Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10847/22.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
NATUREZA E FORÇA PROBATÓRIA DA PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RP2025042810847/22.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excepcional, sendo apenas admissível quando a apresentação não foi possível em 1.ª instância, (superveniência objectiva ou subjectiva) ou quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
II - Pretendendo a parte juntar documentos com o recurso, é-lhe exigível que justifique e deixe demonstrado porque razão faz essa apresentação excepcional, isto é: i) se não lhe foi possível antes do encerramento da discussão, qual a razão dessa impossibilidade; ii) se a junção se tornou necessária em virtude do julgamento em 1.ª instância, qual o fundamento dessa necessidade.
III - A perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portador o sinistrado.
IV - As conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculam o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art.s 389º do CC e 607º do CPC).
V - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.
VI - O juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc n° 10847/22.1T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1
Recorrente: Companhia de Seguros A..., S.A.
Recorridos: AA e B..., Unipessoal, Lda

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Por não se terem conciliado na fase conciliatória, como decorre do “auto de não conciliação” de 05.07.2023, veio o sinistrado, AA, solteiro, técnico de telecomunicações, nascido a ../../1963, titular do CC nº ..., NIF ... e beneficiário da SS nº ......, residente na Rua ..., ..., 2º Dto, ... Porto, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra as Rés: Companhia de Seguros A..., SA, com sede na Rua ..., ... Lisboa, NIPC ..., e B... Unipessoal, Lda., com sede na ..., ..., ... Penafiel, formulando o pedido de que: “deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, se declare que:
a) o A. sofreu um acidente de trabalho em 03-06-2021, do qual decorreu fratura da bacia;
b) E sofreu Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), desde 04-06-2021 até 02-08-2022, num total de 425 dias.
c) estando afetado de IPP de 28,875%, com IPATH, a partir de 02-08-2022.
E, em resultado de tal declaração, que as Rés sejam condenadas a pagar à A., na proporção que lhes couber:
a) A pensão anual e vitalícia, no montante de €8 935,81, calculada com base na retribuição anual ilíquida de €16 021,18, com início no dia 03-08-2022, dia seguinte à data da alta.
b) A quantia de €5 582,80 de diferença de indemnização por incapacidade temporária, (correspondente à diferença entre o que recebeu e aquilo que tinha direito a receber);
c) A quantia de €5 792,28 de subsídio por elevada incapacidade;
d) A importância de €20,00, de despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao INML;
e) Juros de mora à taxa legal sobre as referidas importâncias, a contar do vencimento das respetivas obrigações, nos termos do art. 135º do CPT.”.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, ter sofrido um acidente de trabalho em 03/06/2021, enquanto exercia as suas funções de técnico de electrónica por conta da sua entidade empregadora, aqui demandada, em França e que por via desse mesmo sinistro sofreu lesões, as quais lhe determinaram um período de incapacidade temporária (ITA de 425 dias) e, após a data da respectiva alta clínica de 02/08/2022 ficou portador de sequelas que lhe determinam um grau de 28,875% de IPP com IPATH, tal como lhe foi reconhecido pelo exame médico-legal realizado no âmbito da fase conciliatória da presente acção e cujas conclusões declarou expressamente que aceita.
Alegou, ainda, que à data do sinistro em apreço, auferia a remuneração anual de € 16.021,18, tendo ainda despendido a quantia de € 20,00 com as deslocações decorrentes da tramitação dos presentes autos, pelo que conclui no sentido de que as demandadas deverão ser condenadas no pagamento das quantias indemnizatórias que vierem a ser fixadas na medida das suas responsabilidades.
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Citadas as Rés e o Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 59/89, de 22/02, apenas, a R., seguradora contestou, nos termos do articulado junto, em 12.10.2023, alegando para o efeito, em síntese, que reconhece a existência do sinistro, bem como a sua caracterização como sendo de trabalho, mas, discorda tanto das conclusões exaradas no exame médico-legal realizado, como do montante de retribuição que se encontrava transferido por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR., dado que, em seu entender, apenas se encontrava transferida a retribuição anual, referente ao aqui A., de € 14.866,84, pelo que conclui, no sentido de que o demandante deverá ser sujeito a exame por junta médica e a final serem fixados os valores indemnizatórios que tenham, para a própria, o limite de retribuição anual acima indicado.
Termina que “deve a presente ação ser julgada de acordo com a prova a produzir nos autos, com as demais consequências legais.”.
Requer, também, que o A. seja submetido a exame por junta médica, apresentando os seguintes quesitos:
1) O Autor já era portador de alguma lesão, patologia e/ou incapacidade à data do acidente dos autos? Em caso afirmativo, qual?
2) Quais as lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente dos autos?
3) As referidas lesões são consequência direta e necessária do acidente dos autos?
4) Em consequência do evento dos autos, quais os períodos de incapacidade temporária sofridos pelo sinistrado?
5) Quando foi dada alta definitiva ao Sinistrado?
6) O Sinistrado ficou a padecer de sequelas em consequência dos factos ocorridos? Em caso afirmativo, quais?
7) E as sequelas de que ficou a padecer determinam-lhe alguma IPP para o trabalho? Em caso afirmativo, qual o grau dessa IPP?
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Nos termos do despacho saneador proferido, em 28.11.2023, a Mª Juíza “a quo”, fixou os factos assentes, enunciou o objecto do litígio consistente “na apreciação do valor anual de retribuição efectivamente auferido pelo A. e da determinação da responsabilidade das aqui demandadas quanto ao mesmo, bem como na determinação das consequências do acidente para o ora demandante, em termos de determinação das incapacidades que aquele lhe provocou e da consequente fixação das quantias indemnizatórias devidas”, fixou os factos que já se encontravam assentes identificou os temas de prova e ordenou o desdobramento do processo e a consequente criação do apenso de fixação da incapacidade.
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No processo apenso, destinado à fixação da incapacidade para o trabalho, designada a requerida junta médica, nos termos do despacho proferido, após nomeação dos senhores peritos foi ela realizada, nos termos documentados no auto datado de 10.01.2024, nos seguintes termos:
SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)
Os peritos médicos, por unanimidade, após observação do sinistrado e consulta do processo, respondem aos quesitos em fls 114v dos autos do seguinte modo:
1- Nos autos estão mencionados antecedentes de diabetes mellitus insulino tratado. Sem outros antecedentes mencionados. Sinistrado negou outros antecedentes.
2- Sofreu como lesões fractura cominutiva intra-articular do acetábulo esquerdo, fractura da asa do ilíaco esquerdo e dos ramos isquiopúbicos esquerdos.
3- Sim.
4- Períodos de IT a considerar:
ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022;
ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022.
5- Data de consolidação em 02-08-2022 (data de último dia de IT nos serviços da responsável).
6- Sim, apresenta como sequelas dor à palpação da asa do ilíaco à esquerda (sem dor na sínfise púbica), dor essa agravada com abdução e rotação interna da anca e movimentos da anca contra-resistência. Rigidez da anca na abdução da anca, restantes movimentos simétricos. Sem amiotrofia de coxas ou nadegueiros, sem défice de força muscular. Referiu queixas dolorosas constantes na bacia à esquerda. Dor agravada pela marcha e execução de esforços físicos com membros inferiores. Toma ocasional de anti-inflamatório.
7-Tais sequelas conferem IPP conforme quadro anexo. Dado o atingimento articular da fractura do acetábulo, poderá vir a necessitar de tratamentos futuros, situação a avaliar nos serviços clínicos da seguradora.”.
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Notificado este, após requerimento do A., junto em 15.01.2024, vieram os Srs. Peritos, nos termos que constam do requerimento junto, em 06.03.2024, dizer o seguinte: “Em relação ao esclarecimento solicitado em fls. 14v no Processo acima identificado, os peritos subscritores, por unanimidade, informam que:
a, b, c, d, e, f) Ao exame clínico registado na resposta ao quesito 6 no auto de junta médica (fls. 21 do apenso) não apresentava qualquer atrofia da coxa ou nadegueiros, motivo pelo qual não foi considerada a alínea I; 11.1.1.b), a qual é especificamente para situações de atrofia da coxa superior a 2cm.
g, h, i) Em relação a eventual IPATH, considera-se que neste momento, considerando as alterações ao exame clínico verificadas na junta médica (queixas álgicas e ligeira rigidez da anca), não se encontra em situação de IPATH. Dado o atingimento articular da fractura sofrida, é provável o desenvolvimento precoce de coxartrose, situação que irá implicar novos tratamentos a serem prestados pela responsável que irá implicar revisão do acima descrito.”.
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Após ser-lhe solicitado, o IEFP juntou aos autos o seguinte:
“Parecer nº2054/DEM/EM-OC/2024
ASSUNTO: Parecer Técnico – Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - Trabalhador Sinistrado AA - Proc.º 10847/22.1T8PRT-A (Fixação da Incapacidade para o Trabalho)
Enquadramento
Na sequência do pedido de parecer, formulado pelo ofício n.º 456928634, de 12.02.2024, do Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1, no âmbito do processo de fixação da incapacidade para o trabalho nº. 10847/22.1T8PRT-A, o IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional elaborou o presente parecer técnico, circunscrito às suas atribuições e competências, no âmbito do previsto no n.º 4, do art.º 21.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, na sua atual redação.
O conteúdo do presente parecer está fundamentado na análise da entrevista ao trabalhador sinistrado, realizada em 09.04.2024, para efeitos do estudo do posto de trabalho, em consulta documental sobre a função em apreço, bem como em informação clínica, disponível em auto de exame por junta médica, realizado em 10.01.2024.
Histórico Formativo e Profissional
I. O trabalhador tem 60 anos, concluiu o 12.º ano de escolaridade e realizou o curso de formação profissional de Técnico/a de Eletrónica.
II. À data do acidente, o trabalhador desempenhava as funções de Técnico de Telecomunicações.
III. Em termos de percurso escolar e profissional, de acordo com o relato do próprio, o Sr. AA, após a conclusão do 12.º ano e da formação profissional na área da eletrónica, no Brasil, realizou vários cursos de especialização, na área das telecomunicações. Trabalhou, ainda no Brasil, durante vários anos, na área das telecomunicações, através de várias empresas, em navios e plataformas petrolíferas. Em 2018, veio para Portugal, onde realizou um primeiro trabalho na fábrica da empresa C..., como montador de carregadores elétricos para automóveis. Em 2019, regressou à sua profissão (técnico de telecomunicações), na qual permaneceu até à data do acidente de trabalho.
IV. O trabalhador, à data do acidente, encontrava-se a desempenhar funções numa obra em França e possuía vínculo laboral (contrato de trabalho a termo certo) com a empresa B..., com sede em Portugal. A referida empresa desenvolve, como atividades principais, “atividades relacionadas com sistemas de segurança” (CAE ...).
V. O trabalhador possui carta de condução, categoria b.
VI. Em termos de lateralidade, o trabalhador referiu ser ambidestro.
Tarefas e Exigências do Posto de Trabalho
VII. O conteúdo funcional da atividade profissional do sinistrado, ou seja, as tarefas exercidas habitualmente pelo trabalhador no concreto posto de trabalho que ocupava à data do acidente, é o abaixo descrito:
Efetua a instalação de sistemas de telecomunicação em edifícios, de acordo com as especificações técnicas definidas, assegurando a otimização do seu funcionamento e o respeito pelas normas de segurança de pessoas e equipamentos.
1. Prepara e organiza o trabalho a realizar, ao nível da instalação de sistemas de telecomunicação, de acordo com a ficha técnica fornecida:
1.1. Analisa os desenhos esquemáticos e as demais especificações técnicas, bem como verifica a adequação do espaço e das condições físicas exigidas ao correto funcionamento dos sistemas de telecomunicação, por forma a concluir sobre a viabilidade do cumprimento do projeto;
1.2. Sempre que necessário, propõe alterações à ficha técnica, para a devida aprovação por parte do supervisor;
1.3. Seleciona, organiza e desloca para a área de trabalho, os equipamentos, os instrumentos e os materiais a utilizar, em função da instalação a realizar, nomeadamente, escada extensível, bobina de cabo de comunicação, bobina de cabo de energia, tubos e acessórios pvc, conectores, switch, câmaras de videovigilância, soldador, berbequim, voltímetro, alicates diversos, chaves de fendas, entre outros;
2. Procede à instalação dos sistemas de telecomunicações, designadamente, sistemas de videovigilância, utilizando as técnicas, os equipamentos, os instrumentos e os materiais adequados e respeitando as normas de segurança de pessoas e equipamentos:
2.1. Posiciona, no local de início dos trabalhos, a escada extensível, adaptando-a à altura da superfície de instalação dos sistemas de telecomunicação;
2.2. Sobe e desce a escada, com os equipamentos, instrumentos e materiais em mãos, por forma a mantê-los acessíveis para a realização dos trabalhos;
2.3. Desloca a escada, sucessivamente, em intervalos de distância de sensivelmente 1,5m, por forma a conseguir alcançar as diferentes superfícies e, assim, repetir as tarefas inerentes à instalação e dar sequência aos trabalhos;
2.4. Procede à fixação das câmaras de videovigilância e dos switch, nos locais pré-definidos, permanecendo posicionado no topo da escada, operando um berbequim e instalando os equipamentos e os respetivos suportes, por forma a garantir a estabilidade e segurança;
2.5. Procede à fixação dos tubos para a passagens dos cabos de comunicação e/ou de energia, permanecendo posicionado no topo da escada, operando um berbequim e outros equipamentos adequados e unindo a tubulação à superfície definida para a instalação, por intermédio de parafusos e braçadeiras, por forma a garantir a estabilidade e segurança;
2.6. Procede à passagem dos cabos de comunicação até aos respetivos switch, bem como dos cabos de energia até ao quadro elétrico, manobrando e puxando os respetivos cabos, enquanto se mantém posicionado no topo da escada;
2.7. Procede às ligações dos cabos aos swicth ou ao quadro elétrico, utilizando para o efeito as técnicas, os equipamentos e os instrumentos adequados e respeitando as normas de segurança.
3. Coloca em funcionamento o sistema de telecomunicações, após a sua completa instalação; procede aos ensaios adequados, a fim de assegurar o seu correto funcionamento e o cumprimento das normas de segurança; bem como efetua as respetivas correções, se necessário, por forma a garantir os padrões de qualidade exigidos.
4. Preenche documentação técnica e elabora relatórios, respeitantes ao trabalho realizado, incluindo registos escritos e fotográficos.
5. Procede à limpeza do local de trabalho, por forma a eliminar desperdícios de materiais utilizados na instalação e/ou poeiras e sujidades resultantes do trabalho efetuado.
6. Conduz uma viatura ligeira, percorrendo percursos pré-estabelecidos para a deslocação até às instalações dos clientes, controlando a direção do veículo e regulando a sua velocidade, executando as manobras e acionando os sinais luminosos necessários à circulação, considerando o estado da via e do veículo, as regras de trânsito, os outros usuários da via e a segurança de todos os envolvidos.
VIII. Os riscos profissionais, as condições ambientais e as exigências físicas, motoras, sensoriais, percetivo-cognitivas e intelectuais requeridas para o efetivo desempenho das tarefas habitualmente exercidas pelo trabalhador, no concreto posto de trabalho que ocupava à data do acidente, são as abaixo descritas:
• Relativamente às condições de execução do trabalho as tarefas são realizadas, na sua generalidade, em ambiente interior (instalações/espaços fechados dos clientes), estando o trabalhador sujeito a iluminação artificial e temperatura condicionada.
• Os riscos profissionais a que o titular do posto de trabalho está mais exposto são as quedas em altura, resultantes do trabalho em posição de equilíbrio instável, no topo da escada de trabalho, que pode atingir uma altura de 6 a 8 metros.
• Quanto às exigências físicas, e no que respeita às posturas, esta função exige que o trabalhador adote, na generalidade do tempo de trabalho, a posição de bipedestação. Exige, ainda, que permaneça, durante longos períodos, em posição de equilíbrio instável, no topo da escada de trabalho. Requer, com muita regularidade, a realização de flexões frontais, torções laterais do tronco e do pescoço. São, igualmente, requeridos movimentos com os braços estendidos em frente, bem como braços acima dos níveis dos ombros (por vezes, operando um berbequim ou soldador). Pontualmente, sobretudo para a preparação/organização do material de trabalho ou para a realização de determinadas ligações, a função requer, também, a adoção das posturas de curvado, agachado e/ou de joelhos.
• Em termos de locomoção, a função exige curtas deslocações em terreno plano e/ou irregular e a subida e descida de escadas em quase completa verticalidade e em situação de equilíbrio instável.
• No que diz respeito ao tipo e intensidade do esforço, a função exige que o seu titular levante, sustente e desloque, regularmente, para o topo da escada de trabalho, diversos materiais, nomeadamente, cabo de comunicação, cabo de energia, tubo pvc, câmaras de videovigilância, switch, conectores, bem como sustente e manipule equipamentos, como berbequim e soldador e outros instrumentos de trabalho de dimensões e pesos mais reduzidos. Exige, ainda, que sustente e desloque, com muita frequência, a escada de trabalho, para realizar as tarefas na superfície de instalação seguinte. No que respeita aos pesos de carga envolvidos, destaca-se a escada extensível, com cerca de 20kg; a bobina de cabo de comunicação, com o comprimento de 150-200m de cabo e o peso aproximado de 10kg; a bobina do cabo de energia, com o comprimento de 50m de cabo e peso aproximado de 15kg; os switch com peso médio entre 3 a 5kg/cada e o berbequim, com cerca de 2/3 kg (sustentado e manipulado em mãos pelo trabalhador, em geral em trabalhos com os braços acima do nível dos ombros).
• Ao nível das exigências psicomotoras, é requerida agilidade física, destreza manual, firmeza braço-mão, precisão de movimentos e coordenação motora. Ao nível da coordenação motora, salienta-se a coordenação braço-braço, mão-braço e dedos-mão, nas tarefas de fixação dos equipamentos e da tubulação, na passagem de cabos e na realização das respetivas ligações. É, também, requerida coordenação mão-mão, mão-pé e pé-pé na subida e descida de escadas (geralmente, com carga), bem como orientação corporal no trabalho em altura e em equilíbrio instável. A função exige, ainda, que o trabalhador seja capaz de exercer força estática, mantendo um nível elevado de tensão muscular, por curtos períodos, para colocar/encaixar/fixar, nomeadamente de cabos e/ou componentes. É, ainda, requerida força dinâmica ao nível de ambos os membros inferiores, por forma a manter a postura de bipedestação por várias horas.
• Em termos de exigências sensoriais, é requerida acuidade visual ao perto, para a execução da generalidade das tarefas com eficiência.
• No que respeita às exigências percetivo-cognitivas, é requerida a capacidade de atenção concentrada para o desempenho da função em geral, em segurança e com eficiência, bem como atenção distribuída, para a deteção de sinais relevantes que possam colocar em causa as condições de segurança.
• Relativamente às exigências intelectuais, é requerida a capacidade de realização cálculos simples para medições e execução das instalações conforme esquemas técnicos, bem como a capacidade de compilar informações em relatórios de trabalho.
Informações relativas ao Acidente de Trabalho e Situação Profissional
IX. Em 03.06.2021, o Sr. AA foi vítima de um acidente de trabalho, quando se encontrava a desempenhar funções, ao serviço da sua entidade empregadora – B..., numa obra em ..., França.
X. O trabalhador sofreu uma queda, em altura, tendo sofrido lesões ao nível da bacia. De acordo com a informação constante do auto de exame por junta médica, realizado em 10.01.2024, resultaram, do referido acidente de trabalho, as seguintes lesões: “fractura cominutiva intra-articular do acetábulo esquerdo, fractura da asa do ilíaco esquerdo e dos ramos isquiopúbicos esquerdos” (sic).
XI. Em entrevista de estudo do posto de trabalho, o sinistrado referiu um internamento hospitalar, com a duração de três meses, em França; a realização de duas cirurgias, (envolvendo a colocação e retirada de “dispositivo metálico” no joelho) e duas semanas de fisioterapia. Regressado a Portugal, o trabalhador disse ter continuado os tratamentos de fisioterapia.
XII. Teve alta clínica em 03.02.2022, não tendo regressado ao trabalho habitual. À data, encontra-se desempregado.
XIII. As principais limitações funcionais, relatadas pelo sinistrado, relacionam-se com a bacia/anca (à esquerda) e com o joelho (esquerdo), o qual foi intervencionado em sede de recuperação pós acidente. São elas as seguintes:
• Dor na bacia e anca e no joelho esquerdo, agravada com determinados movimentos e esforços;
• Diminuição da força, da mobilidade e da estabilidade na perna esquerda, em virtude das dores e da falta de sustentação do joelho esquerdo;
• Não consegue fazer esforços ou carregar pesos, sem dor ou sem comprometimento da sua estabilidade;
• Não consegue baixar-se ou ajoelhar-se e voltar à posição “em pé”, sem apoio;
• Dificuldade em subir escadas e caminhar, sobretudo em terreno inclinado;
• Dificuldade na flexão do joelho, sem dor e/ou risco de quedas;
• Dores agravadas quando permanece muito tempo na mesma posição (deitado, sentado ou em pé, sem se movimentar);
• Dificuldade em mudar da posição “sentado” para a posição “em pé”, tendo de apoiar o peso do corpo na perna direita, pela falta de força e de estabilidade no lado esquerdo.
Ao nível da vida pessoal, o trabalhador referiu ter dificuldades em realizar tarefas diárias, como calçar-se ou permanecer muito tempo, em contínuo, deitado. Mais disse ter de conduzir viatura com mudanças automáticas, para evitar exercer força no membro inferior esquerdo.
Análise e Conclusão
XIV. A análise conjugada dos elementos disponíveis, essencialmente os apurados através da entrevista ao trabalhador sinistrado e da informação clínica disponibilizada, permite elencar as evidências em baixo apresentadas.
1. De entre as exigências do posto de trabalho, por serem as mais determinantes para a avaliação da incapacidade para o trabalho habitual, destacam-se as seguintes:
• O trabalho habitual do trabalhador sinistrado exige que o mesmo adote, na generalidade do tempo de trabalho, a posição de bipedestação; que permaneça, durante longos períodos, em posição de equilíbrio instável, no topo da escada de trabalho e que realize, com muita regularidade, flexões frontais e torções laterais do tronco e do pescoço;
• Exige, ainda, com muita regularidade, deslocações em terreno plano e/ou irregular e a subida e descida de escadas em quase completa verticalidade e em situação de equilíbrio instável;
• O trabalho habitual do trabalhador sinistrado exige, também, que, de forma regular, o mesmo sustente e manipule/opere um berbequim, com peso aproximado de 2/3 kg, no topo da escada de trabalho e, em geral, com os braços acima do nível dos ombros. Requer, ainda, que levante, sustente e desloque, para o topo da escada de trabalho, diversos materiais, com pesos significativos, que podem alcançar os 10-15 kg. Ainda exige que sustente e desloque, muito frequentemente, a escada de trabalho, com peso aproximado de 20kg;
• É, também, exigida agilidade física, bem como coordenação motora, não só envolvendo os membros superiores, como também os membros inferiores (coordenação mão-pé e pé-pé). Considerando os trabalhos em altura, em situação de equilíbrio instável, é requerida capacidade de orientação corporal, para proporcionar a estabilidade necessária e garantir a segurança, bem como força dinâmica ao nível de ambos os membros inferiores, por forma a manter a postura de bipedestação por várias horas.
2. De acordo com informação constante do auto de exame por junta médica, o trabalhador possui incapacidade integrada na rubrica da TNI I.9.2.3b) – “fratura ou luxação como rotura do anel pélvico (…), segundo objetivação da sintomatologia dolorosa, o prejuízo na marcha e/ou dificuldade no transporte de pesos”. Mais refere o mesmo auto, que o trabalhador apresenta dor à palpação da asa do ilíaco à esquerda, a qual é agravada com abdução e rotação interna da anca e movimentos da anca contra resistência. Menciona, ainda, rigidez na abdução da anca, restantes movimentos simétricos.
3. As limitações descritas no auto de exame por junta médica, corroboram parte das queixas do trabalhador (reportadas em entrevista) e conflituam com as exigências descritas para o efetivo desempenho das tarefas habitualmente exercidas à data do acidente.
4. Acresce o facto de as limitações suprarreferidas comprometerem os níveis de segurança no trabalho e aumentarem a probabilidade de erro e de acidentes, como as quedas em altura.
XV. Face ao acima exposto, somos do parecer que as limitações funcionais descritas aparentam ser incompatíveis com o desempenho das tarefas nucleares do trabalho habitual, atendendo, igualmente, aos preceitos da saúde ocupacional e da segurança no trabalho.
Lisboa, 10 de março de 2024
BB
Técnica Superior”.
*
Notificado aquele, oportunamente, no apenso, a Mª Juíza “a quo”, considerou e decidiu, o seguinte: «(…).
Conforme se encontra documentado no auto de exame por junta médica, os senhores peritos, reunidos em Junta Médica, atribuíram, por unanimidade, àquele acidentado, os seguintes períodos de incapacidade temporária: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022 (ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; e por um grau de IPP de 16,50%, concluindo, igualmente por unanimidade, pela existência de nexo causal entre as lesões e o acidente relatado nos autos.
Atentas as conclusões exaradas no exame médico-legal, realizado nos autos principais – cfr. refª 34908516 – onde se concluiu pela desvalorização do aqui sinistrado com IPATH e o teor do parecer do IEFP que antecede (o qual não mereceu qualquer oposição por parte dos aqui intervenientes) e, bem assim, os esclarecimentos prestados pelos peritos intervenientes no exame por junta médica aqui realizado (dado que consideraram, ainda assim, que esta incapacidade poderia ocorrer a breve trecho atentas as sequelas verificadas), levam o Tribunal a concluir que, atenta a idade do sinistrado à data do evento em apreço (57 anos) e o conteúdo das funções que exercia enquanto técnico de electrónica, determinam que as sequelas de que ficou a padecer, por força do sinistro em análise nos autos, determinam a sua desvalorização com incapacidade permanente para o desempenho da profissão habitual. Poderá ainda o sinistrado necessitar de tratamentos futuros a providenciar pelos serviços clínicos da entidade responsável, dadas as mesmas sequelas.
Decidindo:
(…).
Deste modo, pelo exposto, e homologando, na íntegra, o resultado e conclusões da perícia médico-legal acima referida, declara-se que o sinistrado em apreço apresenta as lesões descritas no relatório médico-legal supra referido, como consequência directa e necessária do acidente de trabalho descrito no processo principal, as quais lhe determinam um grau de IPP equivalente a 16,50%, com IPATH e com possibilidade de necessitar de eventuais tratamentos futuros a prestar pelos serviços clínicos da demandada seguradora.
(…).».
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Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de 28.05 e 18.06.2024, foi ordenada a conclusão dos autos e proferida sentença, que terminou com a seguinte decisão:
Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência, condena-se a R. Companhia de Seguros A..., S.A. a pagar ao A. as seguintes quantias:
- € 2.100,64 (dois mil e cem euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, acrescida dos respectivos juros de mora, de acordo com o preceituado no art. 135º do C.P.T. – cfr. art. 48º nº 3 al. d) da LAT;
- a pensão anual e vitalícia de € 8.539,29 (oito mil quinhentos e trinta e nove euros e vinte e nove cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos, nos termos do art. 135º do C.P.T., desde o dia seguinte ao da alta clínica – 03/08/2022;
- no subsídio por elevada incapacidade (cfr. art. 67º da LAT) que ascende a € 5.560,65 (cinco mil quinhentos e sessenta euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora acima indicados.
- na quantia despendida pelo A. a título de deslocações € 20,00 (vinte euros) – acrescida dos juros de mora vencidos à taxa legal, desde a data de realização do auto de não conciliação de 05/07/2023.
Absolve-se a aqui demandada empregadora dos pedidos deduzidos pelo demandante.
Fixa-se à acção o valor de € 110.665,13 – cfr. art. 120º do C.P.T.
Custas pela R. seguradora.
Registe e notifique.”.
*
Inconformada a Ré, seguradora, interpôs recurso nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES
1. A Recorrente não se conforma com a sentença de fixação de incapacidade de fls. … proferida no apenso A, e, consequentemente, com a sentença final proferida a fls… dos presentes autos, porquanto, entende a Recorrente que, ponderada a prova produzida nos autos, não se pode afirmar que o sinistrado se encontra atualmente afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
2. Não pode igualmente a Recorrente concordar com a parte decisória em que se entende que a totalidade dos valores liquidados ao sinistrado pela sua entidade empregadora se encontravam transferidos para a ora Recorrente, na medida em que tal posição decorreu de insuficiente ou inadequada análise da prova.
3. O que determina a impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada.
4. De facto, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, o que redundou num erro de julgamento da matéria de facto e matéria de direito, pelo que, sempre se mostra absolutamente essencial para a justa composição do litígio e cumprimento do disposto nas normas legais aplicáveis, que a decisão em crise seja anulada, com as demais consequências legais.
5. As questões controvertidas nos presentes autos prendiam-se com o coeficiente de incapacidade atribuído ao Autor na fase conciliatória, com o qual a recorrente não concordou, e bem assim não aceitou o montante de retribuição alegado pelo Autor, mas apenas a quantia de 14.866,84€, diferença essa que resultava da não indicação nas folhas de férias do valor liquidado ao Autor a título de subsídio de alimentação.
6. O processo prosseguiu para a fase contenciosa, não tendo, porém, a entidade patronal apresentado contestação ou até resposta à contestação apresentada pela aqui recorrente.
7. Foi aberto apenso de fixação de incapacidade, onde o sinistrado foi submetido a Junta Médica, tendo sido proferida a seguinte decisão de fixação de incapacidade em 02/05/2024:

8. O processo seguiu os seus normais trâmites, tendo sido proferida a sentença recorrida, na qual se condenou a Recorrente a liquidar as seguintes prestações ao sinistrado:

9. Para tanto, deu o Tribunal recorrido como assentes, nomeadamente, os seguintes factos:
 A Ré, entidade patronal, tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a Ré, A..., (Apólice ...), participou-lhe o acidente, pelo que a demandada seguradora prestou assistência médica ao sinistrado e pagou-lhe parte da indemnização devida por incapacidade temporária, num total de € 7.607,24.
 Como resultado do acidente, o A. sofreu as lesões descritas e examinadas nos boletins de exame médico e Relatório Pericial de fls. 77/79, que aqui se dá por reproduzido.
 Tais lesões determinaram ao Autor: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022; e um grau de IPP de 16,50%, com IPATH e com possibilidade de necessitar de eventuais tratamentos futuros a prestar pelos serviços clínicos da demandada seguradora – cfr. decisão final proferida no âmbito do apenso de fixação de incapacidade cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
 Na data do acidente, o Autor auferia a retribuição anual de €16.021,18, composta pelas seguintes prestações pecuniárias: - € 665,00 x 14 meses (remuneração base); € 463,07 x 12 meses (outras remunerações) e € 4,77 x 22 dias x 11 meses (subsídio de alimentação).
10. Por sua vez, foram dados como Não provados, nomeadamente, os seguintes factos com relevo para a decisão:
 Por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR. encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de €14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios).
 A R. entidade empregadora, nas folhas de férias remetidas à co-R. seguradora, não declarou os valores liquidados ao A. a título de subsídio de alimentação.
11. Sustentou o Tribunal a quo a sua decisão “no auto de exame por junta médica realizado no apenso de fixação de incapacidade e na decisão final ali proferida, bem como no relatório médico-legal elaborado nos presentes autos, quanto às lesões apresentadas pelo sinistrado e respectivas sequelas, bem como quanto aos períodos de incapacidade temporária e grau de desvalorização acima consignados. Considerou-se ainda o documento referente às folhas de férias remetidas pela demandada entidade empregadora à R. seguradora, de Maio de 2021, nas quais se verifica que os valores referentes a subsídio de férias, tal como liquidado ao aqui demandante, eram ali indicados.
12. No entanto, entende a Recorrente que a prova realizada nos autos contraria a decisão sobre a matéria de facto supra exposta. Tendo o Tribunal Superior a faculdade de “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida... impuserem decisão diversa” – vide artigo 662º do CPC.
13. Entendeu o Tribunal a quo que não resultou provado que “Por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR. encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de €14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios).”.
14. Para tal, baseou-se exclusivamente no “documento referente às folhas de férias remetidas pela demandada entidade empregadora à R. seguradora, de Maio de 2021, nas quais se verifica que os valores referentes a subsídio de férias, tal como liquidado ao aqui demandante, eram ali indicados.”.
15. Desde logo, denota-se manifesto erro na análise da questão por parte do Tribunal recorrido, pois os valores controvertidos, portanto, que a aqui Recorrente entende não estarem transferidos por via do contrato de seguro celebrado com a Ré empregadora, são os atinentes ao subsídio de alimentação (104,94€ x 11 meses) e não o subsídio de férias.
16. Da motivação de Direito, quanto a esta questão, pode ler-se:
Sucede, porém, que de acordo com as regras do ónus da prova, entende-se que era sobre a entidade empregadora que incumbia demonstrar que este montante se encontrava transferido, e fê-lo através do documento junto aos autos em sede de audiência de julgamento.
Pelo contrário, a demandada seguradora não veio apresentar qualquer meio de prova que pudesse infirmar o conteúdo do documento em questão e daí a factualidade acima dada como assente a este respeito. Mas, ainda que assim não se entendesse sempre teremos de considerar que estamos perante um contrato celebrado em benefício de terceiro (os trabalhadores ao serviço da R. empregadora) e que por esse motivo, qualquer circunstância que pudesse indicar uma errónea indicação na sua comunicação à demandada seguradora quanto ao montante do vencimento devido ao aqui A. a título de subsídio de refeição, poderá configurar eventual direito de regresso entre as ora RR. terá de ser apreciada em sede própria. Acresce ainda que, dado que estamos perante um contrato de seguro com prémio variável, sempre poderiam ser efectuados ajustes ao prémio a liquidar pela entidade empregadora em face do apuro do pagamento de montante superior ao aqui demandante. Concluindo-se, deste modo, de que a totalidade da remuneração anual auferida pelo demandante, se encontrava transferida para a demandada seguradora, por via do contrato de seguro celebrado entre as demandadas, absolve-se a R. empregadora dos pedidos formulados, já que havia transferido, por via do mesmo contrato, a sua responsabilidade infortunística.” (sublinhado nosso).
17. Ora, o documento que sustentou a referida decisão apenas foi apresentado pela ré empregadora em sede de audiência de julgamento realizada no dia 28/05/2024. Apesar de a Recorrente desde logo se opôr à admissão e junção do mesmo aos autos, na medida em que a Ré empregadora não ter apresentado a sua prova no momento legalmente oportuno, no entanto, o Tribunal a quo admitiu a junção aos autos de tal documento, pois, apesar de extemporâneo, entendeu ser essencial para a descoberta da verdade material.
18. Veio a aqui Recorrente, por requerimento apresentado em 07/06/2024, exercer o seu direito ao contraditório, fundamentalmente alegando que:
- a Entidade empregadora não apresentou contestação, portanto não liquidou a respetiva taxa de justiça devida, nem é beneficiária de Apoio judiciário;
- nessa medida, estava vedada a essa Ré a produção de quaisquer meios de prova, incluindo a intervenção em sede de audiência de julgamento;
- devendo, assim, ser desentranhado o documento apresentado e ser declarada nula a intervenção da co-ré em audiência de julgamento.
- procedeu-se ainda à impugnação do referido documento, na medida em que se traduz em documento particular da autoria da própria Ré empregadora, pelo que foram impugnados a letra, reprodução, conteúdo e efeitos do referido documento.
- acresce que, realçou-se que o tal documento tinha aposta como data de emissão 08/02/2024, ou seja, cerca de 3 anos após o seu alegado envio à Ré seguradora, pelo que não poderia contribuir para o apuramento da verdade e boa decisão da causa.
19. O Tribunal a quo veio a proferir despacho sobre o requerido pela recorrente em sede de audiência de julgamento, realizada no dia 18/06/2024. Sinteticamente, reconheceu que o facto de a Ré empregadora não ter autoliquidado a taxa de justiça devida a impedia de apresentar meios de prova, porém o Tribunal considerou tal documento pertinente para a descoberta da verdade e decisão de mérito, daí ter admitido a sua junção, decisão essa que transitou em julgado.
20. Não obstante tudo o exposto, não pode a Recorrente deixar de sublinhar que o documento em crise, ao ser impugnado pela Recorrente nos termos do disposto nos artigos 374º, n.º 2 do Código Civil e artigo 444º, n.º 2 do CPC, e não tendo a Ré empregadora produzido qualquer prova da genuinidade de tal documento, determina que o mesmo constitui mero meio de prova a ser apreciado livremente pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.
21. Porém, a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
22. Como resulta do exposto, a Ré empregadora não contestou a ação, nem respondeu à Contestação apresentada pela ora Recorrente, apenas vindo juntar a aludida folha de férias em sede de audiência de julgamento (realizada em 28/05/2024) postura essa que, só por si, tem de ser valorizada negativamente, atento o comportamento passivo da Ré empregadora durante grande parte do processo, quando, pelo menos desde a data em que se realizou a tentativa de Conciliação (05/07/2023) tinha pleno conhecimento de que a aqui Recorrente não considerava estar transferida toda a retribuição do sinistrado.
23. Ainda que tenha sido admitida a junção de tal documento aos autos, salvo o devido respeito, parece-nos que não foi feita qualquer apreciação crítica do seu conteúdo pelo Tribunal a quo. Veja-se que, estava em causa a não transferência do valor do subsídio de alimentação e o Tribunal a quo apenas declarou que decorre da análise desse documento que o subsídio de férias se encontrava transferido…
24. Acresce que, a Recorrente chamou a atenção no seu requerimento de 07/06/2024 para o facto de tal documento ter aposta como data de emissão o dia 08/02/2024, matéria sobre o qual o Tribunal nem sequer se pronunciou! Entendendo-se que, a data do documento é um aspeto relevante para aferir a genuinidade do mesmo ou a fiabilidade do seu teor…
25. De maior relevo, é o facto de, ao contrário do afirmado na sentença em crise, a recorrente ter efetivamente, logo aquando da participação do acidente sub judice ao Juízo do Trabalho do Porto, em 14/06/2022, junto a folha de férias recebida e referente ao mês de maio de 2021 (vide página 16 do referido requerimento).
26. Contudo, não é feita qualquer alusão a este documento na decisão em crise, ou seja, este meio de prova foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo!
27. Note-se que, existe até uma diferença no formato das folhas de férias juntas pela Recorrente e pela Ré empregadora, na medida em que aquilo que chega à seguradora hoje em dia são folhas de férias em formato eletrónico/digital (ficheiro.eur ou .txt).
28. Este formato foi implementado de forma generalizada pelas seguradoras, a fim de uniformizar os procedimentos a nível europeu, decorrendo de exigência legal. Sendo possível indicar nesse formato todas as quantias que a empregadora pretenda ver transferidas para a seguradora, nomeadamente a título de subsídio de alimentação (veja-se as instruções ora juntas sob doc. n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), o que não aconteceu no caso sub judice.
29. De facto, pela simples análise da folha de férias junta pela ora Recorrente aquando da participação do acidente sub judice a juízo, se constata que os únicos valores transferidos quanto ao Autor foram a título de subsídio de férias (sob o código F), subsídio de Natal (sob o código N) e retribuição base (sob o código P).
30. Assim, verifica-se que o Tribunal a quo incumpriu o disposto no artigo 413º do CPC, o qual determina que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.”. Em conjugação com o artigo 607º, n.º 4 do CPC, que impõe ao Tribunal uma análise crítica de toda a prova produzida.
31. Por sua vez, determina o artigo 414º do CPC que, “em caso de dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
32. Aplicando tais regras à questão a dirimir, salvo melhor opinião, existindo nos autos prova (folha de férias junta com a participação do acidente apresentada pela Recorrente, não impugnada), que contraria o documento junto pela Ré empregadora (documento esse que, conforme se expôs supra, levanta sérias duvidas acerca da sua genuinidade ou credibilidade), e incumbindo precisamente à Ré empregadora o ónus da prova da transferência de tal valor para a seguradora, deveria o Tribunal a quo não dar por cumprido tal ónus, até segundo critérios de razoabilidade, normal acontecer e regras da experiência.
33. Portanto, deveria a questão ter sido decidida contra a Ré empregadora, dando ao invés como provado que para a Ré seguradora não se encontrava transferida a quantia referente ao subsídio de alimentação, o que vale por dizer que apenas se encontrava transferida a quantia anual de 14.866.84€, o que se pede.
34. Sempre se diga que, entende a Recorrente que foi também realizado um incorreto julgamento neste conspecto no que toca à matéria de Direito. Aliás, a motivação de Direito mostra-se confusa ou obscura nesta passagem.
35. Pode ler-se na sentença recorrida: “ainda que assim não se entendesse, estamos perante um contrato celebrado em benefício de terceiro (os trabalhadores ao serviço da R. empregadora) e que por esse motivo, qualquer circunstância que pudesse indicar uma errónea indicação na sua comunicação à demandada seguradora quanto ao montante do vencimento devido ao aqui A. a título de subsídio de refeição, poderá configurar eventual direito de regresso entre as ora RR. terá de ser apreciada em sede própria. Acresce ainda que, dado que estamos perante um contrato de seguro com prémio variável, sempre poderiam ser efectuados ajustes ao prémio a liquidar pela entidade empregadora em face do apuro do pagamento de montante superior ao aqui demandante.”. (sublinhado nosso).
36. Salvo o devido respeito, não é pelo facto de o contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem ser um contrato em benefício de terceiro que se pode dar como provado que certo valor foi ou não transferido para a seguradora, ou que uma errada indicação ou até omissão de valores tenha de ser resolvida em sede própria que não o próprio processo especial de acidente de trabalho.
37. Não está aqui em causa qualquer ajuste do montante de prémio que deveria ser liquidado pela Ré empregadora ou até invalidade do contrato de seguro.
38. Nos presentes autos importava aferir qual o valor de retribuição anual ilíquida auferida pelo autor que se encontrava transferida para a Ré seguradora, pois tal valor serve inclusivamente de base ao cálculo das prestações eventualmente devidas ao sinistrado (vide artigo 71º da LAT).
39. Traduz-se, assim, num facto essencial a apurar no âmbito do processo especial por acidente de trabalho, tanto mais que, se não se encontrasse transferido qualquer valor relativamente ao Autor, por exemplo, por ser omisso nas folhas de férias remetidas, era a ré empregadora a exclusiva responsável por suportar as prestações devidas ao autor em consequência do acidente de trabalho. Ainda que o contrato de seguro se encontrasse válido e em vigor aquando da ocorrência do acidente! Posição que encontra respaldo no acórdão uniformizador do STJ, de 21.11.2001, publicado no DR, I série-A, de 27.12.2001.
40. Não nos esqueçamos que, nos termos do disposto no artigo 7º da Lei 98/2009, de 04/09, é responsável primacialmente pela reparação do acidente de trabalho a entidade ao serviço do qual o trabalhador presta o seu trabalho, ou seja, a entidade empregadora. E só por via da celebração deste tipo de contrato de seguro é que aquela transfere esta responsabilidade para a seguradora.
41. Ora, nos contratos de seguro celebrados na modalidade de prémio variável, como é o caso dos autos, define a alínea b) do artigo 4º da Apólice Uniforme (cfr. Norma n.º 12/99-R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000-R, de 13 de Novembro, 16/2000-R, de 21 de Dezembro, e 13/2005-R, de 18 de Novembro.) o que se entende por tal: “seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador de seguro.” (e ainda cláusula 5º das condições gerais do contrato de seguro).
42. Portanto, o objeto deste tipo de contrato de seguro depende de declaração periódica por parte do tomador do seguro, indicando os trabalhadores que pretende ver cobertos e a respetiva remuneração pela qual o pretende fazer. O que ocorre por via do envio à entidade seguradora das chamadas folhas de férias relativas ao mês anterior, até ao dia 15 de cada mês (cfr. art. 16º, n.º 1, alínea c) da Ap. Uniforme e cláusula 24º, n.º 1 al. a) das condições gerais do contrato).
43. Assim, são as designadas “folhas de férias” que determinam o objeto/âmbito pessoal a que, em cada momento, o seguro dá cobertura: quem delas/o que delas não constar não se pode considerar abrangido pelo contrato. O que vale por dizer que, o contrato de seguro em crise é perfeitamente válido, nomeadamente quanto ao Autor, não obstante não terem sido transferidos para a seguradora determinados valores auferidos pelo mesmo. Tal facto redunda exclusivamente na cobertura do contrato se circunscrever apenas aos valores transferidos e não a todos aqueles que eventualmente foram auferidos pelo Autor.
44. Destarte, considerando que o valor de salário transferido se deve reduzir a 14.866.84€, os períodos que se deu como provado que o sinistrado sofreu a título de incapacidade temporária (245 dias de ITA e 180 de ITP a 40%), e ainda o valor já liquidado pela Recorrente ao Autor a esse título (7.607,24€), apenas é devido ao Autor a diferença indemnizatória de 1.430,99€, devendo a sentença em crise ser alterada nesse ponto de acordo com o ora exposto.
45. Ponto incorretamente julgado dos factos dados provados: Deu-se como assente que as lesões sofridas pelo Autor lhe determinaram um grau de IPP de 16,50%, com IPATH. A Recorrente insurge-se apenas contra este segmento final da decisão, ou seja, que o Autor se encontra afetado de IPATH.
46. A Mma. Juiz sustentou tal decisão precisamente no auto de exame por junta médica realizado no apenso de fixação de incapacidade e na decisão final ali proferida.
47. No auto de exame por Junta Médica, a que se submeteu o Autor em 10/01/2024, entenderam os Srs. Peritos médicos, por unanimidade (ou seja, incluindo o parecer do Sr. Perito que representava o Tribunal, o qual goza de uma natural distância e neutralidade em relação ao caso a apreciar, além do parecer do perito que representou o próprio Autor), que o Autor atualmente apresenta sequelas que lhe conferem uma IPP de 16,50%, por enquadramento na seguinte rubrica da tabela de incapacidades: Cap. I.9.2.3.b).
48. Por essa via, infirmaram os Srs. Peritos o parecer vertido no relatório de exame médico-legal singular, a que o sinistrado se submeteu em 01/03/2023, em que o Sr. Perito entendia que o sinistrado se encontrava afetado de uma IPP de 28,8750%, com IPATH.
49. Além do mais, descrevendo os Srs. Peritos, de forma criteriosa, as sequelas apresentadas pelo sinistrado, após observação do mesmo e consulta dos elementos disponíveis nos autos, bem como prestaram de forma clara e devidamente fundamentada os esclarecimentos solicitados pelo próprio Tribunal, no que toca à divergência com o exame médico-legal singular, informando-se que não consideraram o enquadramento das sequelas do sinistrado no cap. I.11.1.1.b) como o havia feito o perito anterior, pois o Autor não apresentava qualquer atrofia da coxa ou nadegueiros e tal capítulo apenas podia ser aplicado em situações de atrofia da coxa superior a 2 cm. Concluindo-se, assim, por uma flagrante avaliação deficiente das lesões do sinistrado no âmbito do exame singular.
50. Por outro lado, quanto à IPATH, declaram que:



51. Foram os Srs. Peritos médicos mais uma vez muito assertivos, ao afirmar que, neste momento, o Autor não se encontra afetado de IPATH. Apenas referindo que, atentas as lesões sofridas, pode o Autor vir a desenvolver coxartrose, o que implicaria novos tratamentos e revisão da incapacidade atribuída.
52. Efetivamente, a incapacidade deve ser aferida por referência ao momento atual em que o Autor é submetido a avaliação e não considerando meras hipóteses, futuras e incertas, como se parece retirar da decisão de fixação de incapacidade em crise.
53. Nos termos do disposto no ponto 5.A, alínea b) das instruções gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais (vide DL Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro), no que toca à atribuição da incapacidade absoluta para o trabalho habitual, a competência para a avaliação recai precisamente numa junta pluridisciplinar que integra: b.1) Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de acidente de trabalho (AT).
54. Assim, tal como bem referiram os Srs. Peritos, na eventualidade de o Autor vir a desenvolver coxartrose e realizar, em consequência, novos tratamentos, oportunamente deverá ser sujeito a nova avaliação para aferir a sua situação clínica, mormente em sede de incidente de revisão. Porém, no presente não se encontra afetado de IPATH.
55. Não obstante a prova pericial estar sujeita à regra da livre apreciação do Juiz, parece-nos que o Tribunal a quo fez um uso anómalo da prova pericial. Aproveitando o parecer dimanado da Junta Médica, no que toca ao coeficiente de IPP arbitrado ao Autor (sobrepondo-o, então, ao relatório médico legal), mas subvertendo-o e desvalorizando no que toca à situação da IPATH…
56. Não nos podendo esquecer que, foi por iniciativa do próprio Tribunal que vieram os Srs. Peritos que compuseram a Junta Médica esclarecer, de forma clara e devidamente fundamentada, o motivo de não subscreverem o parecer do Sr. Perito médico que levou a cabo o exame singular, quer no que toca ao coeficiente de incapacidade atribuído, quer no que toca à eventual situação de IPATH. Portanto, não se compreende nem concede que o Tribunal a quo venha depois basear a sua decisão de atribuição de IPATH nesse mesmo relatório pericial singular, conjugado com o parecer do IEFP.
57. Tampouco discorreu o Tribunal sobre os motivos de atribuir maior credibilidade a tal relatório pericial singular (que foi infirmado pela Junta Médica) e ao parecer do IEFP, ao invés do parecer unânime da Junta Médica.
58. Mostrando-se, assim, a decisão em crise contraditória, obscura e/ou deficientemente fundamentada.
59. No limite, tendo a Junta médica sido realizada em 10/01/2024, e os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos que a compuseram reportarem-se a 06/03/2024, mas o parecer do IEFP (de sentido contrário àquela Junta Médica), ter sido junto aos autos apenas em 11/04/2024, sempre teria o Tribunal a quo o poder-dever de reabrir a Junta Médica a fim de apresentar tal parecer aos Srs. Peritos médicos paras pronuncia, dada a contradição entre ambos.
60. O que não aconteceu, tomando o Tribunal nas suas mãos a decisão de valorizar um parecer em detrimento do outro, sem, porém, estar dotado de qualquer conhecimento técnico-científico para o efeito, ainda para mais apoiando-se num exame pericial singular que se veio a demonstrar padecer de incorreta avaliação das lesões.
61. Concluindo, entende a Recorrente que o parecer dimanado da Junta Médica unânime a que o sinistrado foi submetido se deve sobrepor aos demais meios de prova, por claro, discriminado e devidamente fundamentado.
62. Em consequência, deve ser alterada a decisão da sentença de fixação de incapacidade, de modo a espelhar o entendimento dos Srs. Peritos médicos, ou seja, de o Autor não estar, no presente, afetado de uma IPATH, o que se pede.
63. O que se irá repercutir na decisão final adotada nos presente autos, alterando-se a matéria de facto dada como provada, com as demais consequências legais, sugerindo-se a seguinte redação:
Tais lesões determinaram ao Autor: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022; e um grau de IPP de 16,50%. Dado o atingimento articular da fractura do acetábulo, poderá vir a necessitar de tratamentos futuros, situação a avaliar nos serviços clínicos da seguradora.
64. Portanto, também o dispositivo sofrerá alterações, sendo o cálculo das prestações devidas ao sinistrado por parte da Recorrente estabelecido em conformidade com o disposto na lei.
65. Atento o supra exposto, entendemos que a decisão final de fls. violou, entre outros, o disposto nos artigos 413º, 607º, n.º 4, 414º, todos do CPC, e ainda o artigo 4º, alínea b) da apólice Uniforme de Acidentes de trabalho, cláusula 5ª das condições gerais da apólice, ponto 5-A das instruções gerais da Tabela nacional de incapacidades para acidentes de trabalho.”.
*
O A. apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
1- A recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto provada e não provada por entender que houve erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
2- Pretendendo ver alterada a seguinte factualidade assente “-.Tais lesões determinaram ao Autor: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022; e um grau de IPP de 16,50%, com IPATH e com possibilidade de necessitar de eventuais tratamentos futuros a prestar pelos serviços clínicos da demandada seguradora – cfr. decisão final proferida no âmbito do apenso de fixação de incapacidade cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.”. Pugnado a recorrente pela exclusão do segmento “com IPATH”
3- Estriba-se, para o efeito, quase exclusivamente, no auto de exame por junta médica, ao qual atribui um valor quase de “prova plena”.
4- Acontece, porém, que apreciando, todos os documentos juntos aos autos, designadamente o auto de exame por junta médica, o relatório de médico-legal, o parecer do IEFP, conjugados com os esclarecimentos prestados pelos peritos intervenientes no exame por junta médica, bem como, os depoimentos testemunhais e declarações de parte, não se nos afigura verosímil extrair deles o sentido pretendido pela recorrente.
5- Com efeito, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” (artigo 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil), sendo “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal” (artigo 389º, do Código Civil)
6- Ora, a prova pericial em que se traduzem os exames médicos de natureza singular e coletiva realizados no âmbito dos presentes autos (Apenso de fixação de incapacidade) está sujeita à livre apreciação do julgador.
7- Por isso mesmo, conjugando, - o relatório pericial de natureza singular, que conclui pela desvalorização do sinistrado com IPATH; - o parecer do IEFP que considera que “…as limitações funcionais descritas aparentam ser incompatíveis com o desempenho das tarefas nucleares do trabalho habitual, atendendo, igualmente, aos preceitos da saúde ocupacional e da segurança no trabalho.”; bem como, o resultado do exame por junta médica, de natureza coletiva, que concluiu por unanimidade pela atribuição de ITA de 04-06-21 a 03.02.22; ITP de 40%, de 04.02.22 a 02.08-2022; com a data da consolidação em 02.08.22 ; ITA de 04.06.21 a 03.02..22 e por um grau de IPP de 16,5%; e pela existência de nexo causal entre as lesões e o acidente relatado nos autos.
8- A Mma. juíza, considerou, e bem, que “atenta a idade do sinistrado à data do evento em apreço (57 anos) e o conteúdo das funções que exercia enquanto técnico de eletrónica, determinam que as sequelas de que ficou a padecer, por força do acidente em análise nos autos determinaram a sua desvalorização com incapacidade permanente para o desempenho da profissão habitual. Poderá ainda o sinistrado necessitar de tratamentos futuros a providenciar pelos serviços clínicos da entidade responsável, dadas as mesmas sequelas”.
9- Para além disso, na formação da convicção do tribunal, foram ainda relevantes, os depoimentos testemunhais e o teor das declarações de parte do demandante que, nesta matéria confirmou que as sequelas de que padece, em consequência do acidente em causa nos autos, o impedem totalmente de exercer as suas funções de técnico de telecomunicações dadas as limitações de que padece, quer na marcha, quer inviabilizando o trabalho em altura.
10- Ora, “Apesar do exame por junta médica afirmar unanimemente que não se encontra afetado de IPATH, deve o juiz considerar o sinistrado afetado da referida IPATH se os elementos disponíveis nos autos mostram que está incapacitado para o exercício do núcleo das funções que desempenhava até aí (…) cfr .também o salienta a análise do posto de trabalho feito pelo organismo regional competente para a área laboral” (Ac.TRL, 25.10. 23, in www.dgsi.pt, acedido em 10.08.24)
11- Destarte, bem andou a Mma. Juiza ao considerar que: “Tais lesões determinaram ao Autor: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022; e um grau de IPP de 16,50%, com IPATH e com possibilidade de necessitar de eventuais tratamentos futuros a prestar pelos serviços clínicos da demandada seguradora – cfr. decisão final proferida no âmbito do apenso de fixação de incapacidade cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
12- Pretende ainda a recorrente a inclusão na factualidade assente, do seguinte facto constante dos factos não provados: “Por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR. encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de €14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios)”. Também aqui não assiste razão à recorrente.
13- A recorrente entende que não se encontrava transferido, por via do contrato de seguro celebrado entre as demandadas, o valor referente ao subsidio de refeição, sendo em seu entender o valor anual da remuneração para si transferida apenas no montante de €14.866,84.
14- A demandada entidade empregadora juntou, em sede de audiência de julgamento documento comprovativo da transferência da sua responsabilidade para a seguradora, e documento não foi infirmado por qualquer outro meio de prova, e daquele documento “folhas de férias” de maio de 2021, resulta que os valores referentes a subsidio de alimentação (€4,77x22x11), tal como liquidados ao aqui demandante, eram ali indicados.”
15- E, atentas as regras de prova, não podia o tribunal a quo senão considerar provada e não provada a factualidade apurada nos exatos termos constantes da sentença
16- Por conseguinte, inexistindo qualquer erro na apreciação da prova e inexistindo violação de qualquer princípio ou disposição legal, a Mmª. Juiz “a quo” fez uma correta interpretação da Lei.
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Em face do exposto, deve o recurso improceder confirmando-se a sentença proferida nos seus precisos termos.”.
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A Ré/entidade empregadora respondeu às alegações da recorrente, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES
I. As questões levantadas pela Recorrente residem no suposto erro de julgamento quanto à matéria de facto julgada provada e não provada, por entender que houve erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
II. É entendimento da Recorrente que o Sinistrado não se encontra atualmente afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e, ainda, que ocorreu insuficiente ou inadequada análise da prova produzida nos presentes autos quanto à transferência da totalidade da remuneração do Sinistrado para a Recorrente Companhia de Seguros A..., S.A.
III. Contudo, considerando toda a prova produzida nos presentes autos e atenta a fundamentação jurídica aduzida pelo Tribunal a quo, jamais se poderá concordar com o alegado pela Recorrente.
IV. Com efeito, pugna a Recorrente pelo entendimento de que andou mal o Tribunal a quo ao considerar não provado que “Por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR. encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de € 14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios).
V. Destarte, considerando a argumentação aduzida pela Recorrente, impõe-se, desde logo, esclarecer que a junção do documento “Folha de Férias” referente ao mês de maio de 2021 e que sustentou a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi admitida por Despacho exarado na ata de audiência de julgamento datada de 28.05.2024, com a referência Citius 460633828, decisão transitada em julgado, produzindo, assim, todos os devidos e legais efeitos, não se compreendendo, nem se alcançando, o sentido da argumentação expendida pela Recorrente nas suas alegações de recurso quanto à alegada inadmissibilidade da junção do referido documento.
VI. Em concreto no que respeita à folha de férias referente a maio de 2021, o Tribunal a quo valorou e apreciou criticamente o documento junto aos autos pela aqui Recorrida, dele extraindo a conclusão de que os valores referentes a subsídio de alimentação tal como liquidados ao aqui demandante, eram ali indicados.
VII. Neste conspecto, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que a aqui Recorrida cumpriu o seu ónus probatório com a junção da folha de férias referente a maio de 2021, pelo que, atentas as regras de prova, não podia o Tribunal a quo senão considerar provada e não provada a factualidade apurada nos exatos termos constantes da douta Sentença.
VIII. Perscrutadas as alegações de recurso, não é alegado (e, muito menos, demonstrado) pela Recorrente qualquer fundamento, de facto ou de direito, que infirme o teor da folha de férias referente a maio de 2021 junta aos autos pela Recorrida.
IX. Na verdade, compulsados os autos, não vislumbra a aqui Recorrida em que medida o documento a que alude a Recorrente e que foi junto com a participação do sinistro se consubstancie em “folha de férias recebida e referente ao mês de maio de 2021”, porquanto o referido documento mais não contém do que códigos e sequências cujo conteúdo é, s.m.o., incompreensível, não sendo exigível que Tribunal a quo conhecesse e interpretasse os códigos e/ou sequências geradas por um sistema informático que se desconhece e que é controlado pela própria Recorrente.
X. Contrariamente ao que alega a Recorrente, não é possível “pela simples análise da folha de férias junta pela ora Recorrente” extrair qualquer informação, muito menos a conclusão que melhor convém à Recorrente, como esta pretende por via do recurso ora interposto.
XI. Acresce que, em sede de alegações de recurso, pretende a Recorrente a junção aos autos de um documento que contém as supostas “instruções” (como doc. n.º 1) para a análise do documento junto com a participação do sinistro; porém, não estão verificados os requisitos legalmente exigidos para a junção de documentos na fase de recurso, pois que o documento foi elaborado “à feição” do presente recurso, sendo necessariamente do conhecimento da ora Recorrente, sendo certo que também não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova – como sucede in casu.
XII. Por tudo o quanto exposto, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não enferma de erro na valoração da prova produzida nos presentes autos, sendo manifesto que a totalidade da remuneração anual auferida pelo Sinistrado foi transferida para a Recorrente, nem tão pouco padece de violação de qualquer normativo, pelo que devem improceder as alegações de recurso da Recorrente Companhia de Seguros A..., S.A.
ASSIM DECIDINDO, SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES, CONFIRMANDO INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, UMA VEZ MAIS, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”
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A Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito suspensivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, não emitiu parecer dado o sinistrado ser patrocionado pelo Mº Público.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Questão Prévia:
- Da junção de documento
Com as suas Alegações, juntas em 02.08.2024, diz a recorrente juntar “Doc. 1 – Outro – instruções”.
Percorrendo as alegações, verifica-se que quanto à folha de férias junta em sede de audiência de julgamento, realizada em 28.05.2024), a recorrente, sob a alegação de lhe parecer que, “não foi feita qualquer apreciação crítica do seu conteúdo pelo Tribunal a quo” invoca que, “logo aquando da participação do acidente sub judice ao Juízo do Trabalho do Porto, em 14/06/2022, a recorrente juntou a folha de férias recebida e referente ao mês de maio de 2021 (vide página 16 do referido requerimento). Mas não é feita qualquer alusão a este documento na decisão em crise, ou seja, este meio de prova foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo!
Note-se que, existe até uma diferença no formato das folhas de férias juntas pela Recorrente e pela Ré empregadora, na medida em que aquilo que chega à seguradora hoje em dia são folhas de férias em formato eletrónico/digital (ficheiro.eur ou .txt). Este formato foi implementado de forma generalizada pelas seguradoras, a fim de uniformizar os procedimentos a nível europeu, decorrendo de exigência legal. Sendo possível indicar nesse formato todas as quantias que a empregadora pretenda ver transferidas para a seguradora, nomeadamente a título de subsídio de alimentação (veja-se as instruções ora juntas sob doc. n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), o que não aconteceu no caso sub judice.” (sublinhado nosso).
A propósito desta junção, a recorrida, vem opor-se alegando que, “a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. A impossibilidade de apresentação anterior não se cogita no caso em apreço, pela circunstância de o documento ter sido elaborado “à feição” do presente recurso, para além de ser necessariamente do conhecimento da apresentante, ora Recorrente.
(…), não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a Sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova – como sucede in casu. Com o devido respeito, o documento ora junto pela Recorrente não é superveniente, nem sequer é decisivo para a alteração da matéria de facto que a Recorrente pretende, pelo que a sua junção em sede de recurso deve ser rejeitada, nos termos do disposto no artigo 651.º do Código de Processo Civil, o que se requer.”.
Há então, previamente à análise das questões colocadas no recurso, que averiguar se, será permitida à recorrente, a junção do documento em apreço, nesta fase processual e, ainda, se o mesmo se reveste de alguma utilidade nos presentes autos.
Dispõe o art. 651º, do CPC, (Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, - diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem) que as partes apenas podem juntar documentos supervenientes às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art. 425º ou, no caso de a sua junção se ter tornado necessária, em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Sendo princípio fundamental que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes, ou na impossibilidade, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, como decorre do disposto no art. 423º, nºs 1, 2 e 3, a lei admite, igualmente, por força do estipulado pelos art.s 425º e 651º que, depois deste último momento, encerramento da discussão em 1ª instância, os documentos supervenientes possam, também, ser juntos com as alegações de recurso, mas, ainda assim, apenas, nos casos excepcionais em que a sua apresentação não tenha sido possível, até ao encerramento da discussão em 1ª instância, quando a sua apresentação se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior, ou quando a sua junção apenas se tenha tornado necessária, em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
Tal como acontecia antes, actualmente, a junção de documentos deve ocorrer na 1ª instância e só pode acontecer em sede de recurso se não foi possível fazê-la em momento anterior ou quando “a junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável”, mas não contemplando – tal como a jurisprudência anterior afirmava – a possibilidade da junção se justificar em relação a “factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova”, cfr. refere Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 184 e 185.
Assim, a regra geral quanto à oportunidade da junção de documentos posteriores ao encerramento da discussão, em 1ª instância, deve ser encontrada, através da interpretação conjugada dos citados art.s 423º e 425º.
Donde resulta que, são três os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso, ou seja, quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados, quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior e, finalmente, no caso de a sua apresentação apenas se revelar necessária, devido ao julgamento proferido em 1ª instância, cfr. Ac.STJ de 09.02.2010, in www.dgsi.pt.
Podendo as partes juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art. 425º ou, na hipótese de a sua junção apenas se tornar necessária, em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, como decorre ainda do disposto no art. 651º, nº 1.
O (Prof. Antunes Varela na RLJ, ano 115º, nº 3696, a págs. 95 e 96, na vigência do CPC de 1961), escreveu: “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. (…)
A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº1, do artº 706 do CPC”, (que corresponde ao art. 651º do CPC, na redacção aqui aplicável).
Neste sentido tem decidido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, cfr. entre outros, os Acórdãos de 03.03.1989, BMJ, 385º-545, de 12.01.1994, BMJ, 433º-467, de 28.02.2002, na Revista nº 296/02-6ª, Sumários, 2/2002, de 14.05.2002, na Revista nº 420/02-1ª, Sumários, 5/2002, de 30.09.2004 e de 24.02.2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, defendendo-se naquele Acórdão de 28.02.2002, que a junção de documentos, com base em tal previsão, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam.
Esta última situação não ocorre, como é natural, quando a parte, conhecendo ou devendo conhecer da necessidade de apresentação de determinado documento para prova de algum facto, é confrontada com decisão que lhe é desfavorável em razão da sua não junção atempada ao processo e visa, no recurso, juntá-lo para infirmar o que decidido fora em conformidade com os factos provados.
Sendo que, como refere, novamente, o (Prof. Antunes Varela e outros, agora, in “Manual de Processo Civil”, págs. 533 e 534), “…a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida, com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento….
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.”.
Transpondo o exposto para o caso, não se suscitam dúvidas que, nenhuma destas situações se verifica, como bem o notou a recorrida. Efectivamente, a “impossibilidade de apresentação anterior não se cogita no caso em apreço”, nem a recorrente alega qualquer superveniência, nem o poderia. Pois, sendo o mesmo, alegadamente, as instruções, cremos, para que melhor se compreenda, o teor de outro documento, junto pela mesma, logo aquando da participação do acidente, agora em apreciação, ao Juízo do Trabalho do Porto, efectuada em 14.06.2022, só podemos concluir que tinha o documento na sua posse desde sempre, ou pelo menos desde aquela data. E, assim, pese embora, do mesmo não constar qualquer data, só podemos concluir que, é anterior ao inicio da discussão dos autos.
Por conseguinte, pretende a admissão da sua junção pelo facto de o Tribunal “a quo” não ter considerado que “por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR., encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de €14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios). Porém, nenhuma surpresa lhe poderia advir desta situação dado que, era uma possibilidade tal ocorrer em função da prova produzida, tendo em conta que um dos itens em discussão era precisamente o facto de se encontrar ou não transferida para si a responsabilidade quanto à totalidade da retribuição do Recorrido. Uma ou outra situação poderia ser dada como provada em função da prova, não se tratando de qualquer facto assente. A novidade ou imprevisibilidade da decisão de 1.ª instância não tem na sua génese a admissão de documentos que logo ab initio se revelariam necessários dado que se relacionavam de forma ostensiva e direta com a questão ou questões suscitadas nos autos desde da entrada da acção.
Acrescendo que, nada a recorrente alegou que demonstre e justifique porque só agora procedeu à sua junção.
Ou seja, não vem apresentada adequada circunstância justificativa para a excepcional junção daquele, para ser tido como documento em sede de apreciação do presente recurso, como decorre do referido art. 651º.
O que a recorrente pretende como se retira das suas alegações, com a junção do documento, é tão só que seja, a decisão de facto alterada e, nessa sequência, alterada a sentença e nessa medida lhe seja favorável como, alegadamente, considera decorre da alteração da factualidade impugnada.
No entanto, tal não configura nenhuma das situações em que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso, desde logo, quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados, quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior.
E, obviamente, também não se pode considerar que os documentos só se tornaram necessários em virtude do julgamento proferido em 1ª instância pois a decisão não se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Assim, não se admite a junção dos documentos, juntos com as alegações de recurso.
Custas do incidente pela recorrente, fixando-se no mínimo a taxa de justiça.
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Passemos, então, à análise das questões colocadas no recurso.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
- se o Tribunal “a quo” errou no julgamento da matéria de facto impugnada;
- se deverá ser proferido acórdão a alterar a decisão da sentença de fixação de incapacidade, no sentido de o Autor não estar, no presente, afetado de uma IPATH, com as demais consequências legais, nomeadamente, a nível do cálculo das prestações devidas ao sinistrado por parte da Recorrente, como a mesma defende.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
B) OS FACTOS
A 1ª instância, discutida a causa, considerou que: “Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram provados, são os seguintes:
- O A., AA trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, “B...”, exercendo as funções de técnico de eletrónica.
- Em 03-06-2021, numa obra em ..., França, quando se encontrava a desempenhar essa actividade, ao serviço da referida Ré, caiu do cimo de uma escada.
- Do evento resultou fractura da bacia.
- A Ré, entidade patronal, tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a Ré, A..., (Apólice ...), participou-lhe o acidente, pelo que a demandada seguradora prestou assistência médica ao sinistrado e pagou-lhe parte da indemnização devida por incapacidade temporária, num total de € 7.607,24.
- Em deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal, durante a fase conciliatória dos autos, o sinistrado despendeu o montante de € 20,00, em transportes.
- O A. é utente da Segurança Social, com o n.º .......
- O A. nasceu em ../../1963.
- Como resultado do acidente, o A. sofreu as lesões descritas e examinadas nos boletins de exame médico e Relatório Pericial de fls. 77/79, que aqui se dá por reproduzido.
- Tais lesões determinaram ao Autor: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022; e um grau de IPP de 16,50%, com IPATH e com possibilidade de necessitar de eventuais tratamentos futuros a prestar pelos serviços clínicos da demandada seguradora – cfr. decisão final proferida no âmbito do apenso de fixação de incapacidade cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
- Na data do acidente, o Autor auferia a retribuição anual de €16.021,18, composta pelas seguintes prestações pecuniárias: - € 665,00 x 14 meses (remuneração base); € 463,07 x 12 meses (outras remunerações) e € 4,77 x 22 dias x 11 meses (subsídio de alimentação).
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FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:
- Por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR. encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de €14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios).
- A R. entidade empregadora, nas folhas de férias remetidas à co-R. seguradora, não declarou os valores liquidados ao A. a título de subsídio de alimentação.
- O A. esteve em situação de ITA de 04/06/2021 a 03/02/2022; em situação de ITP de 40% de 04/02/2022 a 23/02/2022; em situação de ITP de 20% de 24/02/2022 a 23/03/2022; em situação de ITP de 15% de 24/03/2022 a 06/04/2022 e em situação de ITP de 5% de 07/04/2022 a 02/08/2022, data da sua alta clínica, tendo ficado portador de IPP de 12%.
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O DIREITO
Impugnação da matéria de facto
A primeira questão colocada tem a ver com a discordância manifestada pela recorrente quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, quanto aos factos dados como provado e não provado, respectivamente, elencados em 9º e em 1º lugares daqueles, (pese embora, na decisão recorrida os mesmos não se encontrarem numerados) porque, segundo alega, “não se conforma com a sentença de fixação de incapacidade de fls. … proferida no apenso A, e, consequentemente, com a sentença final proferida a fls… dos presentes autos, porquanto, entende a Recorrente que, ponderada a prova produzida nos autos, não se pode afirmar que o sinistrado se encontra atualmente afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
Por outro lado, não pode igualmente a Recorrente concordar com a parte decisória em que se entende que a totalidade dos valores liquidados ao sinistrado pela sua entidade empregadora se encontravam transferidos para a ora Recorrente, na medida em que tal posição decorreu de insuficiente ou inadequada análise crítica da prova.”.
Quanto à pretensão deduzida pela recorrente e ao entendimento de as provas produzidas nos autos terem sido erradamente apreciadas e terem a virtualidade de alterarem o que foi decidido discordam os recorridos, quer o A. quer a empregadora, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
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Ora, pretendendo a recorrente que seja alterada a matéria de facto, a primeira questão que se nos coloca é a de saber se a mesma cumpre os requisitos impostos pela lei processual (art. 640º “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho) para que por este Tribunal “ad quem” seja apreciada a impugnação sobre a decisão do Tribunal “a quo” que fixou a matéria de facto.
Cumprimento de ónus que diga-se, desde já, consideramos foram, satisfatoriamente, cumpridos, não ocorrendo motivo que obste ao conhecimento do recurso, nesta parte.
Comecemos, então, pela parte da impugnação, em que a recorrente se insurge contra a decisão de facto, pugnando pela sua alteração, conforme consta das conclusões da sua alegação, quanto àquele facto, como dissemos, elencado em 9º, alegadamente, ponto incorretamente julgado, porque “Deu-se como assente que as lesões sofridas pelo Autor lhe determinaram um grau de IPP de 16,50%, com IPATH”, segmento este, contra o qual se insurge a recorrente, discordando que o Autor se encontre afetado de IPATH, sob o entendimento de que, “o parecer dimanado da Junta Médica unânime a que o sinistrado foi submetido se deve sobrepor aos demais meios de prova, por claro, discriminado e devidamente fundamentado. Em consequência, deve ser alterada a decisão da sentença de fixação de incapacidade, de modo a espelhar o entendimento dos Srs. Peritos médicos, ou seja, de o Autor não estar, no presente, afetado de uma IPATH”, em concreto, sugerindo a seguinte redação:
Tais lesões determinaram ao Autor: ITA de 04-06-2021 a 03-02-2022; ITP de 40% de 04-02-2022 a 02-08-2022, com a data de consolidação em 02-08-2022; e um grau de IPP de 16,50%. Dado o atingimento articular da fractura do acetábulo, poderá vir a necessitar de tratamentos futuros, situação a avaliar nos serviços clínicos da seguradora.”.
E, insurge-se contra o ponto, elencado em 2º dos factos dados como não provados, alegando que deve ser dado como provado.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T., nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, (como se refere no Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (local da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de jurisdição sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, Proc. nº 335/10.4TTLMG.P1, relatora Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão,…”, (sublinhado nosso).
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que estão em causa depoimentos gravados, prova documental e pericial e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provado e não provado, em seu entender, se mostram incorrectamente julgados, a resposta que considera deverá ser dada aos mesmos e indica os elementos probatórios, documentos e perícias, constantes do processo que, em seu entender, justificam a alteração daqueles nos termos que peticiona, razão porque consideramos, estarem reunidas as condições para que este Tribunal “ad quem”, proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, eventualmente, alterando a decisão proferida sobre a mesma, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 662º.
Apreciando.
No entanto, tendo em conta o processo, em causa, emergente de acidente de trabalho, que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente importa, previamente, a pronunciar-nos quanto àquela primeira questão, tecer algumas considerações genéricas sobre a tramitação deste processo, caracterizado como um processo especial.
Como decorre, dos art. 99º e ss. do CPT, nos processos emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, numa fase conciliatória, após a realização de perícia médica singular pelos serviços médico-legais, seguir-se-á uma tentativa de conciliação, na qual o Ministério Público promove o acordo, de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente, o resultado daquele exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado, conforme art. 109º do CPT.
Nos termos do art. 112º, nº 1 do mesmo código, se, se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
Por fim, estabelece a al. a) do nº 1 do art. 117º do CPT, que o início da fase contenciosa tem por base petição inicial que, o réu pode contestar e, além do mais, como estabelece a al. a) do art. 129, requerendo a fixação de incapacidade nos mesmos termos que o autor, formulando o pedido a que se refere o nº 2 do art. 138º, ambos daquele referido código - o qual dispõe que, se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o nº 1 do artigo 119º -, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, devendo esse requerimento ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos, conforme nº 2 daquele mesmo art. 117º.
Precisamente, o caso dos autos, em que, não tendo sido possível alcançar um acordo global na fase conciliatória, desde logo, - assentando a discordância na questão atinente ao grau de incapacidade -, após a petição inicial, na contestação apresentada a Ré formulou requerimento peticionando a realização de junta médica e, assim, abriu-se a fase contenciosa do processo, além do mais, com vista à fixação da incapacidade para o trabalho, dispondo o nº 1 do art. 140º do CPT que, o juiz para proferir decisão sobre o mérito deve servir-se da prova obtida pelos meios periciais, cujo valor é apreciado livremente (cfr. art. 389º do CC), destinando-se a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência, como referem (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág.s 261 e ss. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág.s 322 e ss.).
Prova, esta, que deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, devendo para o efeito fundamentar a matéria de facto que dê como assente, nomeadamente nas situações em que tenha havido uma perícia singular e uma perícia colegial esta requerida por uma das partes, tal como sucede no caso em apreço.
Por isso, resulta da instrução 8ª das Instruções Gerais que constam da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10, que o resultado dos exames médicos é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões. Decorrendo, assim, deste normativo que as respostas aos quesitos ou a fundamentação do laudo pericial deverá permitir com segurança ao julgador (que não é técnico em medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir.
Daí que, embora a junta médica aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica se impõe que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, de modo a que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.
Assim, se por um lado o exame por junta médica constitui, apenas, uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do CC e art.s 489º e 607º, nº 5 do CPC), por outro, as perícias médicas, nas quais se incluí o exame por junta médica, não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, sendo somente, um elemento de prova que exige especiais conhecimentos na matéria, daí o laudo pericial ter de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.
Porque, pese embora, o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí também, como já dissemos, a necessidade da cabal fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado.
E, contendendo, o objecto daquele exame por junta médica com a apreciação e determinação das lesões/sequelas que o sinistrado apresenta resultantes de acidente de trabalho, bem como com a fixação da incapacidade para o trabalho decorrente das mesmas, o mesmo, não deverá ser considerado pelo Tribunal, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Regressando ao caso, resultando da factualidade apurada que a ré requereu junta médica e formulou os seus quesitos, importa analisar se deve, aquela, ser alterada, em concreto, quanto ao ponto elencado em 9º lugar, como defende aquela.
No entanto, ainda, antes de entrarmos, na apreciação da questão da impugnação da decisão de facto, atento o teor das conclusões 55 a 59 e o que alega na motivação da sua alegação, importa que se diga que, apesar do ali referido, não invoca a apelante a nulidade da sentença recorrida, sendo sabido que, aquela não é de conhecimento oficioso. Acrescendo que, o referido não configura qualquer vício da decisão recorrida, susceptível de configurar nulidade da mesma, eventualmente, configurará, a verificar-se, erro de julgamento.
Pese embora, isso, no que ao reconhecimento da IPATH, diz respeito, (questão nuclear no presente recurso), no sentido de ultrapassar, desde já, possíveis dissidências, importa dizer que, ao contrário do que diz a recorrente, em nosso entender o Tribunal recorrido observou o dever de fundamentação que se lhe impunha no âmbito do presente processo.
Senão, vejamos.
Aquele Tribunal considerou e concluiu que o sinistrado se encontra afectado de IPATH, extraindo, desta decisão, as consequências jurídicas que entendeu aplicáveis no que concerne ao direito à reparação pelo acidente de trabalho, em análise.
Em termos factuais, a decisão encontra o seu suporte ou justificação nos pontos elencados em 2º, 3º, 8º e 9º lugares dos factos assentes. E, explica a Mª Juíza “a quo” que deu como provada aquela factualidade porque, «baseou a sua convicção no auto de exame por junta médica realizado no apenso de fixação de incapacidade e na decisão final ali proferida, bem como no relatório médico-legal elaborado nos presentes autos, quanto às lesões apresentadas pelo sinistrado e respectivas sequelas, bem como quanto aos períodos de incapacidade temporária e grau de desvalorização acima consignados.
(…).
Atendeu-se também às declarações de parte do aqui demandante que afirmou que se encontrava a exercer funções por conta da aqui R. empregadora, em França, como técnico de telecomunicações, procedendo à instalação de câmaras de segurança, quando sofreu o sinistro em análise nos autos, confirmando que após o mesmo acidente nunca mais trabalhou por conta da mesma empresa, e que actualmente apenas executa alguns serviços como electricista, dado que as sequelas de que padece o impedem totalmente de executar as tarefas como técnico de telecomunicações dadas as limitações de que padece, quer na marcha, quer inviabilizando o trabalho em altura.».
Assim, perante estes elementos explícitos, só podemos concluir que o Tribunal recorrido observou o dever de fundamentação consagrado no nº 4 do art. 607º do CPC, aqui, subsidiariamente aplicável, ainda que, com as necessárias adaptações ao presente processo especial de acidente de trabalho, em que, na fase contenciosa importa, além do mais, dilucidar a questão da incapacidade do sinistrado, em relação à qual não houve acordo na tentativa de conciliação realizada.
A Mª Juíza “a quo”, quanto à situação de IPATH do sinistrado, não declarou assente o resultado unânime da junta médica e explicou o motivo porque atendeu ao exame médico legal realizado nos autos principais (corroborado pelo parecer do IEFP) e porque concluiu que o sinistrado se encontra incapaz para o desempenho da sua profissão habitual.
Cremos, face ao exposto que, ao contrário do que parece fazer crer a recorrente, contém a sentença recorrida os fundamentos de facto que levaram ao reconhecimento da IPATH ao sinistrado e que os mesmos têm o bastante suporte documental nos presentes autos, o suficiente para afastar na concreta situação processual, qualquer hipotética falta de fundamentação, susceptível de gerar a sua nulidade que, talvez por essa razão, a recorrente não invocou.
*
Mas, regressemos, então, à questão que deixámos em suspenso, em concreto, saber se deve ser revogada a sentença recorrida, onde se decidiu que o A. se encontra afectado de IPATH, já que é desta conclusão que a recorrente discorda, com o argumento de que o parecer dimanado da junta médica, unânime, “se deve sobrepor aos demais meios de prova”, segundo alega “por claro, discriminado e devidamente fundamentado”.
Mas, adiantando, desde já, o nosso entendimento, sem razão.
A sentença recorrida, (em especial a proferida no apenso) como bem se retira da transcrição que, da mesma, deixámos supra, não nos merece qualquer censura ou reparo, quanto ao que a este respeito decidiu, a nossa convicção, após a análise das provas produzidas nos autos, não é diversa da recorrida, quer no que respeita à factualidade provada quer à factualidade não provada.
Aquela, mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que, apenas, para justificarmos esta nossa concordância e refutar a falta de razão da recorrente, em concreto, quanto às afirmações que tece nas suas conclusões 55 a 60, diremos o seguinte.
Pois, se é certo que a Junta Médica se pronunciou negativamente, quanto ao facto de o A. se encontrar afectado de IPATH, para o exercício do seu trabalho habitual de técnico de telecomunicações e o relatório pericial singular e o IEFP se pronunciaram afirmativamente. É, também, certo que a Mª Juíza “a quo”, como erradamente o diz a recorrente, não fundamentou a sua convicção, apenas, naquele relatório conjugado com o Parecer emanado daquela entidade.
Ao contrário, como a mesma refere e se verifica da motivação supra transcrita, atendeu a todas as provas pessoais e documentos juntos aos autos, em particular, o referido Parecer, o exame pericial realizado pelo GML, a Junta Médica e as declarações de parte do A./sinistrado.
Ou seja, analisando aqueles exames e parecer e demais provas produzidas, fundamentadamente, a Mª Juíza concluiu e decidiu, explicando porque o fez, que o A. se encontra afectado de IPATH, pese embora, não ter sido esse o entendimento, “neste momento”, expresso na Junta Médica, como esclareceram, posteriormente, no auto de 06.03.2024.
E, em nosso entender, acertadamente, porque ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, mas bem sabe que não é desse modo, o julgador não está vinculado ao resultado da Junta Médica, tal como não o está ao resultado de outras perícias e pareceres.
Quanto a isto é entendimento da jurisprudência e doutrina, que o juiz, embora não tendo conhecimentos técnicos para avaliar o grau de IPP de que o sinistrado é portador, - por isso o processo prevê a realização de perícias médicas e perícias médicas de especialidade -, não está vinculado ao resultado da junta médica, dela podendo afastar-se, conquanto que o faça fundamentadamente.
Pois, importa relembrar que, estando em causa pareceres técnicos e diversas perícias médicas, estes, estão sujeitos à livre apreciação pelas instâncias em conformidade com o previsto nos art.s 389º e 396º, ambos do Código Civil, assim os laudos emitidos pela junta médica, mesmo que por unanimidade, não são vinculativos para o tribunal.
Neste sentido, lê-se no sumário do (Ac. desta secção de 20-01-2020, Proc. nº 4985/17.0T8MAI.P1 in www.dgsi.pt, como já dissemos – lugar onde se encontram disponíveis os demais arestos a seguir citados, sem outra indicação), que, “I - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
II - Contudo, tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil).
III - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.”.
E, também, desta sessão no sumário do (Ac. de 15.01.2024, Proc. 14432/19.7T8PRT.P1) lê-se: “I - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem “o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
II - No entanto, pese embora isso, as conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculam o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação julgador (art.s 389º do Cód. Civil e 489º do CPC)”.
Em idêntico sentido, referem-se, o (Ac. da RL de 11.10.2000, in CJ, tomo IV, pág. 167), onde se pode ler que, “os laudos da junta médica, mesmo os emitidos por unanimidade, enquanto prova pericial, não são vinculativos para o tribunal. Actua aqui o principio da livre apreciação pelo tribunal”…, o (Ac. da RE de 22.06.2004, in CJ, tomo III, pág. 272), onde se lê que “realizado o exame por junta médica, o juiz não está obrigado à observância rigorosa das conclusões dos peritos, delas podendo afastar-se, se tal se justificar, por forma devidamente fundamentada.”.
E também, o (Ac. da RL de 26.06.2009, CJ, tomo III, pág. 159), onde se conclui que, “a determinação da natureza e grau de desvalorização a fixar ao sinistrado o juiz recorre a todos os elementos periciais juntos aos autos cuja força probatória lhe cabe fixar. Desde que fundadamente, pode o juiz desviar-se do parecer, ainda que unânime, dos peritos constante do auto de junta médica.”.
Em suma, a Mª Juíza “ a quo”, como bem o possibilita a lei (art. 139º, nº 7, do CPT), após a realização da Junta Médica, a pedido da seguradora e porque o considerou necessário, solicitou a realização de Parecer ao IEFP que, como decorre do mesmo, fundamentada e exaustivamente avaliou a situação do A. e as exigências do posto de trabalho que levava a cabo à data do acidente e pronunciou-se no sentido, de estar ele afectado de IPATH, do mesmo modo que consta do relatório pericial do GML. E, após, a análise pormenorizada que levou a cabo de todos os elementos de prova, como bem o demonstra a sentença, a Mª Juíza “ a quo”, convenceu-se e decidiu, - como lhe compete, de acordo com o que dispõe o art. 140, nº 1, do CPT -, pela atribuição ao sinistrado de uma IPP de 16,50% com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual-IPATH, desviando-se, em nosso entender, acertadamente, do parecer emitido pelo laudo, unânime, da junta médica.
Não tem, assim, qualquer suporte a alegação da recorrente de que o entendimento da junta médica “se deve sobrepor aos demais meios de prova”, como refere na conclusão 61.
Face ao exposto, além de não podermos concordar com a recorrente, quando diz, parecer-lhe ter sido feito pelo Tribunal “a quo” “um uso anómalo da prova pericial” como, é nossa firme convicção que a decisão recorrida, quanto a esta concreta questão, da IPATH de que o A. se encontra afectado, se mostra devida e suficientemente fundamentada, como já referimos e não se baseou, apenas, no Parecer do IEFP que, diga-se, não se vislumbra padecer de qualquer “contradição” com a Junta Médica, apenas, um diverso entendimento, mas também em todas as demais provas produzidas nos autos, em particular o exame pericial do GML, junto aos mesmos. Acrescendo, que não se entende o invocado na conclusão 59 da alegação, já que aquele Parecer não foi posto em causa, por ninguém, incluindo pela Recorrente, junto do Tribunal “a quo”, com as consequências, nesta decisão que já referimos.
Ou seja, o que aconteceu é que a Mª Juíza “a quo” da avaliação que efectuou da Perícia Colegial/Junta Médica, do Parecer do IEFP e dos restantes elementos que analisou nos autos, não se convenceu no sentido expresso, por unanimidade, naquela, sem que tal seja merecedor de censura ou violador de qualquer disposição legal, já que o juiz não está obrigatoriamente vinculado aos laudos periciais, como é aquela Perícia, sendo a força probatória da mesma, aliás, como no caso, de todas as demais provas produzidas, nestes autos, apreciada livremente pelo Tribunal.
Pois, como é sabido e já dissemos, o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, cuja força probatória está sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz, conforme decorre do art. 389º do CC e dos art.s 489º e 607º.
Sobre a aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, já concluiu (Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. IV, (Reimpressão), 1987, pág. 186), que: “É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas.”.
Como bem se lê no (Ac. do STJ de 08.06.2021, Proc. nº 3004/16.8T8FAR.E1.S1, www.dgsi.pt), “I-A reparação das consequências dos acidentes de trabalho resulta de imperativos de ordem pública inerentes ao estado de direito social, conforme decorre do artigo 59.º, n.º 1, al. f), da CRP, pelo que ao Tribunal cabe providenciar, anteriormente ou posteriormente à conclusão da perícia médico-legal, pela obtenção dos elementos pertinentes com reflexo na fixação das consequências do acidente e a respetiva ponderação. II. A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo fixada livremente pelo Tribunal, nos termos dos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, não existindo impedimento legal a que o Tribunal atribua maior força probatória a outros meios de prova e a que, perante motivos de ordem técnica ou probatória que apontem para a rejeição ou modificação do resultado da perícia médica realizada nos autos, fixe um entendimento divergente daquela. (…)”.
Assim, só podemos concluir que, a sentença recorrida não merece censura, neste segmento concreto da decisão de facto, que fixou ao A., em consequência das lesões sofridas, um grau de IPP de 16,50%, com IPATH, não havendo elementos que permitam alterá-la, nos termos pretendidos pela recorrente, nem violou qualquer dispositivo legal, razão porque se mantém inalterada a redacção daquele ponto elencado em 9º dos factos provados.
*
Impugna, ainda, a apelante a decisão de facto, quanto ao ponto, elencado em 1º, dos factos dados como não provados, com o seguinte teor: “Por via do contrato de seguro celebrado entre as aqui RR. encontrava-se transferido, relativamente ao aqui A., a retribuição anual de €14.866,84 (€ 665,00 x 14 meses de salário base + € 463,07 x 12 meses de outros subsídios)”.
A Mª Juíza “a quo” fundamentou a resposta dada de provados e não provados aos factos, supra transcritos, em particular, quanto a este, nos seguintes termos: «(…).Considerou-se ainda o documento referente às folhas de férias remetidas pela demandada entidade empregadora à R. seguradora, de Maio de 2021, nas quais se verifica que os valores referentes a subsídio de férias, tal como liquidado ao aqui demandante, eram ali indicados.
No mais, considerou-se o depoimento da testemunha CC, que disse ser profissional de seguros, desempenhando funções na aqui demandada seguradora desde 1980 e que afirmou ter conhecimento das circunstâncias relativas ao sinistro dos autos apenas por análise da documentação que a mesma demandada possui, esclarecendo que o ficheiro que é remetido pelas entidades empregadoras (folhas de férias) é aquele que é igualmente remetido aos serviços sociais competentes.”
Ao invés reiterando, também, quanto a este ponto, o entendimento de que, “a prova realizada nos autos contraria a decisão sobre a matéria de facto supra exposta”, defende a recorrente que devia ter sido dado como provado.
Fá-lo, sob a alegação de que, “o documento que sustentou a referida decisão apenas foi apresentado pela ré empregadora em sede de audiência de julgamento realizada no dia 28/05/2024. Sendo que, nessa mesma audiência, a aqui Recorrente desde logo se opôs à admissão e junção do mesmo aos autos, na medida em que a Ré empregadora não apresentou a sua prova no momento legalmente oportuno (pois não apresentou Contestação ao pedido do Autor, nem resposta à Contestação da recorrente). Requereu a Recorrente prazo de vista para análise do mesmo, o que lhe foi concedido. No entanto, desde logo, o Tribunal a quo admitiu a junção aos autos de tal documento, pois, apesar de extemporâneo, entendeu ser essencial para a descoberta da verdade material” e prossegue, alegando que, “o Tribunal a quo veio a proferir despacho sobre o requerido pela recorrente em sede de audiência de julgamento, realizada no dia 18/06/2024, o qual ficou vertido na respetiva ata, julgando improcedente o pedido da Recorrente. Sinteticamente, reconheceu o Tribunal a quo que o facto de a Ré empregadora não ter autoliquidado a taxa de justiça devida a impedia de apresentar meios de prova, porém o Tribunal considerou tal documento pertinente para a descoberta da verdade e decisão de mérito, daí ter admitido a sua junção, decisão essa que transitou em julgado.
Não obstante tudo o exposto, não pode a Recorrente deixar de sublinhar que o documento em crise, ao ser impugnado pela Recorrente nos termos do disposto nos artigos 374º, n.º 2 do Código Civil e artigo 444º, n.º 2 do CPC, e não tendo a Ré empregadora produzido qualquer prova da genuinidade de tal documento, determina que o mesmo constitui mero meio de prova a ser apreciado livremente pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.”.
Mais, alega a recorrente que, o Tribunal “a quo” entendeu que aquele facto resultou não provado, “Para tal, baseou-se exclusivamente no “documento referente às folhas de férias remetidas pela demandada entidade empregadora à R. seguradora, de Maio de 2021, nas quais se verifica que os valores referentes a subsídio de férias, tal como liquidado ao aqui demandante, eram ali indicados.”.
Desde logo, denota-se manifesto erro na análise da questão por parte do Tribunal recorrido, pois os valores controvertidos, portanto, que a aqui Recorrente entende não estarem transferidos por via do contrato de seguro celebrado com a Ré empregadora, são os atinentes ao subsídio de alimentação (104,94€ x 11 meses) e não o subsídio de férias.”.
E alega, ainda, que, “parece-nos que não foi feita qualquer apreciação crítica do seu conteúdo pelo Tribunal a quo. Veja-se que, estava em causa a não transferência do valor do subsídio de alimentação e o Tribunal a quo apenas declarou que decorre da análise desse documento que o subsídio de férias se encontrava transferido…
(…)
Mas, de maior relevo, é o facto de não corresponder à verdade que a Recorrente não tenha apresentado qualquer meio de prova que pudesse infirmar o conteúdo do documento apresentado pela Ré empregadora!
Na verdade, logo aquando da participação do acidente sub judice ao Juízo do Trabalho do Porto, em 14/06/2022, a recorrente juntou a folha de férias recebida e referente ao mês de maio de 2021 (vide página 16 do referido requerimento).”.
Que dizer?
Desde logo, que se mostra irrelevante toda a argumentação da recorrente, deduzida, no presente recurso, a respeito da decisão proferida sobre a admissibilidade do documento junto pela recorrida/empregadora, já que, como a mesma refere, aquela decisão transitou em julgado, assistindo razão à recorrida, quando alega e conclui que, “considerando a argumentação aduzida pela Recorrente, impõe-se, desde logo, esclarecer que a junção do documento que sustentou a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi admitida por Despacho exarado na ata de audiência de julgamento datada de 28.05.2024, com a referência Citius 460633828, decisão que não foi impugnada, pelo que transitou em julgado, produzindo, assim, todos os devidos e legais efeitos. Pelo que não se compreende, nem se alcança, a argumentação expendida pela Recorrente nas suas alegações de recurso quanto à alegada inadmissibilidade da junção do referido documento.”.
E se a este respeito concordamos e tem razão a recorrida, o mesmo acontece, quando diz e conclui no que, à apreciação dos meios de prova respeita que, perscrutada a Sentença, não se vislumbra, “em que medida o Tribunal a quo tenha atribuído força probatória plena ao documento junto pela Recorrida, o qual se consubstancia na folha de férias referente ao mês de maio de 2021. Com efeito, nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. E, s.m.o., foi exatamente o que sucedeu quanto a todos os meios de prova produzidos nos presentes autos. Em concreto no que respeita à folha de férias referente a maio de 2021, o Tribunal a quo valorou e apreciou criticamente o documento junto aos autos pela aqui Recorrida,”.
A demonstrar a veracidade desta alegação da recorrida e novamente a incompreensão da alegação da recorrente, basta atentar no que decorre da motivação, supra transcrita, que a Mª Juíza “a quo” não se convenceu quanto ao que consta daquele tendo em conta a apreciação global e conjugada que efectuou de todos os elementos de prova produzidos nos autos, testemunhais e documentais, em especial, o documento junto pela recorrida em 28.05.2024 donde, em nossa convicção, ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, se retira que estavam transferidos para a mesma, as quantias pagas ao sinistrado, nomeadamente, a referente ao subsídio de alimentação e subsídios de férias e de Natal, como se verifica da análise daquele.
Novamente, como bem diz a recorrida, “do documento folhas de férias referente ao mês de maio de 2021, junto aos autos pela aqui Recorrida, resulta que os valores referentes a subsídio de alimentação tal como liquidados ao aqui demandante, eram ali indicados, tendo sido devidamente comunicados à Recorrente Companhia de Seguros A..., S.A. Neste conspecto, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que a aqui Recorrida cumpriu o seu ónus probatório com a junção da folha de férias referente a maio de 2021. Apesar do lapso de escrita da Sentença quando refere “subsídio de férias” ao invés de “subsídio de alimentação” na motivação de facto, certo é que o Tribunal a quo ponderou criticamente todos os meios de prova produzidos nos presentes autos, aqui se incluindo a folha de férias junta pela aqui Recorrida. No que em especial concerne à data da emissão do documento em crise, importa esclarecer, em abono da verdade material, que tal corresponde, tão-só, à data em que a folha de férias foi extraída do sistema informático de registo das remunerações dos trabalhadores da Recorrida, o que não se confunde com a sua data de elaboração, nem tão pouco com o seu conteúdo, contrariamente ao que pretende a Recorrente fazer crer. Salvo melhor opinião, a data de emissão da folha de férias não é um elemento preponderante na análise e ponderação acerca da genuinidade do documento ou, sequer, da fiabilidade do seu teor. Perscrutadas as alegações de recurso, não é alegado (e, muito menos, demonstrado) pela Recorrente qualquer fundamento, de facto ou de direito, que infirme o teor da folha de férias referente a maio de 2021 junta aos autos pela Recorrida.”.
Sem dúvida, como se verifica, a apelante pugna pela alteração, daquele ponto dado como não provado, tendo por referência o documento junto pela mesma, com a participação a fls. 16, o qual, sempre com o devido respeito, não tem qualquer virtualidade de infirmar a convicção decorrente do documento junto pela recorrida.
Assim, só pode improceder, também, este segmento da apelação.
Pois, sempre com o devido respeito, entendemos não lhe assistir razão.
Da sua alegação e dos concretos meios probatórios, que considera impunham decisão diversa da recorrida, entendendo que deve ser alterada aquela concreta matéria de facto dada como não provada na decisão recorrida, não é o que efectivamente decorre. A pretensão da recorrente assenta, sem dúvida e como o demonstra o que alega, apenas, na sua convicção (errada, em nosso entender) que a mesma formou quanto a algumas das provas produzidas nos autos, não coincidente com a convicção formada pelo Tribunal “a quo”, atenta a conjugação e análise que foi feita de todas as provas produzidas, a qual não é diversa da nossa.
Efectivamente, após audição e análise de toda a prova, oral e documental produzida nos autos e os demais factos dados como assentes, apreciada em conjunto, contrariamente ao defendido pela recorrente, não formámos uma convicção diversa da recorrida quanto àquele facto impugnado, dado como não provado.
Sendo que, só no caso de tal ter acontecido é que poderia proceder a sua pretensão, conforme decorre do nº 1 do art. 662º.
Mas, é nossa convicção, pese embora o respeito pela opinião da apelante, de que a decisão recorrida, quanto ao facto não provado, objecto de impugnação, é o reflexo da apreciação e valorização conjunta de todas as provas produzidas, não nos merecendo censura, subscrevendo o que foi decidido pelo Tribunal “a quo” face aos fundamentos que refere terem sido credíveis e não lograram convencer para formar diferente convicção.
As provas produzidas nos autos, não foram de molde a convencer no sentido de dar uma resposta de provado àquele, como bem revela o teor do documento, que a apelante considera ter essa virtualidade.
Cremos, assim, que o concreto meio probatório que a apelante indica não permite, formar a convicção positiva que considera acertada, quanto àquele ponto, nem tão pouco diversa da recorrida.
Como a recorrida bem diz, a recorrida, não se vislumbra que, “o documento a que alude a Recorrente e que foi junto com a participação do sinistro se consubstancie em “folha de férias recebida e referente ao mês de maio de 2021”, porquanto o referido documento mais não contém do que códigos e sequências cujo conteúdo é, s.m.o., incompreensível, não sendo exigível que Tribunal a quo conhecesse e interpretasse os códigos e/ou sequências geradas por um sistema informático que se desconhece e que é controlado pela própria Recorrente”.
Em suma, da análise conjugada de todas as provas produzidas, nomeadamente, as que a recorrente considera impunha que se respondesse provado, àquele, apreciada, globalmente, com as demais provas produzidas, não permitem atentas as regras da experiência, convencer do modo que a mesma refere.
Constatando-se que a Mª Juíza “a quo” apreciou, conjugadamente, todas as provas produzidas, fazendo uma análise global das mesmas, em nosso entender, crítica e acertada, como comprovámos.
Não temos dúvidas que, as provas produzidas nos autos foram correctamente apreciadas não se vislumbrando ter ocorrido qualquer erro de julgamento, aquelas, só não tiveram a virtualidade de convencer do modo que a recorrente diz entender.
Assim, salvo melhor entendimento que se respeita, a pretensão da recorrente ao considerar que os factos impugnados mereciam resposta diversa daquela que obtiveram, tem por fundamento tão só a sua própria convicção, como dissemos.
Convicção da própria, sem apoio no depoimento das testemunhas ouvidas e demais provas, as quais não nos permitem formular conclusão idêntica à sua.
Pelo que, só podemos concluir que, perante o conjunto da prova produzida, bem andou o Tribunal de 1ª instância na decisão proferida, também, quanto àquela matéria de facto que considerou não provada, não existindo razão para a alterar.
Assim, se outras razões não ocorressem, sempre, por não se verificar ter ocorrido qualquer erro de julgamento, especificamente, quanto aos pontos impugnados, a factualidade assente fixada na 1ª instância e supra transcrita, mantém-se inalterada e, consequentemente, há que confirmar a decisão recorrida, cuja alteração a recorrente peticionou, caso fosse alterada a decisão de facto o que não ocorreu.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões do recurso.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 28 de Abril de 2025
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Nelson Fernandes
Sílvia Saraiva