Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4907/19.1T9PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: ARRESTO
CONCEITO
CRÉDITO
GARANTIA PATRIMONIAL DO CREDOR
JUSTO RECEIO
INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR
FUNDAMENTAÇÃO
BENS ARRESTADOS
Nº do Documento: RP202305314907/19.1T9PRT-C.P1
Data do Acordão: 05/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGADO PROVIDO O RECURSO DA REQUERIDA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens determinada pelo justo receio por parte do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito, como evidencia o texto do artigo 391º, 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC).
II - Com vista a alcançar tal desiderato incumbe ao requerente, nos termos previstos no artigo 392º n.º 1, do mesmo Código, alegar “os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.”.
III - Para a fundamentação do justo receio, torna-se necessário o requerente alegar e demonstrar qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio: pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas) ou o da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prova que está tentando fazê-lo…), ou de qualquer outra atuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito,
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4097/19.1T9PRT-C.P1
Data do acórdão: 31 de Maio de 2023

Desembargador relator: Jorge M. Langweg
Desembargadora 1ª adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Desembargador
2º adjunto: Manuel Soares

Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Instrução Criminal do Porto


Sumário:
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……………………..


Acordam, em conferência, os juízes acima identificados
do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente a requerida AA.
I - RELATÓRIO
1. No âmbito do processo do qual foi extraída a certidão que integra os presentes autos foi proferida a decisão que decretou o arresto preventivo nos termos do artigo 103º, n.º 2, al. h) e do artigo 194º, n.º 5 do Código de Processo Penal, 228º, 268º nº1. al. b) do C.P.P., e do artigo 363º, n.º 1 do Código de Processo Civil dos bens seguidamente identificados, sem prejuízo de outros que possam eventualmente ser detetados até ao limite do valor que se pretende acautelar, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens até ao momento apuradas:
Do arguido BB (…):
(…)
Da arguida AA:
- Prédio descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...3/19910122-E sito na Rua ..., ..., ..., concelho da Maia – cfr. fls. 1031.
2. Inconformada com tal decisão, a arguida AA interpôs recurso da mesma para este Tribunal da Relação, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos:
“A. O presente recurso tem como objecto toda a matéria do despacho que aplicou medida de garantia patrimonial de arresto preventivo de imóvel à Arguida, ora Recorrente, nomeadamente o arresto preventivo do Prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n.° ...3/19910122-E sito na Rua ..., ..., ..., concelho da Maia', sendo que, certamente por lapso, foi indicada a morada do imóvel como situando-se na Rua ..., quando a morada correcta é a Rua ... em ..., concelho da Maia, morada constante do TIR da Recorrente - conforme indicado no auto de arresto.
Vem a Recorrente acusada pelo Ministério Público de alegados factos susceptíveis de consubstanciar a prática do crime de burla qualificada, previsto e punível pelo art. 271.°, n.° 1, e 218.°, n.° 1 e 2, aI. a) e c) todos do Código Penal, entendendo assim que a mesma terá alegadamente alcançado vantagens económicas decorrentes do crime, que totalizariam o valor de € 272.250,00 (duzentos e setenta e dois mil duzentos e cinquenta euros).
O Tribunal a quo entendeu existirem indícios substanciais de que a Recorrente e arguida (em conjunto de esforços com o Arguido BB) se apropriou de uma vantagem patrimonial ilegítima, entendendo estar fundamentada a "probabilidade séria da existência do créditos' nos indícios reunidos contra os arguidos, e que todos os elementos recolhidos levam à conclusão que a Arguida tentará dissipar o património, sem nunca, todavia, indicar quais os elementos recolhidos que levam a crer que a Recorrente irá dissipar o seu património.
É ainda de relevar que imóvel descrito e objecto do presente recurso, conforme consta do próprio despacho que ordena o arresto preventivo: Arguida AA (...), casada em regime de comunhão gerai de bens como (...) é, desde 15.12.1997, proprietária da habitação (...) - fis. 1031", ou seja, o arresto preventivo, in casu, incidiu sobre a casa de morada de família da Arguida, da sua propriedade e do seu marido desde o ano de 1997, por receio de dissipação de bens no ano de 2023, com referência a factos alegadamente cometidos no ano de 2017.
No que diz respeito aos alegados substanciais indícios do crime, a arguida, aqui Recorrente, remeterá a sua defesa para as instâncias próprias, nomeadamente a sua contestação e defesa em sede de julgamento.
Ainda, cumpre realçar que a Recorrente tem 58 anos de idade e não tem antecedentes criminais, nem sequer alguma vez foi acusada ou indiciada pela prática de qualquer outro crime; podemos assim concluir que os factos em investigação nos autos, a confirmarem-se (algo que a Recorrente repudia), constituem um episódio isolado na sua vida, que, até aqui, tem sido orientada de acordo com os ditames do Direito.
No que se refere à aplicação da medida de garantia patrimonial de arresto preventivo, prevê a primeira parte do n.° 1 do art. 228.° do Código de Processo Penal (doravante CPP) que, ^Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos Como tal, e no que diz respeito aos requisitos substantivos do arresto no processo penal, é de aplicar o regime legal do Código de Processo Civil (doravante CPC), determinando o art. 391.° do CPC que, credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedoF.
I. Como tal, e aplicando este artigo ao arresto preventivo no processo penal, não basta, para que o mesmo seja decretado, indícios suficientes do crime e da existência do crédito, sendo assim igualmente necessário provar e justificar o receio de perda da garantia patrimonial do requerente.
1 0 facto de o primeiro requisito se encontrar verificado, ou seja, a probabilidade da existência de um direito, não leva a que automaticamente haja um justo receio de perda da garantia patrimonial; todavia, a forma como os factos são expostos tanto no requerimento do Ministério Público, como no despacho proferido pelo Tribunal a quo, querem levar à conclusão que um requisito seja a consequência lógica e absoluta do outro, ao referir que wresultam indícios substanciais de que os arguidos se apropriaram de uma vantagem patrimonial ilegítima. Ora, tal leva-nos concluir que os arguidos de tudo farão para ocultar o seu patrimónior dissipá-lo, ou transferi-lo para terceiro' - o que não se pode aceitar.
(…)
.Isto é, "A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: (...) d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193. ° e 204. (art. 194.°, n.° 6, do CPP).
No despacho proferido pelo Tribunal a quo, em momento algum são indicados factos concretos que indiciem que a Recorrente tenha adoptado, ou tenha o propósito de adoptar, qualquer conduta de dissipação de bens.
Aliás, a justificação do justo receio é efectuada com recurso a simples indicações abstractas, nomeadamente: que os indícios do alegado crime levam crer que os arguidos tudo farão para ocultar o seu património (.../', que "todos os elementos recolhidos na investigação, levam-nos a concluir que os arguidos de tudo darão para ocultar o seu patrimónió; bem como que "Existe, assim, (...) o perigo de que o passar do tempo faça desaparecer para sempre os bens dos arguido.
In casu, não foram mencionados factos concretos susceptíveis de permitir a fundamentação do justo receio de perda da garantia patrimonial, tendo a medida em causa assentado apenas em meros juízos abstractos, não concretizados em factos.
Isto é, em momento algum é indicado, de forma clara e explícita, os factos concretos que levam a acreditar que a aqui Recorrente pretende dissipar bens - talvez porque não estão indiciados quaisquer factos que façam depreender que a Recorrente pretende dissipar os seus bens e eximir-se ao possível pagamento.
De facto, inexiste qualquer receio efectivo de perda da garantia do crédito; basta, desde logo, ter em consideração que o bem imóvel arrestado é a casa de morada de família, onde a Requerente vive com a sua família, casa esta por estes adquirida no ano de 1997 - vinte anos antes dos alegados factos, e vinte e cinco anos antes do despacho que decreta o seu arresto,
Sendo que a Recorrente tem conhecimento do processo de inquérito desde, pelo menos, o ano de 2020 (data da sua constituição de arguida), pelo que, se fosse intenção sua vender ou dissipar de algum modo a sua casa de morada de família, certamente o teria feito nos últimos três anos.
Aliás, a sua evidente simplicidade está patente no comportamento colaborante que adoptou desde a sua constituição enquanto arguida, não se tendo furtado à justiça, tendo inclusive colaborado com esta, indicando em sede inquérito prova testemunhal e documental para a descoberta da verdade.
Em conclusão, não é alegado qualquer facto concreto susceptível de permitir extrair a conclusão de que a Recorrente praticou ou se preparava para praticar actos com vista ao extravio ou delapidação do seu património de forma a subtrair os seus bens, designadamente o imóvel objecto do arresto; o que se alega não passa de afirmações conclusivas, meras conjecturas, sem qualquer alicerce factual.
Sendo certo que os factos concretos que fundamentam o justo receio de perda da garantia patrimonial teriam que ser alegados e provados pelo requerente de arresto, e, conforme se expôs, tanto no requerimento de arresto do Ministério Público, como no despacho que o ordena proferido pelo Tribunal a quo, apenas são usadas frases abstractas contendo, em suma, conceitos e frases feitas para justificar o justo receio, sem nunca alegar e provar ou indiciar factos concretos.
Aliás, todos os indícios apontam para a não existência de justo receio de perda da garantia patrimonial, estando em causa o imóvel que é a casa de morada de família da Requerente, onde residem ainda neste momento, comprada pela mesma e pelo seu cônjuge em 1997, isto é, há cerca de 25 anos.
Não estando assim preenchidos os requisitos legais cumulativos que permitiriam ao Tribunal a decretar o arresto preventivo, nomeadamente o requisito referente ao justo receio de perda da garantia patrimonial, nos termos do previsto pela conjugação dos artigos 228,°, n.°1, primeira parte, do CPP e 391°, n° 1, do CPC, deve tal despacho ser revogado, sendo substituído por decisão que negue o pedido de arresto preventivo requerido peto Ministério Público,
Nesta conformidade e invocando o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores da Relação do Porto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho que decretou a aplicação da medida de garantia patrimonial de arresto preventivo sob o imóvel pertencente à Recorrente (Prédio descrito na Ia Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n.° ...3/19910122-E), e substituindo o mesmo por decisão que negue o pedido de arresto preventivo formulado pelo Ministério Público.

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, nos termos legais, subindo imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo – cfr. artigos 399º, 400º, n.º 1, “a contrario sensu”, 401º, n.º 1, al. b), 406º, n.º 2, 407º, n.º 2, al. c), 408º “a contrario sensu”, 412º e 414º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e art.º 372º, nº 1, al. a) e 638º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 228 do Código de Processo Penal.
4. O Ministério Público junto do tribunal da primeira instância pugnou pela improcedência do recurso, sem elaborar conclusões, mas acrescentando o seguinte à transcrição da fundamentação da decisão recorrida:
Como se verifica da leitura do despacho recorrido a Senhora Juiz considerou preenchido o requisito legal referido pela recorrente (o fundado receio de perda de garantia patrimonial).
Na verdade, segundo a Senhora Juiz tal resulta desde logo do teor da acusação deduzida contra a recorrente e o arguido BB que lhes imputa um crime de burla qualificada, pelo facto de a recorrente juntamente com aquele arguido terem, de forma continuada, conseguido apropriar-se de um vasto património da ofendida, que se contabiliza pelo menos em € 272.250,00.
Mas, não só o fizeram de forma continuada e dissimulada como também o fizeram relativamente a uma senhora idosa que ambos conheciam bem, sendo, aliás a aqui recorrente, durante muitos anos, a sua empregada doméstica.
Ou seja, sabia a recorrente que, para além da vítima ser uma idosa, a mesma sofria de demência e estava completamente sózinha já que as únicas pessoas de família eram os sobrinhos que residiam no sul do país.
Assim, a recorrente juntamente com o arguido, sabendo de toda a situação de especial fragilidade vivenciada pela vítima não tiveram qualquer escrúpulo em empobrecê-la naqueles montantes.
E, havendo indícios substanciais e muito fortes de que assim actuaram perante uma idosa, sua amiga e sofrendo de demência é, não só provável, mas, é por demais certo, de que actuarão de idêntica forma com o Estado para que, em caso de condenação, este não consiga arrecadar as quantias de que os arguidos se apropriaram da forma mais vil.
Por outro lado, sabido como é que na nossa sociedade a fuga de impostos ao Estado é uma realidade é também evidente e seguro que os arguidos tudo farão para esconder o seu património.
Por último e quanto ao facto de a recorrente ter 58 anos de idade e ser primária não se vislumbra qual a relevância de tal factualidade para o que aqui está em causa. Com efeito, nem a idade, nem a ausência de antecedentes criminais constituem circunstâncias previstas na lei para afastar a possibilidade do arresto preventivo e, assim, sendo, é puramente irrelevante alegar tais factores para impedir o arresto.
Neste seguimento e secundando vários Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, entendeu a Senhora Juiz que, estavam preenchidos todos os requisitos para o arresto preventivo dos bens dos arguidos e, concretamente, da aqui recorrente e, muito bem andou ao decretar tal arresto pois que o mesmo é a única forma do Estado ter a garantia de que em caso duma muito provável condenação, irá conseguir arrecadar as quantias ilicitamente surripiadas à ofendida.
Termos em que (…) somos de entender que o douto despacho recorrido não violou qualquer norma legal, pelo que, não deverá ser dado provimento ao recurso da arguida devendo, em consequência, ser o despacho recorrido confirmado.

5. O Ministério Público junto deste Tribunal[1] emitiu parecer fundamentado, pugnando pela procedência do recurso nos seguintes termos:
“(…)
Com o respeito devido pela decisão recorrida e pela posição assumida pelo MP na 1ª instância, atentas as razões invocadas pela arguida e recorrente na motivação e conclusões do seu recurso, com que estou fundamentalmente de acordo, sou de parecer que o mesmo merece provimento.
Efetivamente, não se discutindo, no caso a verificação da probabilidade séria da existência do direito de crédito do Estado e dos ofendidos sobre a arguida recorrente, tão pouco a necessidade de, nos termos das pertinentes normas jurídicas aplicáveis e aplicadas, a esse pressuposto do arresto preventivo dever acrescer aqueloutro do periculum in mora por justificado receio de perda da correspondente garantia patrimonial, em função do risco sério de o devedor perder ou dissipar os seus bens, cuja alegação e prova cabe ao requerente e tem de constar da decisão judicial que o decrete, afigura-se inevitável concluir pela não verificação, in casu, deste segundo pressuposto, como reclama e demonstra a recorrente[2].
Na verdade, lido o requerimento do MP e a decisão judicial que decretou o requerido arresto, embora se aluda a esse justo receio e se afirme a sua verificação, a fundamentação dessa conclusão afirmativa limita-se à invocação da natureza e modo de execução do crime pelo qual a recorrente se encontra acusada, para daí extrair aquela ilação, numa clara presunção judicial baseada nas também convocadas regras da experiência comum, mas sem suporte legal e meramente especulativa em modo de conjetura, porque não sustentada em qualquer facto concreto de onde possa deduzir-se, visto que, mesmo por apelo ao teor da acusação, para onde também se remete, se não vislumbra qualquer ato da recorrente que permita sustentar aquela ilação presuntiva.
Com efeito, na acusação, no requerimento inicial e na decisão recorrida não se descreve qualquer facto relevante demonstrativo ou sequer indiciário do perigo de dissipação do património da recorrente, nomeadamente do andar onde reside com a família há vários anos, muito embora o processo contenha elementos de facto cuja alegação e prova poderia evidenciar e suportar esse perigo, como seja o dispêndio célere e total das quantias de que ilegitimamente se apropriou em prejuízo dos ofendidos, no resgate de empréstimos bancários, incluindo o da aquisição do imóvel arrestado, na aquisição de dois automóveis e outras despesas mais ou menos voluptuárias, a sua frágil saúde que determinou a cessação de qualquer atividade laboral, que, mesmo antes, lhe propiciava rendimentos de médio/baixo valor, e outras circunstâncias que poderiam sustentar um juízo de tendencial prodigalidade e incapacidade económico-financeira para satisfazer o crédito aqui em causa e, consequentemente, de alguma predisposição para salvaguardar o pouco que ainda lhe restasse, nomeadamente aquela fração, pondo em sério risco a sua função de garantia patrimonial pelo crédito existente sobre ela em razão do crime cometido.
Mas não, em nenhum desses atos processuais, acusação, requerimento e decisão judicial que decretou o arresto, se faz qualquer referência a essas e/ou outras circunstâncias concretas que suportem aquele risco/perigo de perda ou dissipação do bem em causa, pelo que falece por completo esse segundo pressuposto legalmente exigido para o decretamento do arresto preventivo sub judice, que, assim, deve ser declarado extinto, na procedência do recurso da arguida.
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6. Notificado do parecer, a recorrente não apresentou qualquer resposta.
*
Cumpre, pois, apreciar e decidir.

Do objeto do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o “thema decidendum” que foi colocado à apreciação do tribunal “ad quem”, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a única questão jurídica suscitada pelo recorrente, constituindo, assim, o objeto do recurso e, consequentemente, desta decisão:
Erro em matéria de direito: não estão preenchidos os requisitos legais cumulativos que permitiriam ao Tribunal a decretar o arresto preventivo, nomeadamente o requisito referente ao justo receio de perda da garantia patrimonial, nos termos da conjugação dos artigos 228,°, n.°1, primeira parte, do CPP e 391°, n° 1, do CPC.
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1. II – FUNDAMENTAÇÃO
Para decidir a questão controvertida, importa ter presente a fundamentação da decisão recorrida:
“(…) o Magistrado do Ministério Público requereu o Arresto Preventivo de bens imóveis identificados na promoção que antecede ao abrigo do no artº 228º nº1 por referência à al.b) do nº1 do ambos do C.P.P. e 391º a 393º do C.P.C.
Alega para tanto, e em síntese, que se investigam nos presentes autos factos praticados no ano de 2017, os quais são suscetíveis de consubstanciar a prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2 al. a) e c) todos do código Penal encontrando-se até ao momento suficientemente indiciado que, dando por integralmente reproduzidos os factos mencionados na acusação deduzida, é possível constatar que os arguidos BB e AA alcançaram as referidas vantagens económicas decorrentes do crime ali imputado.
Os arguidos fizeram suas as quantias monetárias supra mencionadas que totalizaram o valor de € 272.250,00 (duzentos e setenta e dois mil duzentos e cinquenta euros).
Conseguiram-no, através da execução de plano previamente traçado, de forma continuada e dissimulada, levando a ofendida a assinar documentos que permitiram a realização de movimentações nas contas bancárias de que era titular, levando-a a fazer disposições patrimoniais em benefício dos arguidos, bem sabendo eles que, à data de tais operações, a ofendida CC não tinha capacidade mental e conhecimento patrimonial, em razão da sua demência, idade e desconhecimento, para manifestar a sua vontade de forma plena e compreender o significado do dinheiro, de transações financeiras e dos documentos que assinasse.
Não obstante, quiseram e conseguiram os arguidos aproveitar-se dessa especial vulnerabilidade da vítima, apropriando-se do seu património e empobrece-la, o que conseguiram em valor bastante superior a € 20.400,00.
Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido BB, casado em regime de comunhão de adquiridos com DD é, desde 15.04.2019, proprietário da habitação 3 do prédio n.º ..., sito na Rua ..., em ... (União de freguesias ..., ... e ...), descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...08/20190215-C – cfr. fls. 1030;
Por sua vez, a arguida AA, casada em regime de comunhão geral de bens com EE, é, desde 15.12.1997, proprietária da habitação do 1.º andar esquerdo frente, T 2, correspondente à fracção E, do prédio sito na Rua ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...3/19910122-E – cfr. fls. 1031.
(…)

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
(…) dando por integralmente reproduzidos os factos mencionados na acusação deduzida, é possível constatar que os arguidos BB e AA alcançaram as referidas vantagens económicas decorrentes do crime ali imputado.
Os arguidos fizeram suas as quantias monetárias supra mencionadas que totalizaram o valor de € 272.250,00 (duzentos e setenta e dois mil duzentos e cinquenta euros).
Conseguiram-no, através da execução de plano previamente traçado, de forma continuada e dissimulada, levando a ofendida a assinar documentos que permitiram a realização de movimentações nas contas bancárias de que era titular, levando-a a fazer disposições patrimoniais em benefício dos arguidos, bem sabendo eles que, à data de tais operações, a ofendida CC não tinha capacidade mental e conhecimento patrimonial, em razão da sua demência, idade e desconhecimento, para manifestar a sua vontade de forma plena e compreender o significado do dinheiro, de transações financeiras e dos documentos que assinasse.
Não obstante, quiseram e conseguiram os arguidos aproveitar-se dessa especial vulnerabilidade da vítima, apropriando-se do seu património e empobrece-la, o que conseguiram em valor bastante superior a € 20.400,00.
Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços e de intenções, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido BB, casado em regime de comunhão de adquiridos com DD é, desde 15.04.2019, proprietário da habitação 3 do prédio n.º ..., sito na Rua ..., em ... (União de freguesias ..., ... e ...), descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...08/20190215-C – cfr. fls. 1030.
Por sua vez, a arguida AA, casada em regime de comunhão geral de bens com EE, é, desde 15.12.1997, proprietária da habitação do 1.º andar esquerdo frente, T 2, correspondente à fracção E, do prédio sito na Rua ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...3/19910122-E – cfr. fls. 1031.

Motivação
(…)
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Os factos descritos indicam fortemente a prática, em coautoria pelos arguidos do crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e n.º 2 al. a) e c) com referência ao artigo 202.º, al. b) todos do Código Penal.
Dispõe o art. 228º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por referência ao art. 227º do mesmo Código que para garantia da perda das vantagens de facto ilícito típico, a requerimento do Ministério Público, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei processual civil, como medida de garantia patrimonial. Dispõe o art. 192º, n.º 2 daquele Código que a aplicação de medidas de garantia patrimonial depende da prévia constituição como arguido, a não ser que, no caso do arresto, a constituição como arguido puser em risco sério o seu fim ou a sua eficácia, justificam o receio de perda da garantia patrimonial, relacionando os bens que devem ser apreendidos.
Dispõe o art. 393º do mesmo Código que, examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, se a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
Mais dispõe que, quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou.
Da matéria fáctica indiciada, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os efeitos legais, resultam indícios substanciais de que os arguidos se apropriaram de uma vantagem patrimonial ilegítima, levando a crer que os arguidos tudo farão para ocultar o seu património, dissipá-lo até, transferi-lo para terceiros, fazendo desaparecer todos os bens suscetíveis de apreensão ou penhora com vista a não ressarcirem a ofendida dos valores de que se locupletaram.
A probabilidade séria da existência do crédito está assim fundamentada nos indícios reunidos contra os arguidos e que determinaram o proferimento do despacho de acusação contra os arguidos. Para além do mais, todos os elementos recolhidos na investigação, levam-nos a concluir que os arguidos de tudo farão para ocultar o seu património, dissipá-lo até, transferi-lo para terceiros, fazendo desaparecer todos os bens suscetíveis de apreensão ou penhora com vista a não permitirem a satisfação do crédito da ofendida.
Existe, assim, a probabilidade séria da existência do direito e bem assim o perigo de que o passar do tempo faça desaparecer para sempre os bens dos arguidos que poderão satisfazer o direito, atenta a volatilidade dos bens.
Concluída a investigação, foi proferido despacho de acusação contra os arguidos alvo do pedido de decretamento do arresto preventivo para salvaguarda do efetivo pagamento das vantagens obtidas com a prática do crime de burla qualificada que lhes foi imputado. Estas foram contabilizadas em € 272.250,00 (duzentos e setenta e dois mil duzentos e cinquenta euros). Trata-se de uma atividade ilícita a que se dedicaram, conseguindo com essa atividade, locupletarem-se desse valor consideravelmente elevado, que canalizaram para a satisfação dos seus interesses pessoais.
Desta forma, assente tal factualidade, assim que tomem conhecimento da acusação e dos valores patrimoniais nela envolvidos e da pretensão do confisco das vantagens obtidas com a prática do crime, é patente e evidente que logo tomarão medidas para garantir na sua esfera de disponibilidade tais
Dispõe o art. 193º, n.º 1 que as medidas de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Dispõe o art. 194º, n.º 1 que as medidas de garantia patrimonial são aplicadas durante o inquérito.
Quanto à lei processual civil, dispõem os arts. 391º e 392º do Código de Processo Civil que o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e vantagens, perseverando em manter sob seu controlo e domínio (ainda que indireto) tais proventos ilícitos, subtraído à esfera do Estado as garantias – isto é – o património - que poderá ser arrestado como garantia do efetivo pagamento dos montantes em que poderão vir a ser condenados, a final. Constata-se da factualidade descrita na acusação que é sério e iminente o receio de que adotem medidas de transmissão e dissipação do seu património para frustrar as garantias do efetivo confisco das vantagens obtidas com a prática dos crimes.
Assim, no contexto da acusação, perante a magnitude das vantagens patrimoniais ilícitas obtidas ao longo dos anos e posição fundamentada tomada pelo Ministério Público com vista à reposição do seu status quo anterior, é certo que não ficarão impassíveis e passivos a aguardar a condenação e placidamente dispostos a entregar os bens/dinheiro para pagamento do que for devido, engendrando novos expedientes para tanto.
O propósito de adotar conduta de dissipação dos bens e dinheiro por parte dos arguidos decorre da gravidade dos factos descritos na acusação e das consequências jurídicas daí decorrentes para todos os visados das medidas de garantia patrimonial preconizadas pelo Ministério Público.
O justo receio de perda da garantia patrimonial deve ser interpretado a esta luz e o supra exposto permite concluir, com segurança, que esse será previsivelmente – até de acordo com as regras da experiência – o comportamento que será adotado pelos arguidos caso não sejam atempadamente tomadas as medidas requeridas pelo Ministério Público.
Assim sendo, mostrando-se cumulativamente preenchidos os requisitos para o decretamento do arresto preventivo: -probabilidade da existência do crédito; - comprovado um justificado receio de perda de garantia patrimonial; -observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade; - prévia constituição de arguido; -inexistência de causas de isenção ou extinção da responsabilidade criminal.
Este receio só pode ser acautelado pela medida de garantia patrimonial de arresto preventivo sobre tais bens, o que se revela urgente, necessário e adequado às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade dos crimes, dados os montantes pecuniários envolvidos, relacionadas com ambos os crimes.
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Cumpre apreciar e decidir.
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De jure
As medidas de garantia patrimonial têm um conteúdo essencialmente económico visando acautelar o pagamento da multa, custas ou outra dívida para com o Estado relacionada com o crime ou então o pagamento da indemnização ou outras obrigações civis derivadas daquele.
Sabendo-se que a regra fundamental é a da liberdade, constitucional e legalmente garantida, qualquer restrição à mesma terá de ter fundamento em previsão legal própria e observar os requisitos que lhe sejam inerentes – artigos 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 191º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP).
As medidas de garantia patrimonial encontram-se reguladas nos artigos 227º e 228º, do CPP, reconduzindo-se à caução económica e ao arresto preventivo, este a decretar nos termos da lei do processo civil, mas dispensando-se a prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, tal como consta do n.º 1 do citado artigo 228º.
O arresto consiste numa apreensão judicial de bens determinada pelo justo receio por parte do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito, como evidencia o texto do artigo 391º, 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC).
Com vista a alcançar tal desiderato incumbe ao requerente, nos termos previstos no artigo 392º n.º 1, do mesmo Código, alegar “os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.”.
No entanto, como decorre do anteriormente exposto, embora exista a remissão legal para os requisitos e trâmites previstos no Código de Processo Civil, não está em causa qualquer providência cautelar cível mas antes um procedimento de natureza penal, necessariamente associado à prática de um crimes e aos efeitos e consequências que daí possam advir.
Feito o enquadramento essencial da questão controvertida, cumpre descer ao caso concreto.
§ 1 - A recorrente pretende que seja reconhecido, por este Tribunal, que a decisão recorrida incorreu em erro jurídico ao decretar o arresto preventivo do seu prédio, por não estarem preenchidos os requisitos legais cumulativos que permitiriam ao Tribunal a decretar o arresto preventivo, nomeadamente o requisito referente ao justo receio de perda da garantia patrimonial, nos termos da conjugação dos artigos 228,°, n.°1, primeira parte, do CPP e 391°, n° 1, do CPC.
§ 2 - O Ministério Público junto do tribunal “a quo” defendeu a confirmação da decisão, essencialmente, com base na fundamentação da própria decisão, enquanto o parecer junto neste Tribunal pelo Procurador-Geral Adjunto pugnou pela procedência do recurso, por entender que na acusação, no requerimento inicial e na decisão recorrida não se descreve qualquer facto relevante demonstrativo ou sequer indiciário do perigo de dissipação do património da recorrente, nomeadamente do andar onde reside com a família há vários anos, muito embora o processo contenha elementos de facto cuja alegação e prova poderia evidenciar e suportar esse perigo.
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Cumpre apreciar e decidir.
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A questão controvertida nos autos resume-se a saber se a decisão está, ou não, baseada no legalmente exigido justo ou fundado receio de perda da garantia patrimonial, que permite decretar o arresto preventivo (artigo 391º, 1 e 2, do CPC).
É inquestionável que o requerente do arresto não indicou quaisquer factos concretos dos quais resulte tal receio da perda da garantia patrimonial – que não se pode presumir, apenas, com base nas circunstâncias que caracterizaram a prática do crime pelo qual a ora recorrente vem acusada, pois das mesmas não resultam quaisquer condutas que permitam concluir que a requerida, ora recorrente, tencione dissipar o seu património pessoal, para não ter de responder pelas responsabilidades financeiras eventualmente emergentes do processo penal (autos principais) -, nem os mesmos resultaram apurados na decisão da matéria de facto que suporta o arresto preventivo.
É inquestionável que, para que se verifique o pressuposto legal para o deferimento do arresto preventivo é necessário que se aleguem e provem factos concretos, que demonstrem que o alegado receio é objetivamente fundado. Deste modo, é perfeitamente consensual o entendimento de que “não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjetivo. É preciso que haja razões objetivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular”[3].
A decisão apenas integra a probabilidade da existência do crédito, sendo certo que o montante deste é elevado (272.250,€), a sua mera existência não permite presumir a intenção da devedora se furtar à sua satisfação, apesar de ser um dado da experiência comum que quanto mais elevado for, maior será a probabilidade de incumprimento.
Porém, para esse facto ser eficaz de modo a contribuir para formar uma presunção judicial de justo ou fundado receio de perda da garantia patrimonial [4], além dos traços de personalidade da requerida evidenciados na sua conduta típica descrita na acusação, o mesmo tinha de ser acompanhado de outros factos suscetíveis de indiciar o perigo real (e não meramente especulativo) de dissipação dos bens, ao ponto de justificar o decretamento do arresto preventivo.
A doutrina e jurisprudência identificaram uma panóplia de fatores suscetíveis de inculcar a existência do justo receio legalmente pressuposto, os quais não se reconduzem apenas à demonstração da venda ou tentativa de descaminho de bens, acolhendo também circunstâncias como, por exemplo, uma superação grave do passivo em relação ao ativo, incumprimentos sistemáticos de obrigações financeiras, entre outras.
Esse histórico não se verifica nos autos.
Recorda-se ao requerente do arresto, ora recorrido, que “qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora: pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas) ou o da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prova que está tentando fazê-lo…), ou de qualquer outra atuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito”[5].
Não tendo sido alegados nem demonstrados tais factos suscetíveis de fundamentar o justo ou fundado receio de dissipação de bens pela requerida, não resta outra solução, senão reconhecer o mérito do recurso e revogar o arresto preventivo decretado no bem da ora recorrente.
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Das custas:
Sendo o recurso julgado provido, não há lugar ao pagamento de quaisquer custas (artigos 513°, nº 1, “a contrario sensu” e 522º, 1, ambos do CPP).
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores em conferência e por unanimidade, julgar provido o recurso da requerida AA e, em consequência:

a)
Revogar o decretamento do arresto preventivo dos bens pertencentes à requerida AA:

b)
Comunique-se, de imediato, ao tribunal «a quo».

c)Sem custas.


Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.


Porto, em 31 de Maio de 2023.
Jorge Langweg
Maria Dolores Silva e Sousa
Manuel Soares
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[1] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. João Rato.
[2] Claro que, se a discussão se estendesse também à questão de saber se este segundo pressuposto é efetivamente necessário para o decretamento do arresto preventivo regulado no artigo 228º, n.º 1, do CPP, talvez pudéssemos convocar em favor da sua dispensa o acórdão do STJ, de 15.4.2021, proferido no processo n.º 19/16.0YGLSB, relatado pelo Conselheiro António Gama e consultado no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, onde está disponível, conjugando-o com a posição sustentada por Hélio Rigor Rodrigues no sentido do alargamento do entendimento nele sufragado ao arresto previsto no artigo 228º do CPP, para a designada perda clássica de vantagens decorrentes da prática de crimes, como ocorre no caso que nos ocupa, em apontamentos avulsos intitulados “MEDIDAS DE GARANTIA PATRIMONIAL – BREVES NOTAS” e no artigo inserido a pp. 81 e ss. da obra “0 novo regime de recuperação de ativos à luz da diretiva 2014-42-UE e da lei que a transpôs”/ coord. Maria Raquel Desterro Ferreira, Elina Lopes Cardoso, João Conde Correia. - 1ª ed. – Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2018.
Mas essa posição não foi equacionada por qualquer dos sujeitos processuais intervenientes no procedimento e no recurso, nem se afigura oportuno, pese embora se trate de questão meramente jurídica e, por conseguinte, passível de ser ex officio conhecida pelo Tribunal de Recurso, o qual, salvo melhor opinião sempre implicaria a prévia audição da recorrente, sob pena de ser confrontada com uma decisão surpresa e, ainda assim, postergando a plenitude das suas garantias de defesa, conforme impõe o artigo 32º da CRP, na medida em que a privaria do direito ao recurso sobre essa concreta questão, que não colhe ainda a adesão da maioria da jurisprudência e da doutrina publicadas.
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 465, nota 1.
[4] Artigo 351º do Código Civil.
[5] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, pág. 144.