, tanto documental, como a testemunhal, efectivamente produzida, a sentença de que ora se recorre, consubstancia uma solução que viola, claramente, os princípios jurídicos e bem assim os preceitos legais e inclusive o senso comum que, ao caso, necessariamente, terão que ser aplicados, razão pela qual nos parece ser a mesma além de injusta, irrazoável e não rigorosa na apreciação da prova.
3. Produzida e devidamente escortinada a prova, quer documental, quer testemunhal, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal “a quo”, lavrando em manifesto erro da apreciação daquela prova, julgou a acção totalmente improcedente, pelo facto de, de acordo com o seu entendimento, não se ter provado qualquer factualidade com relevância para a decisão da causa, nomeadamente a celebração do contrato ajuizado, dando, assim, como não provados todos os factos, talqualmente efeito em cascata (cfr., pontos 1., 2. e 3. da materialidade dada como não provada).
4. O Tribunal “a quo” dá, erradamente em N/entender, como não provada a celebração do contrato ajuizado com o fundamento de que “… nenhum dos documentos juntos pelo R. tem aposta a assinatura manuscrita do R. (o local destinado à assinatura do devedor está em branco – fls. 66 verso); existe unicamente um documento designado “certificado”, correspondente a uma alegada “certificação electrónica certificada” com a data de 21.6.2021 e onde consta o nome “AA” (fls. 67), mas cuja autoria o Tribunal desconhece totalmente e desconhece a que acto se reporta, porque não tem qualquer ligação com o documento antecedente.”, …”a testemunha BB (cujo depoimento escrito se encontra junto a fls. 80-81), funcionário da A... declarou que tem conhecimento do contrato de concessão de crédito celebrado entre a A... e o R., podendo afirmar sem margem para dúvidas que o R. é mutuário, por ter verificado que no contrato “foi aposta a assinatura pelo seu punho e por sua vontade livre e esclarecida”, mas o certo é que nem as condições gerais, nem as condições particulares que a A. juntou aos autos contém qualquer assinatura feita pelo punho do R. e, como tal, o depoimento escrito desta testemunha não merece qualquer credibilidade.”
5. Caso tivesse sido feita uma leitura e análise atentas e detalhadas do contrato de crédito junto aos autos, nomeadamente da última página do referido contrato intitulada “CERTIFICADO Contratação eletrónica certificada” (o que não foi feito salvo o devido respeito que muito é), o Tribunal “a quo” teria facilmente concluído que aí consta o seguinte: “….CERTIFICA que todos os dados recolhidos no presente documento correspondem à contratação eletrónica certificada entre as partes abaixo indicadas, com data de criação 21/06/2021 13:56:41 cujo identificador único é 001001-...01-...29.par, tendo-se procedido ao depósito notarial da função hash do documento….”.
6. O referido certificado não só identifica o emissor da contratação (A...) como também o interveniente (o Recorrido nos presentes autos), o Estado (assinado), a verificação notarial (com REF. DE DEPÓSITO NOTARIAL: ... e INTEGRIDADE DE CONTEÚDO DOS DOCUMENTOS DEPOSITADOS: ...) a VERIFICAÇÃO ELETRÓNICA (GUID da transação: 001001-...01-...29.par CONTROLO DE INTEGRIDADE COM BASE NA FUNÇÃO HASH DO DOCUMENTO PROCESSADO), as Referências (indicando o número de telefone do Recorrido: +351 ...26) e a Assinatura.
7. Nele se pode ler também que “Qualquer pessoa que entrega ou exibe uma impressão como esta, poderá, sob pedido, entregar o ficheiro assinado digitalmente. Os dados aqui constantes são suportados por uma matriz eletrónica, a qual está à disposição dos órgãos judiciais ou arbitrais que requeiram a respetiva verificação. De acordo com a Lei de Proteção de Dados Pessoais aplicável, informamos que os seus dados pessoais foram fornecidos pelo emissor identificado acima, com a exclusiva finalidade de validar a autenticidade da transação a que se refere este certificado. O suporte que contém as assinaturas eletrónicas das transações é uma prova documental, em conformidade com os regulamentos aplicáveis no Espaço Económico Europeu. Pode consultar as condições do serviço de Terceiro por interposição contratado no seguinte endereço: ...”.
8. A assinatura OTP (One-Time Password) é uma assinatura digital realizada através do envio de um código único ao signatário (ou seja, um código que só será válido para a assinatura do documento específico para o qual foi solicitado) e é válida por um período de tempo limitado, via SMS ou e- mail (dependendo da informação indicada aquando da criação do processo de assinatura).
9. Cumpre ainda esclarecer que se a assinatura (OTP) One Time Password, for criada por um dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas e que se baseie num certificado qualificado de assinatura eletrónica, como é o caso do contrato junto aos autos, passa a ser assinatura eletrónica qualificada e consequentemente, os documentos nos quais é aposta passam a ter força probatória plena nos termos do artigo 376.º alínea i) e ii) do Código Civil, artigo artigo 25.º, n.º 2, do Regulamento eIDAS e do artigo 3.º, do Regime Aplicável à Identificação e aos Documentos Eletrónicos.
10. Isto equivale a dizer que resulta, de forma evidente e ao contrário do que valorou o Tribunal a quo, o contrato dos autos corresponde a documento eletrónico a que seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada e, portanto, é equiparado a um documento particular com autoria reconhecida, nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
11. Portanto a A. provou:
b) a celebração de um contrato nos termos do qual a A. concedeu ao R. um crédito, obrigando-se o R. a restituir à A. a quanta mutuada, acrescida de juros, em prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia um de cada mês;
12. E fê-lo através de prova documental e testemunhal bastante pelo que a matéria de facto dada como provada e não provada tem de ser alterada em conveniência.
13. Existindo erro de julgamento e errada apreciação da prova porquanto:
a) Apesar de os documentos juntos aos autos não conterem a assinatura do R., tratando-se de um documento eletrónico em que está aposta uma assinatura eletrónica qualificada é equiparado a um documento particular com autoria reconhecida, nos termos do artigo 376.º do Código Civil pelo que goza de força probatória plena ao abrigo daquele artigo ao contrário do que escreve o Mmo. Juiz na douta sentença de que se recorre.
c) Foi feita uma interpretação incorrecta do contrato junto aos presentes autos pois, a assinatura (OTP) One Time Password, for criada por um dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas e que se baseie num certificado qualificado de assinatura eletrónica, como é o caso do contrato junto aos autos, passa a ser assinatura eletrónica qualificada e consequentemente, os documentos nos quais é aposta passam a ter força probatória plena nos termos do artigo 376.º alínea i) e ii) do Código Civil, artigo artigo 25.º, n.º 2, do Regulamento eIDAS e do artigo 3.º, do Regime Aplicável à Identificação e aos Documentos Eletrónicos, normas jurídicas estas violadas com a decisão de que se recorre.
14. Enferma, consequentemente, a douta sentença, de erro de julgamento e errada apreciação da prova, pois interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando, ainda, erradamente, a Lei, decidindo contrariamente às orientações jurisprudenciais atinentes à matéria.
15. Em face dos fundamentos supra ilustrados, justificativos das razões pelas quais entende a Recorrente que os factos supracitados não se podem considerar não provados da forma como o foram face à prova produzida no presente processo, requer-se, muito respeitosamente a V/Exas. Se dignem proceder à alteração da matéria de facto provada e, por consequência, da matéria de facto não provada que tem relevância para a boa decisão da causa e para entender o alcance da sentença recorrida, nos termos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC.
16. Destarte e caso o Tribunal “a quo” tivesse sido consequente com tudo o que se discute nos presentes autos, tivesse interpretado correctamente as provas produzidas, documentais, complementadas pelas declarações da testemunha arrolada pela A., teria, necessariamente, que ter tomado posição diferente, dado que tais provas impõem decisão contrária, isto é, a procedência da acção, condenando o R./apelado no pedido formulado na petição inicial, só assim aplicando correctamente o direito e fazendo justiça.”


*

O Ministério Público contra-alegou sustentando a confirmação da sentença de primeira instância.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, números 4 e 5 e 639.º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, cumpre apreciar se deve ser alterada a matéria de facto de modo a passar a julgar-se provado o teor da alínea 1 dos factos não provados e, em caso afirmativo, se deve ser revogada a decisão de absolvição do Réu do pedido.

IV – Fundamentação:

Da sentença recorrida não consta qualquer facto como provado e foram dados como não provados os seguintes:
1. A A... e o R. AA celebraram entre si, a 26.1.2021, um contrato, nos termos do qual a primeira concedeu ao segundo um crédito, obrigando-se o R. a restituir à A... a quantia mutuada, acrescida de juros, em prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia um de cada mês.
2. Desde o dia 12.1.2022 que o R. não efectuou mais qualquer pagamento referente às prestações que tinha que liquidar relativamente ao referido contrato, encontrando-se em dívida €4.604,71 euros.
3. O A. teve despesas com a recuperação de dívida de € 200.”
A Apelante pretende que se julgue provada a matéria da alínea 1 dos factos provados. Tal que resulta com clareza das suas alegações na medida que apenas quanto a essa alínea enumera as razões da sua discordância e indica a prova que contribuirá, a seu ver, para a alteração da decisão – cfr. artigo 640.º, número 1 b) e c) do Código de Processo Civil.
A motivação do recurso sustenta-se na defesa de que, muito embora não tenha sido manuscrita a assinatura do Réu no contrato objeto dos autos, a mesma foi feita eletronicamente de forma certificada, pelo que deve considerar-se provada a celebração entre as partes do contrato que constitui causa de pedir da ação.

Da sentença recorrida resulta a seguinte motivação da matéria de facto: “Apesar de o A. ter juntado aos autos diversos documentos cujo propósito se destinava a comprovar a concessão de crédito ao R. e que se encontram juntos a fls. 57 a 59 (as supostas condições gerais e particulares do contrato de crédito celebrado entre o A. e o R., o suposto comprovativo de transferência para o IBAN do R. e diversa correspondência alegadamente trocada com o R.) e ter junto aos autos também depoimento escrito prestado por BB, gestor de recuperação judicial a prestar a sua actividade para o A., nenhum desses elementos de prova foram suficientes para fazer prova dos factos alegados pela A.

Com efeito, nenhum dos documentos juntos pelo R. tem aposta a assinatura manuscrita do R. (o local destinado à assinatura do devedor está em branco – fls. 66 verso); existe unicamente um documento designado “certificado”, correspondente a uma alegada “certificação electrónica certificada” com a data de 21.6.2021 e onde consta o nome “AA” (fls. 67), mas cuja autoria o Tribunal desconhece totalmente e desconhece a que acto se reporta, porque não tem qualquer ligação com o documento antecedente.

Por outro lado, a testemunha BB (cujo depoimento escrito se encontra junto a fls. 80-81), funcionário da A... declarou que tem conhecimento do contrato de concessão de crédito celebrado entre a A... e o R., podendo afirmar sem margem para dúvidas que o R. é mutuário, por ter verificado que no contrato “foi aposta a assinatura pelo seu punho e por sua vontade livre e esclarecida”, mas o certo é que nem as condições gerais, nem as condições particulares que a A. juntou aos autos contém qualquer assinatura feita pelo punho do R. e, como tal, o depoimento escrito desta testemunha não merece qualquer credibilidade.

Uma vez que os documentos não contêm a assinatura do R., não gozam da força probatória que resulta do artigo 376.º do C.Civil, sendo que, como se disse, o depoimento da testemunha BB, não merece credibilidade, porque nenhum dos documentos que a A. juntou contém a assinatura feita punho do R.
Os demais documentos juntos não são da autoria do R., nem contêm a sua assinatura, pelo que não comprovam que o R. celebrou com a A. qualquer contrato de crédito, nem que a A. fez qualquer transferência de quantia monetária para o R..”.
A Recorrente sustenta que o certificado de contratação eletrónica junto aos autos identifica o Recorrido resultando desse documento as suas verificações notarial e eletrónica. Argumenta que assinatura do Réu foi feita por sistema de “One-time password” ou seja, mediante o envio de um código ao seu signatário que o mesmo teve de introduzir num intervalo de tempo limitado, pelo que se trata de assinatura verificada por um certificado qualificado tendo força probatória plena nos termos “(…) do artigo 376.º alínea i) e ii) do Código Civil, artigo 25.º, n.º 2, do Regulamento eIDAS e do artigo 3.º, do Regime Aplicável à Identificação e aos Documentos Eletrónicos”.
Cumpre reapreciar a prova indicada pelo recorrente, nos termos do artigo 640.º número 1 b) do Código de Processo Civil, podendo ainda vir a alterar-se a decisão proferida sobre a matéria de facto também com base nos demais elementos constantes dos autos, nos termos do artigo 662.º, número 1 do mesmo diploma.
O documento número 1, constitui o contrato cuja celebração entre as partes é objeto do presente recurso e é constituído por vinte e uma páginas de que constam:
- As cláusulas do contrato em que, no essencial, a A... declara que disponibilizará na conta bancária a indicar pelo Réu o valor de 4500 € e este se obriga a devolver tal quantia em prestações mensais;
- A informação de que a adesão ao contrato é feita da seguinte forma: “A proposta pode ser apresentada à distância ou com intervenção do Intermediário de Crédito, sendo que a adesão ao contrato é feita mediante o envio à A... da proposta de contrato de crédito e Autorização de Débito Direto devidamente preenchidas, datadas e assinadas pelo consumidor, juntamente com a documentação necessária para a análise do pedido. A A... analisa o pedido e comprova as informações prestadas pelo consumidor para avaliação da sua solvabilidade, reservando-se o direito de confirmar ou recusar a aceitação do crédito. Adverte-se expressamente que a não prestação das informações ou a não entrega dos documentos solicitados, bem como a prestação de informações falsas ou desatualizadas pelo Cliente, tem como efeito a não concessão do crédito ou, sendo o caso, o não aumento do montante total do crédito. O documento número 4 é uma fotografia de parte de uma página A4, de autoria desconhecida de que consta a identificação de uma conta bancária com a indicação de que o seu titular é o aqui Réu”;
- Um formulário preenchido por meio informático de que constam as condições gerais do contrato e os dados pessoais do Réu como sejam o seu nome, morada, número de cartão de cidadão, o seu número de identificação fiscal, endereço eletrónico, número de telemóvel, identificação da entidade patronal e número de telefone do local de trabalho bem como valor mensal da sua retribuição. Abaixo da identificação do telemóvel do Réu consta a seguinte menção “O telemóvel é o que será utilizado para a autenticação forte do CLT”.
- Um quadro destinado às assinaturas dos contratantes em que se encontra digitalizada uma rúbrica manuscrita no local em que identifica a A... e de que não consta qualquer assinatura manuscrita no lugar destinado ao devedor/ordenante.
- Nos locais a tanto destinados encontra-se identificado o banco e o número IBAN da conta bancária do devedor;
- A final encontra-se a seguinte menção relativa à identificação do contrato: “Proposta de contrato de Crédito número 0…06_21V2” e a data da sua assinatura: 21/06/2021.”
- Na lateral direita de todas as 20 páginas do contrato encontra-se a seguinte menção: “B... Guid: 001001-...01-...29.par - Date: 2021/06/21 T 13:56:41 WEST +0100”;
- Todas as páginas do contrato têm, no canto inferior direito, um carimbo circular com as menções “Documento certificado” e “B...”; e,
- Na sua vigésima primeira página 21 consta o título “Certificado de Contratação Eletrónica Certificada” seguido do seguinte texto: “B..., SL, (…) sociedade que atua no mercado de prestador de serviços de confiança, gerando provas através de interposição, certifica que todos os dados recolhidos no presente documento correspondem à contratação eletrónica certificada entre as partes abaixo indicadas, com data criação 21/06/2021 13:56:41 cujo identificador único é ...01-...01-...29, tendo-se procedido ao depósito notarial da função hash do documento”. Seguem-se as identificações de Autora e Réu sendo a deste feita por indicação do nome, número de identificação fiscal, número de telemóvel e email.
Em face do teor deste documento não temos dúvidas de que assiste razão à Recorrente na censura que dirige à sentença recorrida por esta não ter considerado o mesmo bastante à prova de que o Réu celebrou consigo o contrato que serviu de base ao pedido.
Nos termos do disposto nos artigos 374.º e 375.º do Código Civil, a veracidade da assinatura de um documento particular deve presumir-se se não for posta em causa pela parte contra quem o documento é apresentado e se, nos termos das leis notariais, tiverem sido reconhecidas presencialmente. O artigo 377.º do Código Civil equipara a força probatória dos documentos particulares autenticados à dos documentos autênticos.
A lei vem reconhecendo a outras entidades, além dos notários, competência para atestar a autoria de documentos particulares, como sejam as câmaras de comércio reconhecidas nos termos do DL 244/92 de 29/10, os advogados e solicitadores, e, no que aqui releva, os prestadores de serviços de confiança certificados pelo organismo nacional de acreditação, nos termos do disposto nos artigos 8.º a 10.º do DL 12/2021 de 9 de fevereiro que assegura, na ordem jurídica interna, a execução do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno.
Nos termos do artigo 25º do referido Regulamento EU 910/2014 estipula-se que: “1. Não podem ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a uma assinatura eletrónica pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico ou de não cumprir os requisitos exigidos para as assinaturas eletrónicas qualificadas. 2. A assinatura eletrónica qualificada tem um efeito legal equivalente ao de uma assinatura manuscrita. 3. As assinaturas eletrónicas qualificadas baseadas em certificados qualificados emitidos num Estado-Membro são reconhecidas como assinatura eletrónica qualificada em todos os outros Estados-Membros.”.
A B..., SL é uma sociedade de direito espanhol que consta da lista que a Comissão Europeia publicita no seu endereço eletrónico, em cumprimento do artigo 22º, número 3 Regulamento 910/2014 do Parlamento Europeu.
Assim, sendo a empresa certificadora da veracidade da assinatura digital do Réu uma das empresas acreditadas para o efeito de acordo com o referido Regulamento e estando a identificação do documento que consta da declaração de certificação em perfeita consonância com a aposição em cada página do mesmo código de identificação, não pode duvidar-se de que foi o Réu quem assinou eletronicamente tal documento.
Acresce que foram juntos aos autos três documentos que (salvo se tivesse ocorrido uso indevido dos mesmos em consequência de furto ou outra causa, o que não foi alegado nem há por que supor que tenha ocorrido), apenas o Réu poderia ter fornecido à Autora: uma cópia do seu cartão de cidadão e outra do seu recibo de vencimento e um print da página eletrónica da Autoridade Tributária com informações sobre os seus dados fiscais.
Por último cumpre acentuar que a Autora dispunha do IBAN identificador da conta bancária à ordem do Réu onde fez o depósito da quantia mutuada e de onde provieram, também, os pagamentos mensais que o mesmo fez em cumprimento do contrato durante seis meses – como resulta dos documentos números 3 e 4.
Face à exuberância desta prova e não subsistindo qualquer dúvida de que a assinatura eletrónica certificada é da autoria do Réu, cabe alterar a matéria de facto nos termos requeridos pela Apelante, passando a dar-se como provado que:
1 - A A... e o R. AA celebraram entre si, a 21-06-2021, um contrato cujo teor é o documento número 1 junto com o requerimento de 23-01-2024 e se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual a primeira entregou ao segundo a quantia de 4.500 € obrigando-se este a restituir tal quantia, acrescida de juros remuneratórios, em 72 prestações mensais e sucessivas de 85,54€ sendo 83,22€ de capital e juros e 2,32 € destinados ao pagamento do seguro de crédito, vencendo-se as referidas prestações no dia um de cada mês.

*
Perante a prova da celebração com o Réu do contrato que a Autora invocou cabe apreciar se deve ser revogada a decisão recorrida.
Muito embora o mesmo tenha sido apelidado pelas partes contratantes como de “concessão de crédito” do que ficou provado resulta que Autora e Réu celebraram entre si um contrato de mútuo, definido no artigo 1142.º do Código Civil como “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Está provado que a Autora cumpriu a sua obrigação de entrega da quantia mutuada e a mesma alegou que o Réu, a partir de 12-01-2022 deixou de proceder ao pagamento das prestações mensais devidas.
Dado que o cumprimento da obrigação constitui facto extintivo do direito invocado pela devedor, cabia ao Réu a prova de que cumpriu a obrigação a que se vinculou por via do contrato, que era a de pagamento das prestações destinadas a restituir à mutuante a quantia que a mesma lhe entregou e os juros remuneratórios acordados, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 342º, número 2, 763º, número 1, 1142º e 1145º, e do Código Civil.
Não tendo ocorrido alegação e prova do cumprimento da obrigação de pagamento das prestações vencidas desde 12-01-2022 – data a partir da qual a Autora alega incumprimento – há que apurar qual o valor em dívida pelo Réu já que o contrato, celebrado em 21-06-2021 previa a devolução da quantia mutuada em 72 prestações mensais no valor de 85,54 € cada.
A Autora entende serem-lhe devidas as seguintes quantias: 4.604,71 € de capital, e juros de mora à taxa contratualmente fixada de 11, 50 %, no total de 447,35 €, bem como 200 € decorrentes de despesas administrativas com a recuperação da dívida.
Funda a sua pretensão na alegação de que a falta de pagamento das prestações mensais vencidas importa o vencimento das restantes e de que lhe assiste “(…) o direito de resolver o contrato e exigir o pagamento das prestações vencidas acrescidas de juros moratórios e das prestações vincendas, resolução essa que para todos os efeitos legais, se requer”.
Tendo em conta a referida data de celebração do contrato (junho de 2021) haviam-se vencido (e foram pagas) seis prestações entre julho e dezembro de 2021 tendo ficado por pagar as que se venceram a partir de janeiro de 2022. À data da entrada em juízo do requerimento de injunção -12-12-2022 -, portanto, estavam apenas vencidas e não pagas 12 prestações mensais.
Do clausulado do contrato de mútuo -, que se julgou provado e se deu por reproduzido -, resulta que as partes estipularam, na cláusula 7ª, que a falta de pagamento da prestação mensal importaria o pagamento de juros moratórios a uma sobretaxa anual de 3% a acrescer à taxa de juros remuneratórios e uma comissão de 4% destinada a suportar a recuperação dos valores em dívida a que acresce o valor do imposto de selo de 4%. Ali se estipulou, ainda, que ocorreria incumprimento definitivo do contrato em caso de não pagamento de, pelo menos, duas prestações sucessivas desde que o valor em conjunto das prestações em falta excedesse 10% do montante total do crédito e que o consumidor, depois de avisado, não efetuasse o pagamento em 15 dias de calendário.
Nos termos do artigo 805.º, número 2 alínea a) do Código Civil devem julgar-se vencidas as prestações mensais para que as quais as partes estipularam contratualmente uma data certa de pagamento (no caso, foi estipulado o primeiro dia de cada mês) e, como tal, desde a data de cada um dos seus vencimentos são devidos juros de mora pelo atraso no cumprimento das prestações mensais vencidas.
Já quanto às prestações que não estavam ainda vencidas (por decurso do prazo certo fixado para o seu pagamento) em janeiro de 2022, o devedor não podia ser considerado em mora sem interpelação para o pagamento das mesmas por banda da credora, nem deve considerar-se ter operado automaticamente a antecipação do seu vencimento.
As partes estipularam os requisitos para que se pudesse considerar ter ocorrido incumprimento definitivo do contrato. Ora, a Autora não alegou no requerimento inicial ter interpelado o Réu para o pagamento das prestações vincendas, nem ter exercido o direito de resolver o contrato por comunicação ao devedor. Tampouco alegou a verificação dos requisitos cumulativos contratualmente estipulados para que se considerasse definitivamente incumprido o contrato, desde logo por não ter, sequer, alegado que interpelou o Réu para pagar em 15 dias as prestações em dívida. Apesar de no requerimento de prova apresentado a 23-01-2024 a Autora ter vindo juntar os documentos números 6 a 11 com vista à prova de comunicações que dirigiu ao Réu antes da propositura da ação com vista à cobrança da quantia em dívida e à comunicação da resolução do contrato, tais factos, essenciais à sua pretensão, não foram por si alegados pelo que, nos termos do previsto no artigo 5º, número 1 do Código de Processo Civil não podem ser tidos em conta pelo Tribunal.
Assim, muito embora a comunicação da resolução constante do requerimento inicial possa considerar-se feita na data da citação (ficta) do Réu, não estando verificados os requisitos contratualmente estabelecidos para a mesma, não pode a Autora pretender a condenação do Réu nas quantias que tinham sido previstas contratualmente para o caso de resolução.
Sucede que a Autora também sustenta a sua pretensão na afirmação de que a falta de pagamento das prestações vencidas importa o vencimento das restantes.
Há, assim, que apurar se pode afirmar-se, como fez a Autora, que ocorreu o vencimento automático de todas as prestações a partir do não pagamento da prestação mensal vencida em janeiro de 2022.
Nos termos do previsto no artigo 781º do Código Civil, “Se a obrigação puder ser realizada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Para a resolução desta questão importa ter presente o seguinte teor, acima dado por reproduzido, do clausulado contratual dado por provado, de cuja cláusula 7ª resulta o seguinte:
“Sobretaxa anual máxima permitida por lei, que, neste momento, é de 3% a acrescer à taxa de juros remuneratórios (TAN) aplicável sobre os valores de capital e juros remuneratórios capitalizados em atraso e durante o tempo em que se verifique tal atraso.
A falta de pagamento da prestação mensal no dia de vencimento importa o cálculo de juros moratórios.
A falta de pagamento da prestação mensal no dia de vencimento terá custos adicionais para o consumidor sendo ainda aplicada comissão por atraso no pagamento da prestação (para recuperação dos valores em dívida) – não incluída na TAEG – comissão de 4% calculada sobre o valor de capital e juros remuneratórios de cada prestação vencida e em atraso, com o limite mínimo de €12,00 e máximo de €150,00. Estes valores serão atualizados anualmente mediante portaria do Governo a publicar até 30 de Novembro do ano anterior; essa atualização repercutir-se-á no Preçário da A... sem necessidade de notificação aos devedores. Ao valor das comissões acresce o Imposto do Selo de 4%.
Em caso de incumprimento definitivo, a A... mantém o direito de exigir do Cliente, o capital e os juros remuneratórios (e moratórios) em divida, à data da resolução, os impostos, seguros, comissões ou encargos, indicados nas Condições Gerais do Contrato e que estejam também em divida, bem como os juros remuneratórios, até efetivo pagamento, incidentes sobre o capital que estiver em divida, acrescidos da sobretaxa de juros moratórios.
Haverá Incumprimento definitivo quando, cumulativamente i) se encontrar em falta o pagamento de, pelo menos, duas prestações sucessivas, desde que o valor em conjunto das prestações em falta exceda 10% do montante total do crédito e (ii) se o consumidor, depois de avisado, não efetuar o pagamento em 15 dias de calendário.”.
O artigo 781.º do Código Civil consubstancia uma das situações legalmente previstas para a perda do benefício do prazo de cumprimento pelo devedor e em que, consequentemente, o credor pode exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação.
Antunes Varela, em anotação a este preceito[1] afirma que expressão “vencimento imediato” significa tão-só exigibilidade imediata, não podendo o referido preceito ser interpretado no sentido de que se vencem imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes. De acordo com tal autor[2] o devedor não passa a responder pelos danos moratórios desde o momento em que não é paga uma das prestações.
Esta interpretação, que como veremos tem muitos outros defensores, resulta da análise histórica da redação deste preceito.
No Código Civil de Seabra, o artigo 742º estipulava que: “Nas dívidas, que têm de ser pagas em prestações, a falta de pagamento de uma destas dá ao credor o direito de exigir o pagamento de todas que ainda se devem”.
Dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966 resulta que era a seguinte a redação proposta para os seus autores para o artigo 781º: “1. No caso de se determinar que uma dívida, que deveria, em princípio, ser satisfeita de uma vez, será paga em prestações, a falta de pagamento de uma destas dá ao credor o direito de exigir imediatamente o pagamento de todas as que ainda se devem.
2. O credor, que pretenda fazer valer este direito, deve fixar, ou fazer fixar judicialmente, um prazo razoável ao devedor para que este efetue a prestação ou prestações vencidas com a advertência de que, não o fazendo ele assim, reclamará o pagamento de todas as que ainda se devem. Ressalvam-se a hipótese de a falta da prestação em questão ser de tal modo significativa que, mesmo que o devedor viesse a fazê-la no prazo a fixar, não desapareceria a situação de perigo no que respeita à realização pontual das prestações futuras, ou as demais hipóteses em que, segundo o regime geral da mora do devedor, se dispensa aquela fixação de prazo.”
No anteprojeto do Código Civil aprovado após a sua primeira revisão ministerial a redação acolhida foi já a seguinte: “Se a dívida puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de pagamento de uma delas confere ao credor o direito de exigir o imediato pagamento de todas.”.
Já a segunda revisão ministerial introduziu uma redação quase idêntica à que veio a ser aprovada: “Se a dívida puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas.”.
Apenas nesta revisão surge a opção pelo uso da expressão vencimento em substituição de “exigibilidade”.
Dos trabalhos preparatórios do Código Civil[3] resulta que, segundo Vaz Serra, “O fundamento de uma disposição desta natureza deve ser o de que, faltando ao pagamento de uma prestação, o devedor faz nascer a suspeita de que não fará as outras, isto é, cria uma situação de perigo quanto ao cumprimento futuro da obrigação, quer porque está ou se tornará insolvente, quer porque, independentemente disso, não é pontual na satisfação das prestações.
Não se trata apenas de conferir ao credor um meio cómodo de obter o cumprimento integral, dispensando-o de proceder judicialmente contra o devedor por causa de uma das prestações que se forem vencendo; mas de o acautelar contra o risco de não cumprimento definitivo ou pontual do devedor.”.
Na mente do autor do projeto estava, pois, a intenção de acautelar o risco do credor dando-lhe a opção de exigir antecipadamente o pagamento de prestações ainda não vencidas e não a de fazer operar ope legis o vencimento das prestações em dívida, o que o próprio credor pode não ter interesse em fazer.
Também Pessoa Jorge[4] defende, na interpretação deste artigo, que se não considere que o mesmo prevê uma antecipação do vencimento, solução que, afirma, “(…) pode dar origem a consequências injustas, como seria a de o credor vir mais tarde a reclamar juros de mora sobre todas as prestações vincendas desde a data da prestação não paga. Contra esta interpretação pode invocar-se, não só o disposto no artigo 805º do Cod. Civ., mas também a circunstância de o credor poder preferir manter os prazos iniciais das prestações, em reclamar o pagamento imediato de toda a dívida”.
Este entendimento claramente maioritário na doutrina[5] tem sido seguido pela Jurisprudência dos tribunais superiores que, quase unanimemente, vem afirmando que “No art.º 781º do C. Civil não se consagra um vencimento automático das prestações ainda não vencidas, apenas se admite a possibilidade de o credor exigir o seu pagamento imediato, deixando o devedor de beneficiar do prazo que se encontrava estabelecido para a sua satisfação. Radicando a ratio da excepcionalidade consagrada do art.º 781º do C. Civil, sobretudo, na quebra da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fraccionado no tempo, provocada pelo incumprimento parcial do pagamento de algumas dessas prestações, justifica-se que o vencimento das demais prestações fique dependente da avaliação que o credor faz da capacidade económica do devedor e da sua vontade em satisfazer as restantes prestações, podendo, inclusive, optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.”[6]
De acordo com esta interpretação e conjugando-se o disposto no artigo 781.º com o artigo 805.º número 1 do Código Civil, o credor deve manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações através da interpelação ao devedor que pode ser feita extrajudicialmente ou judicialmente através, nomeadamente e no que aqui releva, da citação para os termos da ação nos termos do previsto no artigo 610º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil.
Todavia, a partir da citação edital do Réu, ocorrida em 22-06-2023, à luz do já referido artigo 610º, número 2 b) do Código de Processo Civil deve considerar-se vencida toda a dívida, pois nessa data ocorreu a interpelação judicial ao pagamento da totalidade das prestações em dívida que o credor optou por exigir.
Nos termos do artigo 610.º, números 1 e 2 a) do Código de Processo Civil o facto de a dívida não ser ainda exigível na sua totalidade à data da propositura da ação não impede que se conheça da obrigação e o Réu deve ser condenado a satisfazer a prestação que se vença no decurso da ação. No caso, venceram-se, desde a propositura da ação e até à citação do Réu seis prestações mensais (a que acrescem as 12 vencidas antes da entrada do requerimento inicial no Balcão Nacional de Injunções).
Assim, além do capital em dívida a Autora terá também direito ao pagamento de juros pela mora a contar nos seguintes termos:
- quanto às prestações vencidas, os juros de mora ser-lhe-ão devidos desde cada uma das datas certas fixadas para o respetivo vencimento – o primeiro dia de cada mês – e até à data da entrada do requerimento inicial no Balcão Nacional de Arrendamento, já que não foram pedidos juros de mora vincendos; e
- quanto a todas as prestações que se tornaram exigíveis a partir da citação do Réu apenas seriam devidos juros de mora desde essa data, o que, contudo e uma vez mais, a Autora não peticionou tendo liquidado apenas juros vencidos e não peticionando os vincendos.
*

Cabe, tendo presente tais considerações, calcular o valor em dívida.
A Autora liquidou a quantia em dívida no valor de 4.604,71 € de capital, com base em cálculo que não discrimina.
As prestações vencidas, por decurso do respetivo prazo, até à comunicação, por via da citação, da exigibilidade das demais (vincendas), são devidas na sua totalidade (capital, juros remuneratórios e prestação pelo seguro) ou seja à razão de 85, 54 € mensais num total de 1.539,72 € (18 prestações x 85, 54 €).
Quanto às prestações cujo vencimento antecipado foi comunicado ao Réu por via da citação é devido apenas o valor do capital, já que não há fundamento para, quanto a elas, se condenar no pagamento de juros remuneratórios (o que estava apenas estipulado no contrato para o caso de resolução por incumprimento) conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/2009 de 5 de maio, não podendo o credor pretender a antecipação do pagamento e, em simultâneo, receber os juros destinados a remunerar a disponibilidade do capital que, com o vencimento antecipado cessará. Como acima afirmado, caso o credor pretenda continuar a auferir juros remuneratórios bastar-lhe-á não exigir o pagamento antecipado das prestações vincendas que, como concluímos, não se vencem ope legis.
Tendo sido mutuada ao Réu a quantia total de 4.500 € a pagar em 72 prestações é de 62,50 € o valor de capital que cada uma delas se destinava a pagar (4.500 €: 72 prestações)[7].
Tem, pois, a Autora o direito a receber do Réu o valor de 3000 € decorrente das 48 prestações de capital cujo vencimento antecipado operou por via da citação do Réu, no valor de 62, 50 € cada.
Assim, o valor total do capital e juros remuneratórios em dívida à Autora é de 4.539,72 €, assim calculado: 1.539,72 € + 3000 €.
*
A Autora deduziu, ainda, a pretensão de ser ressarcida pela mora no pagamento das prestações do mútuo calculando os respetivos juros no valor total de 447,53 €. Tal montante foi calculado tendo por base o vencimento de juros remuneratórios sobre todas as prestações vencidas e as que se venceriam até ao final do contrato bem como no vencimento de juros moratórios sobre todas elas, por estar contratualmente prevista essa consequência para o caso de resolução do contrato por incumprimento.
Não é esse, como se viu, o fundamento para a condenação do Réu nas prestações que se venceriam após a entrada da petição inicial em juízo.
Nessa data apenas se tinham vencido 12 prestações mensais não pagas. A Autora não deduziu pedido de condenação do Réu no pagamento de juros de mora vincendos, pelo que apenas importa calcular os devidos até à data da entrada da petição inicial em juízo, isto é, até 12-12-2022. Nessa data estavam em dívida doze prestações mensais no valor de 85,54 € cada, apenas quanto a elas se podendo entender que existia mora do devedor, nos termos do artigo 805º, número 2 a) do Código Civil, por se tratarem de prestações com prazo certo.
A taxa de juro contratualmente fixada para a mora é a que resulta da cláusula 7ª do contrato ali se prevendo a aplicabilidade da sobretaxa anual de 3% sobre a TAN. A Autora deduziu pedido de juros de mora a calcular a uma taxa anual de 11, 5% ao ano, valor esse que se contém dentro dos limites máximos previstos no contrato (TAN de 9,55% + 3%).
Estava, assim, em dívida, o montante total 57,72 € a título de juros de mora vencidos à data da entrada em juízo do requerimento inicial, assim calculados:

Prestação vencida emValor da prestaçãoTaxa de juroJuros vencidos
01-01-202285, 54 €11, 5%9, 30 €
01-02-202285, 54 €11, 5%8, 46 €
01-03-202285, 54 €11, 5%7, 71 €
01-04-202285, 54 €11, 5%6, 87 €
01-05-202285, 54 €11, 5%6,06 €
01-06-202285, 54 €11, 5%5,23 €
01-07-202285, 54 €11, 5%4, 42 €
01-08-202285, 54 €11, 5%3, 58 €
01-09-202285, 54 €11, 5%2, 75 €
01-10-202285, 54 €11, 5%1, 94 €
01-11-202285, 54 €11, 5%1, 10 €
01-12-202285, 54 €11, 5%0, 30 €
TOTAL: 57, 72 €


Quanto às prestações ainda não vencidas à data da entrada da ação em juízo, não tendo a Autora peticionado a condenação no pagamento de juros vincendos (pois apenas liquidou juros vencidos com base na resolução do contrato, causa de pedir que não procede), não pode condenar-se o Réu no seu pagamento.

*
Quanto às despesas “administrativas para recuperação da dívida” - que a Autora liquida num total de 200 € -, as partes fixaram contratualmente o valor devido para ressarcimento desse dano.
O artigo 810.º do Código Civil permite às partes fixar por acordo o montante da indemnização exigível para ressarcir um determinado dano.
Nos termos da acima transcrita cláusula 7ª do contrato ficou acordado que tais despesas seriam ressarcidas por pagamento de uma comissão de 4% calculada sobre o valor de capital e juros remuneratórios de cada prestação vencida e em atraso, com o limite mínimo de € 12,00 e máximo de € 150,00 a que acresce Imposto de Selo de 4%. O valor do capital e juros remuneratórios de cada prestação vencida e em atraso à data da citação do Réu era de 1.539,72 € (85,54 € x 18 prestações[8]) 4% deste valor corresponde a 61,58 €.
Tendo em conta o limite máximo fixado contratualmente para ressarcimento destas despesas, a Autora vê, pois, limitado o seu direito de ressarcimento por despesas com a cobrança do seu crédito ao valor máximo de 61,58 €.
Nestes termos, a Autora tem direito a receber do Réu o valor total de 4.659, 02 € assim calculado: 4.539,72 € relativos a capital e juros remuneratórios + 57,72 € de juros moratórios vencidos + 61,58 € para ressarcimento das despesas com a cobrança da dívida).




V – Decisão:
Julga-se a apelação procedente e, em consequência revoga-se a sentença e condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de 4.659,02€, absolvendo-se o mesmo do demais pedido.

Custas da ação e do recurso pelo Recorrido nas proporções dos respetivos decaimentos, nos termos do previsto no artigo 527.º, número 1 do Código de Processo Civil.





Porto, 07-10-2024

Ana Olívia Loureiro
Jorge Martins Ribeiro
Carlos Gil


___________________________
[1] Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª edição, Volume II, página 32.
[2] Das Obrigações em Geral, Almedina, 7.ª edição, Volume II, páginas 53 e 54.
[3] BMJ número 98, página 41, artigo 43.
[4] Lições de Direito das Obrigações, Lisboa, Associação Académica, Volume I, página 317.
[5] Vg., também no mesmo sentido, Pedro Romano Martinez, in Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP 2021, pág. 986; Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, páginas 940 e 941.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-09-2022, no processo 2417/16.0T8VIS-B.C1 disponível em TRC2417/16.0. A título meramente exemplificativo, vejam-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2023 no Processo 4288/21.5T8VNF-AG1.S1, disponível em STJ4288/21.5, e de 04-07-2024, no processo 4871/22.1T8SNT-A.L1.S1 disponível em STJ4871/22.1T8SNT e da Relação de Lisboa, de 06-02-2024, no processo 4871/22.1T8STN-A.L1.-7 disponível em TRL 4871/22.1.
[7] Valor a que também se chega por outra via: resultando do contrato que o montante total do custo do crédito seria de 6.110, 64 €, sendo 118, 80 € relativos a imposto de selo, verifica-se que o valor total de juros remuneratórios seria de 1491,84 € assim calculados: (6110, 64 €- 118, 80 €) – 4.500 € = 1.491,84€. Do que resulta que em cada uma das prestações previstas no contrato (no valor de 83, 22 € cada, sem o encargo correspondente ao seguro) a parte relativa a juros remuneratórios corresponde a 20, 72 € (1491, 84 €: 72 prestações) sendo o valor destinado a restituir o capital de 62,50 € mensais (83.22. €- 20, 72 €).
[8] As demais venceram-se antecipadamente por opção da credora pelo que não pode considerar-se estarem em atraso, já que foi após a citação da Ré e do consequente conhecimento (ficto) pelo mesmo da declaração da Autora no requerimento inicial que se tornaram exigíveis.