Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ALEXANDRA PELAYO | ||
| Descritores: | REQUERIMENTO EXECUTIVO INDEFERIMENTO LIMINAR INSUFICIÊNCIA OU FALTA DE TÍTULO | ||
| Nº do Documento: | RP202510284150/24.0T8VLG-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Nos termos do artº 726º nº 2 al. a) do CPC, a insuficiência ou a falta de título executivo, suscetíveis de fundamentar o indeferimento liminar imediato do requerimento executivo, tem de ser manifestas. II - Tal indeferimento deverá também ocorrer apenas em face de situações em que seja inequívoco o sentido da decisão e não quando a situação receba respostas diferenciadas na doutrina e na jurisprudência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 4150/24.0T8VLG-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo de Execução de Valongo - Juiz 1
SUMÁRIO: ……………………………… ……………………………… ………………………………
Juíza Desembargadora Relatora: Alexandra Pelayo Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Andrade Miranda Pinto dos Santos
Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da relação do Porto: I-RELATÓRIO:
CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., ... em ..., deduziu a presente ação executiva contra AA, na qualidade de proprietária da fração autónoma designada pela letra "H", com a permilagem de 38,71, correspondente a uma habitação, com entrada pelo n.º ... da ..., com lugar de garagem e arrumos na cave, com entrada pelo n.º ... da mesma rua (doc. n.º 2 e 3). Alegou que a Executada, desde o ano de 2011, vem incumprindo com os pagamentos das contribuições ordinárias e extraordinárias devidas ao Exequente, encontrando-se em dívida na data- 25 de novembro de 2024 - e relativamente a contribuições ao condomínio, o montante global de €15.411,66 (quinze mil quatrocentos e onze euros e sessenta e seis cêntimos), com fundamento nas seguintes atas de assembleia de condóminos: “1. Ano de 2011 - Contribuição ordinária - € 16,96 (parcial da contribuição de outubro) + 138,48 (46,16 (€ 41,96-quotização ordinária mensal+€ 4,20-fundo comum de reserva mensal) x3 meses- novembro de 2011 a janeiro de 2012) = € 155,44 (cento e cinquenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos) -conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.02.2011 a 31.01.2012 (actas n.º ... e ..., juntas como doc. 1 e 2); - Contribuição extraordinária-€ 270,97 (duzentos e setenta euros e noventa e sete cêntimos) (3 mensalidades de € 90,32, nos meses de julho, agosto e setembro) - conforme orçamento extraordinário aprovado na assembleia de condóminos de 29 de junho de 2011 (acta n.º ..., junta como doc. 5 ); (…) 2. Ano de 2012 - Contribuição ordinária - € 50,20 (€ 45,63-quotização ordinária mensal+€ 4,56 fundo comum de reserva mensal) x11meses =€ 552,20 (quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte cêntimos)-conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.02.2012 a 31.12.2012 (actas n.º ... e ..., juntas como doc. 6 e 7). 3. Ano de 2013 - Contribuição ordinária - € 51,05 (€ 46,41 -quotização ordinária mensal+€ 4,64- fundo comum de reserva mensal) x15 meses =€ 765,75 (setecentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) - conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.01.2013 a 31.03.2014 (actas n.º ... e ..., juntas como doc. 7 e 8); 4. Ano de 2014 - Contribuição ordinária - € 51,05(€ 46,41 -quotização ordinária mensal+€ 4,64- fundo comum de reserva mensal) x15meses =€ 765,75 (setecentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) - conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.04.2014 a 30.06.2015 (actas n.º ... e ..., juntas como doc. 8 e 9). 5. Ano de 2015 - Contribuição ordinária - € 43,69 (€ 39,72 -quotização ordinária mensal+€3,97 fundo comum de reserva mensal) x15meses =€ 655,35 (seiscentos e cinquenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos) - conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.07.2015 a 30.09.2016 (actas n.º ... e ..., juntas como doc. 9 e 10). 6. Anos de 2016, 2017 e 2018 (janeiro) - Contribuição ordinária - € 57,36 (€ 52,14-quotização ordinária mensal+€ 5,22- fundo comum de reserva mensal) x16 =€ 917,76 (novecentos e dezassete euros e setenta e seis cêntimos)-conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.10.2016 a 31.01.2018 (actas n.º ... e ..., juntas como doc. 10 e 11). 7. Ano de 2018 - Contribuição ordinária - € 42,82(€ 38,93 -quotização ordinária mensal+€3,89- fundo comum de reserva mensal)x14 meses =€ 599,48 (quinhentos e noventa e nove euros e quarenta e oito cêntimos)- conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.02.2018 e 31.03.2019 (actas n.º ..., ... e ... juntas como doc. 11, 12 e 13); - Contribuição extraordinária-€ 2.580,64 (dois mil quinhentos e oitenta euros e sessenta e quatro cêntimos) (8 de 12 mensalidades de € 322,58 – agosto de 2018 a março de 2019, correspondente a 38,71% de € 100.000,00) (acta n.º ..., ponto um, junta como doc. 12). 8. Ano de 2019, 2020, 2021 e 2022 - Contribuição ordinária - € 40,85 (€ 37,14 -quotização ordinária mensal+€ Processo: 4150/24.0T8VLG 3,71- fundo comum de reserva mensal)x36 meses = € 1.470,60 (mil quatrocentos e setenta euros e sessenta cêntimos) - conforme orçamento, simulação do exercício e aprovação de contas referente ao período de 01.04.2019 a 31.03.2022 (actas n.º ..., ... e ... juntas como doc. 13, 14 e 15); - Contribuição extraordinária-€ 1.290,32 (mil duzentos e noventa euros e trinta e dois cêntimos) (4 de 12 mensalidades de € 322,58-abril a julho de 2019, acta n.º ...); - Contribuição extraordinária-€ 774,20 (setecentos e setenta e quatro euros e vinte cêntimos) (12 mensalidades de € 64,52, no período compreendido entre março de 2020 fevereiro de 2021- acta ... junta como doc. 14); 9. Ano de 2022 - Contribuição ordinária - € 40,85(€ 37,14 -quotização ordinária mensal+€ 3,71- fundo comum de reserva mensal)x12 meses=€ 490,20 (quatrocentos e noventa euros e vinte cêntimos) -conforme orçamento e simulação do exercício referente ao período de 01.04.2022 a 31.03.2023 (acta n.º ... junta como doc. 15); - Contribuição extraordinária-€ 1.161,30 (mil cento e sessenta e um euros e trinta cêntimos) (12 mensalidades de € 96,78, no período compreendido entre maio de 2022 e abril de 2023 (acta ... junta como doc. 15). 10. Ano de 2024 - Contribuição ordinária - € 42,34(€ 38,49-quotização ordinária mensal+€ 3,85- fundo comum de reserva mensal)x9 meses (março a novembro de 2024) =€ 381,06 (trezentos e oitenta e um euros e seis cêntimos)- conforme orçamento e simulação do exercício referente ao período de 01.03.2024 a 28.02.2025 (acta n.º ... junta como doc. 1); - Contribuição extraordinária-€ 1.548,40 (mil quinhentos e quarenta e oito euros e quarenta cêntimos) (3 prestações de € 516,13, nos meses de março a maio-conforme orçamento extraordinário para obras aprovado e constante da acta n.º ...; - Contribuição extraordinária-€ 1.032,24 (mil e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos) (6 de 9 prestações de € 172,04 referente aos meses de junho a novembro- conforme orçamento extraordinário para obras aprovado e constante da acta n.º ...). (…) € 500,00 (quinhentos euros) referente a honorários do advogado (…) e juros de mora vencidos no montante de € 1.192,76”. Diz ainda que “… das aludidas actas que em diversos meses e anos os orçamentos mantiveram-se inalterados para além do período de 12 meses, tendo, assim, sido aprovados os relatórios de contas dos referidos exercícios, com expressa menção ao período a que diziam respeito”. No despacho liminar, o tribunal considerou que o exequente, “(…)Juntou atas das assembleias de condóminos realizadas em: - 5 de março de 2011 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2011, sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 46,11; - 9 de junho de 2012 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovada uma quota extraordinária de € 7.000,00 a ser paga pelos condóminos em 3 prestações mensais com início em julho, sendo o valor da quota mensal imputada à fração H de € 90,32; - 4 de maio de 2012 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2012, sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 50,20; - 8 de fevereiro de 2013 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2013, sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 51,05; - 30 de maio de 2014 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2014, sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 51,05; - 4 de julho de 2015 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2015/2016 (julho de 2015 a junho de 2016), sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 43,69; - 18 de novembro de 2016 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2016/2017 (outubro de 2016 a setembro de 2017), sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 57,36; - 16 de março de 2018 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2018/2019 (abril de 2018 a março de 2019), sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 42,82; - 21 de julho de 2018 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovada uma quota extraordinária de € 100.000,00 a ser paga pelos condóminos em 12 prestações mensais e até 31 de agosto de 2019, sendo o valor da quota mensal imputada à fração H de € 69,02; - 18 de abril de 2019 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2019/2020 (abril de 2019 a março de 2020), sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 40,85; - 27 de fevereiro de 2021 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovada uma quota extraordinária de € 20.000,00 a ser paga pelos condóminos em 12 prestações mensais com início em março de 2021, sendo o valor da quota mensal imputada à fração H de € 64,52; - 3 de maio de 2022 (Ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2022/2023 (abril de 2022 a março de 2023), sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 40,85; - 26 de fevereiro de 2024 (ata ...), da qual resulta ter sido aprovado o orçamento ordinário para o ano de 2022/2023 (março de 2024 a fevereiro de 2025), sendo o valor da quota ordinária mensal imputada à fração H de € 44,34; mais foi deliberado que ao condómino que se encontrar em mora será imputado o pagamento da quantia de € 500,00 “referente ao pagamento de honorários a Advogado para cobrança extrajudicial ou judicial dessas dívidas” e aprovada ainda uma quota extraordinária de € 40.000,00 a ser paga pelos condóminos em 3 prestações mensais com início em março, sendo o valor da quarta imputada à fração H de € 516,13 e outra quota extraordinária no valor de € 40.000,00 a ser paga pelos condóminos em 9 prestações mensais, com inicio em junho, sendo o valor da quota mensal imputada à fração H de € 172,04. Em consequência, decidiu em 05-12-2024, rejeitar parcialmente o requerimento executivo, mediante despacho liminar, com o seguinte dispositivo: “Por tudo o exposto e ao abrigo do disposto no artº. 726º. nº. 2 als. a) e b) e nº. 5 e 734º. do CPC, rejeito a presente execução quanto à quantia de € 5.889,94, prosseguindo os autos para cobrança da quantia de € 10.021,82 acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre o valor e desde a data de vencimento de cada uma das quotas que integram as referidas quantias. Custas do decaimento pelo exequente. Notifique.” Inconformado, o exequente, CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., ... em ... interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: (…) Citada para a execução e para os termos do recurso, a executada AA veio pugnar pela sua improcedência juntando contra-alegações, onde conclui da seguinte forma: (…) Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
II-OBJETO DO RECURSO: Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. As questões decidendas são as seguintes: -nulidade da decisão ao abrigo do disposto no art. 615º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC; -saber se deve ser revogado o despacho de indeferimento liminar parcial da execução por não ocorrer a situação de insuficiência/falta de título executivo. Questão prévia: A título de questão prévia, importa desde já aferir se este tribunal de recurso pode conhecer das nulidades das deliberações de condóminos que foi arguida pela executada/apelada nas suas contra-alegações de recurso. O despacho recorrido é constituído por um despacho liminar, proferido ao abrigo do disposto no artº. 726º. nº. 2 als. a) e b) e nº. 5 do CPC., o qual rejeitou parcialmente a execução. A questão ora suscitada pela Apelada, nas contra-alegações de recurso, fundamenta-se na alegação de que “todas as convocatórias violaram o disposto no art.1432º n.º4 do CC, pelo que todas as deliberações tomadas estão feridas de nulidade, o que expressamente se invoca”, nulidade que vem invocar perante este tribunal de recurso, e que não foi objeto de apreciação pelo tribunal recorrido. Ora, os recursos, tal como explica a este respeito, António Abrantes Geraldes [1] “constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.” Analisados os autos, verifica-se que esta questão da nulidade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos do Condomínio exequente é totalmente nova, nem sequer foi invocada perante o tribunal recorrido, pelo que, manifestamente não poderá por isso ser conhecida por este Tribunal da Relação. Acresce que, se a apelada alega (conclusões XX), que só agora teve conhecimento das atas e respetivas deliberações e que está em tempo de arguir a referida anulabilidade, então terá que ter em consideração que as contra-alegações de recurso não manifestamente o meio processual próprio para o fazer.
III-FUNDAMENTAÇÃO: Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais supra mencionados no Relatório.
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO: Analisemos a primeira questão suscitada, da nulidade por falta de fundamentação da decisão. Alega o Condomínio Apelante que, quanto à invocada falta ou insuficiência do título não alcança o Apelante a fundamentação da decisão para indeferir parcialmente, quanto ao montante de € 3.687,82, a quantia reclamada a título de contribuições relacionadas com quotas de condomínio em dívida É que o Apelante reclama a esse título o montante global de € 8.658,15 e o tribunal “a quo” decide considerar que: - “Do exposto resulta que a presente execução apenas poderá prosseguir para cobrança …e das quotas extraordinárias aprovadas nas atas 17, 24, 26 e 29 no valor global de 4.970,23, tudo acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre o valor e desde a data de vencimento de cada uma das quotas que integram as referidas quantias.” Não fundamenta o tribunal “a quo” a sua conclusão e decisão quanto ao valor considerado de € 4.970,23, termos em que se invoca a nulidade da decisão ao abrigo do disposto no art. 615º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC. Vejamos. Como é sabido, os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada[2]. A fundamentação das decisões tem consagração Constitucional no artº 205º da CRP estando processualmente plasmada no artº 154º do Código de Processo Civil, no qual se dispõe «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e no que às sentenças respeita, o art. 607º nº 3 e nº 4 expressamente prevê a sua fundamentação, sob pena de ocorrer a nulidade prevista no art. 615º nº 1 al b) do C.P.C. A garantia da fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial. A falta de fundamentação da decisão, conduz á nulidade da mesma, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al b) do C.P.C quanto às sentenças, aplicável aos despachos por força do art. 613º nº 3 do mesmo código. É nula a sentença quando nomeadamente não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão ou condene em quantidade superior do pedido—cfr. artigo 615.º, n.º 1, als. b) e e), do C.P.Civil, sendo esta norma aplicável aos despachos por força do que dispõe ao rt. 613º nº 3 do C.P.C. Tem sido entendido porém, de forma reiterada e unânime pela doutrina e jurisprudência, que este vício (da falta de fundamentação) só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respetivo enquadramento legal. Assim, a sentença que contenha uma deficiente, incompleta ou não convincente fundamentação não enferma do vício apontado de falta de fundamentação. Na situação em apreço, o despacho apresenta fundamentação para a decisão que proferiu, pelo que não pode ser considerado nulo por ausência de fundamentação. O que acontece é que a fundamentação apresentada é ambígua, redundando em obscuridade, o que o faz cair num outro vício da sentença, que é o previsto no artº 615º nº 1, agora na sua alínea c) do CPC, que dispõe que a sentença é nula quanto os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade, que torne a decisão ininteligível”. Quanto à ininteligibilidade da decisão Lebre de Freitas[3] afirma que ela se verifica quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou quando esta encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal. O despacho recorrido tem a natureza de despacho liminar de indeferimento parcial do requerimento executivo, por insuficiência do titulo constituídos pelas atas da assembleia de condóminos juntas com o requerimento executivo. Toda a execução tem de ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (fim esse que, como previsto na lei, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, positivo ou negativo – (n.º 5 e 6, do art. 10º do CPC). “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (nº5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art. 53º, nº1 do CPC). O relevo atribuído ao título executivo tem como consequência que a sua falta revelada pela analise do requerimento inicial, determine o indeferimento liminar imediato (art. 726 nº 2 al a) do CPC). Quando o juiz, analisando o título dado à execução e os demais documentos apresentados na alegação contida no requerimento executivo conclua pela inexistência de insuperável de factos constitutivos da obrigação exequenda ou verifique a existência de factos impeditivos ou extintivos detetáveis imediatamente impõe.se obstar ao prosseguimento da ação executiva”.[4] Isto ocorre numa fase liminar, em face da apresentação do requerimento executivo em juízo e da análise do título executivo, decidindo o tribunal, sendo que sempre que o tribunal conclua pela inexistência insuperável de factos constitutivos da obrigação exequenda ou verifique a existência de factos impeditivos ou extintivos detetáveis imediatamente, impõe-se obstar ao prosseguimento da ação executiva. Com efeito, apresentado o requerimento executivo, a lei prevê o indeferimento liminar do mesmo, nos seguintes termos, estabelecendo aquela norma que: “(…) 2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;(…)” O nº 2 do artº 812º contém os fundamentos do indeferimento liminar puro e simples, o qual é reservado para os casos em que seja manifesta a falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso (als. a) e b) ou a inexistência da obrigação exequenda por falta oficiosamente cognoscível (al. c).[5] O convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo previsto no nº 4 do artº 812º visa possibilitar ao exequente suprir quaisquer irregularidades do requerimento executivo e o suprimento de vícios de natureza processual, nomeadamente referentes aos pressupostos processuais, desde que sanáveis e de conhecimento oficioso. Quer o indeferimento liminar imediato, quer o aperfeiçoamento (e posterior indeferimento, se for caso disso) do requerimento executivo pressupõem que o vício ou a irregularidade sejam manifestos, isto é, que sejam evidentes face ao requerimento ou ao título executivo. É necessário que o juiz se aperceba da irregularidade ou do vício através da simples leitura do título executivo e/ou dos demais elementos constantes dos autos. Se aqueles se evidenciarem e não for possível saná-los, deve então indeferir o requerimento executivo; se for possível saná-los através de um acto do exequente, o juiz deve convidá-lo a praticar esse acto. Se do título executivo e/ou dos demais elementos constantes dos autos não se evidencia qualquer vício ou irregularidade, o juiz terá de fazer prosseguir os autos, ordenando a citação dos executados. No caso em apreço, lida a decisão recorrida, na parte em que chega à conclusão da falta de título quanto ás quotas ordinárias do condomínio que foram reclamadas relativamente aos meses de janeiro a junho de 2015, julho, agosto e setembro de 2016, outubro, novembro e dezembro de 2017, janeiro, fevereiro e março de 2018, abril de 2020 a março de 2022 e abril de 2023 a fevereiro de 2024, não é possível apreender por que razão o tribunal considerou ocorrer tal situação. Com efeito, após discorrer sobre as normas aplicáveis, concretamente procedendo á interpretação do artº. 6º. do D.L. 268/94 de 25/10 que confere exequibilidade às atas das assembleias de condóminos e fazendo menção á polémica doutrinal/jurisprudencial relativamente ao título executivo em causa, de forma genérica, mas vertendo o entendimento que a acta constitui título executivo apenas se se mostrar acompanhada da deliberação da assembleia que fixa a obrigação exequenda e referindo-se ainda ao regime legal relativo às penalização por incumprimento - sanções pecuniárias aprovadas pela Assembleia de Condóminos e -despesas para o exercício de direitos em juízo (de contencioso), e respetiva controvérsia jurídica também existentes quanto a estas despesas integrarem ou não o título executivo constituído pelas atas de condomínio, limita-se a extrair a conclusão, que fundamenta a rejeição parcial do requerimento executivo, concluindo da seguinte forma: “Aplicando o exposto ao caso dos autos temos que o exequente não dispõe de título que lhe permita cobrar as quotas ordinárias que reclama relativamente aos meses de janeiro a junho de 2015, julho, agosto e setembro de 2016, outubro, novembro e dezembro de 2017, janeiro, fevereiro e março de 2018, abril de 2020 a março de 2022 e abril de 2023 a fevereiro de 2024, não gozando de exequibilidade a ata nº. ... na parte em que estabelece que os honorários de Advogada são da responsabilidade do condómino faltoso. Do exposto resulta que a presente execução apenas poderá prosseguir para cobrança das quotas ordinárias em dívida, no ano de 2011, no valor de € 109,13, no ano de 2012 no valor de € 601,44, no ano de 2013 no valor de € 612,60, no ano de 2014 no valor de € 612,60, no ano de 2015 € 262,14, no ano de 2016€ 434,22, no ano de 2017 € 516,24, no ano de 2018 € 395,38, no ano de 2019 € 496,11, no ano de 2020 € 122,55, no período de abril de 2022 a março de 2023 € 490,12 e no período de março a novembro de 2024 € 399,06, tudo no valor de € 5.051,59 e das quotas extraordinárias aprovadas nas atas 17, 24, 26 e 29 no valor global de 4.970,23, tudo acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre o valor e desde a data de vencimento de cada uma das quotas que integram as referidas quantias”. Ou seja, ao transpor a análise jurídica das normas aplicáveis para a situação em apreço, limita-se a concluir pela suficiência/insuficiência dos títulos executivos dados á execução, constituídos pelas atas 16 e 17 (do ano 2011); 18 e 19 (do ano 2012), 19 e 20 (do ano 2013), 20 e 21 (do ano 2014), 21 e 22 (do ano 2015), 22 e 23 (dos anos 2016, 2017 e 2018), 23, 24 e 25 (do ano 2018), 26 (dos nos 2019, 2020, 2021 e 2022), 27 (do ano 2022) e 29 do ano 2024, duma forma meramente conclusiva, que não permite apreender porque é que as quotas ordinárias reclamadas relativamente aos meses de janeiro a junho de 2015, julho, agosto e setembro de 2016, outubro, novembro e dezembro de 2017, janeiro, fevereiro e março de 2018, abril de 2020 a março de 2022 e abril de 2023 a fevereiro de 2024, em contraposição com as demais quotas de contribuições ordinárias reportadas a esses anos, têm tratamento diverso das demais, não integrando a situação na previsão legal da norma mencionada, em concreto. Não esclarece desde logo se as quotizações que entende não se incluírem na exequibilidade das atas indicadas ocorrem por não terem sido aprovadas em ata, por não se tratarem de despesas orçamentadas, por terem sido objeto apenas de aprovação de dívida posterior, pela assembleia de condóminos. Nada disto é esclarecido no despacho recorrido, que sofre assim de obscuridade. Acresce que, tal como a exequente aponta nas conclusões de recurso, não resulta também apreensível ao destinatário da decisão, como é que o tribunal chegou ao valor do total de € 4.970,23, em face do peticionado montante global de € 8.658,15. A ambiguidade da decisão, ao excluir as identificadas quotizações do título executivo, redunda em obscuridade, não permitindo ao destinatário da decisão perceber porque é que se entendeu que aquelas concretas quotas ordinárias não constam do titulo executivo, nem apreender o seu valor. Conforme se afirma no acórdão do STJ 11.4.2007, proferido no P 06P4086 in www.dgsi.pt: “O acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade. Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se. A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.” Desta forma, impõe-se a procedência do fundamento da nulidade da decisão, por ambiguidade e obscuridade da mesma, procedendo o recurso nesta parte. Haverá ainda que apreciar a questão da cobrança coerciva de € 500 euros, com fundamento na inexequibilidade da ata nº. ... na parte em que estabelece que os honorários de Advogada são da responsabilidade do condómino faltoso. Nesta parte a decisão já não padece do vício apontado, sendo apreensível a fundamentação, que refere o seguinte: “as despesas de contencioso e as penalidades estavam cobertas pela exequibilidade conferida às atas das assembleias de condóminos pelo artº. 6º. do D.L. 268/94 de 25/10. A L. 8/22, vindo acrescentar ao referido artº. 6º. o nº. 3 que diz que “Consideram-se abrangidos pelo título executivo o juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”, deixou de fora as despesas de contencioso, numa adesão clara ao entendimento predominante de que os honorários de advogado e as despesas de contencioso originadas por uma concreta ação movida contra um condómino não são despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio sendo as mesmas reembolsáveis nos termos do disposto no artº. 541º. do C.P.C. e Regulamento das Custas Processuais.” Nesta parte a discordância do Condomínio Recorrente assenta no facto de entender que a peticionada quantia de € 500,00, é feita a título de sanção pecuniária compulsória, defendendo que, atento o disposto no n.º 3, do art. 6º da Lei 8/2022 que dispõe que “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.”, resulta inequívoco que a atual redação do art. 6º, n.º 3, considera que a ata enquanto título executivo compreende as sanções pecuniárias e, concomitantemente, as despesas de contencioso, conclusão que afirma, encontra acolhimento na exposição do Projeto de Lei n.º 718/XI/2.ª, que esteve na origem da Lei n.º 8/2022. Vejamos. Está em causa a seguinte deliberação da assembleia de condóminos, constante do teor da ata ..., no ponto 4: O tribunal a quo entendendo tratarem-se de despesas de contencioso e porque é seu entendimento que a atual redação do art. 6º, n.º 3 da Lei 8/2022 de 10.01, “…deixou de fora as despesas de contencioso, numa adesão clara ao entendimento predominante de que os honorários de advogado e despesas de contencioso originadas por uma concreta ação movida contra um condómino não são despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio …”, julgou parcialmente inexistente o título executivo nesta parte. Já a apelante defende que se trata de uma sanção pecuniária, hoje expressamente incluída na previsão do art. 6º, n.º 3 na redação dada pela Lei 8/2022 de 10.01. Relativamente às sanções pecuniárias aprovadas pela Assembleia de Condóminos para o atraso no pagamento das quotas do condomínio, que decorrem da possibilidade expressamente previstas no artigo 1434º do Código Civil, nos termos do qual, “a assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador” , colocava-se em face da redação do artº 6º nº 1, a dúvida legítima de saber se, apesar de devidas, estas sanções podiam ser objeto de execução, dividindo-se a doutrina a e a jurisprudência quanto à possibilidade das mesmas se integrarem no título executivo, tal como era definido naquele artigo 6º nº 1 do DL n.º 268/94, de 25/10, que apenas mencionava as deliberações de condóminos constantes de ata, que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e aos serviços. A tendência da jurisprudência, nos últimos tempos era, porém, no sentido de se considerar que as referidas quantias não podiam ser reclamadas a coberto do disposto no art. 6º nº1 do DL n.º 268/94, de 25/10 por não se tratarem de despesas comuns relacionadas com os encargos de conservação e fruição do edifício na previsão do art. 1424º do Código Civil. A Lei n.º 8/2022, de 10/01 veio rever o regime da propriedade horizontal, alterando o Código Civil, o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, e o Código do Notariado. Deu uma nova redação ao art. 6º do DL 268/94 de 25.10. acolhendo a posição minoritária ao considerar “abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.” A nova redação do art. 6ºdo DL 268/94 de 25.10, que passou a vigorar a partir de 10.4.2022, no seu nº 3, veio assim, claramente, pôr termo à mencionada polémica existente em relação às sanções pecuniárias, afirmando agora a lei, de forma expressa que, se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio. Porém, nada diz quanto ás despesas de contencioso, ou relacionadas com a cobrança das dívidas do condomínio. Ora, no caso em apreço, atento o teor da deliberação da assembleia de condomínios, supra transcrita, não só não resulta claro do ponto 4 da ata ... a natureza da dívida de 500€, como “sanção pecuniária” ou como “despesa de contencioso”, como a solução jurídica não se apresenta como pacífica, ao não constar expressamente da alteração legislativa do artº 6º nº 3 citado a menção ás despesas de contencioso, deixando em aberto quanto as estas a querela anterior. Desta forma, porque o indeferimento liminar imediato do requerimento executivo pressupõe que o vício ou a irregularidade seja manifesto, isto é, que sejam evidentes face ao requerimento ou ao título executivo, tal não ocorre na situação em apreço. Também entendemos que o indeferimento do requerimento executivo não deva ocorrer quando se tratem de aspetos que recebam respostas diferenciadas pela doutrina e jurisprudência, como é a situação do caso em apreço.[6] Desta forma, entendemos que, é precipitada a tomada de posição nesta fase processual sobre a matéria, (sem se ter permitido a discussão da mesma pela partes), já que implica a rejeição parcial da execução. Assim, também quanto a esta despesa reclamada entendemos dever a execução prosseguir por ora, os ulteriores e normais termos.
V-DECISÃO: Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que mande prosseguir os habituais termos da execução. Custas pela apelada. |