Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
Descritores: | AUSÊNCIA DO ARGUIDO À AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NULIDADE INSANÁVEL NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO PARA SESSÕES DE JULGAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP202410092072/20.2T9GDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Se a ausência do arguido à audiência de julgamento está sustentada em pedido por si formulado, nos termos do disposto no art. 334.º, n.º 2, do CPPenal, o mesmo será sempre representado pelo seu defensor para todos os efeitos possíveis (art. 334.º, n.º 4, do CPPenal), não havendo necessidade de o convocar para qualquer acto posterior, nem, sequer, necessidade de notificação pessoal da sentença (art. 334.º, n.º 6, do CPPenal), tendo aqui pertinência e aplicação o disposto no art. 373.º, n.º 3, do CPPenal (o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído). II - O mesmo regime tem sido sustentado para os casos em que o arguido comparece a uma ou mais sessões de julgamento e, entretanto, ausenta-se, sem consentimento ou autorização do Tribunal, não comparecendo a outras sessões ou à leitura da sentença. III - Nestes casos, tem sido considerado que a presença do arguido em algum momento do julgamento, normalmente no seu início, conjugada com um princípio de necessária auto-responsabilização, fazendo impender sobre o arguido a obrigação de acompanhar o que se passa no seu próprio julgamento, e com os deveres deontológicas do advogado que o representa, que lhe deve dar nota do andamento dos autos e do seu resultado, garantem a salvaguarda dos direitos do arguido, concretamente do direito ao recurso a que alude o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. IV - Já a situação em que os arguidos são julgados na sua ausência ao abrigo do disposto no art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, como aconteceu no caso dos autos, tem suscitado decisões díspares, que vão desde o entendimento de que vale também aqui o regime aplicado às situações em que o arguido é julgado na sua ausência consentida ou em que comparecendo inicialmente a julgamento, depois, o abandona voluntariamente, desinteressando-se do seu resultado – já que representado pelo seu defensor nos termos conjugados dos arts. 333.º, n.º 7, e 334.º, n.º 4, do CPPenal, estando a audiência de julgamento sujeita ao princípio da continuidade a que alude o art. 328.º do mesmo diploma legal –, até ao reconhecimento de que a não notificação do arguido para outras sessões de julgamento e, em concreto, para a da leitura da sentença configura a nulidade insanável prevista no art. 119, al. c), do CPPenal. V - Os argumentos que sustentam esta última perspectiva são os que se mostram correctos, nada na lei permitindo a interpretação restritiva que os defensores da orientação oposta postulam quanto à obrigação de notificação da designação de dia de julgamento e da sentença inscrita no art. 113.º, n.º 10, do CPPenal, reduzindo-a às primeiras datas designadas. VI - Porém, contrariamente à solução por que pugnam os defensores desta posição mais garantista, a omissão de notificação do arguido para outras sessões de julgamento, incluindo para a leitura da sentença, nos casos em que o mesmo está a ser julgado na sua ausência ao abrigo do art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, não pode configurar a nulidade insanável a que se reporta o art. 119.º, al. c), do CPPenal, porque não estamos perante situação em que a lei exige a respectiva comparência, conforme se exige na parte final do preceito, mas apenas uma irregularidade (art. 123.º do CPPenal). VII - Neste caso, a partir do momento em que o Tribunal de julgamento considera, ao abrigo do disposto no art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, que o julgamento pode iniciar-se e seguir na ausência do arguido a sua comparência deixou de ser exigida por lei. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2072/20.2T9GDM.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 1
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
Sumário: ……………………………… ……………………………… ………………………………
I. Relatório No âmbito do Processo Comum Singular n.º 2072/20.2T9GDM, a correr termos no Juízo Local Criminal de Gondomar, Juiz 1, por sentença de 23-10-2023, foi decidido: * Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, arguindo a nulidade insanável de ausência do arguido em caso em que a lei exige a respectiva comparência, com referência ao art. 119.º, al. c), do CPPenal, e invocando a excessividade da pena de multa aplicada, solicitando a sua redução para próximo do limite mínimo legal, apresentando em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «1. A douta sentença deve ser revogada porque ocorreu no procedimento penal uma nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do C.P.P. por ausência do arguido nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade. 2. O arguido foi regularmente notificado para a primeira sessão de julgamento que teve lugar no dia 9/10/2023, bem como para a realizada na data de 16/10/2023 para continuação da audiência, cujas datas foram designadas por douto despacho datado de 16 de Junho de 2023 – Ref.ª Citius: 449396265 3. Na sessão de 16/10/2023, a leitura da sentença foi designada para o dia 23/10/2023, data que não estava previamente designada pelo tribunal e para a qual o arguido não foi regularmente notificado. 4. Da acta da sessão do dia 23/10/2023 consta que o arguido faltou, porém, como se referiu, não foi notificado de nada. 5. A audiência de julgamento ocorreu na ausência do arguido e o arguido não deu expresso e pessoal consentimento para que a audiência tivesse lugar na sua ausência. 6. Não tendo o arguido sido convocado para a sessão da audiência em que se procedeu à leitura da sentença, foi cometida uma nulidade insanável, tipificada na al. c) do art. 119.º do C.P.P., o que se invoca expressamente. 7. Não foram respeitadas as exigências legais impostas pelos números 1, 2, 3, 5 e 6 do art. 333.º; o n.º 10 do art.º 113.º; art.º 61.º, n.º 1, al. a) e al. b), todos do C.P.P pelo que a circunstância de a audiência de julgamento do dia 23/10/2023 iniciar-se e prosseguir sem a presença do arguido, constitui uma compressão ilegal do núcleo essencial dos direitos de audição, de defesa e de contraditório, garantidos no artigo 32.º, n.ºs 1, 2, 5, e 6 da C.R.P. e no artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e, por isso, causa de nulidade processual. 8. Sem prescindir, sobre a concreta medida da pena de multa, o Recorrente entende que a pena de multa aplicada, mais concretamente, no que respeita ao quantum da pena, não foi correctamente determinada. 9. o Tribunal a quo, sempre com o devido respeito, não decidiu bem ao ponderar desfavoravelmente o facto de o arguido contar com cinco condenações anteriores, pela prática de crimes de diferente natureza daquele pelo qual foi julgado. 10. Não andou bem o Tribunal recorrido ao relevar desfavoravelmente a existência de condenações do arguido que já há longa data estão extintas. 11. Por outro lado, o Tribunal a quo também sopesou desfavoravelmente o facto de o arguido ter estado ausente no julgamento e de não ter mostrado arrependimento. 12. Aquelas ausências foram oportunamente justificadas, como de resto os autos assim demonstram. 13. É que o arguido não esteve ausente porque assim foi a sua vontade. Ele esteve impedido de estar presente nas audiências por razões de saúde. 14. Pelo que tal circunstância não deve de modo algum contribuir de forma desfavorável para a ponderação do quantum da pena de multa aplicada ao Recorrente. 15. E o mesmo é aplicável quanto à valoração desfavorável ao arguido do facto de ele não ter demonstrado arrependimento. 16. Não lhe tendo sequer sido permitida essa possibilidade, atenta a falta de notificação para a última sessão de julgamento. 17. O quantitativo da pena de multa está praticamente no lado máximo da moldura penal e, no entendimento do Recorrente, é excessivo e ultrapassa em larga medida o limite máximo que é imposto pelo grau de culpa do arguido. 18. Ressalta o referido excesso quando também atentarmos quanto às consequências do crime ou gravidade dos factos, que o Tribunal recorrido valorou como de danosidade amena. 19. Nada ficou demonstrado quanto à real e concreta situação económica do arguido, pelo que na ausência de tais elementos e apesar da avaliação do tribunal recorrido quanto a este aspecto, ainda assim se entende que não deveria ter sido fixado um montante diário da multa superior ao mínimo legal. 20. Por tudo isto, não é justo, nem equilibrado, cominar a conduta do arguido com uma pena de 300 dias de multa, tendo o Tribunal a quo violado os normativos previstos no art.º 40.º, art.º 71.º, n.º 1 e n.º 2 e art.º 47.º, n.º 1 e n.º 2 todos do C.P.» * O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção da sentença recorrida, sintetizando os seus argumentos nas seguintes conclusões (transcrição): «I. O artigo 196.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal, estabelece que do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º; II. O artigo 333.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estabelece que se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência. III. O artigo 334.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, consagra que sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor. IV. Da interpretação conjugada destes artigos resulta que é apenas indispensável a notificação do arguido para o início da audiência de discussão e julgamento, já não para as sessões subsequentes, onde se enquadra a leitura de sentença. V. O artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal, determina a obrigatoriedade de o arguido ser notificado da sentença e não da data da leitura da sentença. VI. É através da sentença que é conhecido o desfecho do processo, onde o arguido toma conhecimento das consequências jurídico-penais da sua conduta, devendo o mesmo ser informado dos direitos que lhe assistem, designadamente o direito em interpor recurso. VII. Se a notificação da data da leitura da sentença fosse um ato obrigatório para o tribunal, num processo em que o arguido foi julgado na ausência nunca poderia ser proferida sentença logo após o término da audiência de discussão e julgamento, hipótese essa conferida pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. VIII. Ao invés, seria necessário designar uma data para a leitura da mesma de modo a ser possível notificar o arguido, introduzindo uma dilação que o legislador não pretendeu e colidindo frontalmente com o artigo 373.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. IX. O tribunal a quo ponderou de forma adequada as necessidades de prevenção geral e especial. X. O tribunal a quo valorou de forma adequada as circunstâncias de vida do arguido, sopesando as mesmas, fazendo um juízo valorativo proporcional face à gravidade dos factos.» * Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acompanhou e desenvolveu a argumentação do Ministério Público junto do Tribunal a quo, defendendo igualmente o não provimento do recurso. * Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente não apresentou resposta. * Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. O recorrente submete à apreciação deste Tribunal de recurso duas questões, a saber: - Verificação da nulidade prevista na al. c) do art. 119.º do CPPenal (ausência do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência); - Medida concreta da pena de multa excessiva. * Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença recorrida (transcrição): «II. Fundamentação De facto Factos provados Em sede de Audiência de Julgamento, provaram-se os seguintes factos, constantes da Acusação Pública: 1. O arguido AA, no dia 22 de Abril de 2020, de forma livre, consciente e voluntária, dirigiu-se à cabine telefónica instalada no interior do Centro Comercial ..., da ..., Maia, com o numero ..., e pelas 16h23m, ligou para a Divisão de Investigação Criminal da PSP, no Porto e pelas 16h39m, para o Posto Territorial da GNR ..., em Gondomar, e sem se ter identificado disse que: “pretendia denunciar uma morte por encomenda e que o mandante de tal morte seria um advogado de nome Dr. BB, com cédula profissional n.º ..., residente na Rua ..., sem numero de porta, 1º esquerdo, Braga e que teria como cúmplice CC, residente na Rua ..., sem n.º de Porta, ..., Gondomar. Mais disse que a morte encomendada seria a de AA.”. 2. No dia 25 de Abril de 2020, pelas 14h38m, o arguido através do email mailto:..........@..... enviou para email da directoria da PJ Porto- ..........@....., uma mensagem que dizia “ com os melhores cumprimentos foi-me alertado por uma pessoa do A... que CC, residente na Rua ..., ... ..., com o NIF ... com telefone ... e o Advogado do mesmo BB, NIF ......, cédula ..., encomendaram uma morte contra a minha pessoa, AA, ..., telefone ...………AA”, assim se instaurando o presente processo de inquérito. 3. Porém, concluídas as diligências probatórias, os autos foram arquivados, por despacho proferido ao abrigo do preceituado no artigo 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por se ter concluído pela falsidade da imputação efectuada pelo arguido, relativamente ao Sr. Advogado BB e a CC. 4. Ao actuar da forma exposta o arguido sabia perfeitamente que imputava formalmente e perante autoridade policial, contra BB e a CC factos criminosos completamente falsos, porque totalmente inventados por si. 5. Na verdade, o arguido ao apresentar tal denúncia agiu da forma referida pelo facto de aqueles no âmbito do processo n.º 12126/19.2T8PRT, do Juízo 1, no Juízo de Execução de Valongo em que figura como executado, terem requerido o despejo do arguido do imóvel que ocupava. 6. Pretendia assim o arguido, ao apresentar a mencionada denúncia criminal, lançar sobre Senhor Advogado BB e CC a suspeita da prática de um crime, e fazer que contra eles fosse instaurado procedimento criminal. 7. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Provou-se, ainda, que o arguido: 8. O arguido tem averbadas no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações: i. Por Sentença datada de 5.12.2011, transitada em julgado a 9.01.2012 foi o arguido condenado, no âmbito do PCS n.º ..., que correu termos no JLC do Porto J3 na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa à taxa diária €5,00, pela prática a 15.07.2006 de um crime de desobediência. Tal pena foi declarada extinta a 9.08.2012. ii. Por Sentença datada de 5.11.2014, transitada em julgado a 10.12.2014 foi o arguido condenado, no âmbito do PCS n.º ..., que correu termos no JLC da Maia, J2, na pena de 60 dias de multa à taxa diária €7,00, pela prática a 15.01.2011 de um crime de ofensas à integridade física simples. Tal pena foi declarada extinta a 10.10.2018. iii. Por Sentença datada de 19.12.2014, transitada em julgado a 26.06.2015 foi o arguido condenado, no âmbito do PCS n.º ..., que correu termos no JLC do Porto, J3, na pena única de 200 dias de multa à taxa diária €7,00, pela prática a 9.01.2013 de um crime de difamação agravada e de um crime de ameaça agravada. Tal pena foi declarada extinta a 5.01.2018. iv. Por Sentença datada de 28.05.2015, transitada em julgado a 2.06.2016 foi o arguido condenado, no âmbito do PCS n.º ..., que correu termos no JLC do Porto, J7, na pena única de 6 meses de prisão suspensa por um ano, com regime de prova, pela prática a 13.05.2014 de um crime de desobediência. Tal pena foi declarada extinta a 8.01.2019. v. Por Sentença datada de 4.12.2018, transitada em julgado a 16.01.2019 foi o arguido condenado, no âmbito do PCS n.º ..., que correu termos no JLC do Gondomar, J1, na pena de 200 dias de multa à taxa diária €5,00, pela prática a 1.04.2009 de um crime de falsidade de testemunho. Tal pena foi declarada extinta a 21.03.2019. * Factos não provados Não resultaram não provados quaisquer factos com interesse para a decisão da causa.»
Vejamos. Da nulidade prevista do art. 119.º, al. c), do CPPenal (ausência do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência) Considera o recorrente que o Tribunal a quo não devia ter considerado o recorrente devidamente notificado da sessão de julgamento, com leitura da sentença, realizada no dia 23-10-2022, porquanto não esteve presente nas duas anteriores sessões de julgamento, para as quais havia sido notificado, e não foi expedida nova notificação para o efeito daquela nova data, da qual nunca foi notificado. Tal decisão, entende, afrontou os arts. 11.º, n.º 1, da DUDH, 32.º da CRP e 61.º, n.º 1, als. a) e b), 113.º, n.º 10, e 333.º, n.º 3, todos do CPPenal. Concretiza que a notificação da designação de dia para julgamento tem de ser realizada aos advogados ou defensores e aos arguidos, em cumprimento do disposto no art. 113.º, n.º 10, do CPPenal, o que não ocorreu quanto ao arguido, e conclui que «a ausência do arguido em julgamento decorrente da omissão de uma regular notificação do mesmo para a audiência de julgamento de 23/10/2023, impedindo a sua presença na mesma, integra a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do C.P.P. por ausência do arguido nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade».
Para análise desta questão é essencial percebermos algumas das ocorrências processuais respeitantes à audiência de julgamento. Assim:
Apesar da muita informação que resulta da tramitação de que aqui se deu nota, a única questão que o recorrente suscita a propósito da sua ausência à sessão designada para o dia 23-10-2023, para leitura da sentença, é a da falta de notificação para o efeito, o que, na sua perspectiva, constitui nulidade insanável. Esta questão não tem tido resposta uniforme na jurisprudência e a mesma também depende da concreta situação em que decorreu o julgamento sem a presença do arguido. Se a ausência do arguido é formulada a seu pedido, nos termos do disposto no art. 334.º, n.º 2, do CPPenal, o arguido será sempre representado pelo seu defensor para todos os efeitos possíveis (art. 334.º, n.º 4, do CPPenal), não havendo necessidade de o convocar para qualquer acto posterior, nem, sequer, necessidade de notificação pessoal da sentença (art. 334.º, n.º 6, do CPPenal), tendo aqui pertinência e aplicação o disposto no art. 373.º, n.º 3, do CPPenal (o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído). Neste sentido, afirma Tiago Caiado Milheiro[2] que «[e]xcluindo os n.ºs 1 e 2 da notificação por contacto pessoal o julgamento na ausência ao abrigo do art. 334.º, ao contrário do art. 333.º, remete para as regras gerais de notificação. Nos casos de julgamento na ausência em virtude do consentimento esta abarcará a representação na notificação da sentença. Tem aplicabilidade o art. 373.º/3 [“O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”]. Como se escreve no ac. STJ, 16.02.2017 (NUNO GOMES DA SILVA), o art. 373.º/3 não se aplica em todas as situações em que o arguido não está presente na leitura da sentença/acórdão. Aquela norma deve ser interpretada restritivamente “só sendo aplicável àquelas situações em que o arguido muito embora ausente no acto de leitura da sentença está perante a lei considerado como se estivesse presente ou representado pelo defensor para todos os efeitos legais concluindo que essas situações são as previstas nos n.ºs 4 e 5 do art. 325.º, n.ºs 5 e 6 do art. 332.º e nos n.ºs 2 e 4 do art. 334.º”. No mesmo sentido, ac. STJ, 01.0 .2017 (ROSA TCHING), sustentando que o art. 373.º/3, abrange “situações em que a audiência de julgamento decorre na ausência do arguido, mas com o seu consentimento, nos termos do art. 334.º, n.ºs 2 e 4, do CPP” “na medida em que, em todos estes casos, pode considerar-se que o arguido está processualmente presente (embora fisicamente ausente), desde que representado pelo seu defensor nomeado ou constituído, sendo, por isso, suficiente a leitura da sentença perante estes.” Também o ac. TC 111/2007 considerou que em caso de julgamento na ausência com consentimento do arguido não é de exigir a notificação da sentença por contacto pessoal [no fundo considera-se que o arguido que consente no julgamento na ausência está ciente de que o mesma se irá realizar, pelo que deve acompanhar o seu desenvolvimento e contactar com o Defensor que, por seu turno, tem um conjunto de deveres deontológicos; perante a notificação da sentença é de antever que diligenciará pela efetiva defesa do arguido, contactando este – se for possível –, estudando a decisão e ponderando sobre o recurso).»
O mesmo regime tem sido sustentado para os casos em que o arguido comparece a uma ou mais sessões de julgamento e, entretanto, ausenta-se, sem consentimento ou autorização do Tribunal, não comparecendo a outras sessões ou à leitura da sentença. Nestes casos, tem sido considerado que a presença do arguido em algum momento do julgamento, normalmente no seu início, conjugada com um princípio de necessária auto-responsabilização, fazendo impender sobre o arguido a obrigação de acompanhar o que se passa no seu próprio julgamento, e com os deveres deontológicas do advogado que o representa, que lhe deve dar nota do andamento dos autos e do seu resultado, garantem a salvaguarda dos direitos do arguido, concretamente do direito ao recurso a que alude o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa[3]. Apreciando uma situação em que arguida esteve presente na primeira sessão de julgamento, onde tomou pessoalmente conhecimento da data de realização da segunda (onde foi agendada a leitura da sentença), o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 489/2008[4], de 07-10, veio afirmar «o facto de a arguida (…) não ter tido conhecimento pessoal da data em que seria proferida a sentença, não constitui um distinguo suficientemente forte para justificar uma decisão noutro sentido. Tendo tido conhecimento pessoal da data da segunda audiência (em que foi marcada a data da leitura da sentença), a que compareceu o primitivo defensor, um simples contacto com este, para informação quanto à forma como essa audiência decorrera, propiciaria certamente uma informação sobre o dia de leitura da sentença». E nessa sequência emitiu decisão do sentido de «[n]ão julgar inconstitucionais as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado».
Já a situação em que os arguidos são julgados na sua ausência ao abrigo do disposto no art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, como aconteceu no caso dos autos, tem suscitado decisões díspares, que vão desde o entendimento de que vale também aqui o regime aplicado às situações em que o arguido é julgado na sua ausência consentida ou em que comparecendo inicialmente a julgamento, depois, o abandona voluntariamente, desinteressando-se do seu resultado – já que representado pelo seu defensor nos termos conjugados dos arts. 333.º, n.º 7, e 334.º, n.º 4, do CPPenal, estando a audiência de julgamento sujeita ao princípio da continuidade a que alude o art. 328.º do mesmo diploma legal –, até ao reconhecimento de que a não notificação do arguido para outras sessões de julgamento e, em concreto, para a da leitura da sentença configura a nulidade insanável prevista no art. 119, al. c), do CPPenal, posição pela qual o recorrente se debate neste recurso.
Em defesa da primeira posição, e sem qualquer preocupação de exaustividade, assinalamos os acórdãos do Tribunal Relação do Porto de 13-06-2018, relatado por Ermelinda Carneiro no âmbito do Proc. n.º 786/15.8GAFLG.P1, do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2018, relatado por Maria Pilar de Oliveira no âmbito do Proc. n.º 3/12.2GBCBR.C1.C1, e de 21-11-2023, relatado por Edgar Valente no âmbito do Proc. n.º 427/21.4GBABF.E1, bem como do Supremo Tribunal de Justiça de 30-01-2020, relatado por Margarida Blasco no âmbito do Proc. n.º 1029/96.7JAPRT.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt, salvo o último, consultável in https://juris.stj.pt/1029%2F96.7JAPRT.S1/NETXXq7RXsWnE7mPZHEBAqSuDWY.
Esta primeira posição ancora-se na ideia de que estando o arguido, que prestou TIR, regularmente notificado da data ou datas inicialmente designadas para julgamento e a elas não comparece, decidindo o Tribunal que a sua presença não é absolutamente indispensável desde o início do julgamento e dando, por isso, início ao julgamento na sua ausência, mantendo-se o arguido representado pelo defensor, estão assegurados os direitos de participar no julgamento, não podendo a sua incúria e violação dos deveres decorrentes do TIR conduzir a outra solução. No fundo, a obrigação de notificação ao próprio arguido, com assento no art. 113.º, n.º 10, do CPPenal, apenas vale para o início da audiência, mas já não para a sua continuação sempre que ocorra incumprimento das obrigações decorrentes do TIR. Este entendimento tem sido confortado com a jurisprudência decorrente do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012[5], de 08-03-2012, no sentido de que «[n]otificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo».
Os defensores desta posição entendem que «o legislador exige nos termos conjugados dos artigos 312.º, 313.º, 333.º, e artigo 119.º, al. c), em cumprimento do preceito constitucional ínsito no artigo 32.º da CRP é que o arguido tenha efectivo conhecimento que se irá realizar a audiência de julgamento do seu processo por forma a fundamentalmente ter a possibilidade de intervir no processo, invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar e contraditar todas as provas e argumentos jurídicos trazidos ao processo» e que «[o] eventual desconhecimento do arguido das datas designadas para continuação do julgamento para os dias 13.06.2012, 02.07.2012 e de dia 13.09.2012 para leitura do acórdão, são imputáveis ao próprio arguido, na medida em que as mesmas foram sucessivamente designadas nas datas de 02.05.2012 e 16.05.2012, para as quais o arguido estava pessoalmente notificado e a sua Defensora oficiosa presente. Se não fosse o desinteresse manifestado pelo arguido aquando da realização da primeira e segunda datas designadas para julgamento, com a sua ausência, o mesmo estaria ciente que o julgamento continuava com mais duas sessões e uma última sessão para leitura do acórdão.»[6] Por isso, consideram que «a eventual negligência e desinteresse do arguido em estar presente nas primeiras datas de audiência de julgamento, nada tendo sido requerido nestas, sendo que em todas as sessões de julgamento esteve sempre presente a Defensora Oficiosa nomeada e que foi indicada e comunicada ao arguido (…), não merece a tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido. Inexiste qualquer imperativo legal ou constitucional que exija a notificação das restantes sessões de julgamento (continuação) ao arguido, na medida em que esse direito (de intervir e poder estar presente no seu julgamento – artigo 32.º da CRP) foi acautelado com a notificação pessoal das duas (primeiras) datas designadas para julgamento, nos termos do artigo 312.º, sendo que nesse acto foi-lhe indicado a sua Defensora Oficiosa.»[7] Por outro lado, afirmam os defensores desta posição, só esta interpretação é compatível com o princípio da continuidade da audiência contemplado no art. 328.º, n.º 1, do CPPenal.
Na defesa da posição mais garantística, pugnando pela verificação da nulidade insanável a que alude o art. 119.º, al. c), do CPPenal quando ocorra falta de notificação via postal simples para a morada do TIR e o Tribunal também não tenha desenvolvido esforços para trazer o arguido a julgamento (com emissão de mandados de detenção), posto que não ficou assegurado o direito fundamental do arguido a estar presente em todos os actos processuais que lhe digam respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme decorre dos arts. 61.º, n.º 1, al. a), e 333.º, n.º 2, do CPPenal, podemos ver os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-10-2014, relatado por Maria Pilar de Oliveira no âmbito do Proc. n.º 22/14.4GBSRT.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-06-2017, relatado por Fátima Furtado no âmbito do Proc. n.º 512/15.1PBVCT.G1, e de 06-02-2023, relatado por Pedro Freitas Pinto no âmbito do Proc. n.º 2/20.0PTGMR.G1, do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2023, relatado por Jorge Langweg no âmbito do Proc. n.º 1330/19.3PAVNG.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2022, relatado por Jorge Gonçalves no âmbito do Proc. n.º 391/07.2PBCSC.L1-5, e do Tribunal da Relação de Évora de 02-07-2019, relatado por Maria de Fátima Bernardes no âmbito do Proc. n.º 1812/17.1PBBRR.E1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Para os seguidores deste entendimento, para cabal cumprimento da obrigação de notificação ao arguido prevista no art. 113.º, n.º 10, do CPPenal, e para o que importa para o presente caso, mostra-se inequívoca a necessidade de notificação dos arguidos quer das primeiras sessões de julgamento, quer das posteriormente designadas para a continuação da audiência, aqui se incluindo a sessão designada para leitura da sentença. Em apoio deste entendimento afirma-se que «a audiência, que começa com os atos introdutórios, comporta várias fases e não termina com o encerramento da discussão – a que alude o artigo 361.º do Código de Processo Penal –, que é coisa diversa do encerramento da audiência, que em regra só ocorre com a leitura pública da decisão judicial (sentença ou acórdão Consoante a constituição singular ou colegial do tribunal, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código de Processo Penal.) que conhece a final do objeto do processo.»[8]
Independentemente da solução jurídica que possa, a final, ser encontrada, consideramos que esta perspectiva se mostra correcta, nada na lei permitindo a interpretação restritiva que os defensores da orientação oposta postulam quanto à obrigação de notificação da designação de dia de julgamento e da sentença inscrita no art. 113.º, n.º 10, do CPPenal, reduzindo-a às primeiras datas designadas. Também não encontramos qualquer paralelismo, em termos de efectiva garantia de direitos fundamentais, entre as situações em que o arguido está ausente do julgamento a seu pedido ou em que comparece a uma ou mais sessões de julgamento e, entretanto, ausenta-se, sem consentimento ou autorização do Tribunal, não comparecendo a outras sessões ou à leitura da sentença, e aquelas que redundam no julgamento na ausência do arguido ao abrigo do art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, nem o legislador assim o percepcionou. De outro modo não teria determinado a notificação pessoal da sentença ao arguido julgado na sua ausência, nos ternos do art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, conforme resulta do disposto no n.º 5 do mesmo preceito, expressamente afastando a aplicação do art. 373.º, n.º 3, do CPPenal, que valerá apenas para as demais situações identificadas. É que a ausência total do arguido a todas as sessões de julgamento não permite concluir que o arguido se desinteressou do processo e que foi negligente o acompanhamento que do mesmo fez. Outras situações, como uma doença grave ou a detenção dos arguidos em data em que já foi expedida a notificação do despacho que designa datas para julgamento, mas não permitiu o seu conhecimento pelos mesmos, podem justificar a sua ausência ao julgamento e também a falta de contacto com o defensor ou com os serviços do Tribunal. Como se afirma no sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-11-2012, relatado por Ana Barata Brito no âmbito do Proc. n.º 40/09.4GFELV.E1[9]: «1. A lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença – a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333º, nº 5 do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373º, nº3 do CPP). 2. Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo, para o segundo caso, a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411º, nº1 - al. a) do CPP). 3. Esta diferença de regimes assume que apenas na segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado e sabe que o julgamento terminará com a leitura da sentença. 4. Justifica-se, por isso, a exigência de alguma pro-actividade da sua parte, sendo legítimo co-responsabilizá-lo num exercício efectivo dos direitos de defesa.»
Para total coerência do sistema, teremos, então, de reconhecer que a omissão de notificação do arguido ausente (nos termos do disposto no art. 333.º, n.º 2, do CPPenal) – a realizar por via postal simples com prova de depósito para a morada do TIR – das posteriores sessões de julgamento, incluindo a da leitura da sentença, para as quais não foi inicialmente notificado, não salvaguarda convenientemente os seus direitos do arguido, pois não se encontra em condições idênticas à do arguido que é julgado na sua ausência consentida ou que deixa de comparecer a julgamento, depois de ter estado presente numa ou mais sessões. É preciso não esquecer que o arguido tem o direito fundamental a estar presente em todos os actos processuais que lhe digam respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme estabelecem, respetivamente, os arts. 61.º, n.º 1, al. a), e 333.º, n.º 2, do CPPenal. Sem a notificação, em cumprimento do disposto no art. 113.º, n.º 10, do CPPenal, do próprio arguido julgado na ausência, nos termos do art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, de todas as sessões realizadas ao longo do julgamento não podemos afirmar que lhe foram dadas as condições mínimas para o exercício daqueles direitos. Atente-se, contudo, que já estamos perante contexto diverso se o Tribunal do julgamento não notificou o arguido julgado na sua ausência (ao abrigo do art. 333.º, n.º 2, do CPPenal) das posteriores sessões, incluindo a da leitura da sentença, por ter julgado injustificadas as suas faltas e ter determinado a sua detenção para que ali comparecesse, pois aqui está salvaguardado direito do arguido de intervir naquelas sessões. Neste caso, o Tribunal não violou o direito do arguido em estar presente nessas audiências, apenas deu cumprimento ao disposto no art. 116.º, n.º 2, do CPPenal, expressamente admitido pelo art. 333.º, n.º 7, do CPPenal.
Porém, contrariamente à solução por que pugnam os defensores desta posição mais garantista, não consideramos que a omissão de notificação a que nos temos vindo a referir configure a nulidade insanável a que se reporta o art. 119.º, al. c), do CPPenal. Não porque a ausência do arguido em julgamento decorrente da omissão de correcta notificação do mesmo para audiência, impedindo a sua presença na mesma, ainda que aí representado por advogado, não integre a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPPenal por ausência do arguido – determinada por ausência da sua notificação –, mas porque não estamos perante situação em que a lei exige a respectiva comparência, conforme se exige na parte final do preceito. Com efeito, a partir do momento em que o Tribunal de julgamento considera, ao abrigo do disposto no art. 333.º, n.º 2, do CPPenal, que o julgamento pode iniciar-se e seguir na ausência do arguido, a sua comparência deixou de ser exigida por lei, que configura, ela própria, no dito preceito, esta solução. E o facto de serem emitidos mandados de detenção para comparência não interfere com esta interpretação, correspondendo tal tramitação ao cumprimento, pura e simples, de consequências de índole processual decorrentes do art. 116.º, n.º 2, do CPPenal. Diga-se, aliás, que o invocado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012[10], de 08-03-2012, até corrobora este entendimento, pois considera que o Tribunal, a partir do momento em que considera dispensável a presença no arguido para dar início à audiência nada devia fazer para o trazer a julgamento. Ou seja, a presença do arguido não é obrigatória, nem exigida por lei. Como tal, e posto que, à luz do princípio da tipicidade das nulidades (art. 118.º, n.º 1, do CPPenal), não estamos também perante qualquer nulidade sanável prevista no art. 120.º do CPPenal, a omissão de que tratamos nesta decisão apenas configura uma irregularidade (art. 118.º, n.º 2, do CPPenal), a invocar nos termos e prazos previstos no art. 123.º, n.º 1, do CPPenal.
Revertendo ao caso dos autos, verificamos que não foi atempadamente invocada a irregularidade de falta de notificação do arguido para comparecer na sessão de 23-10-2023, mostrando-se esta sanada, posto que só com o presente recurso foi suscitada tal omissão, sendo certo que o arguido foi pessoalmente notificado da sentença a 01-02-2024 e o recurso entrou em juízo a 01-03-2024. E, tendo sido, posteriormente, como se viu, concretizada a notificação pessoal da sentença ao arguido, salvaguardando o efectivo direito ao recurso, nenhuma razão se configura para oficiosamente determinar a reparação do acto omitido, no caso, a notificação do arguido da data designada para leitura da sentença (n.º 3 do art. 123.º do CPPenal).
Como nota final, e independentemente deste regime e das suas consequências legais, quase como parêntesis, há que reconhecer que no caso concreto o arguido não esteve totalmente arredado do decurso do julgamento, pois foi trocando regularmente correspondência com o processo, tendo havido adiamentos decorrentes dessas comunicações, e foi apresentando justificações às faltas dadas, sendo certo que não comunicou ao Tribunal que se encontrava detido e impossibilitado de receber notificações na morada do TIR, o que só a si pode ser imputado. E esta tramitação coloca o recorrente longe de uma situação de total desconhecimento dos autos. Em face do exposto, não se reconhece a verificação da nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPPenal, nem qualquer outra invalidade que determine o desaproveitamento da tramitação realizada. * A segunda questão colocada pelo recorrente respeita à medida concreta da pena de multa, que considera excessiva. Invoca o recorrente que o quantum da pena de multa não foi correctamente determinado, pois o Tribunal a quo «não decidiu bem ao ponderar desfavoravelmente os contactos do arguido com o sistema de administração da justiça penal». Por outro lado, afirma que o Tribunal «sopesou desfavoravelmente o facto de o arguido ter estado ausente no julgamento e de não ter mostrado arrependimento. Argumentação com a qual não se concorda de modo algum», pois essas ausências foram justificadas, tendo estado impossibilitado de comparecer por razões de saúde e impedido de o fazer por falta de notificação. Por fim, não foi apurada e avaliada a sua concreta situação económica.
Vejamos. Na determinação da medida concreta da pena impõe-se ao julgador que tenha presente o disposto em três normas fundamentais nesta matéria, os arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPenal. Dispõe o primeiro dos indicados preceitos, com a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, que: «1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. 3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.»
Tendo presente estas finalidades, deve o julgador de seguida, na operação de escolha da pena, ter em atenção a regra ínsita no art. 70.º do CPenal, segundo o qual: «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Por fim, especifica o terceiro dos indicados preceitos (art. 71.º do CPenal) que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que: «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»
Nas palavras sempre actuais de Figueiredo Dias[11], «A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.»
Para além destas indicações é preciso não perder de vista que «[a] necessidade, proporcionalidade e adequação são princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.»[12]
A medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição –, embora sem ultrapassar a medida da culpa – que funciona como limite máximo da medida da sanção, sob pena de ser posta em causa a dignidade da pessoa do delinquente –, devendo a concretização da pena, a fixar entre tais limites mínimo e máximo, corresponder ao necessário e suficiente para a reintegração do agente, aí sendo realizado o juízo de ponderação das exigências de prevenção especial.
São estes parâmetros de concretização da pena que é aplicada ao arguido condenado que devem estar explicitados na sentença, permitindo aos destinatários da mesma acompanhar o percurso decisório do julgador na 1.ª Instância.
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «Em matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[13]
No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[14] que: «I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»
Esta jurisprudência reflecte a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.
Sobre a matéria em apreço, o Tribunal a quo argumentou o seguinte: «B. Da escolha e da medida da pena Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar, o que constitui, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias “o procedimento através do qual o Juiz fixa a espécie e a medida da pena cabidas no caso concreto” (in Direito Penal - As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, p. 330). Neste âmbito começaremos por determinar a moldura legal ou abstracta da pena, a qual corresponde a pena de prisão de 30 dias até 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias (artigos 41º, n.º 1, 47º, n.º 1, do Código Penal e 365º, n.º 1, do citado diploma legal). No que concerne à escolha da pena, uma vez que ao crime são aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena de multa, fornece-nos o art. 70º do Código Penal o critério de escolha da pena, de acordo com o qual o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, indicando-nos o art. 40º do citado Código a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) como finalidades das penas e medidas de segurança. Como bem ensina o Prof. Figueiredo Dias na obra supra citada, a páginas 331, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa...”. É clara a opção presente no actual art. 70.º do Código Penal pela pena não privativa da liberdade, o que significa que o Tribunal deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de ressocialização, no caso concreto, e deve preteri-la na hipótese inversa. Na situação presente, que reveste gravidade, ponderadas as circunstâncias relevantes para se proceder à escolha da pena, o que passa necessariamente por um juízo de prognose quanto às exigências de prevenção geral (de protecção dos bens juridicamente protegidos pela norma) e de prevenção especial (de reinserção social do arguido), entende o Tribunal que, as necessidades de prevenção geral são significativas e que se impõe demonstrar à sociedade que práticas como a do arguido são severamente punidas, por outro lado, temos também o facto do arguido contar com cinco condenações anteriores, pela prática de crimes de diversa natureza: desobediência, ofensas à integridade física, difamação, injúrias, porém, ainda que as Sentenças têm transitado em data posterior, do CRC extrai-se que os factos em causa tiveram a sua origem até 2014, o que não pode deixar de nos consuzir à ponderação do hiato temporal, entretanto, decorrido. Na verdade, como se referiu, no caso presente, as exigências de prevenção geral são significativas; no entanto, tais exigências estão já consideradas na moldura penal abstracta, exigindo-se dos Tribunais especial sensibilidade à preservação do bem jurídico colocado em causa pelo crime praticado, tendo em conta as consequências, para a pessoa falsamente acusada da prática, de um crime, e para o Estado, que coloca em andamento todo um aparelho de investigação com vista à procura da verdade e ao sancionamento dos factos imputados. Quanto às necessidades de prevenção especial, temos de ter em conta que o arguido agiu com dolo directo, a modalidade mais grave do dolo, esteve ausente no Julgamento e não mostra arrependimento face aos factos imputados, não obstante, atentas as circunstâncias supra referidas e não havendo notícia do trânsito em julgado de nenhuma decisão por factos posteriores a 2014 e a ultima decisão condenatória transitou em julgado em Janeiro de 2019, entendemos que pode ser dada uma derradeira oportunidade ao condenado, optando pela aplicação de uma pena de multa, sendo, contabilizadas todas as circunstâncias na pena a aplicar em concreto. Atentas as considerações supra expostas, entende-se que a pena de multa é idónea para assegurar a tutela dos bens jurídicos assumidos como valiosos pela sociedade e afirmar a validade e eficácia das normas jurídico-penais, aprofundando a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos, e, simultaneamente, levar o agente a conformar a sua conduta de acordo com os valores protegidos pelas normas jurídico-penais vigentes na nossa sociedade. Passando agora à determinação da medida concreta da pena, o quantum da pena de multa há-de ser fixado de acordo com os critérios genericamente acolhidos no actual art. 71º do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele, nomeadamente as previstas no n.º 2 daquele artigo. Valorando, então, os diferentes factores de determinação da pena a que se referem as alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que: a) Em sede de culpa, merece o arguido especial censura, pois actuou com dolo directo, o que é valorado negativamente (art. 14º, nº 1, do Código Penal); b) Relativamente ao grau de ilicitude, o mesmo é elevado, atendendo ao desvalor do resultado, traduzido na gravidade dos factos imputados e na dimensão das penas aplicáveis (aspecto valorado negativamente); c) No que concerne ao comportamento anterior à prática dos factos, releva desfavoravelmente a existência de antecedentes criminais e a ausência de arrependimento. d) Ainda que, no que concerne ao comportamento posterior não lhe sejam conhecidas condenações, o que teremos de valor favoravelmente. e) No que respeita às consequências do crime ou gravidade dos factos, não foi instaurado qualquer procedimento, pelo que, a danosidade da conduta ficou amenizada; Atentas todas as considerações expendidas atinentes à culpa e grau de ilicitude e, ainda, às razões de prevenção geral – que passam pela reafirmação da confiança da sociedade na vigência e aplicação das normas – e especial – relativas à reintegração do agente na sociedade, tem-se por equilibrado e justo cominar ao arguido uma pena próxima do limite máximo, pelo que, decido fixar em 300 dias de multa a pena a aplicar. Importa, agora, determinar o quantum diário da multa aplicada. A cada dia de multa corresponde uma quantia entre €5,00 e €500,00, que o Tribunal fixa, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, sem colocar em causa os mínimos de subsistência. Para a determinação do quantitativo diário a aplicar, que se situará entre €5,00 e €500,00, deverá, então, atender-se à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, sem colocar em causa os mínimos de subsistência. Sucede que, perante a ausência de elementos concretos e a impossibilidade de chegar ao arguido, que se revela, desde logo, na impossibilidade de o trazer a Julgamento, conforme consta da Certidão do Órgão de Polícia Criminal, considerando que o mínimo legal se aplica a indigentes e que não é esse o caso do arguido, não obstante, considerando que não temos elementos bastantes para nos afastarmos significativa dos limites mínimos, decido fixar o quantitativo diário em €6,00.»
Tendo presentes os critérios apontados e a argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo para aplicação da pena não detectamos qualquer falha formal ou substancial a imputar à decisão recorrida quanto à concretização da pena. O Tribunal a quo identificou a moldura penal abstracta correspondente ao tipo de crime pelo qual foi o arguido condenado, optou pela aplicação de pena não privativa da liberdade e concretizou de forma suficiente os factores relevantes que militaram a favor e contra o arguido, decidindo depois pela aplicação da pena de 300 (trezentos) dias de multa, que considerou adequada. A questão da justificação das faltas não foi objecto de recurso, pelo que se mostra definitivamente assente, nenhuma censura devendo recair sobre a avaliação realizada. De igual modo, a ponderação em desfavor do arguido dos seus antecedentes criminais é uma evidência jurídica. Não podia ser de outro modo. A opção por uma pena de multa e não uma pena de prisão representa já um juízo de ponderação que reflecte uma valoração de menor censura sobre a conduta, pelo que a fixação da pena em 300 dias de multa dentro da moldura respectiva, considerando a elevada ilicitude dos factos, o dolo directo e os antecedentes criminais, ainda que por factos mais antigos e de diferente natureza, mostra-se perfeitamente razoável, não revelando violação das regras da experiência ou manifesta desproporção da quantificação. E no que concerne ao quantitativo diário fixado (€ 6), considerando que o limite legal é de € 5 (cinco euros), que deve ser reservado aos indigentes, que não é o caso do arguido, já que dispõe de duas residências onde habita (a do TIR e outra na zona de Lisboa), não pode a taxa diária fixada ser considerada desadequada. Assim, apesar da deficiência detectada no apuramento de factos quanto às concretas condições pessoais do arguido, a mesma não determina a verificação de qualquer vício, designadamente do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, uma vez que a taxa diária foi fixada por valor incluído nos mínimos legais (entre os € 5 e os € 6), considerando aqui a margem de liberdade que não pode ser subtraída ao julgador, sob pena de aceitarmos uma tabulação destes dados, sendo aquela operação realizada de acordo com os parâmetros legais de proporcionalidade, adequação e necessidade, tendo em conta a medida da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial expressas na decisão recorrida. A este propósito, «[d]esde há muito a jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado um ponto relevante para a fixação da pena de multa e que é o de que, aplicada esta, o quantitativo fixado deve constituir um sacrifício real para o/a condenado/a sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do agregado familiar pelo qual seja responsável, o que não é o caso. E isto para que a aplicação concreta da pena de multa não represente «uma forma disfarçada de absolvição ou de uma dispensa de pena ou isenção de pena que se não tem coragem de proferir»[15]. Atente-se também que a pena de multa fixada ao recorrente pode ainda beneficiar de mecanismos de adequação, conforme resulta do disposto nos arts. 47.º, n.ºs 3 e 4, 48.º e 49.º, n.º 3, do CPenal. Assim, ao contrário do alegado, a fixação da medida concreta da pena de multa e respectiva taxa diária foi realizada de acordo com os parâmetros legais de proporcionalidade, adequação e necessidade, tendo em conta a medida da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial expressas na decisão recorrida. Improcede, igualmente, este segmento do recurso. * III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em: a) - Não reconhecer verificada a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPPenal; e b) - Negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se em 3,5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Notifique. |