Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
806/24.5T8VCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO COMÉRCIO
Nº do Documento: RP20240923806/24.5T8VCD-A.P1
Data do Acordão: 09/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência os tribunais em razão da matéria afere-se em função da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor, em termos do pedido e da causa de pedir e da própria natureza dos sujeitos processuais, não relevado, para o efeito, analisar qual o correcto regime jurídico aplicável.
II - Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é a existência de uma relação jurídica administrativa.
III - Analisada a pretensão formulada e o direito para o qual os Requerentes pretendem a tutela jurisdicional, bem como os factos jurídicos invocados dos quais emerge esse direito, consistindo a relação material controvertida configurada no requerimento inicial uma relação jurídica de direito privado, a dirimir por aplicação de normas de direito privado, são competentes em razão da matéria os tribunais comuns.
IV - Não sendo a questão principal dos autos a interpretação, validade e a execução do contrato para a concessão de exploração do Convento ..., celebrado entre o Estado, na qualidade de proprietário do imóvel, o Munício, na qualidade de “concedente”, e A..., na qualidade de “concessionária, mostrando-se necessária a apreciação da cláusula 11ª desse contrato, para apreciação e decisão da pretensão dos Requerentes relativamente ao Município, o tribunal comum é também competente para conhecer dessa questão, nos termos do art. 91º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 806/24.5T8VCD-A.P1

Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeiro Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais; e

Segundo Adjunto: Manuel Fernandes.

I – Relatório

AA e BB intentaram o presente procedimento cautelar comum contra a A..., Lda., o Município ..., a B..., S.A. e o Estado Português, pedindo que os Requeridos sejam solidariamente condenados a:

i. Remover o aterro efectuado na zona envolvente do Convento ..., na parte em que o logradouro desse imóvel confina directamente com o prédio dos requerentes identificado no item 1.º do requerimento inicial.

ii. Providenciar que, do lado do Convento, na zona circundante da esplanada aí construída e junto ao muro divisório de ambas as propriedades, e em toda a extensão do prédio dos requerentes, exista uma altura ao solo de pelo menos 1,5 metros, por forma a garantir o cumprimento do preceituado no art. 1362.º, n.º 2 do Código Civil.

iii. Proceder à recolha e condução das águas pluviais e outras que se depositem nessa mesma parte do logradouro (seja por forma natural ou por acção humana), de forma a afastar essas águas para longe do muro divisório de ambas as propriedades, assim evitando a continuação da degradação desse muro.

iv. Pagar solidariamente, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 500€ por dia, desde a data em que for decretada a providência cautelar e até ao momento em que se mostrem integralmente cumpridas as medidas que vierem a ser sentenciadas pelo Tribunal.

Alegaram, em síntese, que:

_ São proprietários do prédio urbano cujo logradouro confina, pelo lado norte, com o Convento .... Entre o prédio dos Requerente e o Convento existe um muro divisório que ameaça ruir sobre o quintal e moradia dos Requerentes.

_ O Convento ... pertence ao domínio privado do Estado Português/Direcção Geral do Tesouro e Finanças, sendo administrado pela requerida B..., S.A.. Em 2014, o Estado celebrou com o Município ... um contrato de cedência do Convento, para que este pudesse utilizar e explorar o mesmo. Após, foi celebrado um memorando de entendimento entre o Estado Português e o Município ..., envolvendo diversas entidades públicas, no qual o Município se comprometeu a lançar um concurso público para exploração hoteleira do Convento. Em 2018, o Município ..., com o beneplácito do Estado, concedeu à A... o direito de exploração do Convento por 50 anos. Nesse contrato foi estipulado que quando terminar o contrato de cedência ao Município, o Estado Português sucede na posição de concedente da exploração. Nos termos do contrato, a A..., nos últimos anos, realizou obras no Convento com vista à abertura de uma unidade hoteleira. Desse contrato resulta ainda que o Município poderá substituir-se à A... promovendo a execução de medidas urgentes que a A..., depois de notificada para o efeito, não as realize em prazo razoável.

_ Assim, a A... é demandada como autora das obras que geraram os danos iminentes; o Município é demandado porque o proprietário lhe cedeu o Convento e, nessa qualidade, concedeu a exploração, mas mantém o dever de conservá-lo; a B... é demandada como entidade administradora do Convento; e o Estado Português, atenta a sua qualidade de proprietário do imóvel. Acrescenta que a demanda das Requeridas tem subjacente também questões de celeridade processual, pois verifica-se uma tentativa de alijamento de responsabilidades.

_ Desde tempos imemoriais, os limites do Convento são constituídos por um muro em pedra, sendo que do lado sul (o que aqui releva), tal muro tem uma altura não inferior a 3 metros e que divide o referido Convento de, em parte, do prédio dos Requerentes. No logradouro do Convento, junto ao muro, a A... fez obras, fazendo um aterro com vários metros de altura e construiu uma esplanada, o que causou a cedência parcial do muro e bem ainda a abertura de fendas que se alargam de dia para dia. Acresce que os responsáveis pela obra mandaram encerrar todas as aberturas existentes no muro sem que previamente tivesse recolhido e encaminhado as águas pluviais, incumprindo assim as obrigações aplicáveis à realização das obras. Por tudo isso, a queda do muro prevê-se iminente, o que causará estragos no prédio dos Requerentes, colocando em perigo não só a sua integridade física, como a de outras pessoas que se encontrem ou passem no local, como também causará elevados danos patrimoniais.

_ A A... e o Município foram alertados para a situação e nada fizeram para evitar o desastre, tendo este determinado, apenas, uma vistoria por técnicos seus que inspeccionaram o local e elaboraram relatório que determinou que a A... deveria iniciar, de imediato, obras para repor a estabilidade do muro em apreço e realizar rede de drenagem de águas pluviais, obras que deveriam ser concluídas em 60 dias (prazo que há muito se esgotou). O Município (que podia substituir-se à A...) também nada fez para sustentar o muro. Se alguma tragédia acontecer, o Estado Português, enquanto proprietário e responsável pela conservação do muro, será também responsável pelos prejuízos e eventuais perdas de vidas humanas.

_ A construção do aterro até ao limite do muro tornou essa zona acessível a funcionários e hóspedes da unidade hoteleira existente no Convento e permite a devassa do prédio dos requerentes pois não existe muro ou parapeito com altura superior a 1,5m. Os Requerentes não consentem, nem consentirão na constituição de qualquer servidão de vistas sobre o seu prédio. Esta situação viola e continuará a violar os direitos dos Requerentes enquanto não for corrigida por via desta providência cautelar.

_A iminente queda do muro é um perigo real e justifica o recurso a uma providencia cautelar, e o não cumprimento das regras de distanciamento das construções viola de forma continuada o direito dos Requerentes e urge pôr-lhe cobro, justificando adicionalmente o recurso à providência.

_ A conduta omissiva dos Requeridos mantém-se há meses e por isso afigura-se adequada a fixação de uma sanção pecuniária no montante de €.500,00 por cada dia de atraso.

I.1_ Citados, os Requeridos deduziram oposição.

A Requerida B..., S.A. apresentou defesa por excepção e por impugnação.

Alegou, em síntese, que:

_ O Convento ..., imóvel situado no Município ..., é um imóvel do domínio privado do Estado Português, que compreende o edifício do Mosteiro e logradouros, e a sua fachada tardoz confronta, a sul, com uma pequena faixa de terreno do domínio público, situada na margem do ...

_ O Convento ... (Mosteiro) encontra-se em vias de classificação como monumento nacional (MN), de acordo com o n.º 5 do artigo 25.º da Lei n.º107/2001, de 8 de Setembro (“Lei de Bases Do Património Cultural”), conforme Anúncio n.º 65/2014, publicado em Diário da República, 2.ª Série, nº 54, de 18 de Março. Nos termos do nº3 desse Anúncio, todos os imóveis situados entre a fachada tardoz do Convento ... até ao ..., onde se inclui o imóvel dos Requerentes sito na Avenida ..., se encontram na Zona Geral de Protecção. Dos nºs 4 e 5 do artigo 43.º da Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro, no que diz respeito às zonas de protecção (onde se insere o prédio dos Requerentes) resulta que:
(i) “4. As zonas de proteção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes e coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente.”.
(ii) “5. Excluem-se do preceituado pelo número anterior as obras de mera alteração no interior de imóveis.”.

_ A faixa de terreno situada a sul entre a fachada tardoz do Convento e o ... (onde se encontra o imóvel dos Requerentes), por se situar a menos de 50 m de distância do leito do ..., constitui bem do domínio público do Estado (artigo 84.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa).

_ Resulta do artigo 5.º do supra citado Diploma (Lei da Água) que “Constitui atribuição do Estado promover a gestão sustentada das águas e prosseguir as atividades necessárias à aplicação da presente lei”, e do artigo 7.º, nº 1 que “A instituição da Administração Pública a quem cabe exercer as competências previstas na presente lei é a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. (APA, I. P.), que, como autoridade nacional da água, representa o Estado como garante da política nacional e prossegue as suas atribuições, ao nível territorial, de gestão dos recursos hídricos, incluindo o respetivo planeamento, licenciamento, monitorização e fiscalização ao nível da região hidrográfica, através dos seus serviços desconcentrados”.

_ Concluiu que no que concerne à intervenção para a reabilitação do Convento ..., a mesma incidiu: (i) em área abrangida em domínio privado do Estado Português - o Convento ... (ainda que condicionada pelas vicissitudes decorrentes de se encontrar em vias de classificação como monumento nacional); e (ii) em área do domínio público do Estado – a faixa de terreno situada a sul da fachada tardoz do Mosteiro, localizada na margem do ....

_ O Convento ... encontra-se ainda incluído na Zona Especial de Protecção da Igreja do Convento ..., esta última classificada como Monumento Nacional e como tal, bem do domínio público do Estado, ao abrigo do n.º 1, al. f), e do n.º 2 do artigo 84.º da CRP, conjugado com os artigos 4.º, al. m) do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de Outubro (Inventário geral do património do Estado), e artigo 15.º do DL n.º 280/2007, de 07 de Agosto (Regime jurídico do património imobiliário público).

_ Com vista à recuperação e requalificação do Convento ... e áreas circundantes do domínio público do Estado Português foram praticados os seguintes actos administrativos:

1. Em 13 de Fevereiro de 2014 foi celebrado um “Auto de Cedência e de Aceitação” entre o Estado Português (“Quarto Requerido”), na qualidade de proprietário do “Convento ...”, e o Município ..., através do qual o ESTADO cedeu ao MUNICÍPIO a utilização daquele imóvel, por um período de um ano, para que este procedesse à sua recuperação, tendo em vista a sua adaptação a fins culturais, artísticos e turísticos.

Resulta desse “Auto de Cedência e de Aceitação” que o Convento ... “(…) se encontra incluído na Zona Especial de Proteção da Igreja do Convento ..., pelo que, a realização de quaisquer obras no mesmo carece de envio prévio dos respetivos projetos às entidades competentes na matéria respeitante à salvaguarda e valorização do património cultural português, para apreciação e aprovação”.

2. No dia 15 de Maio de 2014, o Estado Português e o Município ... celebraram uma adenda ao “Auto de Cedência e de Aceitação” através do qual prorrogaram a cedência de utilização do Convento ..., de molde a que, no primeiro ano sejam realizadas as obras de recuperação, e, nos cinco anos subsequentes, o MUNICÍPIO, proceda à “(…) implementação das ações de dinamização e animação cultural e criativa (Pólo de atividades culturais e criativas a instalar no Mosteiro) de acordo com os compromissos estabelecidos com os agentes culturais, constantes das declarações submetidas ao Aviso PC/1/2014, promovido pelo Programa Operacional do Norte (ON.2)”.

3. No dia 17 de Julho de 2017, o (I) Estado Português, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (“DGTF”), a (II) Direção-Geral do Património Cultural (“DGPC”); a (iii) Direção-Regional de Cultura do Norte (“DRCN”); a (iv) Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (“APA, I.P.”); o (v) Turismo de Portugal; e (vi) o Município ..., celebraram um “Memorando de Entendimento”, através do qual, o ESTADO (na qualidade de cedente) e o MUNICÍPIO (na qualidade de cessionário), pretendem incluir o Convento ... - à data já em vias de classificação como Monumento Nacional - no âmbito do Programa REVIVE (que “promove a requalificação e o aproveitamento turísticos de imóveis públicos, sem utilização”).

Desse “Memorando de Entendimento”, consta, da Cláusula 1ª (objecto), “Através do presente Memorando são estabelecidos os termos da colaboração entre as Partes, tendo em vista a requalificação e aproveitamento turístico do Convento ..., em ..., no âmbito do Programa Revive”.

4. No seguimento desse “Memorando de Entendimento”, em 28 de Fevereiro de 2018 a APA, I.P. celebrou com o MUNICÍPIO, um “Contrato interadministrativo de delegação de competências” para efeitos do programa REVIVE, do qual consta (considerando 9) que “(…) uma parte da área objeto da intervenção é abrangida pela margem do ..., pelo que importa (…), delegar a competência de licenciamento da referida utilização no Município ..., nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 8.º da Lei da Água.”

_ Na cláusula 1ª desse “Contrato interadministrativo de delegação de competências” é definido o seu objecto, constando dessa cláusula que:




_ Sobre o âmbito de intervenção, estipula a cláusula 2ª que o contrato visa reforçar a colaboração e a articulação em matéria de licenciamento e gestão dos recursos hídricos, abrangendo o licenciamento, fiscalização e promoção das intervenções necessárais, no ãmbito da requalificação do Convento ..., para efeitos do Programma Revive…”.

5. Através de Despacho do Secretário de Estado do Tesouro de 25 de Maio de 2018, o MUNICÍPIO foi autorizado a lançar procedimento concursal com vista à outorga de um contrato de concessão de exploração do Convento ... – nos termos previstos no Código dos Contratos Públicos – a vigorar por prazo alargado, ou seja, por prazo superior à cedência de utilização de que aquele era titular.

6. Em 18 de Dezembro de 2018, foi então celebrado entre a DGTF, na qualidade de proprietário do Convento ..., o MUNICÍPIO, na qualidade de cedente e em quem foram delegadas as competências pela APA. I.P. quanto à legitimidade para inclusão do direito a explorar a parcela do domínio público, e a A..., LDA. (“Primeira Requerida ou A...”), na qualidade de concessionária, o “Contrato para a Exploração do Convento ...”, no âmbito do qual foram realizadas, por esta última, as obras de recuperação e requalificação daquele imóvel (Convento ..., domínio privado do Estado, em vias de classificação, e parcela de terreno a sul da fachada tardoz do Convento, domínio público lacustre e fluvial do Estado, por se situar na margem do ...).

7. Consta da Cláusula 2.ª do “Contrato para a Exploração do Convento ...” que:


_ Embora a Primeira Requerida seja uma entidade privada, o presente litígio emerge de um contrato para a concessão da exploração do Convento ..., celebrado entre aquela e o MUNICÍPIO (Segundo Requerido), e bem assim, de “Contrato interadministrativo de delegação de competências”, celebrado entre a APA, I.P. e o MUNICÍPIO, pelo que estamos perante uma relação jurídica administrativa em que duas das pessoas são públicas e a outra é privada, mas tem por objetivo a prossecução do interesse público.

_ Os Requerentes alegam que os danos já materializados no muro situado entre o Convento ... e o seu imóvel, bem como os danos que pretendem evitar, resultarão de trabalhos de requalificação do Convento ..., realizado ao abrigo de disposições ou princípios de direito administrativo, no âmbito de um contrato para a concessão da exploração de um imóvel do ESTADO, precedido de um “Auto de Cedência e Aceitação” celebrado entre o ESTADO e o MUNICÍPIO, e, no que à parcela de terreno que integra o domínio público do Estado diz respeito, através de um “Contrato interadministrativo de delegação de competências”, celebrado entre a APA, I.P. e o MUNICÍPIO, contratos esses que, enquanto modalidade típica de contrato administrativo, se regem por princípios e normas de direito administrativo.

_ O n.º 1 do art.º 4.º do ETAF, na sua alínea i), determina que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.

Concluiu que são competentes para julgar a presente providência cautelar os tribunais administrativos, à luz do artigo 4.º, n.º 1, alíneas a) e i), do ETAF(Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), e dos artigos 2.º, n.º 2, alínea q) e 37.º, n.º 1, alínea h), do Código Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), sendo o Juízo Local Cível incompetente em razão da matéria.

I.2_ A Requerida A..., Lda. deduziu oposição, pugnando pela improcedência da providência.

I.3_ O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 4.º n.º1 alínea b), 9.º n.º1 alínea a) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, art. 24.º n.º 1 do CPC, e 219.º da CRP, em representação do Estado, apresentou oposição.

Invocou a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, alegando, em síntese, que:

_ O Estado Português, em 18/12/2018, celebrou um contrato de concessão da exploração do Convento ... em ..., com início em 18/12/2018, pelo prazo de 50 (cinquenta) anos, com o Município ... e com a sociedade A..., Lda.

_ Nos termos do mesmo, ficou acordado que seria o Concessionário quem responderia pela culpa ou pelo risco nos termos da lei geral por quaisquer danos causados no exercício das actividades objecto do contrato.

_ E, de acordo com as clausulas 10.ª, 18ª e 19.ª todas as obras de reabilitação, requalificação seriam da responsabilidade do Concessionário e não do Estado Português.

_ Assim sendo, por força de tal transferência, passou a ser o Concessionário quem se ocupou da reabilitação, requalificação, construção e exploração do referido Convento, e quem ficou responsável pelas mesmas.

_ O artº 1º n.º1 e nº5 da Lei nº67/2007 de 31/12 e as alíneas a) e i) do nº1 do artº 4º do ETAF aplicam-se nas relações Estado/ente, privado ou público e pois, existindo um contrato de concessão, a verdade é que o Estado actuou no «exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”.

_ Deste modo, o presente litígio advém de um contrato para a concessão da exploração do Convento ..., celebrado com o Município, para além da existência de outros contratos, nomeadamente do “Contrato interadministrativo de delegação de competências”, celebrado entre a APA, I.P. e o Município, pelo que estamos perante uma relação jurídica administrativa de cariz público e tendo por objetivo a prossecução do interesse público.

Concluiu que o Juízo Local Cível de Vila do Conde é materialmente incompetente para apreciar a presente providência cautelar, sendo antes a competência atribuída aos Tribunais Administrativos, à luz dos artigos 4.º, n.º 1, alíneas a) e i), do ETAF e dos artigos 2.º, n.º 2, alínea q) e 37.º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”).

I.4_ O Município ... apresentou oposição.

Invocou a incompetência em razão da matéria do Juízo Local Cível de Vila do Conde, com os seguintes fundamentos:

_ A intervenção do Município ocorreu e só pode ocorrer no âmbito de uma relação jurídica administrativa. Na verdade, quer os Requerentes pretendam fazê-lo intervir nos autos na sua qualidade de Concedente no contrato que juntam ao libelo como doc. 3, quer visem desencadear um acto administrativo e, eventualmente, a sua actuação nos moldes previstos sob os arts. 89-2-3-4 ou (e) 102-2/c/f-3/a/b do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sempre se trata do exercício de poderes públicos, próprios de relações jurídico-administrativas.

_ A jurisdição exclusivamente competente para apreciar tais matérias e condenar a Administração à prática de actos ou à adopção das medidas cautelares pertinentes é a jurisdição administrativa (arts. 1.º e 4.º-1/a/d/e/o do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Concluiu, pedindo a sua absolvição da instância.

I.5_Por despacho de 13/6/2024, foi determinada a notificação dos Requerentes, para, querendo, se pronunciarem sobre a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, o que fizeram, por requerimento de 28/6/2024, alegando, em síntese, que:

_ Os requerentes, arrogando-se proprietários de um imóvel, demandam os meros possuidores, detentores e proprietários de um imóvel confrontante, para que sejam condenados cautelarmente a praticar actos que visem impedir a provável queda do muro que delimita ambos os imóveis confrontantes.

_ A concretizar-se a queda desse muro será susceptível de causar graves danos na sua propriedade e inclusive colocar em risco a integridade física e até a vida humana, de pessoas que aí habitem ou que aí se possam encontrar no momento em que a derrocada ocorrer.

_ Estamos assim, claramente, no âmbito do direito civil, mais propriamente dos Direitos Reais, clamando os requerentes a defesa do seu direito de propriedade e a prevenção de actos que possam turbar esse mesmo direito.

_ Insurgem-se, ainda, os requerentes contra a – que dizem ter sido criada com as obras recentemente efectuadas – a devassa do seu prédio resultante da circunstância de, por via de aterro, o muro divisório estar agora com uma altura inferior a 1,50 metros, contrariando, assim, o disposto no artº 1360º do Código Civil.

_ Mais uma vez, estamos perante uma defesa dos direitos reais do proprietário, portanto de natureza estritamente civil.

Assim, independentemente de o proprietário, o cessionário, o concessionário, o mero possuidor, do prédio vizinho ao dos requerentes ser uma entidade pública ou não, o certo é que a relação jurídica trazida à liça, na petição, é uma relação de natureza privada e não administrativa.

_ Para a decisão da providência é indiferente o contrato de natureza pública que tenha sido celebrado pelo ESTADO com a B..., ou pela B... e o ESTADO com o MUNICÍPIO, ou por este com uma empresa privada no âmbito de um contrato de concessão, ou seja lá qual seja a relação jurídica entre as partes requeridas.

_ O certo é que uma empresa privada, uma sociedade civil sob forma comercial, executou obras num prédio contíguo ao dos requerentes e, dessas obras, alegadamente, resultaram violados direitos de natureza civil dos proprietários do prédio confinante. É isto que o Tribunal é chamado a apreciar. E para esta matéria o Tribunal Administrativo não é competente.

_ A longuíssima peroração sobre se o Convento ... e os terrenos envolventes pertencem ao domínio público ou ao domínio privado do Estado, sobre se existe algum contrato de concessão pública ou de transmissão de direitos de natureza administrativa, salvo melhor opinião, é matéria para confundir a questão, a qual é linearmente simples e se insere na esfera privada das relações de vizinhança.

_ Não existe aqui nenhum litígio emergente de relações jurídicas administrativas, sendo por demais evidente que os aqui requerentes não estabeleceram nenhuma relação jurídica administrativa com a B..., com o ESTADO ou com o MUNICÍPIO e não estão em apreciação as relações jurídicas administrativas que possam ter sido estabelecidas entre as diversas entidades requeridas.

_ O fundamento desta providência são as obras feitas pela entidade privada, aqui 1ª requerida A..., estando sintetizadas, no item 17º, as qualidades em que são demandados os requeridos: O MUNICÍPIO, porque tem o dever de conservar e preservar o imóvel que lhe foi cedido; a B..., como entidade administradora do imóvel, e o ESTADO como proprietário do imóvel que pertence ao seu domínio privado.

Caso se venha a entender que não tem razão de ser a demanda de alguma destas entidades, isso não terá o condão de acarretar a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria.

Concluem, pugnando pela improcedência da excepção.

I.6 Por despacho proferido em 4/7/2024, foi apreciada a excepção da incompetência em razão da matéria, tendo o Tribunal a quo decidido “… por todo o exposto, e ao abrigo do disposto no art. 64.º do Código de Processo Civil, julga-se improcedente a invocada incompetência em razão da matéria deste Tribunal.”.

I.7 Inconformado com essa decisão, o Município ... interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:

“1.ª Quer se entenda que o pedido e a causa de pedir assentam, quanto ao Recorrente, na sua alegada responsabilidade civil extracontratual, quer se considere que o pedido formulado se traduz no pedido de condenação do Recorrente na prática de um acto administrativo de sequestro da concessão identificada nos autos, quer, ainda, se cuide que a sua intervenção só pode ocorrer ao abrigo do disposto no art. 89 do RJUE, sempre a jurisdição administrativa será a única competente para a apreciação do litígio.

2.ª Actualmente, perante a estatuição do art. 4.º-1/g do ETAF, compete à jurisdição administrativa dirimir todos os litígios referentes à responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, ainda que não inseridos no âmbito de estritas relações jurídico-administrativas.

3.ª A tanto não obsta a norma do art. 212-3 da CRP, porquanto o ETAF foi aprovado por lei da Assembleia da República, no respeito do preceituado no art. 165-1/p da Lei Fundamental (JORGE MIRANDA & RUI MEDEIROS, op. et loc cit.).

4.ª Neste sentido, entre muitos outros (entre eles, os referidos supra), vide o douto acórdão proferido pelo Tribunal dos Conflitos em 06-12-2012, no proc. 08/12.

5.ª Também não é óbice o facto de a Concessionária e 1.ª Requerida ser uma entidade privada, conforme de demonstra no douto acórdão do Tribunal dos Conflitos 01543/23.3T8GMR.S1, de 27-09-2023.

6.ª No caso vertente, a competência da jurisdição do litígio para a apreciação do litígio é manifesta, porquanto a relação que Requerentes ou demais Requeridos podem estabelecer com o Município é sempre de natureza jurídico-administrativa:

a) tanto no que toca ao contrato da concessão que os Requerentes querem ver sequestrado, por alegado incumprimento dos deveres da concessionária (art. 421 do Código dos Contratos Públicos), o que implica a condenação à prática de um acto administrativo (art. 307-2 do mesmo Código);

b) como no que concerne ao possível decretamento de medidas de tutela da segurança pública, actuando o ora Recorrente com respaldo no citado preceito do art. 89 do RJUE.

7.ª Ao sustentar o oposto, julgando improcedente a excepção suscitada e declarando-se competente para a apreciação e decisão do litígio, o Tribunal recorrido ofendeu, por erradas interpretação e aplicação, o preceito do art. 4.º-1/g do ETAF.”.

I.8_ Os Recorridos apresentaram resposta, pugnando pela improcedência do recurso.

I.9 Por despacho de 2/9/2024, foi admitido o recurso.


*

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*

II_ Questão a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, perante as conclusões apresentadas pelo Recorrente a questão a apreciar consiste em determinar se para apreciar e decidir a presente providência cautelar são materialmente competentes os tribunais judiciais ou os tribunais administrativos.

III_ Fundamentação de facto

Os factos a considerar, relevantes para a decisão são os que decorrem do relatório supra, sem prejuízo dos mais que se ponderarão na apreciação do objecto do recurso.

IV_ Fundamentação de direito

Dissente o Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sustentando que “[actualmente, perante a estatuição do art. 4.º-1/g do ETAF, compete à jurisdição administrativa dirimir todos os litígios referentes à responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, ainda que não inseridos no âmbito de estritas relações jurídico-administrativas”, não obstando a este entendimento “a norma do art. 212-3 da CRP, porquanto o ETAF foi aprovado por lei da Assembleia da República, no respeito do preceituado no respeito do preceituado no art. 165-1/p da Lei Fundamental…”.

Advoga, ainda, que “não é óbice o facto de a Concessionária e 1.ª Requerida ser uma entidade privada”, fundamentando a sua posição no Acórdão proferido em 27/09/2023, pelo Tribunal dos Conflitos, no processo nº 01543/23.3T8GMR.S1, e que “a relação que Requerentes ou demais Requeridos podem estabelecer com o Município é sempre de natureza jurídico-administrativa: a) tanto no que toca ao contrato da concessão que os Requerentes querem ver sequestrado, por alegado incumprimento dos deveres da concessionária (art. 421 do Código dos Contratos Públicos), o que implica a condenação à prática de um acto administrativo (art. 307-2 do mesmo Código); b) como no que concerne ao possível decretamento de medidas de tutela da segurança pública, actuando o ora Recorrente com respaldo no citado preceito do art. 89 do RJUE.”.

Conclui o Recorrente que ao julgar improcedente a excepção, “declarando-se competente para a apreciação e decisão do litígio, o Tribunal recorrido ofendeu, por erradas interpretação e aplicação, o preceito do art. 4.º-1/g do ETAF.”[1].

Sustentam os Recorridos que alegaram: (i) a titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel; (ii) que “a 1ª requerida, uma sociedade empreiteira, havia realizado, com o beneplácito das demais requeridas, algumas obras no prédio confinante, nas quais se incluíram um aterro, e uma consequente situação de acumulação de águas pluviais, que colocavam em sério risco de ruína o muro divisório de ambos os prédios”; e que (iii) “na iminência de o muro tombar para o seu prédio, que é de cota inferior, isso causaria, com grande dose de probabilidade, graves e elevados danos na propriedade dos requerentes.”.

Pediram que a sociedade empreiteira fosse condenada a realizar as medidas necessárias para fazer cessar o perigo de ruína do muro para o interior da sua propriedade e a condenação solidária dos demais requeridos, entre os quais o Município, ora Recorrente. Adicionalmente, alegaram ainda a existência de uma devassa do seu prédio, e peticionaram as medidas necessárias a fazer cessar provisoriamente essa violação do seu direito de propriedade. Finalmente, solicitaram a fixação de uma sanção pecuniária compulsória.

Assim configurada a petição inicial, “estamos perante um litígio de direitos reais, que tem por base o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um imóvel, e a consequente defesa cautelar desse mesmo direito de propriedade.”

Não pretendem – nem isso foi alegado no requerimento inicial - que o Município tenha intervenção ao abrigo de normas do RGEU, designadamente do seu artigo 89º. A pretensão deduzida é que “a empresa particular, a empreiteira (1ª requerida A...), seja condenada a praticar os actos necessários para evitar os potenciais danos” e que “os demais requeridos, entre os quais o Município, sejam solidariamente condenados, ou seja, convencidos da necessidade de se realizarem tais medidas conservatórias”.

Na petição, não foi alegada a prática, pelo Município, de qualquer acto ilícito, nem é invocada a responsabilidade extracontratual do mesmo e, contrariamente ao que o Recorrente alega, não é pedido que o Município seja condenado a praticar um acto administrativo de sequestro de concessão, tendo o mesmo sido chamado a intervir “porque, nos termos do contrato de concessão celebrado entre o Município e a A..., se esta não fizer as obras que o Tribunal vier a determinar, o aqui recorrente Município poderá, ao abrigo do contrato de concessão entre ambos celebrado, substituir-se à Concessionária [A...], promovendo a execução das medidas por esta não executadas, desde que as mesmas sejam urgentes e a Concessionária, depois de notificada para o efeito, não lhe dê início e/ou não conclua, em prazo razoável fixado pelo Concedente na notificação, as medidas adequadas à reparação da situação.”.

Concluem que no âmbito duma providência cautelar fundada no reconhecimento e na defesa do direito de propriedade, é o tribunal comum o competente para apreciar a pretensão formulada, pelo que não se mostra violado o preceituado no artº 4º n 1, al. g) do ETAF, norma não aplicável à situação material sub judice.

Cumpre apreciar e decidir.

A competência os tribunais em razão da matéria afere-se em função da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor, em termos do pedido e da causa de pedir e da própria natureza dos sujeitos processuais. É pelo “quid decidendum” que a competência se afere[2].

Como se refere no Acórdão de 22 de Novembro de 2022[3] (citado pelo Recorrente):

«Como uniformemente se tem observado, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção).

Significa esta forma de aferição da competência, como por exemplo se observou no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 20/18, que “A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…”.

A mesma orientação se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015[4]: “Como é sabido, a competência do Tribunal em razão da matéria é determinada pela natureza da relação jurídica tal como apresentada pelo autor na petição inicial, confrontando-se o respetivo pedido com a causa de pedir e sendo tal questão, da competência ou incompetência em razão da matéria do Tribunal para o conhecimento de determinado litígio, independente, quer de outras exceções eventualmente existentes, quer do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes”.».

A competência dos tribunais comuns judiciais determina-se por um critério residual, cabendo-lhes, por regra, julgar todas as causas que não estejam atribuídas a outra jurisdição (arts. 64º do CPC e 40º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Nos termos do nº1 do artigo 1º do ETAF, “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.

Dispõe o artigo 4º, nº1, do ETAF que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;



f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;

g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;…”.

Nos termos do nº2 do citado artigo 4º, “Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade”.

Dispõe o artigo 1º, da Lei n.º 67/2007 (Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) que:

“1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.

2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

3 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, a presente lei regula também a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos por danos decorrentes de acções ou omissões adoptadas no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício.

4 - As disposições da presente lei são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando-se extensivas a estes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes.

5 - As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”.

Dispõe o artigo 212°, no seu n.° 1, da C.R.P., «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais» e no seu n.°3, «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais».

Refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 3/11/2015[5], que «[e]sta disposição consagra uma reserva material de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos.

Todavia, é dominante na doutrina e na jurisprudência, a interpretação de que a aludida disposição consagra uma reserva relativa, deixando à liberdade do poder legislativo a introdução de alguns desvios, aditivos ou subtractivos, desde que preserve o núcleo essencial do modelo de acordo com o qual o âmbito regra da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material (vide o Ac. T.C. n.º 211/2007 de 21-03-2007, in www.tribunalconstitucional.pt).».

Assim, segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial.

Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial.

A jurisdição administrativa é exercida por tribunais administrativos, aos quais incumbe, na administração da justiça, dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (arts. 1º, nº 1, do ETAF e 212º, nº 3, da CRP).

Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é a existência de uma relação jurídica administrativa.

Reforça o entendimento da atribuição de competência ser entendida no contexto da relação jurídico-administrativa o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214-5/2015, de 16/10, na sua nota 9: “No que respeita ao ETAF, clarificam-se, desde logo, os termos da relação que se estabelece entre o artigo 1.º e o artigo 4.º, no que respeita à determinação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, e, por outro lado, dá-se mais um passo no sentido, encetado pelo atual ETAF, de fazer corresponder o âmbito da jurisdição aos litígios de natureza administrativa e fiscal que por ela devem ser abrangidos. Neste sentido, estende-se o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal às ações de condenação à remoção de situações constituídas pela Administração em via de facto, sem título que as legitime (…).”

Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 11/7/2017[6] que nos permitimos respeitosamente transcrever:

“O âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais vem definido nas várias alíneas do nº 1 e no nº 2 do artº 4.° do ETAF, pelo que, em termos práticos, as situações jurídicas concretas que não sejam passíveis de integração na sua previsibilidade típica estarão excluídas, à partida, da competência material daqueles Tribunais.

As demais questões (ainda que mencionadas em algumas daquelas alíneas) demandam, a nosso ver, uma cuidada abordagem, nos termos constitucionalmente previstos, em termos de se aferir se a relação material controvertida é de direito público ou de direito privado.

No caso dos autos os AA deduziram contra a ré um pedido de indemnização, baseada na responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, alegando como causa de pedir a atuação ilícita e culposa da ré, que lhe causou danos no muro de que são proprietários (artº 30º da p.i.).
Ou seja, a relação material controvertida está configurada na petição inicial como
uma relação jurídica de direito privado, a dirimir por aplicação de normas de direito privado e todas as questões colocadas pelos AA são questões de direito privado, a resolver segundo as regras do direito privado - cuja aplicação a entidades públicas não está afastada por lei.

Por isso, essa pretensão, contrariamente ao defendido pela recorrente, não encontra acolhimento nas situações tipificadas no artº 4.º n.º1 f) do ETAF, pois embora ali se preveja que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a (…) responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público…”, não podemos dissociar essa responsabilidade civil extra-contratual dos princípios consagrados constitucionalmente nos citados artºs 211° e 212° da Constituição, subjacentes àquela norma e que determinam a competência dos tribunais administrativos e fiscais apenas para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais; não para as relações jurídicas de direito privado, da competência residual dos tribunais judiciais.

Como se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 18.1.2007 (disponível em www.dgsi.pt), proferido já na vigência da nova Lei (Lei n.º 13/2002, de 19.02 que revogou o Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril – Lei do ETF) “a actuação pública de uma entidade não ocorre apenas porque se trate de uma actuação levada a cabo por um ente público. Quer o Estado quer as Autarquias dispõem de um domínio privado e podem, de facto, praticar actos que sejam exclusivamente regulados pelo direito privado. O Prof. Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103, pág. 350 e 351, considerando que a distinção deve atender à circunstância de o acto se integrar ou não numa actividade de direito público da pessoa colectiva pública, estabelece essa distinção da forma seguinte: “se ele (o acto) se compreende nunca actividade de direito privado da pessoa colectiva pública, da mesma natureza da actividade de direito privado desenvolvida por um particular, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão privada; se, pelo contrário, o acto é praticado no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas, mas não nas formas e para a realização de interesses de direito civil, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão pública. O Prof. Antunes Varela definia como actos de gestão privada aqueles em que o Estado ou pessoa colectiva pública intervêm como um simples particular, despido do seu poder público in Das Obrigações em Geral, 2ª ed., vol. 1, pág. 523. O Prof Marcelo Caetano definia a gestão pública como a actividade da Administração regulada por normas que confiram poderes de autoridade para a prossecução de interesses públicos, disciplinem o seu exercício ou organizem os meios necessários para esse efeito (Manual de Direito Administrativo, tomo II, 10ª ed., pág. 1198) e considerava como gestão privada a actividade desenvolvida pela Administração no exercício da sua capacidade de direito privado, procedendo como qualquer outra pessoa no uso das faculdades conferidas por esse direito, ou seja, pelo direito civil ou comercial (obra citada, tomo 1, pág. 431)…”.

E acrescenta, de forma pertinente: “Não se desconhece que a Reforma do Novo Contencioso Administrativo pretendeu estender a competência da jurisdição administrativa a algumas questões que anteriormente lhe estavam vedadas, nem que algumas posições doutrinárias vieram já tomar partido e considerar que os Tribunais Administrativos serão competentes para conhecer de todas as questões relativas à responsabilidade civil extracontratual de qualquer entidade pública seja ela emergente de uma relação jurídica de direito público ou de direito privado (…); mas não se compreende como da qualidade dos intervenientes processuais – entes que desempenham funções públicas versus entes particulares – alheada em absoluto dos conteúdos a discutir, possa resultar a definição da competência material dos Tribunais, pelo menos numa interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa(…)
Por se tratar da norma primária de legislação, e dado o texto do artº 212º nº 3 da Constituição da República Portuguesa (…) sempre a interpretação de todas as disposições do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais terá que ser conforme à Constituição da República Portuguesa, nessa medida se limitando a competência dos Tribunais Administrativos apenas aos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas…”.

No processo em que a causa de pedir e os pedidos respeitavam à desvalorização do imóvel face à proximidade da linha de muito alta tensão e à perda de saúde e qualidade de vida face a essa proximidade, decidiu o Tribunal dos Conflitos, por Acórdão de 5/7/2023[7]:

«Certo é que em situações semelhantes à que aqui está em causa este Tribunal dos Conflitos já se pronunciou no sentido de ser atribuída a competência aos tribunais comuns, no acórdão de 19.06.2014, Proc. nº 09/14 (cfr. igualmente o acórdão do STJ de 10.11.2011, Proc. nº 1168/06.8TBMCN.P1.S1 no qual não esteve sequer em causa a competência da jurisdição comum).

Sumariou-se naquele acórdão o seguinte: «São da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que – independentemente da forma de processo e da circunstância de ter ou não havido um prévio juízo arbitral, impugnado em via de recurso pelo interessado – têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo.».

No presente caso não está sequer em causa qualquer servidão administrativa, mas afiguram-se estar presentes as mesmas razões de direito naquele acórdão referidas, ao expender-se, nomeadamente, “tal como ocorre na fase do processo expropriativo tradicionalmente atribuída aos tribunais judiciais, o objecto da presente acção visa apurar e efectivar a obrigação de indemnização de uma entidade que exerce funções administrativas por acto lícito, que determinou a ablação ou oneração da propriedade em nome da realização de um interesse público, gerando uma desvalorização do bem – que carece de ser ressarcida, de modo a assegurar-se a tutela efectiva do direito de propriedade.”

Deste modo, não se inscrevendo a acção em nenhuma das alíneas do nº 1 do art. 4º do ETAF, que permitam submeter o litígio ao âmbito da jurisdição administrativa, e sendo da competência dos tribunais judiciais conhecer e decidir as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conclui-se que a competência material para conhecer da presente acção cabe à jurisdição comum.».

Como referido pelos Recorridos, no Acórdão de 18/4/2024 - pelos mesmos citado -, proferido pelo Tribunal dos Conflitos [8] e que permitimo-nos respeitosamente transcrever, foi decidido:

«Ora, o que o autor pediu ao Tribunal na presente acção foi que seja reconhecida a sua posse sobre o apeadeiro e terreno contíguo, sendo-lhe restituída, por contraposição ao direito de propriedade sobre tais bens de que o réu se arroga, alegando na sua contestação, tê-lo adquirido por compra e venda verbal e por usucapião. Pretende ainda o A. que o Réu se abstenha da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização dos imóveis por parte daquele, por o direito de propriedade dos referidos bens pertencer ao Estado, por se integraram no domínio público ferroviário, tendo-lhe advindo a respectiva posse através de um “protocolo” de concessão de utilização daqueles.



[E]m nosso entender, o que está em causa, face à forma como a acção é configurada pelo autor, é um pedido de restituição de posse dos prédios em questão, posse esta que lhe adveio de um “protocolo” de concessão de utilização de bens do domínio público ferroviário que assinou com a Rede Ferroviária Nacional REFER, EP em 2005.

Com efeito, o objecto do litígio tal como o Autor o configura nada tem a ver com qualquer das regras de competência do art. 4º, nº 1 do ETAF, que delimita a competência material dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. Como sublinham Mário Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 5ª ed., pág. 26, “(…) mais não está em causa do que aplicar o critério da existência (ou não) de um litígio sobre uma relação jurídica administrativa ou fiscal – entendida como uma relação regulada por normas de direito administrativo ou fiscal, que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada (…)”.

No caso dos autos, (…), o litígio não emerge directamente de uma relação jurídico-administrativa entre as partes na acção, e a circunstância de o Autor deter a posse sobre os imóveis através de um denominado “protocolo”, qualificável como contrato administrativo, com a eventual necessidade de a decisão de mérito da lide poder depender do pressuposto do conhecimento de uma qualquer vicissitude administrativa, configurando assim uma questão prejudicial de direito administrativo, nos termos previstos no art. 92º, nº 1 do CPC, não constitui circunstância susceptível de afectar a originária competência material do Foro comum (cfr., neste sentido o Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 22.04.2015, Proc. nº 01/15).

Como se referiu, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos pelo que se conclui que a relação material controvertida, tal como é caracterizada pelo autor, não se inscreve em nenhuma das alíneas do nº 1, do art. 4º, do ETAF.

Tal como se apresenta, deparamo-nos com uma causa no âmbito dos direitos reais já que aquele alega factos que visam demonstrar a titularidade do seu direito de posse sobre o Apeadeiro e o terreno contíguo em causa, pedindo, além do mais, “[a]bster-se o R. da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da A. do referido Apeadeiro e terreno contíguo”.

Ora, a jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos tem, abundantemente, entendido que a competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais (cfr. Acs. de 30.11.2017, Proc. 011/17, de 13.12.2018, Proc.º 043/18, de 23.05.2019, Proc. 048/18 e de 23.01.2020, Proc. 041/19, consultáveis in www.dgsi.pt e os mais recentes de 02.12.2021, Proc. nº 03802/20.8T8GMR.G1.S1 e jurisprudência nele indicada, e de 15.02.2023, Proc. nº 014/21). Neste último estando em discussão o direito real de propriedade sobre um imóvel, sumariou-se, nomeadamente que: “Este Tribunal dos Conflitos tem entendido que a competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais não se inclui no art. 4º do ETAF, devendo estas ser julgadas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual.”.

Assim, uma vez que também na presente acção não estamos perante um litígio subsumível na previsão do referido art. 4º do ETAF, e nem este se pode qualificar como emergente de uma relação jurídica administrativa para cujo conhecimento seja competente a jurisdição administrativa, antes estando em causa no dissídio uma relação de direito privado, a competência material para conhecer da presente acção cabe à jurisdição comum (cfr. art. 64º do CPC).».

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Conflitos, no Acórdão proferido em 3/11/2020[9]:

«No presente conflito, que somos chamados a dirimir, está precisamente em causa saber se a nova alínea i), do art. 4º, nº 1, do ETAF abrange, ou não, as acções reais, como a dos autos, em que a controvérsia se centra no reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado, face à actuação de uma entidade administrativa alegadamente ofensiva do direito invocado pelo autor. Importa, consequentemente, trazer à colação o disposto no art. 9º do CC, onde se prescreve que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº1), não podendo, no entanto, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº2). Atente-se ainda que, conforme se determina naquele dispositivo legal, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (nº3). Nesta tarefa interpretativa, partindo da letra da lei e tendo em conta quer o elemento histórico, quer o elemento racional ou teleológico, nos termos acima mencionados, afigura-se-nos que a norma em causa deve ser interpretada no sentido de apenas atribuir a competência aos tribunais administrativos para as acções em que apenas está em causa a remoção de actuações ilegais da Administração. Já nos casos em que esteja em discussão a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel em questão, a título principal (e não como questão incidental), a competência continua a caber à jurisdição comum. (…) Tal como se apresenta, deparamo-nos com uma causa no âmbito dos direitos reais já que aquela alega factos que visam demonstrar a titularidade do seu direito de propriedade sobre o terreno em causa, excluindo o direito por parte da ré a realizar obras naquele sem sua autorização e, em consequência, pede, além do mais, a condenação na restituição da sua posse. Ora, a jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos tem, abundantemente, entendido que a competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais (cfr. Acs. de 30.11.2017, Proc. 011/17, de 13.12.2018, Proc.º 043/18, de 23.05.2019, Proc. 048/18 e de 23.01.2020, Proc. 041/19, consultáveis in www.dgsi.pt e o muito recente de 25.06.2020, Proc. 31/19 e jurisprudência nele indicada, no qual estava igualmente em causa um pedido indemnizatório).»

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 31/1/2019[10], que nos permitimos respeitosamente transcrever:

Como ideia matricial da fixação dos critérios de atribuição de jurisdição existe uma relação material e teleologicamente administrativa quando um dos sujeitos, seja público ou privado, actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

E, na sua essência genética, existe uma relação material e teleologicamente administrativa quando um dos sujeitos, seja público ou privado, actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

No desenvolvimento da mencionada vinculação constitucional, o artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais veio estabelecer inovações no âmbito da jurisdição e nele estão incluídas as situações de responsabilidade civil extracontratual.

O Tribunal de Conflitos tem vindo a editar jurisprudência no sentido que constitui entendimento pacífico que a competência em razão da matéria do Tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo Autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir).

Nesta situação concreta, à luz do pedido formulado e da causa de pedir apresentada, não estamos perante uma simples acção em que se discuta a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público. Na realidade, estamos no âmbito de uma relação predominantemente de foro privado em que a questão fundamental está associada à apreciação de uma matéria com contornos reais.

Neste domínio, em caso de conflito positivo de competências, na hipótese da cumulação de pedidos, tem vindo a prevalecer o princípio geral que, existindo relação de dependência ou subsidiariedade, a acção deve ser proposta no Tribunal competente para a apreciação do pedido principal.

E esta ideia encontra respaldo na jurisprudência do Tribunal de Conflitos, quando este assevera que cabe aos Tribunais da jurisdição comum a competência para conhecer de acções em que, com invocação do direito de propriedade e da sua violação pelo Réu, o Autor peça a declaração desse direito e a restituição da coisa, ainda que com esses pedidos se cumulem outros de natureza indemnizatória.

Como se alerta noutro acórdão do Tribunal de Conflitos, as acções de reivindicação devem ser conhecidas pelos Tribunais Comuns, cuja competência é residual. Idêntica conclusão se retira do acórdão do mesmo Tribunal de 07/07/2016.”».

Transpondo tais princípios para os presentes autos, de harmonia com a pretensão formulada e o direito para o qual os Recorridos pretendem a tutela jurisdicional, bem como os factos jurídicos invocados dos quais emerge esse direito, a relação material controvertida configurada no requerimento inicial consiste numa relação jurídica de direito privado, a dirimir por aplicação de normas de direito privado.

Os Requerentes intentaram a presente providência cautelar não especificada pedindo que os Requeridos sejam solidariamente condenados a:

i. Remover o aterro efectuado na zona envolvente do Convento ..., na parte em que o logradouro desse imóvel confina directamente com o prédio dos requerentes identificado no item 1.º do requerimento inicial.

ii. Providenciar que, do lado do Convento, na zona circundante da esplanada aí construída e junto ao muro divisório de ambas as propriedades, e em toda a extensão do prédio dos requerentes, exista uma altura ao solo de pelo menos 1,5 metros, por forma a garantir o cumprimento do preceituado no art. 1362.º, n.º 2 do Código Civil.

iii. Proceder à recolha e condução das águas pluviais e outras que se depositem nessa mesma parte do logradouro (seja por forma natural ou por acção humana), de forma a afastar essas águas para longe do muro divisório de ambas as propriedades, assim evitando a continuação da degradação desse muro.

iv. Pagar solidariamente, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 500€ por dia, desde a data em que for decretada a providência cautelar e até ao momento em que se mostrem integralmente cumpridas as medidas que vierem a ser sentenciadas pelo Tribunal.

Fundamentam as suas pretensões alegando, em síntese, que:

_ São proprietários do prédio urbano cujo logradouro confina, pelo lado norte, com o Convento ....

_ Desde tempos imemoriais, os limites do Convento são constituídos por um muro em pedra, sendo que do lado sul (o que aqui releva), tal muro tem uma altura não inferior a 3 metros e divide o referido Convento, em parte, do prédio dos Requerentes.

_ Em consequência da movimentação das terras, levada a cabo pelas obras feitas no Convento, e por via do aterro, a zona inferior do muro em pedra, do lado do Convento ..., foi alvo de uma acumulação volumosa de terras, com mais de dois metros de altura, totalmente encostadas ao muro e por este sustentadas, a que se junta a água proveniente das chuvas que se precipita no local.

_Resultante dessa acumulação, à qual se adiciona o peso conjunto de todos os detritos que se vão unindo, o muro está sob uma força que não consegue suportar, que se exerce no sentido de norte (onde detém as terras) para sul (onde não tem qualquer suporte ou contraforte).

_ Aliada a esta pressão, ocorre uma impermeabilização excessiva de certas zonas do terreno anteriormente apenas de terra e mato, nomeadamente a zona de esplanada e de passadiços recentemente edificada, que faz escorrer e confluir as águas pluviais para o terreno aterrado confinante com o prédio dos requerentes, por acção da gravidade.

_ Fruto da infiltração de água pelo interior do aterro, bem como da força da terra, o muro cedeu parcialmente e abriu fendas, que se alargam de dia para dia.

_ Acresce que os responsáveis pela obra mandaram encerrar todas as aberturas existentes no muro sem que previamente tivesse recolhido e encaminhado as águas pluviais, incumprindo assim as obrigações aplicáveis à realização das obras.

_ Por tudo isso, a queda do muro prevê-se iminente, o que causará estragos no prédio dos Autores, colocando em perigo não só a sua integridade física, como a de outras pessoas que se encontrem ou passem no local, como também causará elevados danos patrimoniais.

_ Tais obras foram efectuadas pela Requerida A....

_ A A... e o Município foram alertados para a situação e nada fizeram para evitar o desastre.

_ O Município podia substituir A..., mas nada fez para sustentar o muro.

_O Convento ... pertence ao domínio privado do ESTADO PORTUGUÊS, sendo o património constituído pelo edifício do Convento e terrenos envolventes desse edifício, administrado pela B..., S.A. Se alguma tragédia acontecer, o Estado, enquanto proprietário e responsável pela conservação do muro, será também responsável pelos prejuízos e eventuais perdas de vidas humanas.

_ Em 2014, o Estado celebrou com o Município ... um contrato de cedência do Convento, para que este pudesse utilizar e explorar o mesmo. Após, foi celebrado um memorando de entendimento entre o Estado Português e o Município ..., envolvendo diversas entidades públicas, no qual o Município se comprometeu a lançar um concurso público para exploração hoteleira do Convento. Em 18/12/2018, o Município ..., com o beneplácito do Estado, concedeu à 1ª requerida A..., o direito de exploração, por 50 anos, para fins hoteleiros do Convento ..., mediante contrato de concessão, tendo esta, nos últimos anos, realizado obras no Convento com vista à abertura de uma unidade hoteleira. Do contrato celebrado com a A... resulta que o Município “poderá substituir-se à Concessionária, promovendo a execução das medidas por esta não executadas, desde que as mesmas sejam urgentes e a Concessionária, depois de notificada para o efeito, não lhe dê início e/ou não conclua, em prazo razoável fixado pelo Concedente na notificação, as medidas adequadas à reparação da situação .”.

_ Assim, a A... é demandada como autora das obras que geraram os danos iminentes; o Município é demandado porque o proprietário lhe cedeu o Convento e, nessa qualidade, concedeu a sua exploração, a título oneroso, mantendo o dever de conservá-lo; a B... é demandada como entidade administradora do Convento, cumprindo-lhe prover pela sua boa utilização; e o Estado atenta a sua qualidade de proprietário do imóvel que causa a turbação do direito de propriedade dos requerentes.

Considerando os pedidos deduzidos e causa de pedir invocada, não se configura o litígio como emergente de uma relação jurídica administrativa.

As pretensões dos Requerentes assentam na defesa do direito de propriedade que invocam sobre o prédio urbano cujo logradouro confina, pelo lado norte, com o Convento ... face aos actos lesivos desse direito, alegadamente praticados pela 1ª Requerida, com as obras levadas a cabo.

As providências cautelares têm de ser propostas nos tribunais que forem competentes em razão da matéria para julgar a causa principal de que aquelas são dependência[11].

Referem os requerentes que este procedimento é prévio à propositura de uma acção declarativa visando a condenação dos requeridos a absterem-se das violações dos direitos dos requeridos aqui alegados – (i) o muro divisório entre a casa dos requerentes e o Convento está actualmente em risco de ruir directamente para a moradia daqueles, colocando em perigo a sua integridade física, como a de qualquer pessoa que por lá passe ou aí se encontre e provocando graves estragos na referida moradia; (ii) com a construção do aterro, contíguo ao prédio dos requerentes e que se estende até ao limite do muro que separa ambos os imóveis, não existe um muro ou parapeito, de altura superior a 1,5 metros, do lado do Convento, pelo que o terreno envolvente do Convento deita directamente e sem qualquer vedação para o prédio dos requerentes, situação enquadrável na proibição do artº 1360º nº 2 do Código Civil - e a reporem a situação existente antes da obra de aterro que levaram a cabo (instituto da responsabilidade extracontratual, nos termos do artigo 483º e seguintes do Código Civil).

Como referido pelo Tribunal a quo, o Convento e o prédio dos Requerentes, na configuração que lhes é dada, no requerimento inicial, não integram o domínio público.

A A... é uma entidade privada e, como refere o Tribunal a quo, “ainda que tenha (na versão dos Requerentes) realizado obras que são a causa do dano alegado (perigo de queda iminente do muro), o certo é que não actua no âmbito de quaisquer prerrogativas públicas e não se aplica, (…) face ao que é alegado no requerimento inicial, as normas decorrentes da Lei n.º 67/2007 (cfr. art. 1.º, n.º 5), pois não estamos no âmbito de uma (ou várias) acção que tenha sido adoptada no exercício de prerrogativas de poder público”. Acrescentamos, a realização de obras do Convento para subsequente exploração para fins turísticos como estabelecimento hoteleiro, não se enquadra em qualquer função administrativa pelo que, não está em causa a responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa por pessoas coletivas de direito privado.

A B... foi demandada na qualidade de administradora do Convento, “cumprindo-lhe prover pela sua boa utilização”.

O ESTADO foi demandado na qualidade de proprietário do imóvel que “causa a turbação do direito de propriedade dos Requerentes”.

Assim, o litígio não emerge de qualquer relação jurídica administrativa.

Por último, os Requerentes justificam a propositura da providência contra o Município, não no disposto no artigo 89º do RGEU, mas “como entidade a quem o proprietário do imóvel [Convento] o cedeu e que, nessa qualidade, concedeu a sua exploração a terceiro, a título oneroso, mantendo, contudo, o dever de o conservar” – artigo 17º do requerimento inicial -, “pode[ndo] e deve[ndo] realizar as tarefas atinentes à providência cautelar requerida, nada obstando contratualmente a que o faça, já que a 1ª requerida o não fez no prazo que lhe foi assinalado pelo próprio Município” - artigo 16º do requerimento inicial -, nos termos do nº 5 da cláusula 11ª do contrato para a concessão de exploração do Convento ..., celebrado entre o Estado, na qualidade de proprietário do imóvel, o ..., na qualidade de “concedente”, e A..., na qualidade de “concessionária”.

Consta da cláusula 6ª desse contrato:





,

Consta da cláusula 11ª do referido contrato:

 

Como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 3/11/2015[12]:

1.São dois os factores determinativos do conceito de actividade administrativa exercido por pessoas colectivas de direito privado: o primeiro refere-se ao exercício de prerrogativas de poder público, que equivale ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade; o segundo respeita a actividades que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo – arts. 4º, n.º 1, al. i) do ETAF e 1º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31/12.

2. Fundando-se a acção no instituto da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, sem que as acções ou omissões imputadas à 1ª ré (sociedade anónima que prossegue fins de interesse público) tenham dimanado de um acto compreendido no exercício de prerrogativas de poder público, situando-se, ao invés, no âmbito do seu estrito estatuto de pessoa colectiva privada, e sem que aquelas acções ou omissões sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, é da competência material dos tribunais judiciais o conhecimento da causa.

3. A tal não obsta a circunstância de entre a 1ª ré e o consórcio formado pelas 2ª e 3ª rés ter sido celebrado um contrato de empreitada pública, o qual foi precedido de um concurso público, pois que não é a interpretação, validade e a execução desse contrato que está em causa nos autos.

4. Só incidentalmente se apreciará nos autos as questões relativas à celebração daquele contrato de empreitada, suscitadas na contestação pela 1ª ré, sendo que numa situação com estes contornos, o tribunal judicial é também competente para conhecer dessa questão, nos termos do art. 91º do CPC, que regula a extensão de competência.”.

Permitimo-nos respeitosamente transcrever a fundamentação do referido Acórdão:

Não é a interpretação, validade e a execução desse contrato que está em causa nos autos, pois que a causa de pedir invocada se situa no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, sendo manifesto que as acções e omissões das 2ª e 3ª rés descritas na p.i., relativamente à autora, não são reguladas pelo direito administrativo.

Só incidentalmente se apreciará nos autos as questões relativas à celebração daquele contrato de empreitada, suscitadas na contestação pela 1ª ré, sendo que numa situação com estes contornos, o tribunal judicial é também competente para conhecer dessa questão, nos termos do art. 91º do CPC, que regula a extensão de competência.

Consequentemente, é de concluir que a competência para conhecer da presente acção cabe aos tribunais judiciais, como propugna a apelante.”.

Esta é também a situação dos presentes autos. Não é questão principal destes autos a interpretação, validade e a execução do contrato para a concessão de exploração do Convento ..., celebrado entre o Estado, na qualidade de proprietário do imóvel, o Munício, na qualidade de “concedente”, e A..., na qualidade de “concessionária. Mostrando-se necessária a apreciação da cláusula 11ª desse contrato, para apreciação e decisão da pretensão dos Requerentes relativamente ao Município, o tribunal judicial é também competente para conhecer dessa questão, nos termos do art. 91º do CPC, que regula a extensão de competência.

Pelo exposto, as situações jurídicas concretas, com os contornos definidos pelos requerentes, não sejam passíveis de integração na previsibilidade típica do nº1 do artigo 4º do ETAF, pelo que estão excluídas da competência material dos Tribunais Administrativos.

Por último, de harmonia com o disposto no artigo 497º do Código Civil, “se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade”. Concluindo este Tribunal que a competência para apreciação e decisão das situações jurídicas concretas não está atribuída aos Tribunais Administrativos, mostra-se precludida a apreciação da atribuição da competência aos Tribunais Administrativos, nos termos do nº2 do artigo 4º do ETAF que dispõe “Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade” e a aferição se os Requerentes narraram factos aptos a desenhar uma relação de solidariedade entre os demandados, nomeadamente uma situação de concorrência de causas (vários autores de factos ilícitos autónomos aptos a produzir os mesmos danos) que conduziram, sempre na sua configuração do requerimento inicial, aos danos invocados.

Improcede, assim, o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas

No artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.

No caso, as custas do recurso, atento o decaimento, são a cargo do Recorrente.


*


V_ Decisão

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância.

Custas pelo Recorrente - cfr. artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil.


*

*

*


Sumário:

…………………………………

…………………………………

…………………………………


*

Porto, 23-09-2024

Anabela Morais

Miguel Baldaia de Morais

Manuel Domingos Fernandes


________________________

[1] Na oposição, o Munício de ... defendeu a atribuição da competência para apreciar e decidir a presente acção à jurisdição administrativa com fundamento nos artigos 1.º e 4.º, nº1, alíneas a), d), e o) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Na peça de recurso, foi invocada a alínea g) do nº1 do artigo 4º do ETAF, entendendo-se, no entanto, ter existido lapso, pretendendo o Recorrente indicar a alínea f) [“Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo”].
[2] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91.
[3] Acórdão de 22 de Novembro de 2022, proferido no proc. n.º 7040/22.7T8PRT.S1, pelo Tribunal dos Conflitos, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 1998/12.1TBMGR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/11/2015, proferido no processo nº 102/14.6T8FNC.L1-1, acessível em www.dgsi.pt.[6] Acórdão de 11/7/2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo nº1203/12.0TBPTL, acessível em www.dgsi.pt.  A situação de facto em causa nesses autos respeita ao dever da Freguesia de assegurar a conservação, manutenção e vigilância dos caminhos públicos, “sendo no exercício desse dever que foi praticado o evento danoso – pois que a Ré freguesia mandou alargar, aprofundar e limpar o rego que existia no caminho público junto ao muro que ruiu, encostado à sua base, de molde a canalizar as águas da chuva por esse rego, evitando que elas se espalhassem pelo referido caminho público ….”
[7] Acórdão de 5/7/2023, proferido pelo Tribunal dos Conflitos, no processo nº 6/23, acessível em www.dgsi.pt.
[8] No processo nº385/17.BEMDL, está em causa uma acção declarativa proposta pelo Município de Vila Pouca de Aguiar, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar, formulando os seguintes pedidos:
a) Reconhecer-se que a Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar é legítima possuidora do Apeadeiro ..., e terreno contíguo;
b) Abster-se o R. da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da A. do referido Apeadeiro e terreno contíguo;
c) Reconhecer-se que o prédio em questão pertencente ao Domínio Público Ferroviário;
d) Cancelamento, a custas do R., do registo na Conservatória do Registo Predial do prédio objeto da presente Ação.
Fundamentou tais pretensões, alegando que “por protocolo de concessão de utilização de bens do domínio público ferroviário que assinou com a Rede Ferroviária Nacional REFER, EP (que deu origem, por fusão à Infraestruturas de Portugal), com início em 01.03.2005, foi concedida à Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar a utilização de diversos bens integrantes do domínio público ferroviário, os quais integram a antiga linha do Corgo, entretanto desactivada. Destes bens fazem parte os Edifícios de Passageiros, Habitações, Cais coberto e terrenos contíguos das diversas Estações e Apeadeiros da referida Linha, incluindo o Apeadeiro e terreno contíguo, de ..., sito na localidade ..., freguesia de Soutelo de Aguiar. Mais alegou que a partir da data em que este Apeadeiro e o terreno contíguo advieram à posse do A. implementou um plano de construção da Ciclovia Municipal de Vila Pouca de Aguiar, a qual tem vindo a ser executada de forma faseada. Desde o ano de 2006, procedendo a diversas obras nesse sentido.”.
[9] Acórdão proferido em 3/11/2020, no processo nº 07/20, acessível em www.dgsi.pt.
[10]Acórdão de 31/1/2019, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no processo nº 814/11.6TBBNV.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 19/5/2021, processo nº 33/20, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/11/2015, proferido no processo nº 102/14.6T8FNC.L1-1, acessível em www.dgsi.pt.