Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21249/23.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP2025091521249/23.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art.º 703º/1 d) CPC à execução apenas podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
II - A notificação judicial avulsa de resolução do contrato de arrendamento para habitação, com fundamento em falta atempada do pagamento das rendas acompanhada do contrato de arrendamento, deixou de constituir título executivo para promover execução para entrega de coisa certa, com as alterações introduzidas no Novo Regime do Arrendamento Urbano pela Lei 31/2012 de 14 de agosto.
III - Tais documentos constituem título de base para instauração do procedimento especial de despejo e obtenção do título de desocupação, nos termos do art.º 15º, 15º-E do citado diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Exec-Imóvel Arrd-TE-21249/23.2T8PRT-A.P1


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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Em processo de execução para entrega de coisa certa, em que figuram como:

- EXEQUENTES: AA, rua ... ... ...; e

BB, rua ... ... ...; e

- EXECUTADOS: CC, rua ..., ..., ... ... - ...;

DD, rua ..., ..., ... ...

vieram os exequentes requerer a entrega de coisa certa e o imediato despejo dos executados do imóvel com a consequente desocupação e entrega do mesmo, livre e devoluto de pessoas e bens aos exequentes e bem assim, a penhora de bens dos executados necessários e suficientes ao pagamento da quantia em dívida e de que os mesmos são credores.

Alegaram para o efeito que em 01 de dezembro de 2010 celebraram com os executados um contrato de arrendamento para habitação, nos termos do qual cederam para habitação mediante o pagamento da renda mensal de € 250,00, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana no art.º ...90 da freguesia ..., concelho ..., sito na rua ..., ..., ... ... - ....

No âmbito de uma notificação judicial avulsa, em 28 de janeiro de 2023 os executados foram notificados da resolução do contrato, com fundamento em falta atempada de pagamento de rendas e ainda, para procederem ao pagamento das rendas em dívida.

Alegaram, que na referida notificação judicial avulsa:

“2. […]são donos e legítimos proprietários, respetivamente da raiz e usufruto do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana no art.º ...90 da freguesia ..., concelho ..., sito na rua ..., ..., composto de casa de habitação de rés do chão e andar e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o nº ...43, da freguesia ..., concelho ... e que

3. Em 1/12/2010, a ali requerente deu de arrendamento o prédio identificado no artigo anterior, para habitação, à requerida CC e EE, tendo reduzido a escrito o referido contrato de arrendamento conforme documento que se junta como Doc. Nº1 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido;

4. Pelo referido contrato foi acordado entre ambos o pagamento de renda mensal que se cifrava no montante de 250,00€ - (valor que nunca sofreu qualquer atualização) e que se mantém em vigor.

5. Mais ficou acordado que o pagamento da referida renda mensal seria pago até ao dia 8 do mês anterior àquele a que respeitasse, por depósito em conta bancária / NIB indicado no contrato.

6. Segundo os mesmos, as rendas, em violação do acordado, ou não eram simplesmente pagas pela aqui requerida / inquilina/arrendatária na data do seu vencimento e,

7. Das pagas, muitas foram-no muito para além do dia acordado para o efeito, nomeadamente, não respeitando sequer o prazo de 8 dias que a lei (art.º 1041 nº 2 do Código Civil) prevê de mora, e o pagamento efetuado foi feito sem se mostrar acompanhado do pagamento da indemnização devida e prevista na lei art.º1041 nº 1.

Mais concretamente:

8. Não tendo sido pagas as rendas que se venceram no dia 8 dos meses de:

- fevereiro, maio, setembro e dezembro de 2017 (4);

- abril, maio, junho, outubro e dezembro de 2018 (5);

- março, abril e outubro de 2019 (3);

- fevereiro de 2020 (1)

- de março de 2020 a fevereiro de 2021(12)

- março, abril, maio, junho, julho, outubro, novembro de 2021 (7);

- março, abril e agosto de 2022 (3), referentes cada qual ao mês imediatamente seguinte.

9. Ainda sustentaram que no que respeita aos últimos 12 meses, tal (o pagamento fora do dia limite estipulado e para lá do prazo definido no art.º 1041 nº2 e sem ser acompanhado do valor de indemnização previsto no art.º 1041 nº 1 do Código Civil), sucedeu com as rendas que se venceram no dia 8 dos seguintes meses:

- janeiro, agosto de 2017;

-agosto, setembro e novembro de 2018;

-fevereiro, setembro e novembro de 2019,

- agosto e setembro de 2021;

- junho e julho de 2022.

10. e concluíram que: "dispõe o art.º 1083 nº 3 do Código Civil que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública (…), dispõe ainda o mesmo Código Civil no art.º 1083 nº 4 que a mora no pagamento da renda por período superior a 8 dias por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas no período de 12 meses confere ao senhorio o direito de resolução do arrendamento, não assistindo neste caso ao locatário a faculdade instituída no art.º 1042 do Código Civil. Pelo que, em face do que supra se expôs, se torna inexigível ao aqui requerente, na qualidade de senhorio, a manutenção do contrato de arrendamento celebrado com a requerida.

(...) Tem assim o senhorio e aqui requerente direito à resolução do contrato de arrendamento por força entre outros do disposto no art.º 1083 nº 3, mas também nº 4 do Código Civil, direito de resolução esse que se pretende exercer através da presente via e por via da resolução do contrato tem o requerente direito à entrega do locado livre de pessoas e bens.

(...) Sendo que a resolução, nos termos do nº 1 do art.º 1084 do Código Civil e do nº 7 do art.º 9 do Novo Regime do arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, opera por comunicação à contraparte, mediante notificação judicial avulsa, onde se fundamentadamente se invoca a obrigação incumprida. (....) sendo a requerida é responsável perante os requerentes pelo pagamento das rendas que se encontram em dívida até à presente data e das rendas vincendas até efetiva desocupação do imóvel e por outro lado, a segunda requerida obrigou-se no mesmo contrato de arrendamento como fiadora e principal pagadora da primeira requerida e seu falecido marido, renunciando ao benefício da execução prévia relativamente ao cumprimento de todas as condições e obrigações inerentes ao contrato de arrendamento pelo seu tempo de vigência, no que se inclui, obviamente, as rendas a pagar e os encargos que ocorram por conta da primeira requerida. É, pois, igualmente a 2ª requerida responsável perante os requerentes pelo pagamento das rendas que se encontram em dívida até à presente data e das rendas vincendas até efetiva desocupação do imóvel pela primeira requerida”.

Mais referiram que de todos esses termos se requereu a Notificação Judicial Avulsa das requeridas, CC, viúva, residente na ..., nº ..., ... ... - ..., NIF. ...55 e DD, viúva, residente na rua ..., ..., ... ..., NIF. ...57, cuja execução foi ordenada pelo Tribunal e pela mesma foi-lhes dado conhecimento do respetivo conteúdo.

Todavia não foi entregue o imóvel livre de pessoas e bens nem pagas as quantias em dívida. Depois da notificação judicial avulsa começaram a ser pagas pontualmente as rendas que se venceram a cada mês depois da notificação judicial avulsa.

Alegaram, por fim, que estão em dívida 35 rendas mensais à razão de 250,00€ referentes aos meses de - fevereiro, maio, setembro e dezembro de 2017 (4); - referentes aos meses de fevereiro, maio, setembro e dezembro de 2017 (4); - abril, maio, junho, outubro e dezembro de 2018 (5); - março, abril e outubro de 2019 (3); - fevereiro de 2020 (1) - de março de 2020 a fevereiro de 2021(12) -março, abril, maio, junho, julho, outubro, novembro de 2021 (7); - março, abril e agosto de 2022 (3), - o que perfaz um montante total em dívida no valor de 8.750,00 € (oito mil, setecentos e cinquenta euros), valor de que os exequentes são credores e pelo qual são responsáveis as executadas, uma, a título principal e a outra, como fiadora.

Pretendem que a execução se destine quer à entrega de coisa certa, quer ao pagamento de quantia certa e requereram o imediato despejo dos executados do imóvel com a consequente desocupação e entrega do mesma, livre e devoluto de pessoas e bens aos exequentes e bem assim, a penhora de bens dos executados necessários e suficientes ao pagamento da quantia em dívida e de que os mesmos são credores.


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A execução prosseguiu os seus termos com citação dos executados.

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Por apenso ao processo de execução, as executadas CC e DD vieram deduzir embargos à execução, defendendo-se por exceção e por impugnação e ainda, oposição à penhora.

Suscitaram as exceções de ilegitimidade ativa e passiva, ineptidão do requerimento de execução, não cumprimento de obrigações fiscais e a caducidade do direito.

Alegaram que o pagamento de rendas foi feito em espécie através da realização de obras de reparação e de conservação da responsabilidade da locadora, obras essas realizadas pelo inquilino EE, quer contratadas com terceiros, quer por ele com amigos e familiares a quem pagava ou gratificava, pagando e custeando todos os materiais.

No imóvel foram realizadas as seguintes obras:

a) Colocação de Tijoleira no Piso da Sala e Substituição do Piso de Madeira

Podre;

b) Pintura Total do Exterior do Imóvel;

c) Pintura Total do Interior do Imóvel;

d) Colocação de Telhado Novo no Galinheiro;

e) Colocação de Balão de Água Novo;

f) Reconstrução de Muro Caído; e

g) Construção de Fossa Sumidoura;

Para além destas, foram ainda realizadas, ao longo dos diversos anos, outras obras e benfeitorias no locado arrendado, as quais são percetíveis através de visita ao mesmo. A realização de cada obra e o valor imputado a cada uma sempre foi acordado e aceite pela Embargada/Senhoria.

Mais alegou que quando em 24/02/2020 faleceu o arrendatário EE, marido da Executada/Embargante CC, a Embargada/Exequente compareceu nas cerimónias fúnebres do mesmo, as quais ocorreram no dia 29/02/2020 e no término do funeral, a Senhoria dirigiu-se à Executada/Embargante CC e para além das condolências comunicou-lhe que nos próximos 2 (dois) anos, ficava desobrigada do pagamento das rendas, com o intuito de a mesma refazer e reorganizar a sua vida, atento o facto de ter ficado sozinha e com 3 (três) filhos menores a seu encargo.

A Executada/Embargante CC, agradeceu a dádiva/perdão da Senhoria, mas comunicou que, se conseguisse iria fazer o pagamento da renda, ficando esses valores depositados como forma de garantia/reserva para a hipótese de, findo esse prazo, não conseguir proceder ao pagamento da renda.

Alegou ainda, que desde fevereiro de 2022, a Executada/Embargante tem procedido ao pagamento de todas as rendas vencidas.

Em sede de oposição à penhora, alegou que a execução tem como valor a quantia de 8.750,00 € (oito mil setecentos e cinquenta euros).

As penhoras efetuadas incidiram sobre valores muito superiores, num total de 25.948,79 € (vinte e cinco mil novecentos e quarenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), quando a ser devida qualquer quantia é apenas e só a de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros) respeitante às rendas dos meses de março, abril e agosto de 2022, que efetivamente não foram pagas.

Termina por pedir a procedência dos embargos.


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Proferiu-se despacho que admitiu liminarmente os embargos e determinou a notificação dos exequentes para contestarem.

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Os exequentes contestaram, impugnando os fundamentos das exceções e da defesa.

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As executadas vieram exercer o contraditório.

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Em sede de saneador dispensou-se a audiência prévia e proferiu-se sentença, com os fundamentos e decisão que se transcrevem:

“Da inexistência de título executivo e da cumulação ilegal de execuções

Como resulta supra da matéria assente, os exequentes instauraram contra o executado embargante a execução a que estes autos estão apensos e peticionaram por um lado, a entrega do locado (execução para prestação de facto) e o pagamento das rendas que liquidaram, e ainda as vencidas desde até à entrega efetiva do locado.

Contudo, com a entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14 de agosto (em vigor desde 12-12-2012), o despejo tem de ocorrer forçosamente em sede do procedimento especial de despejo a ser instaurado e a tramitar no Balcão Nacional do Arrendamento – vide arts. 15º e seguintes dessa lei.

Nessa medida, os exequentes não se mostram munidos de título executivo para instaurar a presente ação executiva para entrega de coisa certa.

Atualmente, para se obter a entrega do locado só através desse procedimento especial de despejo ou por meio de ação declarativa de condenação é que se pode obter título executivo para o efeito. A notificação judicial avulsa apenas serve para instaurar a execução para pagamento das rendas de harmonia com o art.º 14º-A do NRAU, que dispõe que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.

Para além disso, como vimos, os exequentes cumulam aqui duas execuções – uma para entrega do locado para a qual não têm título como se viu, e outra para pagamento das rendas que correm por conta do arrendatário aqui executado.

E a cumulação de finalidades de execuções pretendida pelos exequentes também não pode vingar visto que tal cumulação apenas pode ocorrer validamente no processo quando o título executivo é uma sentença (vide art.º 762º, do CPC).

Ou seja, o título executivo que se forma nos termos do art.º 15º-J do NRAU concede ao autor desse procedimento especial de despejo a via para requerer a desocupação do locado nos termos previstos nesse normativo.

Nesta medida, conforme refere Olinda Garcia (in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, p. 196), os documentos previstos no art.º 15º, nº 2, do NRAU (contrato de arrendamento e as comunicações aí elencadas) deixaram de revestir a natureza de títulos executivos para efeito de execução para entrega do locado, o qual agora forma-se necessariamente em sede do procedimento especial de despejo.

Decorre dos termos do artigo 709.º, do CPCivil, que é permitido ao credor, ou a vários credores litisconsortes, cumular execuções ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor ou contra vários devedores litisconsortes, salvo quando:

a)- ocorrer a incompetência absoluta do tribunal;

b)- as execuções tiverem fins diferentes;

c)- a alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto no artigo 37, n.ºs 2 e 3;

d)- a execução da decisão judicial ocorra nos próprios autos.

Ou seja, a cumulação simples de pedidos ou de execuções, só é admitida quando, além da verificação de outros pressupostos, a espécie de ação executiva de cada um dos pedidos for a mesma, ou seja, não podem cumular-se execuções que não tenham o mesmo dum dos fins previstos no artigo 10.º, nº 6 do C.P. Civil: pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto, quer positivo, quer negativo.

Destarte, verifica-se que os exequentes não se mostram dotados de título executivo para a finalidade pretendida e, por outro lado, como vimos, também não pode ocorrer a cumulação de execuções dado que não foi a execução fundada em sentença (vide art.º 626º, do CPC), o que não é o caso dos autos – cf. art.º 709.º e 710.º do CPC.

A falta de título executivo, e a cumulação ilegal de execuções é de conhecimento oficioso, o que importa conhecer.

Assim, impõe-se a extinção da execução.

Decisão:

Pelo exposto, julgando verificada a falta de título quanto à execução para prestação de facto, e a cumulação ilegal de execuções, a determino em consequência a extinção da execução a que estes autos se encontram apensos.

Custas a cargo dos exequentes/embargados, (vide art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC)”.


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Os exequentes/embargados vieram interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentaram as apelantes formularam as seguintes conclusões:

(…)

Termina por pedir que se julgue procedente a apelação com base na procedência dos fundamentos supra elencados e, consequentemente, alterado o saneador sentença recorrido no sentido da existência e validade do título executivo apresentado para a execução da entrega do imóvel e da legalidade da cumulação de execuções para entrega do imóvel e pagamento de rendas e da continuidade do processo executivo nos termos em que foi instaurado para a entrega do imóvel arrendado.


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As executadas embargantes vieram apresentar resposta ao recurso, no qual consideram que a decisão recorrida não merece censura.

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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- falta de título executivo, para promover a execução para entrega de coisa certa;

- da indevida cumulação de execuções.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1.Os exequentes intentaram a execução a que estes autos se encontram apensos, indicando que a mesma se destina a Execução Entrega\Prestação (Ag. Execução).

Indicaram no campo destinado ao Título Executivo: Título Executivo: Outro título com força executiva.

Invocaram o seguinte:

“1. Pela Notificação Judicial Avulsa que aqui constituiu título executivo, os requerentes procederam à resolução do contrato de arrendamento relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana no art.º ...90 da freguesia ..., concelho ..., sito na rua ..., ..., ... ... - ..., por força entre outros do disposto no art.º 1083 nº 3 do Código Civil, a fim de que a resolução produzisse os seus efeitos a partir da data em que aos requeridos fosse efetuada Notificação Judicial Avulsa, a fim de que fosse o locado/imóvel restituído livre de pessoas e bens após o decurso de um mês após a presente notificação, nos termos do disposto no art.º 1087 do Código Civil.

2. Ali alegaram os ora exequentes, ali requerentes, ser donos e legítimos proprietários, respetivamente da raiz e usufruto do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana no art.º ...90 da freguesia ..., concelho ..., sito na rua ..., ..., composto de casa de habitação de rés do chão e andar e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº ...43 da freguesia ..., concelho ... e que

3. Em 1/12/2010, a ali requerente deu de arrendamento o prédio identificado no artigo anterior, para habitação, à requerida CC e EE, tendo reduzido a escrito o referido contrato de arrendamento conforme documento que se junta como Doc. Nº1 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido;

4. Pelo referido contrato foi acordado entre ambos o pagamento de renda mensal que se cifrava no montante de 250,00€ - (valor que nunca sofreu qualquer atualização) e que se mantém em vigor.

5. Mais ficou acordado que o pagamento da referida renda mensal seria pago até ao dia 8 do mês anterior àquele a que respeitasse, por depósito em conta bancária / NIB indicado no contrato.

6. Segundo os mesmos, as rendas, em violação do acordado, ou não eram simplesmente pagas pela aqui requerida / inquilina/arrendatária na data do seu vencimento e,

7. Das pagas, muitas foram-no muito para além do dia acordado para o efeito, nomeadamente, não respeitando sequer o prazo de 8 dias que a lei (art.º 1041 nº 2 do Código Civil) prevê de mora, e o pagamento efetuado foi feito sem se mostrar acompanhado do pagamento da indemnização devida e prevista na lei art.º1041 nº 1.

Mais concretamente:

8. Não tendo sido pagas as rendas que se venceram no dia 8 dos meses de:

- fevereiro, maio, setembro e dezembro de 2017 (4);

- abril, maio, junho, outubro e dezembro de 2018 (5);

- março, abril e outubro de 2019 (3);

- fevereiro de 2020 (1)

- de março de 2020 a fevereiro de 2021(12)

- março, abril, maio, junho, julho, outubro, novembro de 2021 (7);

- março, abril e agosto de 2022 (3), referentes cada qual ao mês imediatamente seguinte.

9. Ainda sustentaram que no que respeita aos últimos 12 meses, tal (o pagamento fora do dia limite estipulado e para lá do prazo definido no art.º 1041 nº2 e sem ser acompanhado do valor de indemnização previsto no art.º 1041 nº 1 do Código Civil), sucedeu com as rendas que se venceram no dia 8 dos seguintes meses:

- janeiro, agosto de 2017;

-agosto, setembro e novembro de 2018;

-fevereiro, setembro e novembro de 2019,

- agosto e setembro de 2021;

- junho e julho de 2022.

10. e concluíram que: "dispõe o art.º 1083 nº 3 do Código Civil que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública (…), dispõe ainda o mesmo Código Civil no art.º 1083 nº 4 que a mora no pagamento da renda por período superior a 8 dias por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas no período de 12 meses confere ao senhorio o direito de resolução do arrendamento, não assistindo neste caso ao locatário a faculdade instituída no art.º 1042 do Código Civil. Pelo que, em face do que supra se expôs, se torna inexigível ao aqui requerente, na qualidade de senhorio, a manutenção do contrato de arrendamento celebrado com a requerida.

(...) Tem assim o senhorio e aqui requerente direito à resolução do contrato de arrendamento por força entre outros do disposto no art.º 1083 nº 3, mas também nº 4 do Código Civil, direito de resolução esse que se pretende exercer através da presente via e por via da resolução do contrato tem o requerente direito à entrega do locado livre de pessoas e bens.

(...) Sendo que a resolução, nos termos do nº 1 do art.º 1084 do Código Civil e do nº 7 do art.º 9 do Novo Regime do arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, opera por comunicação à contraparte, mediante notificação judicial avulsa, onde se fundamentadamente se invoca a obrigação incumprida. (....) sendo a requerida é responsável perante os requerentes pelo pagamento das rendas que se encontram em dívida até à presente data e das rendas vincendas até efetiva desocupação do imóvel e por outro lado, a segunda requerida obrigou-se no mesmo contrato de arrendamento como fiadora e principal pagadora da primeira requerida e seu falecido marido, renunciando ao benefício da execução prévia relativamente ao cumprimento de todas as condições e obrigações inerentes ao contrato de arrendamento pelo seu tempo de vigência, no que se inclui, obviamente, as rendas a pagar e os encargos que ocorram por conta da primeira requerida. É, pois, igualmente a 2ª requerida responsável perante os requerentes pelo pagamento das rendas que se encontram em dívida até à presente data e das rendas vincendas até efetiva desocupação do imóvel pela primeira requerida.

11. De todos esses termos se requereu a Notificação Judicial Avulsa das requeridas, CC, viúva, residente na ..., nº ..., ... ... - ..., NIF. ...55 e DD, viúva, residente na rua ..., ..., ... ..., NIF. ...57, cuja execução foi ordenada pelo Tribunal e pela mesma foi-lhes dado conhecimento do respetivo conteúdo.

12. Todavia, até ao momento não foi entregue o imóvel livre de pessoas e bens nem tão-pouco pagas as quantias em dívida.

13. Sendo certo que é facto que depois da notificação judicial avulsa começaram a ser pagas pontualmente as rendas que se venceram a cada mês depois da notificação judicial avulsa.

14. Como já se referiu na NJA e se citou supra, estão em dívida 35 rendas mensais à razão de 250,00€ referentes aos meses de - fevereiro, maio, setembro e dezembro de 2017 (4); - abril 250,00€ referentes aos meses de - fevereiro, maio, setembro e dezembro de 2017 (4); - abril, maio, junho, outubro e dezembro de 2018 (5); - março, abril e outubro de 2019 (3); - fevereiro de 2020 (1) - de março de 2020 a fevereiro de 2021(12) -março, abril, maio, junho, julho, outubro, novembro de 2021 (7); - março, abril e agosto de 2022 (3), - o que perfaz um montante total em dívida no valor de 8.750,00 € (oito mil, setecentos e cinquenta euros), valor de que os exequentes são credores e pelo qual são responsáveis as executadas, uma a título principal e outras como fiadora.

15. Pelo que nos termos do disposto nos nºs 4 e 5 do art.º 626 do CPC deverá a presente execução destinar-se quer à entrega de coisa certa, quer ao pagamento de quantia certa - o que se requer.

16. Desta forma, e face ao supra exposto, os exequentes requerem o imediato despejo dos executados do imóvel com a consequente desocupação e entrega da mesma, livre e devoluto de pessoas e bens aos exequentes e bem assim a penhora de bens dos executados necessários e suficientes ao pagamento da quantia em dívida e de que os mesmos são credores”.

2. Apresentaram como título executivo o documento n.º 1 – certidão de notificação do executado nos termos da notificação judicial avulsa junta à execução cujo teor se dá aqui por reproduzido, a qual correu termos sob o n.º 40/23.1 T8PVZ do Juiz 1 do Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim e da qual as Executadas foram notificadas em 28.1.2023.


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3. O direito

- Da falta de título executivo -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 9, os apelantes insurgem-se contra o segmento da decisão que considerou que os exequentes não dispõem de título executivo para promover a execução para entrega de coisa certa.

Os apelantes defendem com apoio em jurisprudência, que a notificação judicial avulsa dirigida aos inquilinos na qual se declara a resolução do contrato de arrendamento para habitação, com fundamento em falta de pagamento atempado das rendas acompanhada do contrato, constituem título executivo para promover a execução para entrega de coisa certa, mesmo à luz do regime previsto na Lei 06/2006 de 27 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14 de agosto e Lei 79/2014 de 19 de dezembro.

Os apelados sustentam a manutenção da decisão, citando, de igual forma jurisprudência, para sustentar a respetiva posição.

A questão colocada consiste em apurar se a notificação judicial avulsa na qual o senhorio comunica ao inquilino a resolução do contrato, com fundamento na falta de pagamento atempado das rendas acompanhada do respetivo contrato de arrendamento, constitui título executivo para efeitos de promover a execução para entrega de coisa certa.

A questão suscitada no recurso tem obtido na jurisprudência diferentes respostas.

No Ac. Rel. Porto 24 de setembro de 2020, Proc. 8231/16.5T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, considerou-se:

“[…] o título executivo a que se reporta o art.º 14º-A do NRAU tem natureza complexa, sendo integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao devedor (arrendatário ou fiador).

A ser deste modo, tal título porque especial e complexo, só existe da conjugação dos documentos aí previstos, não valendo isoladamente nem o contrato de arrendamento nem a referida comunicação.

Ou seja, exigem-se para a formação do título, dois elementos, primeiro o contrato de arrendamento e segundo o comprovativo da notificação ao locatário por parte do locador.
Assim, têm razão os exequentes/apelantes quando defendem que na execução para entrega de imóvel, podem servir de título executivo, quer a sentença proferida em ação especial de despejo, quer os documentos a que se referem os artigos 14º, nº5 e 15º, nº1, alínea a) do NRAU – Lei 6/2006 de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14708 e pela Lei 79/2014 de 19/12.
Assiste-lhes igualmente razão quando salientam que neste último caso, para a formação do documento enquanto título executivo quando forem invocados algum ou alguns dos fundamentos de resolução enumerados de forma taxativa, no art.º 1083º do Código Civil, impõe-se dar cumprimento aos formalismos do nº7 do art.º 9º e da alínea e) do art.º 15º do NRAU.
Tudo isto em conjugação com o nº2 do art.º 1084º do Código Civil.
Ora no caso dos autos, estão verificados todos os formalismos prévios para a constituição do título executivo”.

No Ac. Rel. Porto 26 de setembro de 20222, Proc. 452/22.8T8AGD.P1 (acessível em www.dgsi.pt) consta em sumário:

“I - Entre os títulos executivos admitidos no nosso ordenamento jurídico figuram os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (art.º 703º nº 1 al. d) do CPCivil). Essa disposição especial é a que se encontra prevista no art.º 15º nº 2 al. e) do NRAU.

II - Se os documentos a que alude o art.º 15º nº 2 al. e) do NRAU constituem título executivo especial e complexo, só existindo da conjugação dos documentos ali previstos, não valendo isoladamente o contrato de arrendamento nem as referidas comunicações, não vemos razão para os mesmos não valerem como título executivo, em ação executiva para a mesma finalidade (cessação do arrendamento e desocupação do locado).

III - Se o legislador quisesse criar a obrigatoriedade do recurso à via extrajudicial (PED) tê-lo-ia dito expressamente e não o fez.

IV - Os senhorios, na livre e independente apreciação dos seus interesses, podem optar pela via judicial, dado os documentos referidos no art.º 15º nº 2 al. e) do NRAU constituírem títulos executivos para recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada ou pela via extrajudicial (PED), quando estão verificados todos os formalismos prévios para a constituição do título executivo, de acordo com o previsto no nº 7 do art.º 9º e na al. e) do nº 2 do art.º 15º do NRAU”.

No Ac. Rel. Coimbra 14 de junho de 2022, Proc. 1060/21.6 T8ANS.C1(acessível em www.dgsi.pt), no voto de vencido, consignou-se:

“Há título executivo.

É o previsto na al. d) do nº1 do art.º 703º do CPC: «d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva»

A lei especial aqui é o art.º 15º nº2 al. e) do NRAU: «Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil...»

Estes documentos constituem título executivo na ação executiva comum por igualdade ou, até, maioria de razão: se uma lei especial lhes atribui este jaez para um procedimento liminarmente meramente de cariz administrativo, obviamente que tal força lhe pode/deve ser conferida para a ação executiva comum, porque geneticamente fiscalizada por um juiz, e na qual, assim, os direitos e deveres das partes podem ser melhor e mais abrangentemente escalpelizados, fiscalizados e decididos.

A alteração da epígrafe do art.º 15º do NRAU, na redação dada em 2006 irreleva: ela resulta da posterior criação do BNA e do PED, visando adaptar os dizeres da lei a estas novas realidades; mas a finalidade precípua do preceito é a mesma nas duas redações, a saber: desocupação e entrega do locado com base em documentos aos quais a lei confere a natureza e força de títulos executivos.

Finalmente, o esvaziamento do art.º 15º nº2 al. e) referido no projeto outrossim não colhe. É que munido destes documentos, o senhorio pode optar: ou usar o PED ou recorrer à ação executiva comum.

Parece-nos que esta postura exegética, que não retira ao senhorio a possibilidade de recorrer à ação executiva comum se estiver munido dos documentos que são os bastantes para aceder ao PED, é a que melhor consecute o justo equilíbrio dos interesses em presença, até porque em nada prejudica o executado e, inclusive, é a que mais e melhor respeita as regras do senso comum e da lógica, atenta a teleologia do que está em causa”.

Posição diferente é sustentada no Ac. Rel. Porto 24 de novembro de 2022, Proc. 17414/21.5 T8PRT-A.P1(acessível em www.dgsi.pt), onde em sumário, se consignou:

“Com as alterações que a Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, introduziu no NRAU deixou de existir norma legal que atribua aos documentos do contrato de arrendamento e da interpelação do arrendatário para o pagamento de rendas em dívida o valor de título executivo capaz de permitir a instauração de uma execução para entrega de coisa certa para entrega do locado”.

Neste sentido, também os Ac. Rel. Coimbra 14 de junho de 2022, Proc. 1060/21.6 T8ANS.C1(com voto de vencido já transcrito), Ac. Rel. Guimarães 29 de setembro de 2022, Proc. 1620/22.8T8VNF.G1, Ac. Rel. Porto 21 de março de 2024, Proc. 12093/23.8T8 PRT.P1, Ac. Rel. Porto 25 de novembro de 2024, Proc. 280/24.6YLPRT-A. P1(ainda que abordada a questão de forma secundária), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Os argumentos expostos nos doutos acórdãos que atribuem a natureza de título executivo aos referidos documentos, para promover processo de execução para entrega de coisa certa, foram apreciados e rebatidos nos acórdãos que perfilham posição distinta, destacando-se, entre outros, os Ac. Rel. Porto 24 de novembro de 2022, Proc. 17414/21.5 T8PRT-A.P1 e o Ac. Rel. Porto 21 de março de 2024, Proc. 12093/23.8T8 PRT.P1 (já citados e ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

Neste contexto, entendemos, perante as alterações introduzidas no Novo Regime do Arrendamento Urbano pela Lei 31/2012 de 14 de agosto, que os documentos em causa – notificação judicial avulsa, com comunicação da resolução do contrato de arrendamento para habitação, com fundamento em falta de pagamento atempado de rendas, acompanhada do contrato de arrendamento -, não constituem título executivo para promover execução para entrega de coisa certa e por esse motivo consideramos ser de manter a decisão.

Apreciando a questão.

Importa determinar o regime jurídico aplicável à concreta situação, face à sucessão e alterações que foram introduzidas no regime do arrendamento urbano.

O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado em 01 de dezembro de 2010.

A notificação judicial avulsa através da qual o senhorio procedeu à resolução do contrato ocorreu em 23 de janeiro de 2023.

Está em causa a aplicação do regime jurídico do Novo Arrendamento Urbano, previsto na Lei 06/2006 de 27 de fevereiro, com as sucessivas alterações introduzidas pelas Lei 31/2012 de 14 de agosto, Lei 79/2014 de 19 de dezembro, Lei 43/2017 de 14 de junho, Lei 13/2019 de 12 de fevereiro. A última alteração, que consta da Lei 56/2023 de 06 de outubro, não se aplica à situação dos autos, a qual não estava em vigor na data em que ocorreu a resolução.

A concreta questão que se coloca prende-se com as alterações introduzidas no art.º 15º pela Lei 31/2012 de 14 de agosto.

A exequibilidade do direito à prestação pressupõe:

- que o dever de prestar conste de um título – o título executivo;

- a prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida[2].

O título executivo constitui um pressuposto de ordem formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva.

O título executivo determina os fins e limites da execução, ou seja, o tipo de ação, o seu objeto, bem como, a legitimidade ativa e passiva e por isso, constitui um pressuposto específico do processo de execução – art.º 10º/5 CPC.

Como refere o Professor CASTRO MENDES o título executivo é o “meio dotado de força legalmente bastante para convencer o tribunal da existência do mesmo direito”[3].

O título executivo constitui condição necessária e suficiente da ação executiva, na medida em que não há execução sem título, o qual tem de acompanhar o requerimento de execução e a obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida[4].

A enumeração dos títulos executivos é taxativa, conforme resulta da previsão do art.º 703º CPC (“à execução apenas podem servir de base”).

Decorre do disposto no art.º 703º/1 d) CPC que podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Em matéria de despejo a Lei 06/2006 de 27 de fevereiro passou a prever no art.º 14º, com a epígrafe “Ação de Despejo”:

1— A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo.

2 — Quando o pedido de despejo tiver por fundamento a falta de residência permanente do arrendatário e quando este tenha na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e limítrofes, ou no respetivo concelho quanto ao resto do País, outra residência ou a propriedade de imóvel para habitação adquirido após o início da relação de arrendamento, com exceção dos casos de sucessão mortis causa, pode o senhorio, simultaneamente, pedir uma indemnização igual ao valor da renda determinada nos termos dos artigos 30.o a 32.o desde o termo do prazo para contestar até à entrega efetiva da habitação.

3 — Na pendência da ação de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.

4 — Se o arrendatário não pagar ou depositar as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período superior a três meses, é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância de indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.

5 — Se, dentro daquele prazo, os montantes referidos no número anterior não forem pagos ou depositados, o senhorio pode pedir certidão dos autos relativa a estes factos, a qual constitui título executivo para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa.

O art.º 15º do NRAU, Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, previa, sob a epígrafe “Título executivo”:

1 - Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:

a) Em caso de cessação por revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil;

b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável por ter sido celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato escrito donde conste a fixação desse prazo;

c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097.º do Código Civil;

d) Em caso de denúncia por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado dos comprovativos das comunicações previstas na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil e no artigo 1104.º do mesmo diploma;

e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;

f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos do n.º 5 do artigo 37.º ou do n.º 5 do artigo 43.º, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.

2.O contrato de arrendamento é título executivo para a ação de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.

Resultava deste regime que ocorrendo resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de atempado pagamento das rendas e operando-se a resolução por notificação judicial avulsa, cumpridas as formalidades legais, uma vez acompanhada do contrato de arrendamento, constituía título executivo para promover a execução para entrega de coisa certa. A lei atribuía de forma expressa a natureza de título executivo a tais documentos (notificação judicial avulsa e contrato de arrendamento).

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto e sucessivos diplomas já indicados, passou a prever-se a Ação de Despejo que se destina a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e ainda o Procedimento Especial de Despejo, que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, sempre que o arrendatário não o faça na data prevista na lei ou no acordo celebrado.

A alteração introduzida tem na sua génese a preocupação de dinamizar o mercado do arrendamento, criando um procedimento mais célere de desocupação dos prédios arrendados cessando o contrato de arrendamento[5].

O art.º 14º passou a ter a seguinte redação:

1 — A ação de despejo destina -se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.

2 — Quando o pedido de despejo tiver por fundamento a falta de residência permanente do arrendatário e quando este tenha na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País outra residência ou a propriedade de imóvel para habitação adquirido após o início da relação de arrendamento, com exceção dos casos de sucessão mortis causa, pode o senhorio, simultaneamente, pedir uma indemnização igual ao valor da renda determinada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º desde o termo do prazo para contestar até à entrega efetiva da habitação.

3 — Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.

4 — Se as rendas, encargos ou despesas vencidos por um período igual ou superior a dois meses não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.

5 — Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando -se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º -J, 15.º -L e 15.º -M a 15.º -O.

Aditou-se o art.º 14º-A com a epígrafe: “Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas”, que passou a dispor:

“O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.

O art.º 15º com a epígrafe: “Procedimento Especial de Despejo” passou a prever:

1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.

2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:

a) Em caso de revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil;

b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo;

c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil;

d) Em caso de denúncia por comunicação pelo senhorio, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na alínea c) do artigo 1101.º ou no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil ou da comunicação a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 33.º da presente lei;

e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;

f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 1098.º do Código Civil e dos artigos 34.º e 53.º da presente lei, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.

3 - Para efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, o comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil é acompanhado dos documentos referidos nos n.º 2 e 3 do mesmo artigo ou, sendo caso disso, de cópia da certidão a que se refere o n.º 7 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados.

4 - O procedimento especial de despejo previsto na presente subsecção apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC.

5 - Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada ação executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.

6 - No caso de desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, o procedimento especial de despejo segue os demais trâmites legalmente previstos quanto ao pedido de desocupação do locado.

7 - Sempre que os autos sejam distribuídos, o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas e, independentemente de ter sido requerida, sobre a autorização de entrada no domicílio.

8 - As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”.
 Nos termos do art.º 15.º-E, sob a epígrafe: “
Constituição de título para desocupação do locado” regulamenta-se a formação de título executivo para a desocupação do imóvel arrendado, nos casos legalmente previstos, dispondo o indicado preceito:

“1 - O BNA converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado se:

a) Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respetivo prazo;

b) A oposição se tiver por não deduzida nos termos do disposto no n.º 4 do artigo seguinte;

c) Na pendência do procedimento especial de despejo, o requerido não proceder ao pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo, nos termos previstos no n.º 8 do artigo 15.º

2 - O título de desocupação do locado é autenticado com recurso a assinatura eletrónica.

3 - Constituído o título de desocupação do locado, o BNA disponibiliza o requerimento de despejo no qual tenha sido colocada a fórmula de título para desocupação do locado ao requerente e ao agente de execução, notário ou oficial de justiça designado, consoante os casos, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.

Verifica-se, que os documentos que constituíam título executivo ao abrigo do art.º 15º, na redação da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro, e legitimavam o senhorio a recorrer à execução para entrega de coisa certa, constituem atualmente documentos que servem de base ao procedimento especial de despejo.

Como observa OLINDA GARCIA os “documentos previstos no nº2 do artigo 15º perdem a natureza de títulos executivos e passam a ser tratados como títulos sui generis, justificadores do recurso a um procedimento de natureza essencialmente administrativa”[6].

Neste novo modelo, na cessação da relação de arrendamento, cumpre distinguir, como observa ELIZABETH FERNANDES: “[…] entre formas de operar a cessação de um contrato de arrendamento e a forma de efetivar a desocupação do imóvel cujo arrendamento foi cessado”[7].

A comunicação da resolução do contrato, com fundamento em falta atempada de pagamento das rendas, através de notificação judicial avulsa, opera a cessação do contrato, como se prevê no art.º 1084º/2 CC. Contudo, não confere ao senhorio o direito de promover a execução, porque tais documentos perderam a natureza de título executivo e só os documentos a que se atribui essa natureza podem constituir título executivo, como determina o art.º 703º/1 d) CPC.

Presentemente os documentos particulares não têm a natureza de título executivo.

A formação do título executivo ocorre com a instauração do Procedimento Especial de Despejo e nas circunstâncias previstas no art.º 15ºI e art.º 15ºE do citado diploma. O facto de os documentos instruírem o Procedimento Especial de Despejo não lhes atribui exequibilidade, pois só o título formado no procedimento tem essa natureza.

Como se observa no Ac. Rel. Porto 21 de março de 2024, Proc. 12093/23.8T8PRT.P1:

“No regime vigente do CC e do NRAU (este sem as alterações introduzidas pela Lei nº 56/2023, de 06.10) apenas podem servir de título executivo para obter hoje a entrega de coisa imóvel arrendada:

● Um título judicial, sentença condenatória proferida numa clássica ação de despejo, título executivo nos termos do art.º 703º, nº1, al. a) do CPC. A execução seguirá os termos do art.º 862º do CPC.

● Um título judicial para entrega do locado, formado nos termos do art.º 15º-I nº 11 do NRAU, título executivo nos termos do art.º 703º, nº1, al. a) do CPC. A execução seguirá os termos regulados no NRAU.

● Um título extrajudicial para entrega do locado, formado nos termos do art.º 15º-E do NRAU, título executivo nos termos do art.º 703º, nº1, al. d) do CPC. A execução seguirá os termos regulados no NRAU”.

No caso concreto, os exequentes apresentaram como título executivo para promover a execução para entrega de coisa certa: a notificação judicial avulsa da resolução da resolução do contrato de arrendamento com fundamento em falta atempada do pagamento das rendas e o contrato de arrendamento.

Os documentos apresentados com o requerimento executivo não revestem a natureza de título executivo para obter a entrega do imóvel arrendado em processo de execução para entrega de coisa certa, porque a lei não lhes atribui essa natureza, não constituem um título judicial e o processo de execução para entrega de coisa certa não constitui o procedimento próprio para obter a formação de um título executivo.

Carecendo os exequentes de título executivo, a execução não pode prosseguir porque falta um dos pressupostos específicos do processo de execução.

Conclui-se que não merece censura a decisão que absolveu as executadas da instância com tal fundamento.

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 9.


-


- Cumulação de execuções -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 10 a 14, os apelantes insurgem-se contra o segmento da decisão que considerou que não estavam reunidos os pressupostos para proceder à cumulação de execuções.

Na sentença considerou-se que a cumulação é indevida, porque as pretensões formuladas prosseguem fins distintos, não estando preenchida a previsão do art.º 709º CPC.

Os apelados contra-argumentaram com o facto de ser possível a cumulação, nos termos do art.º 710º CPC, não se verificar uma alteração substancial na tramitação processual, mas a considerar-se existir uma cumulação indevida, deve o processo prosseguir para o fim com que foi instaurado, de execução para entrega de coisa certa e indeferir-se o pedido de pagamento de quantia certa.

A questão que se coloca consiste em apurar se ocorre uma cumulação inicial indevida de execuções, porque se requereu a execução para entrega de coisa certa e a execução para pagamento de quantia certa.

De acordo com o art.º 709º CPC a cumulação de execuções é admitida, “salvo se:[…] b) as execuções tiverem fins diferentes”.

A execução para entrega de coisa certa e a execução para pagamento de quantia certa prosseguem fins distintos (art.º 10º/6 CPC).

Constituindo a sentença título executivo o obstáculo previsto na al. b) do art.º 709º CPC não se verifica, como se prevê no art.º 710º CPC.

No caso presente, o título executivo não é uma decisão judicial, mas um documento com formação extrajudicial, aplicando-se à cumulação a regra do art.º 709º CPC.

Os documentos revestem a natureza de título executivo, para promover execução para pagamento de quantia certa, como se prevê no art.º 14º-A da Nova Lei do Arrendamento Urbano, na redação da Lei 31/2012 de 14 de agosto (e subsequentes alterações[8]).

Os exequentes/apelantes instauraram execução para entrega de coisa certa e pretenderam cumular nesta execução o pedido de pagamento de quantia certa.

Ocorre, assim, uma situação de cumulação inicial indevida.

Os exequentes não dispõem de título executivo para promover a execução para entrega de coisa certa, como se expôs na apreciação da anterior questão.

Como se observa no Ac. Rel. Porto 24 de novembro de 2022, Proc. 17414/21.5T8PRT-A.P1 (acessível em www.dgsi.pt): “daí resulta que não podendo a cumulação ser autorizada, a extinção da execução para entrega de coisa certa pelos motivos antes assinalados arrasta consigo a extinção da totalidade da execução”.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 10 a 14.


-


Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.


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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.


-


Custas a cargo dos apelantes.


*


Porto, 15 de setembro de 2025

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)


Assinado de forma digital por

Ana Paula Amorim

Juiz Desembargador-Relator

Carlos Gil

1º Adjunto Juiz Desembargador

Jorge Martins Ribeiro

2º Adjunto Juiz Desembargador



______________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.    [2]  JOSÉ LEBRE DE FREITAS A ação executiva – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 37.
[3]  JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil, vol. I, AAFDL, pág. 332.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A ação executiva – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 86.
[5] Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 38/XII, que esteve na origem da Lei n.º 31/2012, afirmava-se o seguinte: «A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais: (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; (iii) agilização do procedimento de despejo; e (iv) melhoria do enquadramento fiscal. (…) No que respeita ao regime processual, reconhece-se a necessidade e a premência de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, assim tornando o mercado de arrendamento e o investimento na reabilitação urbana para colocação no mercado de arrendamento uma verdadeira opção para os proprietários e, mais relevantemente ainda, uma opção segura. Esta medida, concretizada mediante a agilização do procedimento de despejo, é fundamental para recuperar a confiança dos proprietários. Até à presente data, o senhorio tinha de recorrer a um processo de despejo apresentado junto de um tribunal. Mesmo dispondo de um título executivo nos termos previstos na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, verificou-se que o tempo médio de duração da correspondente ação executiva é ainda de dezasseis meses. Tal longa espera, muitas vezes acompanhada pelo não recebimento das rendas, revelou ser um motivo de desincentivo para a colocação de imóveis no mercado do arrendamento pelos proprietários, ou ainda para a elevação do valor da renda como forma de controlo do risco. Para tornar o arrendamento num contrato mais seguro e com mecanismos que permitam reagir com eficácia ao incumprimento, é criado um novo procedimento extrajudicial que permite que a desocupação do imóvel seja realizada de forma célere e eficaz, num prazo médio estimado de três meses, no caso de incumprimento do contrato por parte do arrendatário. Promove-se, por esta via, a confiança do senhorio no funcionamento ágil do mercado de arrendamento e o investimento neste sector da economia
[6] MARIA OLINDA GARCIA Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual (Alterações Introduzidas pela Lei 31/2012), 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, maio 2013, pág. 196.
[7] Elizabeth Fernandez “O procedimento especial de despejo”, JULGAR, Nº 19, Edição Associação Sindical Juízes Portugueses, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 63.
[8] Refira-se que a Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, mais não fez do que ampliar o leque de títulos executivos para pagamento de quantia certa, ao criar um nº 2, com a seguinte redação:
“2 — O contrato de arrendamento, quando acompanhado da comunicação ao senhorio do valor em dívida, prevista no n.º 3 do artigo 22.º -C do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente à compensação pela execução de obras pelo arrendatário em substituição do senhorio”.