Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4871/22.1T8SNT-A.L1 .S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
PRAZO
CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO ANTECIPADO
INCUMPRIMENTO
JUROS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CITAÇÃO
INTERPELAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CONFISSÃO
Apenso:
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Estando em questão no processo (embargos de executado) a prescrição da quantia exequenda, não consubstancia nulidade de sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC) a apreciação da data do vencimento antecipado da obrigação para efeitos de contagem, de harmonia com o ponto II do AUJ nº 6/2022, do início do prazo de prescrição.

II. O vencimento antecipado da dívida e respetiva data não consubstanciam factos, suscetíveis de confissão, mas sim conceitos ou valorações de natureza jurídica que se hão-de retirar de factos que as suportem.

III. O disposto no art. 781º do CC consubstancia uma faculdade concedida ao credor, que depende da interpelação do devedor, não sendo de verificação automática ou imediata, salvo se, tendo a norma natureza supletiva (e não imperativa), esse vencimento automático for convencionado entre as partes.

IV. O acordo das partes de que, em caso de incumprimento de alguma das prestações, o credor “poderá” considerar imediatamente vencidas todas as demais, não dispensa a necessidade de interpelação do devedor quanto a esse vencimento antecipado.

V. Não se provando a existência de interpelação extrajudicial anterior, tem-se o devedor como interpelado do vencimento antecipado com a interpelação judicial decorrente da execução, aí se iniciando o prazo de prescrição (sem prejuízo da prescrição das prestações, já vencidas, nos termos do ponto I do AUJ nº 6/2022).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., apresentou, em 10 de Março de 2022, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra AA e, BB, CC e DD, para cobrança da quantia exequenda no valor global de 143 495,96 €, com base em título executivo constituído por escritura pública denominada de Mútuo com Hipoteca, celebrada a 25 de Fevereiro de 2009, mediante a qual emprestou aos executados CC e DD, a importância de 100 000,00 €, pelo prazo de 15 anos, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título, tendo sido constituída, para garantia das obrigações decorrentes do empréstimo, uma hipoteca a favor do exequente sobre a fração autónoma que identificam, a qual foi adquirida pelos executados AA e BB, conforme aquisição registada pela AP. ..66 de 2012/04/11.

A 4 de Abril de 2022 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre a fração autónoma acima mencionada.

Citados os Executados a 07.07.2022 1, os mesmos, a 09.05.2022, deduziram oposição à execução mediante embargos de executado invocando, no que ora poderá relevar, a prescrição da dívida exequenda, para tanto alegando, em síntese, que: o prazo de amortização do empréstimo era de 15 anos a contar de 25 de Fevereiro de 2009, em prestações mensais constantes, de capital e juros, tendo ficado estipulado que a Caixa pode considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, entre outras situações, no caso de incumprimento pela parte devedora, ou por qualquer dos restantes contratantes, de qualquer obrigação do contrato; no requerimento executivo a exequente invoca que os executados CC e DD interromperam o pagamento das prestações em 25/01/2011; a Caixa nunca notificou os embargantes/executados CC e mulher da resolução do contrato de mútuo, exigindo de imediato o pagamento da totalidade da dívida (capital e juros), o que não era obrigada, face ao disposto na cláusula 15º n.º 1 do Documento Complementar; a citação para a ação executiva ocorreu no dia 07/04/2022; o prazo de prescrição é, nos termos do art.º 310º, e) do Código Civil, de 5 anos; tendo-se vencido a totalidade da dívida no dia a 25/01/2011, sem que a embargada tenha exigido imediatamente a totalidade da dívida, o que apenas fez decorridos mais de 11 anos sobre o seu vencimento, verifica-se a sua prescrição. Os executados AA e mulher adquiriram, por compra, aos executados CC e mulher, a fração autónoma objeto da penhora, sendo que a hipoteca se extingue pela extinção da obrigação a que serve de garantia.

Pedem que seja julgada procedente a exceção de prescrição, com a sua absolvição do pedido e declarada extinta também a hipoteca registada a favor da embargada Caixa Geral de Depósitos, S. A., pela Apresentação n.º ..38º, de 19/02/2009, da fração autónoma acima identificada; para o caso de tais pedidos serem julgados improcedentes, que seja reconhecida a inexequibilidade do documento n.º 1 dado à execução ou, assim se não entendendo, que era necessário previamente à instauração desta execução que a embargada interpelasse cada um dos executados a resolver o contrato de mútuo bancário e a declarar vencida a totalidade das prestações ainda não pagas, para que tal contrato se tornasse exequível, o que não aconteceu; assim não sucedendo, sempre a execução só deverá prosseguir em relação à dívida de capital, acrescida apenas dos juros moratórios que se venceram, dia a dia, nos últimos 5 anos, pois, todos os juros anteriores se encontram extintos por prescrição, e bem assim os juros da hipoteca, ressalvados os 3 anos previstos no art.º 693º n.º 2 do Código Civil.

Em 16 de Maio de 2022 foi proferido despacho que admitiu liminarmente os embargos de executado e ordenou a notificação do exequente para contestar (cf. Ref. Elect. .......40).

A exequente contestou impugnando parcialmente a matéria de facto alegada, mormente quanto à falta de interpelação para o pagamento integral da divida e à prescrição, mais argumentando, em síntese, que: o prazo de prescrição é de 20 anos, que ainda não decorreu, pois que face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte, vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato, sendo que desde a interrupção do pagamento das prestações, na data de 25/01/2011, pelo que, considerando-se vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável ao montante total é o de 20 (vinte) anos; assim, mantém-se ativa a hipoteca registada a favor da embargada, sobre o imóvel penhorado; o incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das suas obrigações, aí se incluindo o pagamento atempado dos juros, implica automaticamente o vencimento de toda a dívida, o que sucedeu.

Pugna pela improcedência dos presentes embargos de executado e prosseguimento da execução.

Em 27 de Fevereiro de 2023, realizou-se audiência prévia no decurso da qual os embargantes refutaram a receção das cartas a que o embargado se reporta na contestação.

Em 26 de Junho de 2023 foi proferido despacho a fixar o valor da ação em €143.495,96, bem como despacho saneador-sentença que julgou procedente a exceção da prescrição, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. .......65):

“Termos em que decido julgar procedente a exceção da prescrição da obrigação exequenda e por conseguinte a presente oposição à execução e declarar a prescrição da totalidade do direito de crédito peticionado pela exequente na ação executiva de que dependem estes autos e, em consequência, extinta a execução na sua totalidade quanto aos executados/opoentes CC, DD, AA e BB, não cabendo, contudo, ao Tribunal ordenar o cancelamento da hipoteca.”

Inconformada com o decidido, a embargada Caixa Geral de Depósitos, S. A. interpôs recurso de apelação, pugnando pela procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença e sua substituição por outra que não reconheça a prescrição da obrigação exequenda.

Os embargantes AA e BB também apelaram da sentença, requerendo, a final, que, mantendo-se o decidido quanto à parte que lhes foi favorável, seja aditada ao dispositivo da sentença a ordem de cancelamento da penhora sobre o imóvel e de cancelamento da hipoteca que sobre ele recai, inscrita pela Apresentação n.º ..38 em 19/02/2009, a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A.

O Tribunal da Relação, por acórdão de 06.02.2024, decidiu julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida, que foi substituída pela seguinte: “julgar parcialmente procedente a oposição à execução por embargos de executado, na matéria atinente à excepção de prescrição, declarando prescritas as prestações decorrentes do contrato de mútuo referido no ponto 1. dos factos provados vencidas em datas pretéritas a Março do ano de 2017, devendo a execução prosseguir para cobrança do demais peticionado.”

Inconformados com o assim decidido, vieram todos os embargantes, “na parte em que lhes foi desfavorável”, interpor recurso de revista, tendo formulado as seguintes (desnecessariamente prolixas e repetitivas) conclusões:

“I Do conhecimento pelo Tribunal da Relação de questão nova que não foi suscitada pela embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A. na 1.ª Instância e, consequentemente, não foi apreciada pelo M.º Juiz dessa instância.

1.ª A apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A. nas conclusões 12 a 23 das suas alegações do recurso por ela interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocou uma questão nova que não suscitou na contestação da oposição à execução por embargos, deduzida pelos executados/embargantes ou na audiência prévia, nem título principal nem a título subsidiário, pelo que a mesma não foi apreciada pelo M.º Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

2.ª Os embargantes na petição da oposição à execução por embargos invocaram a prescrição quinquenal prevista na al. e) do art.º 310º do C.C., das prestações mensais, constantes e pré-determinadas do capital mutuado pagável, juntamente com os juros, sendo que a embargada na contestação por ela apresentada, se limitou a invocar o vencimento imediato de todas as prestações, a partir da data do incumprimento pelos devedores (25/01/2011), do pagamento das referidas prestações e a contrapor que o prazo de prescrição era o de 20 anos, nos termos do art.º 309º do C. Civil.

3.ª O Juiz de recurso não reaprecia ou reexamina a causa, antes aprecia ou repondera a decisão sobre a causa, limitando-se às questões decididas pelo tribunal “a quo” salvo às de conhecimento oficioso, sendo que a questão suscitada pela apelante nas conclusões 12 a 23 do recurso por ela interposto, é uma questão nova, razão pela qual o acórdão recorrido não podia conhecer da mesma, nos termos do disposto nos art.ºs 608º por remissão do art.º 663º n.º 2, pelo que, nessa parte, o douto acórdão recorrido, violou o disposto na 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615º, todos do CPC, nulidade essa que se invoca do douto acórdão recorrido, sendo que aos apelados estava vedado requerer nas contra alegações a ampliação do objeto do recurso nos termos do art.º 636º, razão pela qual os apelados não requereram tal ampliação.

II Do vencimento imediato das quotas de amortização do capital mutuado, juntamente com os juros.

4.ª Nos n.ºs 9,10, 12,13, 14e 15do requerimento executivo,a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. invoca expressamente, entre outros factos, os seguintes:

“9 Os executados CC e DD interromperam o pagamento das prestações do empréstimo acima referido em 25/01/2011.

10 Nada mais tendo pago por conta do mesmo.

12 –A situação acima descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga e

13 Consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida à data daquela última prestação paga.

Assim,

14 No empréstimo a que se vem fazendo referência o capital em dívida ascende em €95.335,01.

15 Para além do capital em dívida, são devidas as seguintes quantias:

- Juros de 25/01/2011 a 11/01/2022: €44.368,26

- Comissões: €3.792,69”.

Por outro lado,

5.ª Na contestação da oposição à execução por embargos deduzida pelos executados/embargantes, a exequente invoca expressamente o seguinte:

Art.º

“Face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte, vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato que serve como título executivo”.

Art.º 10º

“Ora, desde a interrupção do pagamento das prestações, na data de 25/01/2011 e considerando vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável é o prazo de prescrição ordinário de 20 anos”

6.ª Os factos transcritos nas conclusões 4.ª e 5.ª que antecedem, foram subscritos pelo ilustre mandatário da exequente/embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A. ao qual esta, como consta da procuração forense junta ao requerimento executivo, conferiu “poderes forenses gerais e, ainda, os poderes forenses especiais para: confessar, transigir ou desistir em qualquer causa em que a Caixa seja interessada”.

Assim,

7.ª Os factos invocados pela exequente/embargada no requerimento executivo (n.ºs 9 a 15) e na contestação (art.ºs 9º e 10º) referidos nas conclusões 4.ª e 5.ª (factos esses que não foram postos em causa pelos executados, salvo quanto à aplicação, ao caso destes autos, do prazo de prescrição de 20 anos), constituem o reconhecimento inequívoco, escrito nesses articulados por mandatário que, nos termos da procuração forense que a Caixa lhe conferiu, está especialmente autorizado a subscrever os mesmos, como se fosse a própria exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. sendo que a Caixa no art.º 9º da contestação afirma expressamente o seguinte: “Face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte, vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato que serve como título executivo”, pelo que aí alegado constitui prova plena contra a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos do art.º 358ºn.º 1 do C. Civil.

8.ª Assim, face ao exposto nas conclusões que antecedem, a exequente/embargada ao considerar vencida a totalidade da dívida, em 25/01/2011, reconheceu inequivocamente que ocorreu o vencimento imediato (antecipado) da mesma, nessa data, pelo que, podia exigir dos executados, sem necessidade de qualquer interpelação, judicial ou extra judicial, nos termos do art.º 306º n.º 1 do C.C., a totalidade da dívida, sendo certo que como resulta da Doutrina (vidé, entre outros, Ana Filipa Morais Antunes in Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade) e da Jurisprudência consolidada (vidé entre muitos outros acórdãos tanto das Relações como do Supremo Tribunal de Justiça, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022), a natureza das quotas de amortização do capital mutuado juntamente com os juros não se altera, aplicando-se às mesmas o prazo de prescrição quinquenal, nos termos do art.º 310º al. e) e não o prazo de prescrição ordinário, de 20 anos, nos termos do art.º 309º, ambos do C. Civil.

Na verdade,

9.ª O vencimento imediato de qualquer dívida pagável em prestações pode ocorrer tanto nos termos do art.º 781º do Código Civil como por outros motivos, designadamente, por acordo das partes no âmbito da liberdade contratual constante do título executivo assinado pelas partes (art.º 405º n.º 1 do C.C.), sendo que esse regime está previsto nas cláusulas 14.ª e 15.ª do Documento Complementar.

10.ª No caso concreto destes autos, a exequente invocou nos art.ºs 9º e 10º da contestação da oposição à execução e o no n.º 12 do requerimento executivo que a situação acima descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida reportada à data da última prestação paga e, no n.º 13 continua: Consequentemente, o de exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida à data daquela última prestação, está a invocar, em seu benefício, o regime jurídico acordado pelas partes nas cláusulas 14.ª e 15.ª do Documento Complementar que faz parte integrante da escritura do contrato de mútuo com hipoteca, celebrado entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e os executados CC DD, celebrado em 25/02/2009, que é o do vencimento imediato da totalidade da dívida exequenda, sem necessidade de interpelação dos mutuários.

11.ª No ponto 6. n.º 1 dos factos assentes, foi dada como reproduzida a escritura pública de mútuo com hipoteca celebrada no dia 25/02/2009 entre a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. e os executados CC e DD, da qual faz parte integrante o Documento Complementar, sendo que deste constam, entre outras, as cláusulas seguintes:

Cláusula 14.ª (Incumprimento/exigibilidade antecipada), que no n.º 1 al. a) se dispõe:

1. A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação deste contrato;

E na

Cláusula 15.ª (Vencimento antecipado), que no n.º 1 al. a) se dispõe:

Fica estabelecido que a parte credora poderá sem necessidade de aviso considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca se e quando:

a) A parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas deste contrato, designadamente, quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação, reforma ou substituição permitida pela parte credora.

Ou seja,

12.ª Nas cláusulas 14.ª n.º 1 al. a) e 15.ª n.º 1 al. a) do Documento Complementar, os contratantes estipularam o benefício do prazo a favor da Caixa no sentido de esta poder desencadear unilateralmente e sem necessidade de interpelação da devedora, considerando imediatamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, no caso de incumprimento pela parte devedora de qualquer obrigação deste contrato, a partir de 25/01/2011 nos termos do art.º 306º n.º 1 do C. Civil.

Daí resulta que o entendimento que a Caixa verteu, designadamente, no art.º 9º da contestação da oposição à execução foi o de que no dia 25/01/2011, “Face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte, vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato que serve como título executivo”, ocorreu o vencimento imediato de todas as prestações, em caso de incumprimento dos devedores.

É esse entendimento que, inequivocamente, também resulta do teor do requerimento executivo e dos art.ºs 9º e 10º da contestação à oposição à execução por embargos.

13.ª No douto acórdão recorrido (veja-se página 13 a partir do 2.º parágrafo) afirma-se que a Caixa ao poder ter considerado antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento sem necessidade de aviso dos devedores (cláusulas 14.ª e 15.ª n.º 1) não pretendeu afastar o regime previsto no art.º 781º do Código Civil, pelo que, para que a exequente pudesse exigir dos executados a totalidade da dívida tinha de proceder à sua interpelação, dando lhes conta de que considera vencidas todas as prestações acordadas, concluindo que, como a exequente não provou que tivesse feito a interpelação dos executados para tal fim por via extra judicial, só com a instauração da ação executiva em 10/03/2022 e com a citação dos executados em 07/04/2022, é que ocorreu a interpelação dos executados, pelo que só se encontram prescritas as prestações que se venceram até Março de 2017.

14.ª Com fundamento nesse entendimento, o douto acórdão recorrido decidiu julgar parcialmente procedente a oposição à execução por embargos de executado, na matéria atinente à exceção de prescrição, declarando prescritas as prestações decorrentes do contrato de mútuo referido no ponto 1. dos factos provados vencidos em datas pretéritas a Março do ano de 2017, devendo a execução prosseguir para cobrança do demais peticionado.

15.ª Os recorrentes, com todo o respeito pela fundamentação e pela decisão vertida no douto acórdão recorrido, permitem-se discordar das mesmas, pelas razões que se passam a indicar:

a) No requerimento executivo, designadamente, nos n.ºs 9 a 13, a exequente invocou que os executados CC e DD interromperam o pagamento das prestações do empréstimo em 25/01/2011 nada mais tendo pago por conta do mesmo e que essa situação determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida reportada à data da última prestação paga;

b) No art.º 9º da contestação da oposição à execução por embargos, a exequente reitera e acentua o já invocado no requerimento executivo, ao referir que “Face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte, vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato que serve como título executivo”.

c) Por outro lado, não é de aceitar o afirmado no douto acórdão recorrido, quando aí se refere que as partes, ao estabelecerem as cláusulas 14.ª e 15.ª do Documento Complementar reproduzidas no ponto 6. dos factos provados, pretenderam remeter para o já estatuído no art.º 781º do C. Civil, pois, ali apenas se consignou que, em caso de incumprimento da parte devedora, a Caixa poderá considerar antecipadamente vencida roda a dívida e exigir o seu imediato pagamento (n.º 1 da cláusula 14.ª) e que a parte credora, sem necessidade de aviso, poderá considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades e executar a constituída hipoteca (cláusula 15.ª).

d) Os recorrentes, com todo o respeito pelo acórdão recorrido entendem que se as partes, no documento que constitui o título executivo – mútuo com hipoteca – quisessem estabelecer o regime do art.º 781º do C.C., ficava desprovido de sentido terem as mesmas inserido as referidas cláusulas 14.ª e 15ª do Documento Complementar, pois, seriam cláusulas inúteis por desnecessárias, uma vez que a norma do art.º 781º do C.C., como é de entendimento consolidado tanto da doutrina como da jurisprudência, é uma norma supletiva, ou seja, só se aplica se as partes não tiverem estabelecido outro regime e exige que o credor interpele o devedor do vencimento imediato das prestações, declarando-lhe que considera vencidas todas as prestações em dívida, o que não foi o caso destes autos, uma vez que a exequente nunca interpelou os executados extrajudicialmente e só o fez judicialmente, através da citação para a ação executiva, em 07/04/2022, pois considerou exigível e vencida a totalidade das prestações na data do incumprimento do contrato de mútuo pelos executados que ocorreu em 25/01/2011.

Por isso,

e) Se as partes introduziram no contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 25/02/2009, as cláusulas 14.ª e 15.ª do Documento Complementar, é porque quiseram expressar isso mesmo e fixar o que nelas está escrito, ou seja, que, por decisão unilateral da Caixa e sem necessidade de interpelar os devedores, aquela podia, nos termos contratuais fixados nas já referidas cláusulas considerar, como o fez, vencidas e exigíveis todas as prestações a partir de 25/01/2011, data em que os devedores deixaram de pagar as prestações a que se haviam vinculado.

16.ª É esse o entendimento que a Caixa assumiu tanto no requerimento executivo, designadamente n.ºs 9 a 15, como nos art.ºs 9º e 10º da contestação da oposição à execução por embargos deduzida pelos executados, tendo invocado nesses articulados o imediato vencimento de todas as prestações, na sequência do incumprimento pelos executados da obrigação do pagamento do capital mutuado com o respetivos juros, que ocorreu em 25/01/2011, pelo que, tendo presente que o pedido e a causa de pedir ficam estabilizados nos termos do art.º 265º do CPC salvo acordo das partes (o que não ocorreu no presente caso), a Caixa não podia, por decisão unilateral sua, alterar o pedido e a causa de pedir, nas conclusões 12 a 23 que apresentou no recurso interposto para o Tribunal da Relação.

No entanto, o Tribunal da Relação, no douto acórdão recorrido, apreciando embora que à prescrição das prestações constantes e sucessivas, de capital e juros, é aplicável não o prazo de 20 anos, mas sim o prazo de 5 anos, nos termos do previsto na al. e) do art.º 310º do C. Civil, não podia conhecer dessa questão nova colocada pela Caixa nas conclusões 12 a 23 das alegações do recurso por ela interposto da douta decisão da 1.ª Instância, pelo que no entender dos recorrentes, o douto acórdão recorrido conheceu matéria que não lhe era dado conhecer, o que constitui excesso de pronúncia, por violação da segunda parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC com a consequente nulidade do douto acórdão recorrido, nessa parte, o que se invoca.

17.ª Como se escreveu no acórdão do STJ de 12/07/2022 proc.º n.º 323/20.9T8OVR-A.P1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro António Barateiro Martins, no sumário desse acórdão, “Ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781º do C.C., das quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art.º 310º al. e) do C.C., prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas vencidas na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a ser exercido art.º 306º do C.C.), o que significa que vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações por força do disposto no art.º 781º do C.C., a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constantes do plano de reembolso gizado pelas partes mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data termo inicial em que foi exercida a faculdade prevista no art.º 781º, ou seja a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações.”

18.ª O referido na conclusão que antecede aplica-se integralmente ao caso concreto destes autos com a diferença de que o vencimento imediato das prestações do capital mutuado pagável com juros, emergente do incumprimento pelos executados da obrigação do seu pagamento ocorreu, não por força do disposto na norma supletiva do art.º 781º do C.C., mas sim por força do estabelecido nas cláusulas 14.ª n.-º 1 al. a) e 15.ª n.º 1 al. a) do Documento Complementar, sendo que esse entendimento sai reforçado quando conjugado com o teor dos art.ºs 9º e 10º da contestação da oposição à execução e dos n.ºs 9 a 15 do requerimento executivo.

Na verdade,

19.ª Do texto do Documento Complementar, designadamente, do teor das cláusulas 14.ª n.º1 al. a) e 15.ª n.º 1 al. a), conjugado com o texto do requerimento executivo, designadamente nos n.ºs 9 a14e,ainda, nos art.ºs 9º e 10º da contestação à oposição à execução por embargos, resulta, com evidente clareza, que a Caixa, aproveitando-se do benefício do prazo constituído a seu favor, decidiu, sem necessidade de interpelar os devedores, declarar vencida toda a dívida (todas as prestações do capital mutuado pagável com juros), em 25/01/2011, pelo que, a exequente, podia a partir dessa data, nos termos do art.º 306º n.º 1 do C.C., ter instaurado, de imediato a respetiva ação executiva para a cobrança da dívida em causa e se o não fez, foi por desleixo ou incúria na defesa dos seus interesses.

20.ª A douta decisão do Tribunal de 1.ª Instância afastou a aplicabilidade do art.º 781º do C.C., no caso destes autos uma vez que as partes estipularam no contrato de mútuo (cláusulas14.ª e 15.ª do Documento Complementar), qual seria a consequência da falta de pagamento das prestações que se fossem vencendo, sendo certo que a norma inserida naquele preceito (art.º 781º do C.C.) tem natureza supletiva, podendo ser afastada pela vontade das partes, o que aconteceu no presente caso.

Por outro lado, o M. º Juiz que proferiu essa sentença refere, na sua fundamentação, invocando o n.º da 1 da al. a) da cláusula 15.ª, sob a epígrafe de vencimento antecipado, que a Caixa considerou vencida a totalidade da dívida, em 25/01/2011, data a partir da qual calculou os juros de mora sobre a totalidade da dívida vencida, pelo que a Caixa ao propor a ação executiva, em 10/03/2022, exigindo o pagamento das prestações acordadas e não pagas, acrescidas dos juros vencidas desde 25/01/2011 alegando o incumprimento dos mutuários, exerceu a faculdade de, sem necessidade de interpelação dos mutuários exigir, imediatamente, o cumprimento de todas as prestações, o que significa que, quando a exequente propôs essa ação, de que dependem estes autos, e os executados foram para ela citados em 07/04/2022, se encontrava prescrito o direito de crédito exequendo relativamente a estes, desde, pelo menos, 25/01/2011.

21.ª Na sequência do recurso de apelação interposto pela embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A., o Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão recorrido julgou parcialmente procedente a oposição à execução, na matéria atinente à exceção de prescrição, declarando prescritas as prestações decorrentes do contrato de mútuo referido no ponto 1. Dos factos provados vencidas em datas pretéritas a Março de 2017, devendo a execução prosseguir para cobrança do demais peticionado.

22.ª O douto acórdão recorrido, fundamentou a sua decisão, de julgar apenas prescritas as prestações do capital mutuado e dos juros, vencidas até Março de 2017, ou seja, 5 anos antes da propositura da ação executiva pela exequente e da respetiva citação dos executados para os termos dessa ação, com o fundamento de as partes, nas cláusulas 14.ª e 15ª do Documento Complementar, não terem pretendido afastar o regime supletivo previsto no art.º781º do C.C., ou seja, só se aplica-se as partes não tiverem acordado nada a esse respeito no contrato de mútuo, sendo certo que, como já se referiu nas conclusões que antecedem, nas cláusulas 14.ª n.º 1 al. a) e 15.ª n.º 1 al. a) do Documento Complementar, ficou estabelecido, entre as partes, o regime jurídico relativo ao vencimento imediato de toda a dívida em caso de incumprimento pelos executados da sua obrigação de pagarem pontualmente as prestações a que se haviam obrigado, para amortização do capital mutuado e respetivos juros.

Veja-se nesse sentido, o acórdão do STJ de 28/05/2017 proferido no proc.º n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 relatado por Sr. Conselheiro Olindo Geraldes onde se refere que “a norma do art.º 781º do Código Civil tem natureza supletiva, pelo que, o credor e o devedor, na âmbito da sua autonomia privada podem acordar num sentido diverso nomeadamente do vencimento automático das prestações vencidas, sem necessidade, para tal efeito de interpelação do devedor.”

E, ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no dia 14/11/2013 no proc.º n.º 46/12.6TCGMR.G1 relatado por Helena Melo que no ponto 1. do sumário se escreveu: “o regime estabelecido no art.º 781º do C.C. é supletivo, podendo as partes, no âmbito da sua liberdade contratual – art.º 405º do C.C. – estipular regime diverso. Como se refere no AUJ n.º 7/2009, o art.º 781º do C.C. não é uma norma imperativa, pelo que existindo uma qualquer cláusula estipulada num contrato, ainda que de adesão, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405º do C. Civil.”

23.ª Como se tem vindo a referir nas conclusões que antecedem, o credor e o devedor, no contrato de mútuo com hipoteca, afastaram a aplicação do art.º 781º, respeitante ao vencimento imediato de todas as prestações quando ocorresse o incumprimento de uma delas por parte dos devedores.

As partes fixaram, não o regime do art.º 781º do C.C., mas o regime constante das cláusulas 14.ª e 15ª do Documento Complementar acima referidas, do vencimento imediato de todas as prestações, sem necessidade de interpelação dos devedores, em casode incumprimento por parte destes de alguma das prestações a que se havia obrigado no referido Documento Complementar, razão pela qual os recorrentes entendem que, por força do estabelecido nas cláusulas 14.ª e 15.ª do Documento Complementar, conjugado com o invocado pela exequente nos n.ºs 9 a 15 do requerimento executivo e nos art.ºs 9º e 10º da contestação da oposição à execução, resulta inequivocamente que, no dia 25/01/2011 ocorreu o vencimento imediato (antecipado) de toda a obrigação exequenda, por prescrição, nos termos do disposto na al.e)do art.º310ºdo C.C. e, em consequência deverá ser ordenada a extinção da execução com o consequente cancelamento tanto da penhora como da hipoteca, incidentes uma e outra sobre o imóvel devidamente identificado na escritura do mútuo com hipoteca celebrado pelas partes no dia 25/02/2009.

24.ª O douto acórdão recorrido, salvo melhor entendimento, não optou pela solução que melhor resulta dos autos, designadamente do teor da cláusulas 14.ª e 15.ª do Documento Complementar, conjugadas com o texto dos n.ºs 9 a 15 do requerimento executivo e dos art.ºs 9º e 10º da contestação da oposição à execução apresentada pela exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., ou seja, que o vencimento imediato da obrigação exequenda ocorreu no dia 25/01/2011 e que quando os executados foram citados para a ação executiva em 07/04/2022, já se encontrava prescrita, a totalidade da obrigação exequenda nos termos da al. e) do art.º 310º do Código Civil.

25.ª O douto acórdão recorrido, salvo melhor entendimento, além de ter incorrido em erro de julgamento por inadequada interpretação do AUJ n.º 6/2022, publicado no DR I Série de 12/09/2022, incorreu também na violação da segunda parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, parte em que conheceu do teor das conclusões 12 a 23, do recurso interposto pela apelante, da douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância, com a consequente nulidade daí emergente, nessa parte.

Termos em que requerem a V. Ex.ªs que concedam provimento ao presente recurso e, em consequência:

– Seja julgada improcedente a questão nova suscitada pela apelante nas conclusões 12 a 23 das alegações do recurso por ela interposto para o Tribunal da Relação, com a consequente revogação do douto acórdão recorrido, nessa parte, por violação da 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC;

– Seja repristinada a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância com o aditamento à parte dispositiva da mesma, de determinação do cancelamento tanto da penhora como da hipoteca incidentes, uma e outra, sobre o imóvel devidamente identificado na escritura do mútuo com hipoteca celebrado entre a exequente e os executados no dia 25/02/2009.”

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. Alegam os recorrentes que o Tribunal a quo apreciou e pronunciou-se sobre uma questão que não foi anteriormente alegada pela recorrida, designadamente na contestação aos embargos ou em sede de Audiência Prévia.

2. Referem-se os recorrentes aos Pontos 12 a 23 das conclusões do recurso da recorrida, contudo não é verdade que se trate de questão nova.

3. O que a recorrida fez foi refutar a argumentação da Primeira Instância quanto à aplicação e ao entendimento versado na decisão ali proferida em torno do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, afastando-se, pois, da interpretação perfilhada pela Primeira Instância.

4. A recorrida fez referência à matéria dada como provada que entendeu relevante em matéria de prescrição, nomeadamente às condições contratuais, incumprimento contratual, resolução contratual e vencimento antecipado da obrigação, questões que foram sobejamente apreciadas pela Primeira Instância, tendo sido inclusivamente sido dado como provado, no Ponto 6, quanto estipulado contratualmente em sede de incumprimento e vencimento antecipado da divida (cláusulas 14º e 15º do Documento Complementar que acompanha a escritura que serviu de título executivo), e, ainda, no Ponto 9, o envio das cartas de perda de beneficio do prazo e vencimento antecipado da dívida enviadas aos recorrentes.

5. O facto de a Primeira Instância e o Tribunal da Relação terem feito um enquadramento jurídico diferente, não consubstancia uma questão nova, pelo que se refuta liminarmente que estejamos perante um excesso de pronúncia por parte da decisão recorrida, e que exista, em consequência, qualquer nulidade por violação do disposto na segunda parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.

6. Veja-se que o objecto do recurso para o Tribunal da Relação não incidiu sobre a reapreciação da matéria de facto, pelo que as partes se conformaram com a mesma.

7. Contudo, mesmo assim colocam em causa os recorrentes se a decisão proferida pela Primeira Instância deve ser ou não repristinada ou se deve ser mantido o acórdão recorrido que julgou parcialmente procedente a oposição à execução por embargos de executado, na matéria atinente à excepção da prescrição, declarando prescritas as prestações decorrentes do contrato de mútuo dado à execução vencidas em datas pretéritas a Março de 2017, devendo a execução prosseguir para a cobrança do demais peticionado.

8. Ora, face ao que ficou dito até aqui, entende a recorrida que a resposta é encontrada na segunda hipótese colocada, porquanto improcedendo, como deve improceder, a apelação no que toca à alegada questão nova suscitada pela recorrida em sede de alegações de recurso, dúvidas não restam que a consequência é a manutenção da sentença recorrida.

9. E assim é porque o entendimento segundo o qual as partes, recorrentes e recorrida teriam acordado afastar por via contratual o regime estabelecido no art. 781º do Código Civil, não encontra acolhimento em lado nenhum. Vejamos:

10. Desde logo se refira que não podem vir agora os recorrentes recuperar o que ficou dito ou não no requerimento executivo e na contestação aos embargos e atribuir-lhe o sentido do que lá ficou vertido que mais lhe aprouver.

11. Estando discriminados na sentença de Primeira Instância os factos dados como provados e não tendo os mesmos sido sindicados por qualquer uma das partes, são esses mesmos factos que deverão sustentar a indicação, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas correspondentes.

12. E é à luz daqueles factos provados que as partes devem em sede de recurso esgrimir os

seus argumentos, uma vez que nem recorrentes nem recorrida os sindicaram em sede própria.

13. Por outro lado, não podem os recorrentes, ao arrepio do que foi a clara intenção das partes, recorrida e eles próprios, e que, de resto, encontra clara expressão no texto das clausulas 14º e 15º do documento particular que faz parte do contrato de mútuo, afastar o argumento literal.

14. Ao contrário do que pretendem fazer crer os recorrentes, as partes, recorrentes e recorrida, não afastaram a previsão do art. 781º do Código Civil no contrato de mútuo dado à execução e, por isso, não afastaram a necessidade de proceder à interpelação dos devedores.

15. Se atentarmos ao que ficou estipulado entre as partes na clausula 15º do Documento Particular que acompanha o contrato de mútuo, apenas se pode concluir que a intenção foi remeter para o que já resulta da lei, no sobredito art. 781º do Código Civil, e não fazer qualquer alusão a vencimento automático, sem mais, sem qualquer outro formalismo, em caso de incumprimento de uma ou mais prestações.

16. Por outro lado, resulta evidente que os recorrentes se afastam a velocidade cruzeiro do entendimento jurisprudencial e doutrinário maioritário que entende que o vencimento antecipado da divida não opera automaticamente, sendo necessário, pois, proceder à interpelação dos devedores.

17. Ora, não tendo as partes afastado expressamente o regime consignado no art. 781º do Código Civil, duvidas não restam que estavam obrigadas ao cumprimento daquele normativo.

18. O que sucede é que a recorrida, apesar de ter enviado as respectivas cartas de perda de benefício do prazo e vencimento antecipado da dívida, não logrou comprovar a recepção das sobreditas cartas, e, por esse motivo, o Tribunal a quo considerou que os devedores não foram interpelados dos valores em divida nem foi comunicado o vencimento antecipado da dívida.

19. Justamente porque não foi afastado o regime previsto no art. 781º do Código Civil, e, em consequência, a recorrida estava obrigada a comprovar o envio das cartas de interpelação e comunicação da perda do benefício do prazo e vencimento antecipado da dívida, e que tal questão foi apreciada pelo Tribunal da Relação.

20. Ora, significa isto, por um lado, que até à citação na execução, manteve-se em vigor o plano prestacional acordado no contrato de mútuo dado à execução, até porque na data da entrada do requerimento executivo ainda não tinha atingido a sua maturidade que deveria ter ocorrido em 24-02-2024, e por outro, que o crédito peticionado se mostra parcialmente prescrito, nomeadamente quanto às prestações vencidas e não pagas antes de Março de 2017.

21. Portanto, tendo em consideração que no que toca às quotas de amortização do capital pagáveis com juros é de aplicar o prazo quinquenal, nos termos da al. e) do art. 309º do Código Civil, e, de resto, há jurisprudência uniformizadora nesta matéria, e que o plano prestacional se manteve em vigor até à citação, uma vez que não se deu como provado a interpelação dos devedores para a perda do benefício do prazo e vencimento antecipado das prestações, têm-se por prescrito o crédito até à prestação vencida em março de 2017, cfr entendimento perfilhado na sentença recorrida.

22. Face ao exposto, requer-se seja negada revista à apelação dos recorrentes.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, requer-se muito respeitosamente que a apelação seja julgada improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.”

O Tribunal recorrido, aos 07.05.2024, proferiu acórdão julgando improcedente a invocada nulidade do acórdão de 06.02.2024.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 2ª parte, do CPC.


***

II. Objeto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, ex vi do art. 679º, todos do CPC).

Assim, são as seguintes as questões suscitadas pelos Recorrentes:

- Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia – art. 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC;

- Da prescrição do crédito exequendo (na parte em que a exceção da prescrição foi julgada improcedente).


***

III. Fundamentação de Facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto provada constante do acórdão recorrido:

1. Entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (na qualidade de mutuante) e CC e DD (na qualidade de mutuários), foi outorgada a escritura pública de “MÚTUO COM HIPOTECA”, datada de 25.02.2009, cuja cópia se mostra junta com o requerimento executivo e o teor se dá por reproduzido.

2. Por via da referida escritura, a exequente, no exercício da sua actividade bancária, concedeu aos executados/opoentes, “um empréstimo da quantia de cem mil euros, importância de que estes se confessam, desde já, devedores”.

3. Mais estipularam as partes,

“Que em garantia:

a) do capital emprestado, no referido montante;

b) dos respectivos juros até à taxa anual de oito vírgula duzentos e quarenta e seis por cento, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal; e

c) das despesas extrajudiciais que a parte credor fizer, incluindo as despesas para segurança ou reembolso dos seus créditos e as emergentes do presente contrato, que para efeitos de registo se fixam em quatro mil euros, a parte devedora constitui hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA, sobre o seguinte imóvel:

Fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao terceiro andar, esquerdo, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Praça da ..., localidade e freguesia de ..., concelho de ..., descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de ... sob o número oitocentos e vinte e seis, da dita freguesia, afecto ao regime da propriedade horizontal, nos termos da Apresentação vinte e oito, de um de Setembro de mil novecentos e noventa e sete, com a aquisição registada a favor da parte devedora, nos termos da Apresentação trinta e seis, de dez de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete, achando-se o prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1626;

Que atribuem ao imóvel hipotecado o valor de cento e cinquenta mil euros;”

4. A referida hipoteca encontra-se inscrita a favor do exequente pela AP...38 de 2009/02/19 (cf. cópia da certidão de teor predial junta com o requerimento executivo).

5. A aquisição, por compra, da referida fracção “I”, sobre a qual recai a hipoteca supra identificada, encontra-se registada a favor dos executados/opoentes AA e BB, pela AP...66 de 2012/04/11 (cf. cópia da certidão de teor predial junta com o requerimento executivo).

6. De acordo com o Documento Complementar que acompanha a referida escritura pública:

“6ª

(Prazo de carência do empréstimo)

O prazo de carência do capital do empréstimo não poderá exceder doze meses, a contar da data do presente contrato.

(Pagamento dos juros)

Durante o período de carência não há lugar a amortização do capital do empréstimo e, os juros, calculados dia a dia, serão liquidados e pagos no final de cada mês. Posteriormente serão incluídos nas prestações adiante referidas na cláusula décima.

(Prazo da amortização)

O prazo para a amortização do empréstimo é de quinze anos a contar de hoje.

(Prestações)

1- O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros vencendo-se a primeira no dia correspondente do mês seguinte ao último mês do período de carência e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

[…]

14ª

(Incumprimento/Exigibilidade Antecipada)

1 —A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação deste contrato;

b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a Caixa ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;

c)Venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte do uso corrente;

d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;

e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito;

2- Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.

15ª

(Vencimento Antecipado)

A parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca se e quando:

a) A parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas deste contrato, designadamente quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação, reforma ou substituição permitida pela parte credora;

b) O bem ora hipotecado vier a ser objecto de execução, arresto, penhora ou de outra forma de apreensão judicial, alienado, locado, objecto de consignação de rendimentos ou, de algum modo, onerado ou desvalorizado, sem que para tanto haja autorização da parte credora;

c) A parte devedora deixe de pagar pontualmente todas as contribuições, taxas ou impostos a que se encontre obrigada, nomeadamente perante o Fisco e a Segurança Social e de comprovar esses pagamentos sempre que tal lhe seja solicitado pela parte credora e esta considerar que a situação de mora no cumprimento de tais obrigações implica um aumento de risco de crédito.”

7. A exequente elaborou as cartas datadas de 18.11.2016, juntas com o articulado da contestação, relativas à abertura e encerramento do PERSI, aí identificando como destinatários os executados/opoentes CC e DD.

8. A exequente remeteu aos executados/opoentes CC e DD – por correio registado com aviso de recepção, cujos avisos de recepção vieram devolvidos sem que nos mesmos tivesse sido aposta qualquer assinatura dos destinatários –, as cartas datadas de 12.08.2021, com o seguinte teor:


9. A exequente remeteu aos executados/opoentes as cartas datadas de 16.12.2021, com o seguinte teor:

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***

IV. Fundamentação de Direito

1. Da nulidade do acórdão recorrido

Invocam os Recorrentes a nulidade do acórdão recorrido, por alegado excesso de pronúncia, prevista no art. 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC, para tanto alegando, em síntese, que: a Embargada/Recorrida, nem na contestação aos embargos, nem na audiência prévia, invocou o que, nas conclusões 12 a 23 da apelação, veio alegar, ou seja, que, na improcedência da aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, seria aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, em relação ao vencimento de cada prestação, em conformidade com o fixado no AUJ n.º 6/2022, de 12/09/2022; na contestação aos embargos limitou-se a invocar o vencimento imediato de todas as prestações, a partir da data do incumprimento pelos devedores (25/01/2011), do pagamento das referidas prestações e a contrapor que o prazo de prescrição era o de 20 anos, nos termos do art.º 309º do C. Civil, tendo sido os embargantes quem, nos embargos, invocaram o prazo de prescrição de 5 anos; assim, nas conclusões 12 a 23 das alegações da apelação interposta pela Embargada foi por esta suscitada uma questão nova, de que a 1ª instância não havia conhecido e de que o Acórdão recorrido não poderia conhecer.

A exequente/embargada contra-alegou sustentando que nas suas alegações da apelação se limitou a refutar a argumentação da 1ª instância quanto ao entendimento vertido na sua decisão a propósito do AUJ 6/2022, convocando a matéria de facto dada como provada, designadamente o que ficou estipulado no contrato de mútuo quanto às situações de incumprimento, pelo que não foi suscitada uma questão nova, mas apenas efetuado um enquadramento jurídico distinto.

1.1. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d),, do CPC, que é nula a sentença quando: “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”

Como é sabido, as nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença.

Como dizem José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, Coimbra Editora, pág.669, os casos das alíneas b) a c) do nº 1 respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíenas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíenas d) (omissão e excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).

A nulidade do excesso de pronúncia prende-se com o princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC), nos termos do qual está na disponibilidade das partes requerem as providências jurisdicionais que tiverem por conveniente e configurarem, em termos do pedido e da causa de pedir, o objeto da ação e, no que ao réu releva, o objeto da defesa. E, como corolário, prende-se com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo, nos termos do qual “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

As questões (que não se confundem com argumentos) são aquelas que se prendem com o objeto da ação, delimitado pelo pedido e causa de pedir e com as que se prendem com o alegado pela defesa, mormente com as exceções (dilatórias ou perentórias), tudo sem prejuízo das questões de que se deva conhecer oficiosamente.

E, no caso dos recursos, haverá que ter em conta que o seu objeto é também delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia, conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC).

Tais limitações reportam-se às questões que sejam objeto da ação (pedido, causa de pedir e exceções), o que não se confunde com a argumentação, designadamente jurídica, utilizada para a resolução da questão. A questão corresponde ao núcleo do problema a decidir nos termos delimitados pelas partes; a argumentação corresponde às razões, designadamente jurídicas, desenvolvidas pelo tribunal para solucionar a questão.

Acresce que, fora das situações de conhecimento oficioso, dentro da fronteira da questão tal como delimitada pelas partes (pelo pedido, causa de pedir e exceções invocadas), nos termos do art. 5º, nº 3, do CPC, “3. O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Como se diz, a título exemplificativo:

- no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2024, Proc. 4553/21.1T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt:

“Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).

O tribunal não tem, pois, o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.

Assim, a nulidade por excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído na 2ª parte do nº 2 do art. 608.º, apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais”, integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções.”

- no Acórdão do STJ de 29.03.2022, Proc. 19655/15.5T8PRT.P3.S1, in www.dgsi.pt:

“(…). A nulidade invocada – nulidade por excesso de pronúncia – verifica-se quando o julgador conheça de questões jurídicas de que não poderia legalmente conhecer, por não integrarem o thema decidendum, ou seja, por não terem sido suscitadas nem pedidas, nem constituírem questões de natureza oficiosa.

Assim, a nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do C.P.C, não se reporta aos fundamentos considerados pelo magistrado para a prolação de decisão, nem aos argumentos aí esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido, que, no recurso de revista, incidiu sobre a ofensa ao caso julgado formal.

Como se referiu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-10-2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1:

«I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável.

III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.»”

1.2. No caso:

Os embargantes, ora Recorrentes, deduziram embargos de executado (diga-se que em data anterior à do AUJ nº 6/2022, de 30.06.2022, publicado no DR Série I, de 22.09.2022), invocando a prescrição da totalidade do crédito exequendo e alegando, para tanto e em síntese, que o prazo de prescrição é o de 5 anos, nos termos do art. 310º, al. e), do CC e que o mesmo se venceu antecipadamente a 25.01.2011.

A exequente contestou os embargos (em maio de 2022) alegando, em síntese, que, face ao vencimento antecipado da obrigação, o prazo de prescrição é o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do CC.

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se, em síntese, que: perante a publicação, entretanto, do AUJ 6/2022, ser aplicável à totalidade do crédito exequendo o prazo prescricional de 5 anos [art. 310º, al. e)] e que este, face à liquidação efetuada pela Exequente, se venceu antecipadamente a 25.01.2011, encontrando-se já prescrito na data da instauração da execução.

A Exequente apelou, defendendo que o prazo precricional é o de 20 anos, mas alegando, em síntese, nas conclusões 13 a 23 (que os Recorrentes ora invocam no recurso de revista) que: tendo em conta que os executados, em 25.01.2011, deixaram de pagar as prestações mensais devidas, poderia a Exequente, nos termos da clª 15ª do Documento Complementar, considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento; porém, o vencimento antecipado é um direito do credor, que tem a faculdade de exigir ou não exigir o pagamento imediato e que, assim não é automático, estando dependente de manifestação de vontade nesse sentido por parte do credor; enquanto tal interpelação não ocorrer, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida; assim, até à comunicação aos mutuários para pagar o valor integral então em dívida, o que ocorreu a 12.08.2021, não se encontram prescritas, ao contrário do entendido na sentença da 1ª instância, todas as prestações por todo o crédito não se ter vencido na data do incumprimento da 1ª prestação. E, assim, conclui nas conclusões 24ª e 25ª: “24. Pelo que, deverá o Despacho Recorrido ser Revogado e substituído por outro em que seja proferida decisão que considere a aplicação ao caso do prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, o que se requer. 25. Ou caso assim não se entenda, que seja revogado por outro que considere que a data de vencimento antecipado das restantes prestações ocorreu não na data de incumprimento da primeira prestação vencida e não paga, mas sim 30 (trinta) dias após a recepção da carta de 12/08/2021, enviada pela ora Recorrente aos executados mutuários CC e DD interpelando-os para pagamento.”

No Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação delimitou o objeto da apelação referindo, para além do mais, o seguinte: “a) Da prescrição da obrigação exequenda, prazo aplicável e início do seu curso”.

E, em síntese, nele entendeu-se que: de harmonia com o mencionado AUJ 6/2022, prazo prescricional é o de 5 anos (art. 310º, al. e), do CC), também aplicável à totalidade das prestações vencidas antecipadamente; o mencionado prazo inicia-se na data do vencimento antecipado; este, previsto no art. 781º do CC, é uma faculdade concedida ao credor, que a poderá exercitar ou não, não operando automaticamente, antes carecendo de interpelação do devedor para que cumpra de imediato todas as prestações, exigindo-se que o credor manifeste ao devedor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe confere, assim manifestando ao devedor a sua pretensão de se aproveitar da perda do benefício do prazo; não obstante, o citado art. 781º não tem natureza imperativa, sendo admissível, de acordo com o princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC), que as partes, no contrato, acordem de diferente modo, atribuindo outras consequências à mora do devedor; porém, no caso, e interpretando as clªs 14ª, nº 1, e 15ª, do contrato (nº 6 dos factos provados), nelas apenas se remete para o regime do art. 781º, delas não resultando que as partes hajam estipulado o “vencimento automático” ou imediato, independentemente de interpelação, de todas as prestações em resultado da mera verificação do incumprimento, nelas se tendo consignado, apenas, que esse era um direito da Caixa e que, assim, poderia ou não ser exercido; no caso, para que a exequente pudesse exigir dos executados a totalidade da dívida tinha de proceder à interpelação dos mesmos, dando-lhes conta de que considerava vencidas todas as prestações acordadas, o que, na falta de interpelação anterior2, sucedeu apenas com a citação para a execução (considerando, nos termos do art. 323º, nº 2, do CC, o 5º dia posterior à sua instauração, que teve lugar a 10.03.2022); e, em consequência, considerou, nos termos constantes da decisão, prescritas as prestações vencidas em datas pretéritas a março de 2017, mas não já quanto ao restante crédito exequendo, em relação ao qual a execução deve prosseguir.

Da referida exposição decorre, pois, que nem a Exequente, ora recorrida, suscitou na apelação (em que era aí Recorrente), questão nova, nem o acórdão recorrido conheceu de questão de que não pudesse conhecer.

Perante o decidido na 1ª instância, tanto mais face à aplicabilidade do entretanto publicado AUJ 6/2022, a Exequente, na apelação (nas conclusões 12ª a 25ª), limitou-se, no uso do seu legítimo direito de defesa, a impugnar o ali decidido com base em fundamentos jurídicos que sustentam, segundo ela, o erro da decisão, nem o acórdão recorrido cometeu qualquer nulidade por excesso de pronúncia.

A questão a decidir objeto dos embargos era a da prescrição do crédito exequendo, questão essa cuja decisão impõe a indagação e aplicação do direito (aliás aos factos adquiridos no processo) e, para tanto, a necessidade da determinação da data em que a obrigação se venceu antecipadamente, o que se insere na liberdade do julgamento de direito a que se reporta o art. 5º, nº 3, do CPC.

Não é, certamente, pela circunstância de os Embargantes/Executados terem defendido, como data do vencimento antecipado da obrigação, o dia 25.01.2011 e de a Embargada/Exequente ter, inicialmente, defendido que tal vencimento teria ocorrido nessa data, mas que o prazo de prescrição era de 20 anos, que fica o Tribunal manietado quanto à determinação da data desse vencimento antecipado. Esta consubstancia matéria de direito (como melhor resultará do que adiante se dirá), que se há-de retirar dos factos, mormente dos factos dados como provados, e para a qual o juiz tem inteira liberdade de julgamento, tanto mais (ainda que desnecessário) quando, à data da contestação dos embargos, ainda não havia sido proferido o mencionado AUJ 6/2022 e que, entretanto e à data da sentença da 1ª instância, foi publicado, tendo, nela (sentença) sido aplicado.

Concluindo, como se diz no acórdão da Relação de 07.05.2024 (que se pronunciou sobre a invocada nulidade do acórdão de 06.02.2024), com o qual se concorda “Neste seguimento, no acórdão proferido por esta Relação a questão primordial que se impunha apreciar era, precisamente, a da invocada prescrição do crédito exequendo, por referência ao prazo aplicável e início do seu curso3, para o que se atendeu à factualidade apurada, relativamente à qual se efectuou, posteriormente, o enquadramento jurídico que se teve por pertinente, apreciando os argumentos esgrimidos por ambas as partes, na sequência do decidido em 1ª instância.”

Improcede, assim, a invocada nulidade do acórdão

2. Da prescrição do crédito exequendo (na parte em que a exceção da prescrição foi julgada improcedente)

Já acima deixámos consignado o sentido, em síntese do acórdão recorrido.

Discordando, alegam os Embargantes/Exequentes, também em síntese, que: o prazo de prescrição é de 5 anos (art. 310º, al. e), do CC) a contar da data do vencimento antecipado; este ocorreu a 25.01.2011, sem necessidade de interpelação judicial, o que resulta de confissão da Exequente nos artºs 9 a 15 do requerimento executivo e 9 e 10 da contestação aos embargos de executado; as partes acordaram, nas clªs 14ª e 15ª do Documento Complementar, no âmbito da liberdade contratual, o vencimento imediato em caso de incumprimento de alguma das prestações, sem necessidade de interpelação, assim afastando o regime supletivo do art. 781º do CC.

A Recorrida pugna pela manutenção do acórdão recorrido.

2.1. É inequívoco que o instituto da prescrição busca uma concordância prática entre a tutela do direito de crédito e a necessidade de segurança e certeza jurídicas, desprotegendo o credor que, pela sua inércia, não exerce, atempadamente, o seu direito.

Razões à parte, o prazo de prescrição aplicável ao caso é o de cinco anos, previsto no art. 310º, al. e), do CC, conforme decidido no AUJ nº 6/2022, publicado no DR, Série I, de 22.09.2022, que fixou a seguinte jurisprudência: “I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

Aliás, os Recorrentes e a Recorrida não questionam, na revista, a aplicabilidade de tal prazo.

Resulta, assim, do referido acórdão de uniformização de jurisprudência que, verificando-se o vencimento antecipado, o prazo de prescrição acima mencionada se conta a partir da data desse vencimento em relação a todas as quotas assim vencidas.

2.2. No caso, é questionada a data em que o vencimento antecipado terá ocorrido, pois que sustentam os Recorrentes que tal se teria verificado a 25.01.2011.

Antes, porém, da apreciação do objeto da discordância, importa tecer algumas considerações preliminares.

A interpelação dos devedores para o vencimento antecipado da dívida pode ser extrajudicial ou judicial.

No que respeita à interpelação judicial, o devedor considera-se interpelado com a citação (ou quando dever ser considerado como citado) realizada em processo judicial tendente à cobrança de dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 781.º do CC – cfr. Acórdãos do STJ de 19-01-2023, proc. n.º 1335/19.4T8MAI-A.P1.S1, de 11-03-202, proc. n.º 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1, de 10-10-202, proc. n.º 475/04.9TBALB-A.P1.S1 e de 27-01-2022, proc. n.º 1522/12.6TBMTJ-B.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, “a interpelação, como se diz no texto da lei, tanto pode ser judicial como extrajudicial, podendo a interpelação judicial (mais segura, no que se refere à sua prova) ser efectuada por meio de notificação avulsa (art. 26 L° do Cód. Proc. Civil) ou então mediante citação (do devedor) para a acção declaratória ou para a execução (cfr. arts. 662.º n.ºs I e 2, als. a) e b), e 811.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).” – Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1997, p. 63.

De referir ainda que a citação configura um facto interruptivo da prescrição (cfr. art. 323.º, n.º 1, do CC, bem como o nº 2 do mesmo), com a consequente inutilização do prazo até então decorrido (cfr. art. 326.º do CC).

Resulta, assim, que a interpelação judicial para a execução importa a interrupção da prescrição e, em regra (se outra coisa não tiver sido acordada entre as partes, o que adiante se apreciará), importa também o vencimento antecipado da totalidade da dívida.

2.3. Quanto ao disposto no art. 781º e à necessidade de interpelação do devedor pelo credor referiu-se no acórdão recorrido o seguinte:

“Há que ter em atenção, como é doutrina comum, que o art.º 781.º 4 do Código Civil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, ou seja, o seu funcionamento exige que o credor manifeste a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. Isto é, exige-se a interpelação – a produção duma declaração receptícia –, pela qual o credor manifeste junto do devedor a sua pretensão de se aproveitar da perda do benefício do prazo decorrente do art.º 781º do Código Civil.

Na verdade, tem sido entendido que o imediato vencimento a que se reporta o art.º 781º do Código Civil corresponde apenas à imediata exigibilidade e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em falta.

Tal como explicita João Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, pág. 52:

Se o comprador faltar ao pagamento de qualquer delas, imediatamente se vencerão, por força do preceito transcrito todas as que ainda estejam em dívida. O inadimplemento do devedor, quebrando a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para futuro.

O credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido.

Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento a responder pelos danos moratórios.

O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindido consequentemente da interpelação do devedor.

No mesmo sentido, ao que se depreende, veja-se Pedro Romano Martinez, in Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP 2021, pág. 986:

[…] a expressão “importa o vencimento de todas” pode ser interpretada como mais uma hipótese de exigibilidade antecipada, que acresce às previstas no 780º; sendo qualificada como exigibilidade antecipada […] tendo o devedor faltado ao pagamento de uma prestação, o credor pode interpelá-lo, reclamando o cumprimento das demais prestações. Na falta de interpelação, pese embora o incumprimento de uma prestação, as prestações seguintes vencem-se na data prevista.

Como a norma é supletiva, mesmo seguindo a via interpretativa de se tratar de exigibilidade antecipada, nada obsta a que se convencione o vencimento automático.

Não se discernindo razões para se afastar esta interpretação, para a qual, aliás, propende a maioria da doutrina e da jurisprudência, tem de se concluir que o vencimento antecipado a que alude o art.º 781º do Código Civil depende da interpelação ao devedor pelo credor, exigindo o pagamento ou o cumprimento de todas as prestações, vencidas na sequência da falta de pagamento de uma prestação.

Todavia, não sendo a norma do art.º 781º do Código Civil uma norma imperativa, a existir uma qualquer cláusula estipulada num contrato, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil.

Acresce que, nos termos do disposto no art.º 782º do Código Civil, a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que tenha assumido uma garantia pessoal (fiança ou aval) ou tenha dado um bem seu em garantia da obrigação (hipoteca ou penhor) – cf. Ana Prata, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 1016.”

Concorda-se com as considerações transcritas5, que estão também em consonância com os Acórdãos do STJ de 28.09.2022, proc. 554/20.5T8A e de 26.01.2021, proc. 20767/16.3T8PRT-A.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, e também citados no acórdão recorrido, referindo-se:

-no sumário do primeiro dos acórdãos mencionados (de 28.09.2022) que: “I - O art. 781.º do C. Civil constitui um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, pelo que, para poder funcionar (e para que todas as prestações se vençam), não prescinde da interpelação do credor, na pessoa do devedor, para que esta cumpra de imediato todas as prestações. (…)”.

- e, no texto do segundo (26.01.2021), que:

“(…) o credor pode não querer o benefício do vencimento antecipado com que a lei o contempla. Atendendo ao princípio da autodeterminação dos sujeitos, deve entender-se o preceito do art. 781.º como atribuindo ao credor o poder de provocar o vencimento da obrigação e não como produzindo ope legis esse vencimento, independentemente de uma decisão sua. Assim, o incumprimento de uma prestação de uma dívida pagável em prestações acarreta apenas a exigibilidade antecipada das restantes prestações e não o seu vencimento automático. É, por isso, necessário que o credor interpele o devedor para que se produza o vencimento de todas as prestações e, deste modo, exigir antecipadamente o pagamento das restantes prestações. Reitere-se: o art. 781.º apenas atribui ao credor o poder de exigir o cumprimento da obrigação - ainda que essa exigência, nos termos do acordo das partes, apenas pudesse ser feita mais tarde –, não colocando automática e imediatamente, independentemente da respetiva interpelação, o devedor numa situação de incumprimento

Aliás, e como já referido, os Recorrentes não questionam que o início de contagem do prazo de prescrição se situe na data do vencimento antecipado da obrigação exequenda.

Com efeito, o que está em causa é a determinação da data desse vencimento antecipado, situando-a os Recorrentes no dia 25.01.2011 por, em síntese, duas ordens de razões: i) porque tal teria sido confessado pela Exequente nos arts.9 a 15 do requerimento executivo e 9 e 10 da contestação aos embargos, assim devendo ter-se como assente; e ii) porque as partes teriam acordado, nas clªs 14ª e 15ª do Documento Complementar, no âmbito da liberdade contratual, o vencimento imediato em caso de incumprimento de alguma das prestações, sem necessidade de interpelação, assim afastando o regime supletivo do art. 781º do CC.

E é o que se passará a apreciar.

2.3.1. Quanto à alegada confissão, pela Exequente, da data do vencimento antecipado

Dos arts. 9 a 15 do requerimento executivo consta o seguinte “ 9. Os Executados CC e DD interromperam o pagamento das prestações do empréstimo acima referido em 25.01.2011. 10. Nada mais tendo pago por conta do mesmo, 11. Apesar das diversas diligências suasórias desenvolvidas pelo Banco Exequente. 12. A situação descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, 13. Consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga. Assim, 14. No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende a Euros 95.335,01. 15. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias: - Juros de 25.01.2011 a 11.01.2022: Euros 44.368,26; - Comissões: Euros 3.792,692”. E, nos arts. 9 e 10, bem como no 11º, da contestação aos embargos de executado, consta que: “9. Face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato que serve de titulo executivo. 10. Ora, desde a interrupção do pagamento das prestações, na data de 25/01/2011, e considerando-se vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável é o prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos. 11. Aplicável ao montante total e não a cada uma das prestações de amortização de capital e juros.”

A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária – art. 352º do CC.

Nos termos dos ars. 355º, nºs 1 e 2, e 356º, nº 1, do mesmo, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial, sendo a judicial a que é feita em juízo e que pode ter lugar nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro ato do processo, firmado pela parte ou por procurador especialmente autorizado.

A confissão tem por objeto factos e apenas estes, não já conclusões jurídicas, estas as que se extraem dos factos. A confissão é um ato jurídico, uma declaração de ciência, à qual a lei associa determinadas consequências 6.

O “objeto da confissão são os factos materiais e não a qualificação jurídica dos mesmos, subtraídos do âmbito e eficácia da confissão e que implicam um julgamento de direito pelo tribunal” – Rita Cruz, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, 2ª edição revista e atualizada, p. 1016.

Assim também Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3ª edição, p.95: “O reconhecimento incide sobre um facto, quid material, e não sobre opiniões, valorações, relações ou qualificações jurídicas, uma vez que estas não vinculam o juiz de acordo com o princípio iura novit curia”.

No mesmo sentido, designadamente, o Acórdão do STJ de 24.11.2007, proc. 06S2710, in www.dgsi., do qual resulta que a confissão “apenas se pode reportar a factos e não já à qualificação jurídica dos mesmos. Com a confissão a parte reconhece a existência de determinada realidade factual, mas não já o enquadramento da mesma à luz do direito, que está excluído do âmbito dessa confissão”, aí se tendo considerado que, embora haja sido admitido que o contrato (no caso, de trabalho), cessara por caducidade, que tal não consubstanciava confissão dessa causa de cessação.

No caso ora em apreço, o vencimento antecipado da dívida e respetiva data não consubstanciam factos, mas sim conceitos ou valorações de natureza jurídica que se hão-de retirar de factos que as suportem, ou seja, de factos que permitam a conclusão jurídica de que, no caso de acordo para pagamento em prestações, o incumprimento de alguma delas determina o imediato vencimento de todas as demais, sendo certo, como já referido, que esta não é uma consequência automática ou imediata desse incumprimento, antes uma faculdade concedida ao credor, que a poderá ou não exercer e que depende da interpelação do devedor pelo credor.

Ora, os artigos do requerimento executivo e da contestação aos embargos invocados pelos Recorrentes no sentido de que a Exequente/Recorrida teria “confessado” que o vencimento antecipado da obrigação exequenda se teria verificado a 25.01.2011, não consubstancia um facto, suscetível de confissão, mas sim e apenas um enquadramento, avaliação ou conclusão de natureza jurídica extraídas pela Exequente.

Assim, e nesta parte, improcede o mencionado argumento, aduzido pelos Recorrentes.

2.3.2. Quanto ao argumento, invocado pelos Recorrentes, de que as partes teriam acordado, nas clªs 14ª e 15ª do Documento Complementar, no âmbito da liberdade contratual, o vencimento imediato em caso de incumprimento de alguma das prestações, sem necessidade de interpelação, assim afastando o regime supletivo do art. 781º do CC, mais aludindo à expressão “sem aviso” constante da clª 15ª e argumentando ainda que, se tivesse sido intenção das partes sujeitar o vencimento antecipado a prévia interpelação, não faria então sentido a introdução de tais clªs já que isso mesmo resultaria do regime supletivo do citado art. 781º.

No acórdão recorrido referiu-se o seguinte:

“ No caso em apreço, face ao teor das cláusulas que as partes consignaram no documento complementar ao contrato de mútuo que celebraram, designadamente as cláusulas 14ª e 15ª reproduzidas no ponto 6. dos factos provados, crê-se ser de retirar que aquelas apenas pretenderam remeter para o já estatuído no art. 781º do Código Civil, pois que ali apenas se consignou que em caso de incumprimento pela parte devedora, a Caixa “poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento” (cf. n.º 1 da Cláusula 14ª) e que a “parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca” (Cláusula 15ª). Ou seja, em nenhuma dessas cláusulas se verteu uma qualquer alusão a “vencimento automático” das prestações ou imediato, decorrente da mera verificação do incumprimento, expressão que, a ter sido incluída, poderia permitir a asserção de que as partes teriam querido estipular o vencimento imediato de todas as prestações independentemente de interpelação, tendo elas feito consignar apenas que esse era um direito da Caixa, logo, que esta o poderia exercer ou não.

A mera referência ao direito do banco a considerar o empréstimo vencido, tornando exigível todo o montante em dívida viabiliza a ilação de que as partes apenas pretenderam remeter para o regime constante do preceito acima referido, ou seja, consignando o direito do credor a exigir o cumprimento de todas as prestações, perdendo o devedor o benefício do prazo.

Assim, neste caso, para que a exequente pudesse exigir dos executados a totalidade da dívida tinha de proceder à sua interpelação, dando-lhes conta de que considerava vencidas todas as prestações acordadas.”

Desde já se dirá que se concorda com as considerações transcritas, sendo que, perante o teor das clªs em causa, outro não poderá ser o entendimento.

Com efeito:

Relembrando, é o seguinte o teor de tais clªs (nº 6 dos factos provados):

14ª

(Incumprimento/Exigibilidade Antecipada)

1 —A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação deste contrato;

b) (…);

c) (…);

;

2- Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.

15ª

(Vencimento Antecipado)

A parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca se e quando:

a) A parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas deste contrato, designadamente quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação, reforma ou substituição permitida pela parte credora;

b) (…);

c) (…).”

Dispõe o art. 236º, nº 1, que: “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”

Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto, a menos que o declarante não possa, razoavelmente, contar com tal sentido ou que o declaratário conheça a vontade real do declarante - cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, “por” António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto”, Coimbra Editora, pp. 443/444 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 222, referindo este, para além da adoção da mencionada teoria da impressão do destinatário, que: “(…). O objetivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.

Sobre as circunstâncias atendíveis para a interpretação refere Mota Pinto, ob. cit. pág. 446/447, que: «(…): serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta. A título exemplificativo, Manuel de Andrade referia «os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possam interessar, devendo prevalecer os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc». Ao lado destas circunstâncias, referidas a título de exemplo, podem assinalar-se outras, designadamente «os modos de conduta por que, posteriormente, se prestou observância ao negócio concluído».

Ora, nas clªs mencionadas, mormente na clª 14ª, apenas se alude à possibilidade (como decorre da conjugação verbal “poderá”) de a Caixa vir a considerar antecipadamente vencida toda a dívida, donde decorre que tal é uma mera faculdade, que poderá ou não ser exercida, mas não uma consequência imediata ou automática, sendo essa a interpretação que um “declaratário normal” extrairia de tal declaração. Como se diz no acórdão recorrido, diferente interpretação se poderia extrair se nela se dissesse que o cumprimento determinaria o ”automático” ou imediato vencimento de toda a dívida. E a vontade de afastar a necessidade de interpelação não decorre, muito menos de forma clara e inequívoca (como teria que o ser) dos termos das clªs em causa.

E a isso não obsta a alusão à desnecessidade de aviso.

Desde logo, essa alusão não consta da clª 14ª, relativa ao vencimento antecipado da dívida e exigência do seu imediato pagamento, apenas constando da 15ª, reportando-se esta, no essencial, à exigibilidade das garantias.

Acresce que, de tal alusão, na clª 15ª (para além de que não consta da clª 14ª), não se pode concluir que a Exequente esteja, desde logo, a considerar a dívida antecipadamente vencida, assim pretendendo beneficiar da perda do benefício do prazo que o art. 781º lhe faculta. Ainda que a desnecessidade de aviso referida na clª 15ª se pudesse, eventualmente, reportar também ao vencimento antecipado de todas as prestações (e não apenas à exigibilidade das garantias), teria ela que ser interpretada conjugadamente com o teor dessa clª 14ª e com a referência apenas à mera possibilidade (“poderá”) que desta consta, significando apenas que a Caixa estaria dispensada de comunicar/avisar previamente que irá considerar a dívida antecipadamente vencida, designadamente concedendo e/ou facultando um prazo para o pagamento das prestações já vencidas sob pena do vencimento antecipado de todas as demais. Não dispensa, todavia, a necessidade de interpelação, isto é, a comunicação ao devedor de que, com essa interpelação, está a fazer uso da faculdade prevista no contrato e de que considera a totalidade da dívida antecipadamente vencida.

O que decorre, pois, é, apenas, que a Caixa, em caso de incumprimento de alguma das obrigações, poderá vir a consideras a dívida como antecipadamente vencida, não já que hajam convencionado que tal incumprimento, desde logo, teria como consequência automática ou imediata o vencimento de todas as demais prestações vincendas.

E também não procede o argumento da inutilidade da consagração, no contrato, de um regime supletivo que já resultaria da lei (do art. 781º do CC).

É comum e aconselhável que, nos contratos, sejam indicadas todas as clªs que se mostrem relevantes, ainda que possam resultar de um regime legal “supletivo”, de aplicação em caso de silêncio contratual. Tal consagração, nos contratos, é habitual e visa e/ou tem a vantagem, mais não fosse, de alertar para o risco do incumprimento de alguma das obrigações, senão mesmo de dar a conhecer o regime legal “supletivo”, não sendo, ou podendo não ser, ao devedor exigível o conhecimento dos “meandros” dos regimes legais “supletivos”.

2.4. Em conclusão, no caso e não se tendo provado que tivesse tido lugar interpelação extrajudicial dos Executados/Recorrentes, tal apenas ocorreu por via da interpelação judicial, no âmbito da execução de que os presentes embargos são apenso, e não a 25.01.2011, como pelos mesmos pretendido. Assim, e valendo essa interpelação (judicial), também, como interpelação do vencimento antecipado das quotas de amortização do capital mutuado e interrompendo ela a prescrição (art. 323º, nº 2, do CC), de 5 anos, não se encontram prescritas as quotas vencidas nos 5 anos anteriores à mesma, sendo, pois, de confirmar o acórdão recorrido e, assim, improcedendo as conclusões do recurso.

3. Mantendo-se o prosseguimento da execução relativamente à obrigação exequenda na parte em que não se encontra prescrita, carece de fundamento a pretensão dos Recorrentes de levantamento da penhora e o cancelamento da hipoteca, que estavam dependentes da procedência da prescrição da totalidade da obrigação exequenda.


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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 04.07.2024

Paula Leal de Carvalho (relatora)

Ana Paula Lobo

Isabel Salgado

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1. Cfr. citações expedidas por correio registado de 04.4.2022 e respetivos avisos de receção de 07.04.2022, juntos à execução a 19.04.2022, conforme consulta do histórico informático.

2. Considerou-se não valerem como interpelação a carta de 12.08.2021, que havia sido invocada pela Exequente, nem a mencionada no nº 9 dos factos provados.

3. Cf. Identificação do objecto do recurso a páginas 13 do acórdão de 6 de Fevereiro de 2024.

4. “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”

5. Cfr., no mesmo sentido, Ana Afonso, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP, p. 1071.

6. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pp. 311 e 268.