Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE MARTINS RIBEIRO | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS COMPLEXIDADE DA MATÉRIA EM CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RP20250526149217/23.0YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A subjetivamente configurada complexidade da matéria em causa num processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (e contra o atraso no pagamento de transações comerciais) – ao abrigo do disposto no D.L. 269/98, de 01/09, com o previsto no D.L. 62/2013, de 10/05 –, injunção, não é argumento, por si só, para que os autos não prossigam os seus termos. II – Num ordenamento jurídico pautado por princípios como o de um processo equitativo – em que o princípio do contraditório (como descrito entre o mais no art.º 3.º do C.P.C.) tem de ser observado –, o da almejada celeridade, economia processual e prossecução da justiça material (como decorre, desde logo, do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, in fine, do C.P.C.), são de afastar entendimentos processuais que ponham em causa tais paradigmas do processo civil – sobremaneira os que minem a intenção do legislador, porque simplificado não é sinónimo de ausência de questões decidendas, sejam de matéria de facto, sejam de Direito. III – Em conformidade, a invocada especial complexidade não integra eventual verificação de exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção. IV – Mesmo na generalidade dos processos de execução fundados em títulos de outra natureza, nos termos dos elencados no art.º 703.º do C.P.C., é muito frequente a dedução de embargos, de executado ou de terceiro, que têm natureza declarativa e aos quais podem servir de fundamento uma panóplia de questões… | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 149217/23.0YIPRT.P1
SUMÁRIO – art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.: ………………………… ………………………… ………………………… - Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relator: Jorge Martins Ribeiro, 1.º Adjunto: António Mendes Coelho e 2.º Adjunto: Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo.
ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transação comercial é autora (A.) “A..., Lda.”, titular do N.I.P.C. ...38, com sede na R. da ..., ... ..., e é ré (R.) “B..., Lda.”, titular do N.I.P.C. ...16, com sede na Rua ..., ... .... - Sinopse processual relevante([1]) 1) O requerimento inicial de injunção n.º149217/23.0YIPRT foi apresentado na Secretaria Judicial do Balcão Nacional de Injunções no dia 05/01/2024([2]), tendo a demandada deduzido oposição aos 29/01/2024([3]), com a qual indicou uma testemunha. 2) Aos 05/02/2024 o requerimento foi remetido à distribuição e o processo foi autuado aos 06/02/2024. 3) No dia 13/03/2024 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique a A. da oposição apresentada pela R. a fim de se pronunciar quanto às excepções nela deduzidas, no prazo de 15 dias (art. 3º, nº 3 do CPC). 3.1) Aos 01/04/2024 a A. exerceu o seu contraditório, defendendo a improcedência das exceções deduzidas e concluindo como no requerimento de injunção; juntou oito documentos. 3.2) No dia 15/04/2024 a R. impugnou o teor dos documentos juntos pela A.; posteriormente juntou um documento. 3.3) Aos 08/05/2024 foi proferido o seguinte despacho: “Para realização da audiência de julgamento designa-se o dia 18/10, às 10:00h, sem prejuízo do disposto no art. 151º, nº 2 do C.P.C.. Notifique”. 3.4) Por motivo de doença do ilustre mandatário da R., por despacho de 17/10/2024 a audiência de julgamento foi então agendada para o dia 20/11/2024. 4) Aos 25/10/2024 foi proferido despacho; do que para este recurso releva, transcrevemos o seguinte excerto: “[T]eve agora a signatária oportunidade de melhor se debruçar sobre a matéria objecto dos autos, constatando que, de entre as várias soluções jurídicas plausíveis, a factualidade em causa poderá subsumir-se a um contrato de empreitada, vindo as partes nos autos discutir questões, que se entendem de complexidade como a nulidade do contrato por falta de forma, redução de preço por alegada «existência de defeitos, erros e desconfrmidades», decorrentes de «vícios de construção, erros de execução e/ou deficiência dos materiais incorporados na obra executada, bem como a falta de rigor técnico», alegando-se ainda que a A. não reconheceu tais defeitos e que a R. teve de contratar terceiro [p]ara proceder à reparação. Assim, [E]m face das questões objecto dos autos, impõe-se a notificação, antes de mais, das partes para, querendo, em dez dias, se pronunciarem acerca de eventual verificação de excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção (art. 3.º n.º3 CPC). - Em face do que vai dito, fica prejudicada a data designada para audiência de julgamento”([4]). 4.1) Aos 07/11/2024 o ilustre mandatário da A. pronunciou-se. Transcrevemos o início e a conclusão do seu requerimento. “1º A A. refuta como incompreensível o teor do despacho que antecede. 2º E refuta-o tendo em consideração dois fundamentos essenciais. ASSIM, 3º Em primeiro lugar, o timing do presente despacho desagrada totalmente as finalidades do processo civil, e, particularmente, aquilo que é a função atribuída pelo legislador ao procedimento injuntivo. ALÉM DISSO, 4º Em lado algum da oposição que apresentou, a R. faz menção a qualquer uso indevido do processo injuntivo como forma de dirimir o presente litígio. [Nestes] termos e nos melhores de direito que, com certeza V. Exa. suprirá, requer-se a V. Exa. considere a inexistência da exepção inominad[a] do uso indevido do processo injuntivo e, em consequência, sigam os autos os seus termos até final”([5]). 4.2) No mesmo dia, também o ilustre mandatário da R. se pronunciou, tendo concluído nos seguintes termos: “Termos em que, se requer que seja declarada a verificação da exceção dilatória inominada, com as legais consequências”. 5) Aos 06/12/2024 foi proferida a sentença objeto deste recurso, cujo teor integral damos por reproduzido([6]) ([7]). Do dispositivo consta: “Em face do exposto, sem necessidade de mais considerandos: Julga-se verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção e em consequência absolve-se a R. da instância. Valor da acção: €7.970,82 (sete mil novecentos e setenta euros e oitenta e dois cêntimos) – cfr. arts. 18.º e 10.º n.º2 als. e) e f) diploma anexo ao DL 269/98, de 01.09. Custas: pela A. – cfr. arts. 527.º n.ºs 1 e 2 CPC. Registe e Notifique”([8]). 6) No dia 23/01/2025 foi interposto recurso pela A., tendo formulado as seguintes conclusões([9]). A) Vem interposto o presente recurso de apelação, da decisão final proferida nos autos de Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Emergentes de Contratos, que correu seus termos junto do ..., do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o número de processo 149217/23.0YIPRT, e na qual o Meritíssimo Juíz a quo, resumidamente, decidiu “(…)julga-se verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção e em consequência absolve-se a R. da instância (…)”; B) Discordando da decisão aí proferida, interpõe a Autora, e, com suporte nas CONCLUSÕES que condensam a fundamentação do seu Recurso; C) Efectivamente, entende a recorrente que o meritíssimo juiz a quo nunca deveria ter levantado a questão que levou à decisão de absolvição da instância proferida, muito menos que a decisão proferida tenha qualquer suporte legalmente admissível, antes violando flagrantemente o propósito de todo o Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, bem como o Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, e o disposto nos números 1 e 2, do artigo 576º, 577º, e 578º, do Código de Processo Civil; D) Sendo que, por via do presente recurso deverá a decisão ora em crise, e que colocou fim aos presentes autos, ser revogada e substituída por outra em que não se determine a existência de uma qualquer excepção de inominada de uso indevido do procedimento de injunção, e determinando que os autos prossigam para julgamento e para posterior decisão de mérito a ser tomada. E) Assim, no dia 28 de Dezembro de 2023, a ora recorrente deu entrada, junto do Balcão Nacional de Injunções, um procedimento injuntivo contra a ora recorrida, a sociedade comercial B..., Lda.; F) Esse procedimento deu origem à injunção com o número 149217/23.0YIPRT, em que a ora recorrente peticionou a condenação da recorrida no pagamento do valor ainda em falta e referente a um fornecimento de mobiliário de cozinha e de electrodomésticos a serem produzidos e instalados em imóvel de propriedade desta, bem como a construção, fornecimento, montagem e aplicação de mobiliário de casas de banho a serem colocados no mesmo imóvel; G) Alegando, para o efeito, a celebração de um contrato de empreitada com a ora recorrida, do qual já havia sido paga a quantia de €33.380,00 (trinta e três mil e trezentos e oitenta euros), e peticionando a sua condenação no pagamento ainda em falta do valor de €6.845,00 (seis mil e oitocentos e quarenta e cinco euros), acrescido do valor referente aos juros de mora vencidos até à data da apresentação do referido procedimento, e aqueles vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como ao valor das despesas forenses tidas com o recurso à via da cobrança judicial, e a taxa de justiça despendida, tudo totalizando o valor de €8.072,82 (oito mil e setenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos); H) Devidamente citada para o processo injuntivo, veio a ora recorrida apresentar oposição à injunção, onde se defendeu por excepção, alegando a nulidade do contrato que foi celebrado entre as partes, por vício de forma, e veio alegar a redução do preço da empreitada por alegada existência de desconformidades entre o acordado entre as partes e o executado e fornecido pela recorrente, manifestando-se tal, em vícios de construção, erros de execução e/ou deficiência dos materiais incorporados na obra; I) Situações que se reconduziriam, simplesmente, ao alegado desalinhamento das gavetas e das portas dos armários; à alegada inexistência de material a forrar as gavetas fornecidas; ao alegado defeito na madeira de uma das gavetas; à falta de colocação de uma porta em madeira e, à alegada falta de substituição de uma ficha eléctrica na bancada da cozinha; J) Distribuído o processo em questão por efeito da apresentação da referida oposição, veio ele a passar a correr seus termos junto do ..., do Juízo Local Cível de Matosinhos, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto; K) Por despacho notificado às partes, via sistema citius, no dia 14 de Março de 2024, foi a ora recorrente notificada do teor da oposição apresentada pela recorrida e para se pronunciar quanto às excepções aduzidas por esta no prazo de 15 (quinze) dias; L) Dentro do estipulado prazo, a ora recorrente apresentou requerimento onde apresentou pronúncia quanto às excepções que haviam sido aduzidas pela recorrida na sua oposição, nomeadamente, quanto à alegada nulidade do contrato celebrado entre as partes, bem como quanto aos alegados defeitos/desconformidades alegadas; M) Por um lado, a ora recorrente apresentou um contrato de empreitada escrito e subscrito pelas partes, inclusivamente alegando, de facto e de direito, quanto à falta de fundamento da alegação proferida pela recorrida, tendo, por outro lado, apresentado alegação e documentação em que evidenciava a inexistência de qualquer razão factual e legal para que a ora recorrida se negasse ao pagamento da quantia ainda em dívida; N) Em 15 de Abril de 2024, a ora recorrida, por requerimento apresentado nos autos e notificado à recorrente, veio impugnar, de forma genérica, os documentos que haviam sido apresentados por esta; O) Por despacho notificado às partes, via sistema citius, no dia 9 de Maio de 2024, foram os mandatários das partes notificados da data da realização da audiência de discussão e julgamento para o dia 18 de Outubro de 2024, pelas 10.00 horas. P) Tal audiência acabou por não se realizar tendo sido esta reagendada para o dia 20 de Novembro de 2024, pelas 14.00 horas; Q) Inusitadamente, foram as partes notificadas, por despacho de 25 de Outubro de 2025, da impossibilidade da realização da audiência de discussão e julgamento para o dia anteriormente indicado por sobreposição de agenda, e, pela primeira vez, para se virem pronunciar sobre a possibilidade da verificação de uma excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção; R) Desta forma, em 7 de Novembro de 2024, ambas as partes apresentaram nos autos posicionamento quanto a este assunto, pugnando, o ora recorrente pela inexistência de tal excepção, e, defendendo a recorrida, a verificação de tal excepção; S) Por sentença proferida nos presentes autos, no dia 6 de Dezembro de 2024, o meritíssimo tribunal a quo determinou a procedência de tal excepção, determinando a absolvição da ré da instância declarativa e colocando, desta forma, fim aos autos declarativos; T) E é deste despacho que a ora recorrente vem recorrer, entendendo que a decisão proferida viola, de forma flagrante, todo o Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, o artigo 10º, do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, bem como o disposto nos números 1 e 2, do artigo 576º, 577º, e 578º, do Código de Processo Civil; U) Entende o ora recorrente que o seu recurso deverá obter provimento, e, em consequência operar-se a revogação da sentença ora em crise, que considerou verificada a excepção dilatória do uso indevido do meio da injunção, substituindo-o por outro que determine o prosseguimento dos autos com vista à realização da audiência de discussão e julgamento; V) Dúvidas não podem restar que a ora recorrente, quando deu entrada do processo injuntivo ora em questão, preenchia todos os requisitos para recorrer ao presente procedimento, e que, inclusivamente a menção realizada, em espaço próprio do requerimento injuntivo, quanto à aplicabilidade do disposto no Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, tinha sustentação factual; W) Quer da factualidade descrita no requerimento de injunção apresentado, quer dos documentos que foram sendo juntos aos presentes autos, fica claro que a dívida alegada pela ora recorrente é uma dívida de cariz pecuniário, que decorre de um contrato (in casu de um contrato de prestação de serviços celebrado com a recorrida) e que o relacionamento alegado tem uma natureza comercial (até pelo simples facto de ambos os intervenientes adoptarem a forma de sociedade comercial e preencherem a definição de empresa constante do artigo 7º, do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro); X) Portanto, o recorrente podia ter lançado mão do presente meio injuntivo, sendo aplicável ao assunto trazido à liça judicial o disposto no Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro e aquilo que consta do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio; Y) De forma inconcebível para a ora recorrente, o meritíssimo tribunal a quo chega à conclusão de que, afinal, o uso do mecanismo injuntivo por parte da ora recorrente lhe estava vedado, por constituir um uso inadequado do meio injuntivo; e, Z) Para chegar a essa conclusão viola os diplomas anteriormente indicados, fazendo “nascer” um requisito legal que não consta do âmbito dos requisitos legais constantes dos Decretos-Lei nºs 269/98 de 1, de Setembro e 62/2013, de 10 de Maio; EFECTIVAMENTE, AA) Com o devido respeito pela opinião positivada pelo meritíssimo tribunal a quo na sentença que proferiu, entende a recorrente que a violação dos dispositivos aplicáveis in casu é flagrante porque, pura e simplesmente, se baseia na aplicação de um requisito legal que não tem qualquer positivação na lei; BB) É que, lido e relido todo o Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, e, lido e relido todo o Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, a ora recorrente não encontra – e nem sequer os meritíssimos tribunais a quo e ad quem encontrarão – qualquer referência a um requisito para a aplicabilidade do meio injuntivo e que se reconduza a uma “maior ou menor complexidade do assunto trazido à discussão”; CC) Por isso, à míngua de um qualquer requisito legal expressamente previsto na lei e que esteja relacionado com uma maior ou maior dose de complexidade no assunto em discussão, como forma de expressamente se balizar o uso do mecanismo injuntivo, não podia o meritíssimo tribunal a quo determinar que a recorrente fez um uso indevido daquele mecanismo processual; DD) Sendo que, inclusivamente, o legislador, no decurso da evolução do regime processual aplicável teve várias oportunidades de proceder à inclusão de tal requisito legal e não o fez; EE) Desta forma, a decisão ora em crise carece de fundamento legal, violando, desta forma, o disposto no Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro, o artigo 10º, do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, e o disposto nos números 1 e 2, do artigo 576º, 577º, e 578º, do Código de Processo Civil, devendo, por esta via, ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução dos autos para julgamento; MAIS, FF) No desenvolvimento da posição sustentadora da decisão tomada na sentença ora em crise, o meritíssimo tribunal a quo socorre-se do escrito no preâmbulo do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, para procurar descortinar uma simples intenção do legislador que se consubstanciará num novo requisito de aplicabilidade do regime da injunção; GG) Ao contrário do que defende o meritíssimo tribunal a quo, fica evidente que a evolução que o regime jurídico tem vindo a sofrer ao longo do tempo é consentâneo com uma crescente despreocupação quanto àquilo que até parece ter sido, inicialmente, uma preocupação legislativa de limitação do processo injuntivo a situações de baixa complexidade; HH) Só desta forma é que se poderá entender a total preterição de limites pecuniários para o recurso ao meio processual da injunção, sendo possível, neste momento e com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, a apresentação de injunções onde sejam discutidas omissões de pagamentos que envolvam transacções comerciais de valores, inclusivamente, superiores ao valor da alçada do Tribunal da Relação, havendo uma quase normal correlação entre o valor da acção e a sua complexidade; II) Que também por se sustentar neste ponto, a decisão proferida e agora em crise, é ilegal, e violadora do disposto no Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, e do disposto no artigo 10º, do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, e o disposto nos números 1 e 2, do artigo 576º, 577º, e 578º, do Código de Processo Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução dos autos para julgamento, indeferindo a existência de uma qualquer excepção inominada de uso indevido do meio injuntivo; ACRESCE QUE, JJ) A verificação sobre a adequação do procedimento injuntivo à situação concreta que lhe serve de base deve ser realizado no momento em que este procedimento é apresentado e considerando apenas o requerimento injuntivo proposto e aquilo que ele contém; KK) Ao permitir-se que o juízo de valor sobre a maior ou menor complexidade do assunto, no momento em que o tribunal a quo o fez, constitui a abertura da possibilidade do réu/demandado poder provocar a existência de uma excepção inominada de uso indevido do procedimento de injunção, mediante a apresentação de uma oposição complexa e até, eventualmente ancorada em factos falsos; LL) A existência de uma excepção inominada de uso indevido do meio processual deverá ser sempre aferida por via daquilo que consta do requerimento injuntivo e consta aí alegado e, porque, como bem sabe o meritíssimo tribunal a quo, se se considerasse que os factos alegados pela A./requerente fossem falsos, tal deveria reflectir-se no momento da decisão material da questão controvertida, até, através da actuação dos mecanismos previstos quanto à litigância de má-fé; MM) Ao contrário do que afirma a decisão proferida pelo meritíssimo tribunal a quo também não é certo que o uso do meio injuntivo e da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias pudesse trazer qualquer diminuição de defesas processuais à R./Requerida; NN) Na realidade, e também ao contrário do que é afiançado na sentença ora em crise, o artigo 547º, do Código de Processo Civil fornece as ferramentas necessárias à adequação da tramitação da causa a uma maior complexidade do litígio, relativamente a todos os aspectos mencionados; OO) Isto também porque, em termos doutrinários e jurisprudenciais, e certo que o princípio da adequação formal não significa apenas uma possibilidade de simplificação de procedimentos, podendo significar uma densificação de processos, com incremento de complexidade processual se as características do litígio assim o ditarem, por forma a garantir um procedimento equitativo; PP) Também por aqui não será legal e permitido ao meritíssimo tribunal a quo determinar a existência de um uso inadequado do meio injuntivo, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra em que se determine a inexistência de tal excepção inominada de uso inadequado do meio injuntivo, por violação do disposto no Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro, do disposto no artigo 10º, do Decreto-lei nº 62/2013, de 10 de Maio, e aquilo que dispõem os números 1 e 2, do artigo 576º, 577º, e 578º, do Código de Processo Civil; QQ) A ora recorrente não pode aceitar a decisão proferida pelo meritíssimo tribunal a quo, pelo simples facto de, objectivamente, a situação em apreço não se revestir de uma especial complexidade que determine a inadequação do meio injuntivo e da acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contratos; RR) Desde logo, não pode a adequação do meio injuntivo ficar dependente do preenchimento de um conceito indeterminado como “complexidade da causa”; SS) Porque o preenchimento concreto de tal conceito não é unânime, nem se estriba em características que possam ser usadas genericamente em vários casos com idênticas características e também porque acabam por se alicerçar em razões, pura e simplesmente, subjectivas inerentes ao julgador; NO ENTANTO, TT) Mesmo que assim não se entenda, e seguindo a base do fundamento daquilo que é a decisão ora em crise, não se pode objectivamente entender como de especial complexidade aquilo que são as questões que se pretende sejam decididas no presente caso, ou que estas questões sejam de complexidade incompatível com a tramitação da acção declarativa conexa com a injunção; UU) Verdadeiramente, apenas é controvertido, a validade formal do contrato de prestação de serviços outorgado; e, se os trabalhos que constituíam o objecto do contrato foram todos executados de acordo com o contratado, e de acordo com as regras da arte, e se os bens a serem fornecidos, o foram efectivamente, de acordo com o contratado; VV) Também por falta de fundamento factual, deve a decisão proferida ser revogada, e substituída por outra em que se determine o indeferimento da existência de uma excepção inominada de uso indevido do procedimento injuntivo, e, consequente prossecução dos presentes autos para julgamento, por violação do disposto no Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, no artigo 10º, do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, e o disposto nos números 1 e 2, do artigo 576º, 577º, e 578º, do Código de Processo Civil; WW) Pelo que, deve o presente recurso de apelação obter provimento e, em consequência ser a decisão final ora em crise ser revogada e substituída por outra em que se determine a inexistência de uma qualquer excepção dilatória inominada de uso indevido do meio injuntivo e se ordene a prossecução dos autos para julgamento e posterior decisão de mérito final. Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser dado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, revogando-se a decisão final proferida pelo meritíssimo tribunal a quo, e substituindo-a por outra que determine o indeferimento da existência ou do preenchimento da uma qualquer excepção inominada de uso indevido do meio injuntivo e ordenando-se a remessa dos uatos para julgamento e posterior decisão de mérito final., fazendo V. Exas. a costumada e sã…JUSTIÇA! 7) Não foram apresentadas contra-alegações. 8) O requerimento de interposição de recurso foi admitido, corretamente, por despacho de 05/03/2025, como de apelação, com subida nos autos e com efeito devolutivo, nos termos dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1, do C.P.C. - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.). Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação. Assim, as questões (e não razões ou argumentos – pois que, quanto a tal, não há qualquer obrigação de o Tribunal os rebater especificadamente) a decidir são: 1) Se a matéria de facto e, perante as plausíveis soluções, também a de Direito, se revestem de especial complexidade. 2) Se nos casos em que a especial complexidade se verifique as pessoas (singulares ou coletivas), e sem outro motivo processualmente válido, ficam inibidas de lançar mão do instituto do procedimento especial para cobrança de obrigações pecuniárias (procedimento de injunção).
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Os factos relevantes para a decisão são os constantes da sinopse processual antecedente, que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.
O Direito aplicável aos factos
Seremos tão sucintos quanto possível, sem considerandos e citações desnecessárias à fundamentação da decisão([10]). Passemos então a responder às questões. 1) Se a matéria de facto e, perante as plausíveis soluções, também a de Direito, se revestem de especial complexidade. Tivemos o cuidado de, ao elaborarmos a sinopse processual, mencionarmos o número de documentos constantes dos autos, juntos por ambas as partes (oito mais um, num total de 9 – sendo que nos demos ao trabalho de contar o número de páginas que os perfazem: 18…), e o número de pessoas a ouvir em sede produção de prova: uma. Assim, pela prova a produzir e a analisar é patente que não podemos concluir pela verificação de alguma especial complexidade. O mesmo vale para as questões jurídicas que a M.ma Juíza do tribunal a quo elencou como sendo complexas: “questões, que se entendem de complexidade como a nulidade do contrato por falta de forma, redução de preço por alegada «existência de defeitos, erros e desconformidades», decorrentes de «vícios de construção, erros de execução e/ou deficiência dos materiais incorporados na obra executada, bem como a falta de rigor técnico», alegando-se ainda que a A. não reconheceu tais defeitos e que a R. teve de contratar terceiro [p]ara proceder à reparação”. Assim, respondemos à questão em apreço dizendo que não consideramos que os autos revelem algum tipo de especial complexidade. 2) Se nos casos em que a especial complexidade se verifique as pessoas (singulares ou coletivas), e sem outro motivo processualmente válido, ficam inibidas de lançar mão do instituto do procedimento especial para cobrança de obrigações pecuniárias (procedimento de injunção). Começando pelo fim, a resposta é não – em conformidade, aliás, à jurisprudência desenvolvida ao longo de anos, hoje praticamente consensual. Vejamos. O instituto jurídico em causa é o resultante da conjugação do disposto no D.L. 269/98, de 01/09, com o previsto no D.L. 62/2013, de 10/05, que é um mecanismo simplificado de cobrança de créditos emergentes de contratos (e contra o atraso no pagamento de transações comerciais), não sendo o último aplicável nas situações nele descritas no art.º 2.º, n.º 2, “2 - São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”. O objetivo deste mecanismo, simplificado, é que seja conferida força executiva ao requerimento de injunção. Estão em causa nesta ação duas empresas, bem como uma transação comercial, constando do art.º 3.º, al. d), do D.L. 62/2013, de 10/05, a noção de empresa, “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares”, e da al. b), a definição de transação comercial, “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. Num ordenamento jurídico pautado por princípios como o de um processo equitativo – em que o princípio do contraditório (como descrito entre o mais no art.º 3.º do C.P.C.) tem de ser observado –, o da almejada celeridade, economia processual e prossecução da justiça material (como decorre, desde logo, do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, in fine, do C.P.C.), são de afastar entendimentos processuais que ponham em causa tais paradigmas do processo civil – sobremaneira os que minem a intenção do legislador, pois simplificado não é sinónimo de ausência de questões decidendas, sejam de matéria de facto, sejam de Direito. Aliás, mesmo na generalidade dos processos de execução fundados em títulos de outra natureza, nos termos dos elencados no art.º 703.º do C.P.C., é muito frequente a dedução de embargos, de executado ou de terceiro, que têm natureza declarativa e aos quais podem servir de fundamento uma panóplia de questões… Ora, perante o que vimos dizendo, parece-nos oportuno citar o ponto I do sumário do acórdão desta Secção, datado de 14/12/2022, “[n]ão há fundamento legal para limitar o procedimento de injunção aos casos que se entendam ser simples ou excluí-lo perante litígios que se tenham por complexos”([11]). Parece-nos também importante referir, a tal propósito, que o alegado argumento careceria de dados estatisticamente apurados – que não vemos citados pelo tribunal a quo e que desconhecemos –, ou seja, em que percentagem de casos o procedimento especial terminou num procedimento gorado pela morosidade decorrente da sua complexidade; estamos em crer (por também não dispormos de dados estatísticos) que na esmagadora maioria dos casos, o fim pretendido pelo legislador estará a ser alcançado. No sentido do acabado de citar (e igualmente citado em tal acórdão), temos um outro desta Secção que é oportuno invocar. Trata-se do acórdão proferido no processo n.º 52737/21.4YIPRT.P1, datado de 21/02/2022, no qual os pontos I a III do sumário são do seguinte teor: “I - De acordo com o regime jurídico presentemente em vigor, o procedimento de injunção pode ter por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a €15.000,00 (a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1.09) ou, independentemente do valor da dívida, de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10.05. II - A determinação do âmbito de aplicação do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa - em que o mesmo se transmuta em resultado de oposição deduzida - faz-se em função da aferição de pressupostos objectivos e subjectivos definidos nos mencionados diplomas. III - A maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade das referidas formas processuais”([12]). Prometemos sucintez. Assim, e para terminarmos, citamos um outro (recente) acórdão desta Secção([13]), proferido no processo n.º 122152/24.8YIPRT.P1, em que da respetiva fundamentação consta o seguinte: “[f]ace às decisões que, entretanto, surgiram na primeira instância a considerar que o procedimento de injunção não constitui meio adequado para dirimir litígios de maior complexidade, todas as Relações foram chamadas a pronunciar-se sobre o assunto, formando-se, em todas elas, jurisprudência absolutamente consolidada que afastou tal tese”, acrescentando-se de seguida (mais) alguns exemplos apenas desta Secção, entre outros ali mencionados, “- Ac. RP 12-07-2021 (proc.100453/19.7YIPRT.P1, rel. FÁTIMA ANDRADE); - Ac. RP 21-02-2022(proc. 52737/21.4YIPRT.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS); - Ac. RP 14/12/2022 (proc. 22114/22.6YIPRT.P1, rel. JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA); - Ac. RP 12/07/2023 (proc. 101974/21.IYPRT.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA)”. Nos termos sobreditos, o presente recurso será julgado procedente.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a sentença proferida, devendo os autos prosseguirem os seus termos. Custas da apelação pela recorrente, nos termos do art.º 527.º do C.P.C., por dela ter tirado proveito (e não ter havido contra-alegações…). -
Porto, 26/05/2025. - Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Relator: Jorge Martins Ribeiro, 1.º Adjunto: António Mendes Coelho e 2.º Adjunto: Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo. _________________________ |