Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
284/21.0PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: CRIME DE ROUBO SIMPLES
PERDÃO DA LEI N.º 38-A/2023 (JMJ)
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RP20240508284/21.0PJPRT.P1
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A condenação pelo crime de roubo na sua forma simples (previsto no nº1 do art. 210º do Cód. Penal) não se mostra excluída da aplicabilidade do perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 284/21.0PJPRT.P1

Tribunal de origem: Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 9 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto :

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) nº 284/21.0PJPRT que corre termos no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 9, em 12/09/2023 foi proferida Acórdão, cujo dispositivo é do seguinte teor :

«III. Decisão.

Pelo exposto, decide o Tribunal Coletivo.

a. Condenar o arguido AA pela prática em coautoria de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses e prisão efetiva;

b. Condenar o arguido BB pela prática em coautoria de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva, absolvendo-o da sua prática como reincidente;

c. Julgar totalmente procedente, por totalmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar ... E.P.E. e, em consequência,

d. condenar solidariamente os demandados AA e BB a pagar ao demandante a quantia global de €2 979,64 (dois mil novecentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos) acrescida de juros à taxa legal desde a notificação até efetivo e integral pagamento.

e. Condenar cada um dos arguidos nas custas da parte criminal taxa de justiça individual que se fixa em 2 (duas) unidades de conta e nos encargos que a sua atividade tiver dado lugar, se prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozem;

f. Condenar os mesmos demandados nas custas da parte civil.. »

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 12/10/2023, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões :

1 - O PRESENTE RECURSO TEM POR OBJECTO:

a) Incorrecta inaplicabilidade do perdão da pena de prisão ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto;

b) Substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da pena de prisão.

2 – O arguido AA foi condenado pela prática em coautoria de um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 do C. Penal na pena de 2 anos e 10 meses e prisão efetiva.

3 – No recurso, sinalizou-se a facticidade que o tribunal a quo deu como provada, bem como a pertinente motivação (que aqui se consideram descritas).

ENQUADRAMENTO TEÓRICO-JURÍDICO e SUBSUNÇÃO JURÍDICA

4 – O arguido acolhe totalmente, por se mostrar acertada, a exposição feita no Acórdão relativamente ao quadro jurídico do crime de roubo e à subsunção jurídica operada.

MEDIDA DA PENA

5 – O arguido também aceita, sem nenhuma controvérsia, a pena que concretamente lhe foi aplicada, sem prejuízo de lhe ser perdoado 1 ano de prisão, nos termos do art.º 3º da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8.

6 – É de rejeitar a aplicação automática da proclamação das vítimas de casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta como sendo sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis. (Pela sua prestabilidade, citou-se o Ac. do STJ de 3/6/2020, no Proc. n.º 1267/18.3 JABRG.S1, in www.dgsi.pt)

7 – O Tribunal a quo realizou um juízo acrítico acerca de o ofendido se tratar de vítima especialmente vulnerável para os efeitos do art.º 67.º-A do CPP, afastando, ilegitimamente, a aplicação do perdão que se pretende e que tem justificação legal.

8 – Se o Tribunal a quo realizasse essa ponderação, certamente concluiria que, atendendo ao circunstancialismo dado como provado, não redundaria na qualificação que o mesmo realizou, apenas tendo em consideração o tipo de ilícito em causa – roubo simples.

9 – A natureza do diploma em causa exige uma interpretação linear e objectiva, norteada pelo princípio de que o legislador previu expressamente todas as situações em que, de forma clara, quis abranger, ou excluir, relativamente ao perdão de pena de prisão, sob pena de violação do princípio da igualdade.

10 – Nos termos do art.º 7.º, b) i), o legislador expressamente excluiu o crime de roubo agravado, p. e. p. pelo art.º 210.º, n.º 2 do Código Penal, não incluindo o crime em causa nos presentes autos, qual seja, o crime de roubo simples.

11 – Pode, então, concluir-se, com solidez, que, em vista da condenação irrogada, correspondente a 2 anos e 10 meses de prisão efetiva, o Tribunal a quo devia ter declarado perdoado 1 ano de prisão, à sobredita pena aplicada ao arguido – não o tendo feito, infringiu o estabelecido nos artigos 3.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, alíneas b) i), a contrario, e g), da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA.

12 – Sem preuízo do vazado em 5, é no reduto da não aplicação do instituto da suspensão da execução da pena que se estriba a superlativa assimetria do arguido pelo tocante ao Acórdão prolatado, que, nesse segmento, se conforma desarrazoado e pouco judicioso.

13 – Foi transcrita a fundamentação do Tribunal a quo , no perímetro da aplicação, ou não, do instituto da suspensão da execução da pena.

14 – O arguido entende que a decisão do Tribunal devia ter sido diferente, id est, diante da pena aplicada, devia ter determinado a suspensão da execução da pena de prisão (na motivação do recurso, foi feito um excurso teórico relativamente às penas substitutivas e, mais concretamente, à suspensão da execução da pena).

15 – No caso sub examine, apesar da relevância dos factos cometidos pelo arguido, impende, todavia, objetar o seguinte:

a) Os factos em causa nos presentes autos remontam a 28/4/2021.

b) Os factos aqui em comento, no universo do crime de roubo, transverberam uma intensidade mediana, sendo ainda certo que o valor da apropriação se consubstancia inteiramente diminuto, que os bens foram, de imediato, recuperados, conquanto o tenham sido por razões alheias à vontade dos arguidos, e que a apontada recuperação, no plano patrimonial, adquire inequívoca relevância para a pacificação dos interesses – vale o relatado por dizer que a ilicitude se mostra igualmente medial.

c) De outra parte, o arguido mostra-se inserido económica, social, profissional e familiarmente, importando salientar que desde 4/1/2022 exerce funções como “Técnico de Montagem” na empresa “A..., Lda.”, da qual o seu irmão é sócio-gerente, tendo uma prestação laboral adequada e empenhada.

d) Acresce que o arguido tem uma problemática associada ao consumo de álcool – trata-se de materialidade que emerge do facto 24 e 25. No entanto, igualmente se extrai do facto 24 que se encontra pendente o cumprimento por parte do arguido de uma pena de prisão de 1 ano e 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, encontrando-se em acompanhamento por parte da DGRS, tendente a afastá-lo do cometimento de novos crimes e eventual tratamento do alcoolismo.

Por não ser de somenos importância, urge ainda ressaltar que a sentença proferida no Processo a que se alude no Ponto 24 da factualidade dada como provada transitou em julgado em 29/11/2021, tendo aí sido efectuado um juízo de prognose favorável ao arguido em relação a parte da temática do presente recurso, a que acresce a particularidade de os factos dos presentes autos (atinentes a 28/4/2021) serem anteriores a tal decisão, mantendo-se válidas as razões tecidas para subscrever o indigitado juízo de prognose!

e) Convém agora enfatizar que, no âmbito do relatório social do arguido – que foi valorizado pelo Tribunal, note-se –, no item conclusão, se assinalou o seguinte: “No presente, em acompanhamento desta equipa da DGRSP, em sede de suspensão de execução de pena, AA tem se adequado ao cumprimento do estabelecido, à exceção do acompanhamento no âmbito da problemática alcoólica, componente que importa avaliar/retomar.

Assim, na eventualidade de condenação, consideramos, em eventual ponderação de medida de execução na comunidade, que a mesma seja enquadrada da conformação dos seus comportamentos à legalidade penal, para o que releva a sujeição do mesmo a avaliação/tratamento à problemática alcoólica.”

À vista do exposto, o arguido deve ser encarado, sobretudo, como alguém que carece de assistência médica, devendo ser objeto de tratamento por sua causa e também pela proteção devida aos restantes cidadãos – nessa envolvência, impõe-se que o sistema formal da justiça se caracterize, igualmente, como um meio de persuasão no sentido de o exortar/incentivar ao tratamento. O arguido deve, portanto, desenvolver um tratamento de desintoxicação intensivo em instituição adequada (para o qual dá o pertinente consentimento).

f) Insta ainda sobrelevar que o Tribunal a quo, no seu arrazoado, sinalizou, como constituinte desfavorável, “[…] que no âmbito da pena suspensa que se encontra a cumprir tem revelado dificuldades no cumprimento do plano estabelecido, como aliás já antes tinha ocorrido relativamente à condenação em penas de substituição”.

Ora, neste apartado, o arguido, na fração nuclear, “tem-se adequado ao cumprimento do estabelecido”. De outro lado, a especificidade de o arguido se ter adaptado menos positivamente ao desejado afastamento do consumo de álcool, não significa que a situação não possa ainda ser revertida, com inteiro êxito, no apontado processo, sendo certo, destaque-se, que o período da suspensão da execução da pena, aí determinado, termina somente em 29/11/2024. Ajunte-se que a avaliação acerca de algum desvio na observância do plano estabelecido (cuja referência, incumbe não preterir, surge aqui de forma supinamente genérica) e da sua ressonância na suspensão da execução da pena, está apenas outorgada ao juiz do processo pertinente.

Não é igualmente ocioso balizar que não consta dos factos provados que o arguido tenha evidenciado dificuldades no cumprimento da outra pena de substituição (e não outras penas) em que que foi condenado anteriormente – cf. o facto 42. c, do qual apenas se extrata que o arguido cumpriu 39 horas de trabalho e procedeu ao pagamento do remanescente da pena. Ou seja: ignora-se o motivo determinante de a extinção da pena se ter operado, simultaneamente, pelo cumprimento de horas de trabalho e pelo pagamento da pena de multa restante.

g) O Tribunal a quo agregou também negativamente o seguinte: “[…] O que aliado à circunstância de até hoje não ter revelado qualquer interiorização da ilicitude dos factos - o que se extrai – insiste-se - da falta de confissão e consequentemente falta de arrependimento - se apresenta inequivocamente revelador de uma personalidade pouco sensível aos valores protegidos pelas normas penais em causa e avessa às respetivas sanções”

Na perspetiva do arguido, trata-se de uma conclusão algo abusiva e temerária por banda do Tribunal. Em verdade, o arguido, apesar de não ter assumido a prática dos factos nos exatos termos definidos no Acórdão, confessou parcialmente os factos. De outra sorte, o arguido pode adotar a estratégia processual que entender mais conveniente para a sua defesa (a qual é definida, na quase totalidade das situações, pelo seu mandatário ou defensor), sendo ainda certo que não tem um dever de colaboração para a descoberta da verdade, se tal redundar em seu prejuízo, e tem o direito de não contribuir para sua própria incriminação.

Posto isso, se a assunção dos factos e o arrependimento devem ser valorizados positivamente, já a não confissão dos factos (ou a sua não confissão total) não deve ser ponderada em termos negativos.

h) Conforme se extrai do facto 19 dado como provado o arguido organiza o seu tempo em torno das suas responsabilidades profissionais, no convívio com a sua namorada e com os restantes familiares e na prática desportiva com amigos.

i) Ad ultimum, e sem prejuízo do referido em d), os antecedentes criminais do arguido, não obstante a sua relevância, não requisitam, de forma terminante, uma condenação em prisão efetiva. Neste tópico, compete sobrelevar, com préstimo, o seguinte:

1) – todas as condenações respeitam a crimes cuja natureza se representa alheia à do crime dos autos, sendo ademais certo que se encontram todas extintas, com excepção da última;

2) – o arguido nunca foi condenado a uma pena de prisão efetiva; e

3) – existe uma relação de concurso – e não de sucessão – entre as penas aplicadas nos presentes autos e no citado Processo n.º 778/20.5PAMA.

16 – Foi ainda citada a anotação feita no âmbito do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2006.

17 – A estabilização das expectativas comunitárias e a ressocialização do arguido não expostulam a aplicação de uma pena de prisão efetiva, pois articulam-se, antes, com a concessão da uma oportunidade de ressocialização em liberdade.

18 – O sentimento comunitário (de reprovação, é certo, mas não de expunção de uma pena não detentiva) e o desvalor do facto, de amplitude mediana, ensejam, de facto, a plena aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.

19 – As finalidades de punição ficam inteiramente acauteladas com a aplicação de uma pena de prisão, suspensa na atinente execução e condicionada a regras de condutas e a um exigente regime de prova.

20 – A execução de uma pena de prisão efetiva representaria uma preterição absoluta das expectativas de ressocialização do arguido, colidindo com as exigências de prevenção geral e especial.

21 – O propósito da estabilização das expectativas comunitárias que as penas pretendem salvaguardar, e os princípios ordenadores dos fins das penas, maiormente no quadrante reintegrador do agente, ficariam, assim, turbados pela punição excessiva, correspondente à prisão efetiva de um arguido perfeitamente integrado em termos sociais, familiares e profissionais e que carece de intervenção médica.

22 – A prisão efetiva consubstanciaria uma violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, pois que seria manifestamente desproporcionada em relação aos fins de prevenção especial e geral, requeridos pelo caso concreto.

23 – As considerações de prevenção especial de socialização recomendam, pois, a suspensão da execução da pena de prisão.

24 – Atenta a justaposição de tais especificidades, mostra-se bastante a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da delinquência e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção, geral e especial, do crime. Por tal motivo, a execução da pena de prisão aplicada ao arguido deverá ser suspensa, na sua execução, pelo período de 2 anos e 10 meses, com sujeição a apertadas regras de conduta e a um estreito regime de prova, sem prejuízo de lhe ser perdoado 1 ano ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8.

25 – O Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, violou o estabelecido nos artigos 50.º, n.os 1-5, 52.º e 53.º, todos do Código Penal, 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 3.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, alíneas b) i), a contrario, e g), da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8.

Igualmente não se conformando com a decisão, dela recorreu, também em 12/10/2023, o arguido BB, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1 – Vem o presente recurso da decisão proferida em 12/109/2023 pelo Tribunal a quo, que condenou o Arguido, ora Recorrente, na pena de 3 anos de prisão efetiva, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do CP;

2 – A decisão em questão condenou, ainda, o Recorrente no pagamento da quantia de €2.979,64, solidariamente com o co -Arguido AA;

3 – Não se conforma o Recorrente com a sentença em questão, que entende inquinada por erro, desde logo no que respeita à concreta medida da pena aplicada, bem como quanto à decisão de não suspensão da pena;

4 – Fundou o Tribunal a quo a decisão de condenação em pena de prisão de três anos, em súmula, na alegada intensidade forte do dolo, em especiais exigências de prevenção geral positiva, no concreto modo de execução do facto, em especial, alegada violência do mesmo, nos antecedentes criminais do Recorrente e na alegada ausência de arrependimento do mesmo;

5 – Fundamentou, ainda, o douto Tribunal a quo a decisão de não suspensão da pena de prisão aplicada, de forma resumida, na ideia de que a simples censura do facto e ameaça de prisão não se revelavam suficientes para realizar as finalidades de punição, inviabilizando a possibilidade de formação de um juízo de prognose póstuma favorável;

6 – É entendimento do Recorrente que a sentença proferida resulta de uma incorreta ou insuficiente ponderação do circunstancialismo dado como provado, de onde resulta aplicação de pena excessiva em face do art. 71.º do Código Penal;

7 –O mesmo se dirá quanto à decisão de não suspensão da pena de prisão, sendo, assim, violada a previsão do art. 50.º do Código Penal;

8 – Não ocorrendo tal erro, sempre seria forçoso que fosse proferida sentença condenatória distinta, que condenasse em medida inferior, e que viesse a suspender a execução da pena aplicada;

9 – A aplicação de qualquer pena em processo crime visa um critério dúplice: proteção de bens jurídicos e reintegração do agente - ac. do STJ de 11/02/2021 (proc. n.º 762/19.1GBAGD.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt;

10 – A pena não assume no nosso ordenamento jurídico cariz retributivo, vindicativo ou intimidatório do agente – ac. do STJ de 11/02/2010 (proc. n.º 23/09.4GCLLE.S1), igualmente disponível em www.dgsi.pt;

11 – A finalidade essencial da pena é a vertente positiva de prevenção geral, dirigida aos cidadãos e não ao agente - vide, novamente, o citado acórdão do STJ de 11/02/2010;

12 – Na determinação da medida concreta da pena devem ser consideradas as circunstâncias não integradas no tipo criminal violado que deponham contra ou a favor do arguido – art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal;

13 – Dentro da moldura abstrata do tipo será encontrada a medida concreta, ponderadas, em especial, as necessidades de prevenção especial verificadas – por todos, ac. do STJ de 23/09/2010 (proc. n.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1);

14 – Não valorou de forma correta o Tribunal a quo o facto de as lesões sofridas pelo Ofendido não se revelarem causa de desfiguração, não afectando a capacidade de trabalho geral ou profissional do mesmo – facto n.º 7 da matéria de facto dada como provada;

15 – Não foi igualmente valorado de forma correta o facto de os bens subtraídos terem sido integralmente recuperados, bem como o facto de os mesmos assumirem reduzido valor venal (cerca de €50,00) – facto n.º 3 da matéria de facto dada como provada;

16 – A correta valoração de tal facto levaria, forçosamente, a concluir pela não verificação de uma especial intensidade do fenómeno criminogéneo, ou do dolo da conduta praticada pelo Recorrente;

17 – O reduzido valor dos bens já indicados nunca poderia ser considerado uma agravante da conduta do Recorrente, já que tal implicaria atribuir ao mesmo um conhecimento prévio dos pertences de que o Ofendido fosse possuidor no momento, o que em momento algum foi provado ou sequer alegado;

18 – Não valorou o Tribunal a quo com a devida ponderação o facto de todas as penas aplicadas anteriormente ao Recorrente, com excepção daquela que cumpre no presente, terem sido sempre penas de multa, já extintas por cumprimento integral daquelas – al. a) e b) do facto n.º 43.º da factualidade dada como provada;

19 – Tal facto revela prova da interiorização do desvalor da conduta passada pelo Recorrente, aceitando pacificamente e cumprindo, aceitando a sanção aplicada, de onde sempre decorrerá um diminuir das necessidades de prevenção especial;

20 – A pena de prisão que o Recorrente se encontra a cumprir, no presente, no âmbito do proc. n.º 582/18.0PAMAI, não corresponde a pena de prisão efetiva, mas sim a pena de prisão substituída na sua execução, entretanto revogada – al. c) do facto 43.º da matéria de facto dada como provada;

21 – A factualidade indicada comprova que todos os contactos do Recorrente com o sistema judicial, que nem sequer foram extensos, permitiram sempre um juízo de favorabilidade que afastou a aplicação de pena de prisão efetiva;

22 – Tal permite concluir, de forma hialina, pela não verificação de especiais exigências de prevenção especial, o que deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo, influindo na medida concreta da pena;

23 – Entende-se, igualmente, não ter o Tribunal a quo valorado devidamente, ou com a correção devida, as informações respeitantes às condições sócio - económicas, pessoais e familiares do Recorrente – factos n.º 26 a 41 da matéria de facto dada como provada;

24 – Não valorou devidamente o Tribunal a quo esta mesma factualidade, desde logo no que respeita à consciência crítica do Recorrente quanto à sua conduta, e interiorização da mesma;

25 – Não foi, igualmente, valorada informação constante do relatório social, que ruma no mesmo sentido; possuidor no momento, o que em momento algum foi provado ou sequer alegado;

18 – Não valorou o Tribunal a quo com a devida ponderação o facto de todas as penas aplicadas anteriormente ao Recorrente, com excepção daquela que cumpre no presente, terem sido sempre penas de multa, já extintas por cumprimento integral daquelas – al. a) e b) do facto n.º 43.º da factualidade dada como provada;

19 – Tal facto revela prova da interiorização do desvalor da conduta passada pelo Recorrente, aceitando pacificamente e cumprindo, aceitando a sanção aplicada, de onde sempre decorrerá um diminuir das necessidades de prevenção especial;

20 – A pena de prisão que o Recorrente se encontra a cumprir, no presente, no âmbito do proc. n.º 582/18.0PAMAI, não corresponde a pena de prisão efetiva, mas sim a pena de prisão substituída na sua execução, entretanto revogada – al. c) do facto 43.º da matéria de facto dada como provada;

21 – A factualidade indicada comprova que todos os contactos do Recorrente com o sistema judicial, que nem sequer foram extensos, permitiram sempre um juízo de favorabilidade que afastou a aplicação de pena de prisão efetiva;

22 – Tal permite concluir, de forma hialina, pela não verificação de especiais exigências de prevenção especial, o que deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo, influindo na medida concreta da pena;

23 – Entende-se, igualmente, não ter o Tribunal a quo valorado devidamente, ou com a correção devida, as informações respeitantes às condições sócio - económicas, pessoais e familiares do Recorrente – factos n.º 26 a 41 da matéria de facto dada como provada;

24 – Não valorou devidamente o Tribunal a quo esta mesma factualidade, desde logo no que respeita à consciência crítica do Recorrente quanto à sua conduta, e interiorização da mesma;

25 – Não foi, igualmente, valorada informação constante do relatório social, que ruma no mesmo sentido;

26 - O Recorrente possui todas as necessárias condições pessoais, sociais e económicas que lhe permitem, expectavelmente, uma correta e positiva integração na sociedade;

27 – O Recorrente não é, por forma alguma, delinquente reiterado, sem julgamento crítico sobre a sua conduta, ou ausência de intenção de reformar a mesma;

28 – O relatório social elaborado dá nota da efetiva capacidade do Recorrente de compreender a sua conduta criminal, consequências da mesma e danos desta decorrentes;

29 – No limite, as eventuais necessidades de prevenção especial nunca seriam suficientes para justificar a aplicação de uma pena de prisão correspondente ao triplo da pena mais gravosa aplicada ao Recorrente;

30 – O Tribunal a quo não considerou devidamente, como fator de relevância, a idade atual do Recorrente (27 anos), facto que não aponta no sentido da aplicação de pena de prisão extensa;

31 – É aceite que a pena de prisão efetiva assume muitas vezes, em condenados jovens, não resultando, muitas vezes, no sentido da correção de comportamentos;

32 – É igualmente aceite que a pena de prisão efetiva acarreta muitas vezes estigma social, que dificulta a reintegração do agente, especialmente no que respeita a condenados jovens;

33 – A correta ponderação de tal fator conduziria o Tribunal a quo na aplicação de medida concreta de pena próxima do seu limite mínimo, o que não ocorreu;

34 – Não foi igualmente considerado pelo Tribunal a quo que a aplicação de pena de prisão efetiva de três anos acarretaria um agravamento desproporcional para o Recorrente;

35 – Tal pena sempre impediria o Recorrente de acompanhar o crescimento da sua filha, no presente com quatro anos, perdendo grande parte da sua infância, e dificultando uma correta vinculação com a mesma ;

36 – Tal pena implicaria, igualmente, a impossibilidade de o Recorrente desenvolver, juntamente com a sua companheira, projeto familiar estável e afetivo, que permita e contribua para a sua ressocialização;

37 – A não consideração de tal factualidade, refletida na medida da pena aplicada, viola o princípio da proporcionalidade ínsito no n.º 2 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa;

38 - Afigura-se como correta, proporcional, e de acordo com as necessidades de prevenção geral e especial a aplicação de pena de prisão nunca superior a dois anos;

39 – Ainda que o Tribunal a quo tivesse, desde logo, fixado a pena aplicada no quantitativo indicado, sempre ainda assim forçoso discordar da sentença proferida, em virtude da não suspensão da execução da pena de prisão aplicada;

40 – O art. 50.º do Código Penal prevê um pressuposto formal e um pressuposto material para efeitos de decisão quanto à suspensão da execução da pena de prisão – vide o ac. da Relação de Lisboa de 09/02/2023 (proc. n.º 80/21.5PCLRS.L1-9);

41 – Entende o Recorrente que, no caso concreto, se encontravam reunidas todas as necessárias condições para que fosse determinada pelo Tribunal a quo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada;

42 – Desde logo, encontrava-se inegavelmente cumprido o requisito formal – condenação em pena de prisão não superior a cinco anos;

43 – Na visão do Recorrente, toda a factualidade anteriormente exposta – conclusões 15 a 37- configura, igualmente, preenchimento do requisito material, sendo possível a formação de juízo de prognos e póstuma favorável quanto à suficiência da ameaça da pena de prisão para cumprimento das necessidades de prevenção, geral e especial;

44 – Quer a pena concretamente aplicada, quer a decisão de suspensão radicam, em suma, no mesmo erro de base – incorreta valoração e apreciação de pontos concretos da matéria de facto dada como provada;

45 – Tal erro, a não se ter verificado, sempre resultaria na aplicação de pena de prisão nunca superior a dois anos, suspensa na sua execução, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, nos termos do n.º 2 do art. 50.º do Código Penal;

46 – A suspensão da execução da pena de prisão aplicada deverá sempre verificar-se, no caso concreto, mesmo que venha a ser considerado como isento de censura a pena aplicada pelo Tribunal a quo.

Os recursos foram admitidos.

Aos recursos respondeu o Ministério Público em primeira instância, concluindo da seguinte forma com relação a ambos os recorrentes:

1. Não deverá ser-lhes aplicado o perdão previsto na Lei nº38-A/2023, de 2 de agosto, porquanto no caso estamos perante a exceção a que se reporta o art. 7º, al. g) da mesma lei, as vitimas e roubo, mesmo simples, são sempre vítimas especialmente vulneráveis, integrando o tipo de ilícito o conceito de criminalidade violenta (art. 1º, al. l) do C. P. Penal.…”;

2. Face ao seu recente passado criminal, não deverá ser aplicada qualquer pena de substituição em relação ao arguido AA;

3. A concreta pena encontrada em relação ao aqui outro co–arguido BB, obedeceu ao estrito critério legal previsto no artigo 71º do Código Penal pelo que nada criticar, devendo, antes, concluir-se que a pena imposta, de 3 anos de prisão, dentro da moldura penal abstrata – de 1 a 8 anos de prisão se poderá considerar próxima do seu limite mínimo;

4. Tal como e em relação à pretendida pena de substituição, a qual não será passível face a todo o seu passado criminal e conforme resulta do seu cadastro.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso, referenciando « Concorda-se com as alegações constantes da Resposta ao recurso».

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada vindo a ser acrescentado no processo.


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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.


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II. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:

1. saber se é desadequada, por excessiva, a concreta pena de prisão aplicada ao arguido BB;

2. saber se deve ser suspensa a pena de prisão em que cada um dos arguidos AA e BB se mostra condenado;

3. saber se deve ser aplicada a medida de perdão prevista na Lei 38–A/2023.


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Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:

«II. Fundamentação.

1. Factos provados com relevo para a decisão.

1. No dia 28/04/2021, em hora não concretamente determinada, mas antes das 4h e 20 m, os arguidos AA e BB quando circulavam apeados no Campo ..., ..., na aérea desta cidade e comarca, abordaram CC e mencionaram “dá-nos tudo o que tens”.

2. O ofendido mediante tais palavras resistiu opondo-se à ação dos arguidos que o agrediram fisicamente, desferindo-lhe vários socos e pontapés pelas diversas partes do corpo.

3. De seguida projetaram-no para o chão tendo-lhe desferido socos e pontapés e quando o ofendido se encontrava prostrado retiraram-lhe os seguintes objetos:

- Um telemóvel da marca e modelo “Samsung ...”, no valor de pelo menos €50;

- Um molho de chaves com um porta chaves de cor preta;

- Um cartão de cidadão de identificação do ofendido;

-Um cartão de debito do Banco 1..., de conta bancaria do ofendido.

4. Já quando o ofendido se preparava para fugir o arguido BB desferiu-lhe um pontapé na face.

5. Com a conduta descrita, os arguidos provocaram dores e ferimentos no ofendido CC e estes também dor corporal;

6. E causaram-lhe lesões no ofendido que determinaram 33 dias de consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral (de pelo menos 33 dias, dos quais os primeiros 3 foram de afetação grave, necessitando de internamento, hospitalar) e com afetação da capacidade de trabalho de formação durante 12 dias.

7. Do evento resultaram ainda para o ofendido as seguintes sequelas, calos ósseos das fraturas da mandibula, dos ossos próprios do nariz e da maxila à direita, e queixas dolorosas, as quais não desfiguram o ofendido nem afetam a capacidade de trabalho geral ou profissional.

8. Os arguidos atuaram com o intuito concretizado de se apropriar dos bens supra descritos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade do seu proprietário, constrangendo-o a entregar-lhe os bens, através da violência extrema, colocando-o na impossibilidade de resistir.

9. Sabiam ainda os arguidos que o comportamento violento descrito, perante o ofendido/vitima CC era de superioridade numérica e de força, pois bem sabiam que o colocavam numa impossibilidade de resistir.

10. Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada, mediante um plano previamente elaborado, bem sabendo que as condutas que protagonizaram são proibidas e punidas por lei como crime.

Mais se provou:

11. O arguido AA à data dos factos, assim como hoje em dia, integra agregado familiar composto pelo progenitor e companheira daquele (progenitora faleceu quando o arguido detinha 4 anos de idade).

12. Este agregado reside em habitação social, de tipo 3, arrendada, situada na freguesia ..., concelho da Maia, sendo descrita uma dinâmica familiar equilibrada.

13. A nível escolar, AA completou o 10º ano de escolaridade, em regime de ensino profissional, no curso de logística e armazém, tendo abandonado o sistema de ensino pelos 18 anos de idade, para iniciar atividade laboral.

14. A nível profissional, à data dos factos, o arguido era jardineiro, sem vínculo contratual, auferindo 40€ (quarenta euros) diários;

15. Desde 04/01/2022, exerce funções como “Técnico de Montagem” na empresa “A..., Lda”, situada em ..., na qual o irmão, DD, desempenha funções como sócio-gerente, sendo descrita uma prestação laboral adequada e empenhada por parte do arguido.

16. O irmão assume um papel preponderante na estabilidade laboral do arguido, apoiando-o nas deslocações de casa para o local de trabalho e vice-versa.

17. Como rendimentos, o agregado beneficia de 785€ (setecentos e oitenta e cinco euros) referentes ao salário mensal, com os quais comparticipa com 100€ (cem euros) mensais nas despesas do agregado.

18. Como encargos fixos mensais, apresenta o gasto de 30€ (trinta euros) relativos a custas do tribunal e 50€ (cinquenta euros) relativos à prestação de um crédito pessoal.

19. AA organiza o seu tempo em torno das suas responsabilidades profissionais, no convívio com a sua namorada e com os restantes familiares e na prática desportiva com amigos.

20. AA verbaliza que atualmente não detém consumos problemáticos de bebidas alcoólicos, enquadrando este comportamento abusivo no passado.

21. Neste âmbito, em sede de plano de reinserção social no processo nº 778/20.5PAMAI, é acompanhado pela Unidade de Alcoologia ..., tendo demonstrado até ao momento uma fraca adesão.

22. AA expressa preocupação face à resolução do presente processo, nomeadamente com as possíveis consequências que podem advir do mesmo, ressalvando o seu favorável enquadramento laboral atual.

23. A nível familiar, o arguido mantém apoio desta, que assume uma posição de preocupação face ao seu envolvimento no presente processo.

24. No presente, encontra-se em acompanhamento nesta equipa da DGRSP, em sede de suspensão de execução de pena, no âmbito do processo nº 778/20.5PAMAI, por condenação pelo crime de violência doméstica, na pena de prisão de 1 ano e 8 meses, suspensa por 3 anos, subordinada ao dever de se abster de contactar a ofendida; acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico, direcionado a prevenir o cometimento de futuros factos de natureza semelhante e eventual tratamento da problemática alcoólica.

25. Neste enquadramento, AA tem se adequado ao cumprimento do estabelecido, à exceção do acompanhamento no âmbito da problemática alcoólica.


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26. O percurso de vida de BB decorreu junto ao agregado de origem, constituído pelos pais e uma irmã mais velha, com situação económica suportada no salário dos progenitores, o pai como empregado no setor dos transportes de mercadorias, e da mãe como empregada de limpeza.

27. O ambiente familiar pautou-se, segundo o próprio, pela afetividade entre os seus, promovendo-se laços de vinculação segura e um modelo educativo, avaliado pelo arguido como adequado ao nível da supervisão e valores transmitidos.

28. BB, frequentou a escolaridade em idade própria, com conclusão do 7º ano no ensino regular, e posteriormente, do 9º ano através da frequência com aprovação do Curso Profissional de Operador de Armazém.

29. Mais tarde, através de novo curso profissional, tentou concluir o 12º ano, sem sucesso após desistência.

30. Ao longo destes anos em que frequentava a sua formação profissional, nomeadamente entre 2017 e 2019, foi desenvolvendo diversas atividades profissionais na construção civil, no setor da logística e numa empresa de fundição, quase sempre com recurso a empresas de trabalho temporário, conseguindo dessa forma, contratos de trabalho de curta duração.

31. Em 2019 mantinha uma relação de namoro com a atual companheira, da qual resultou uma filha, atualmente com 4 anos.

32. O casal viveu junto durante um curto período de 6 meses, embora fosse um objetivo a médio prazo que isso fosse definitivo, permanecendo, por isso, com exceção desse período, sempre em casa dos respetivos agregados de origem.

33. O arguido tinha nessa altura hábitos de consumos de drogas e álcool, que perceciona como facilitadores de comportamentos que configuram crime, com origem na adolescência e que eram potenciados pela convivência regular com grupo depares conotados com esse estilo de vida.

34. À data dos factos o arguido residia na morada dos autos e integrava o agregado de origem, constituído pelos progenitores, pela irmã e pela sua filha, embora neste último caso, apenas aos fins de semana.

35. Nessa data mantinha ocupação laboral na empresa de transportes “B...”, desempenhando a função de manobrador de empilhador, num dos centros logísticos dessa empresa.

36. O arguido auferia o ordenado mínimo, embora com a realização de horas extras e trabalho aos sábados, obtivesse 1000€ líquidos.

37. BB, deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 28/01/2023, à ordem do processo 582/18.0PAMAI, condenado pela prática do crime de roubo, ocorrido na via pública, na pena de 322 dias de prisão, após revogação da decisão de substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.

38. Em contexto prisional não regista qualquer sanção disciplinar e ocupação laboral e/ou formativa, relevando-se, porém, o curto período de reclusão do arguido, que possibilite desde logo a adesão a alguma atividade, já solicitada.

39. Em termos clínicos tem acompanhamento em consultas de psiquiatria.

40. Atualmente, tem visitas e apoio da progenitora, da namorada, da filha e alguns amigos.

41. A companheira prevê futuro na relação entre os dois, que chegou a terminar há dois anos, e reatada recentemente, embora condicionado à alteração comportamental do arguido.


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42. O arguido AA foi anteriormente condenado:

a. no processo comum coletivo do JC criminal de Vila do Conde – Juiz 9, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, pela prática a 08.02.2016 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº1 do C. Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5 (cinco), por decisão de 10.12.2018, transita a 22.01.2019, extinta a 03.04.2022;

b. no processo sumaríssimo nº97/19.0SGPRT, do JL de Pequena Instância Criminal do Porto, Juiz 1, desta comarca pela prática a 15.03.2019 de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º e 69º do C. Penal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, por decisão de 28.02.2020, transitada a 12.06.2020, já extinta pelo cumprimento;

c. no processo comum singular nº 36/21.8PDMAI, do JL Criminal a Maia Juiz 2, desta comarca pela prática de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º, nº1 e 2 do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro e de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a) e nº3 do C. da Estrada e 348º, nº1, al. a) e 69º, nº1 al. c) do C. Penal, na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de €5 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 meses, por decisão de 24.03.2021, transitada a 03.05.2021, substituída por trabalho, já extinta pelo cumprimento de 39 horas de trabalho e o restante pelo pagamento;

d. no proc. comum singular nº778/20.5PAMAI, do JL Criminal da Maia – Juiz 2 pela prática a 25.10.2020 de um crime de violência doméstica contra cônjuge p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. b) do C. Penal na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução por três anos subordinada ao dever de se abster de contactar com a vítima e de aceitar as regras definidas pela DGRSP com afastamento da residência da ofendida e do seu local de trabalho fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, por decisão de 12.10.2021, transitada em julgado a 29.11.2021

43. O arguido BB tem antecedentes criminais:

a. Pela prática, em 28.04.2017 de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, nº1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €800,00 por sentença proferida em 14.02.2019, no âmbito do processo nº308/17.6PAMAI do J2, do Juízo Local Criminal da Maia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, transitada a 18.03.2019, já extinta pelo cumprimento;

b. Pela prática a 06.01.2018 de cinco crimes de ameaça agravada p. e p. pelo art. 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a) e c) ambos do C. Penal na pena de 450 dias de multa à taxa diária de €5, por sentença proferida a 26.03.2019, no processo nº12/18.8PASTS, do Juízo Local do Tribunal Judicial de Santo Tirso, Comarca do Porto transitada a 06.05.2019, extinta pelo cumprimento a 19.01.2023;

c. Pela prática a 09.08.2019 de um crime de roubo (na via pública) p. e p. pelo art. 210º, nº1 do C. Penal por decisão proferida a 02.07.2019 no processo comum singular 582/18.0PAMAI, do Juízo Criminal da Maia – Juiz 1, desta comarca do Porto na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade, transitada a 20.09.2019, pena de substituição entretanto revogada encontrando-se o arguido a cumprir a pena principal de prisão.

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44. O ofendido na sequência da conduta dos arguidos descrita de 2 a 4 foi assistido no Centro Hospitalar ... E.P. E. a 28 de Abril de 2021 e aí esteve internado até 01 de Maio de 2021 onde recebeu cuidados e tratamentos médicos que importaram na quantia de €2 979,64 (dois mil novecentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos).

2. Factos não provados com interesse para a decisão da causa.

a) Sem prejuízo da factualidade descrita sob os pontos 1 a 4 os arguidos dirigindo-se ao ofendido CC disseram “a gente mata-te, damos-te uma facada”. »

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«3. Convicção do tribunal.

O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados com base na conjugação de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, concretamente, as declarações aí prestadas pelos arguidos em audiência; os depoimentos prestados pelas testemunhas CC, ofendido nos autos e EE, agente da PSP; o exame médico legal de fls. 50 a fls. 53 e de l de fls. 128 a fls .132; o auto de notícia fls. 1 a 2; os autos de apreensão de fls. 8 e 9; o relatório médico de fls. 84; a ficha de urgência de fls. 164 verso a 165 verso e a fatura de fls. 166.

O ofendido de forma clara e assertiva descreveu as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os factos, o modo como foi conjuntamente abordado pelos arguidos, a sua concreta atuação e pretensão desde logo por estes verbalizada de lhe ficarem com os bens que tivesse consigo e que face à sua recusa lhe desferiram socos na face, em particular o arguido BB, enquanto o arguido AA lhe dizia para fazer o que coarguido dizia, sob pena de ser pior, tendo sido este (o arguido AA) porém quem o atirou ao chão quando caiu pela primeira vez também o tendo socado e pontapeado, ainda que o primeiro haja sido quem lhe deu o pontapé final na face, ambos lhe tendo retirado o casaco, e daí os demais objetos que consigo levaram –após o que ferido procurou ajuda que logo obteve junto da testemunha EE, PSP que se encontrava junto ao Banco de Portugal.

O apontado depoimento já de si em absoluto credível revelou-se amplamente suportado pelo depoimento da identificada testemunha PSP, EE, que socorreu de imediato o ofendido, contatou a emergência médica e os colegas de piquete que com a descrição dos arguidos (que o ofendido lhe logrou fazer) poucos minutos depois os localizaram, os quais estavam na posse do telemóvel e cartão de débito subtraídos (o arguido BB) e das chaves (o arguido AA) – tudo aliás espelhado no auto de notícia e autos de apreensão descritos, numa sucessão espácio-temporal que não permite qualquer dúvida.

As lesões sofridas pelo ofendido e respetivas consequências apresentam-se amplamente descritas na aludida ficha de urgência e ainda nos relatórios médicos e exames médico legais referidos.

O atendimento e tratamento médico, que inclusivamente importou uma cirurgia maxilar-facial e os custos destes ressaltam quer dos enunciados elementos clínicos como da indicada fatura e são totalmente consentâneos com a prática médica.

O valor do telemóvel assentou desde logo no auto de exame e avaliação constante de fls. 10 realizado e subscrito pela entidade policial, em nada contendendo com tal facto a circunstância de o ofendido ter referido tratar de aparelho já antigo e de nulo valor, tanto mais que era o seu telemóvel e tinha essa finalidade.

No que respeita à intenção dos arguidos estava revela-se totalmente evidenciada na sua atuação quando é certo que usando de clara e gratuita violência e no âmbito desta lhe retiraram os objetos em questão, o que aliás também lhe verbalizaram.

Os arguidos, por seu turno (porquanto não o podiam negar face à pronta intervenção policial) confirmam a interação com o ofendido e as agressões perpetradas (ainda que o arguido AA tivesse querido cingir a sua ação à tentativa de separar o coarguido e o ofendido) sem que quisessem de qualquer modo retirar o que que que quer que fosse, assim tendo atuado porquanto o ofendido os vinha “seguindo” e pedindo insistentemente dinheiro, o que os deixou agastados, tanto mais que já tinham bebido em excesso, não logrando explicar em moldes minimamente credíveis a razão pela qual se encontravam na posse dos bens de CC, apresentando-se em absoluto avessa às mais básicas regras da normalidade a que foi aventada pelo arguido AA (alegadamente apanhou a chaves porque pensava serem do BB) antes sim consentânea com o que aquele ofendido revelou terem dito (“que lhe iam limpar a casa”).

No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, teve o tribunal em consideração, o certificado de registo criminal junto de fls. 26 a 36 verso (após o recebimento da acusação).

E quanto às condições sociais, pessoais e económicas de cada um, apuradas, atendeu o tribunal aos relatórios sociais a tal propósito elaborados.

No que concerne à factualidade não provada e respeitante à expressão usada pelos arguidos nas apontadas circunstâncias de tempo e lugar o ofendido CC não a mencionou. »

c. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso:

«b. Determinação e medida concreta da pena.

Ao crime de roubo simples, p. e p. pelos arts. 210º, nº1 do C. Penal é aplicável pena de prisão de 1 (um) ano a 8 (oito) anos.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, de acordo com o disposto no artº 71º do CP, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que ali se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.

À questão de saber de que modo e em que termos atuam a culpa e a prevenção responde o artº 40º, ao estabelecer, no nº 1, que «a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e, no nº 2, que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. A aplicação de uma pena visa acima de tudo o restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime. E tal finalidade identifica-se com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração e dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática. Há uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas que não fornece ao juiz um quantum exato de pena, pois abaixo desse ponto ótimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial. Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico) atuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial, mas, se o agente não se revelar carente de socialização, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, pg. 79 a 82).


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Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de determinação da medida concreta das penas (art. 71º, nº 2 do C.P.):

- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo direto, relativamente a ambos os arguidos;

- as exigências de prevenção geral atenta a frequência com que ocorre este tipo de crime, a qual cria nas pessoas um forte sentimento de insegurança;

- o modo de execução do facto, os arguidos ao atuarem juntos diminuíram a possibilidade de defesa do ofendido, mas sobretudo a violência exercida e espelhada nas consequências sofridas pelo o ofendido – fratura do maxilar (que importou cirurgia e internamento) que consequentemente aumentaram a gravidade da conduta ao nível da ilicitude;

- o valor dos objetos subtraídos que se por lado é diminuto simultaneamente revela a gratuitidade da conduta dos arguidos;

- a circunstância de os bens terem sido reavidos, contudo sem a colaboração dos arguidos.

- os antecedentes criminais do arguido AA, ainda que por violação de bens jurídicos diversos, ainda que também (no que tange àqueles a que implicaram o uso de violência contra as pessoas);

- os antecedentes criminais do arguido BB, para além do mais já pela prática de ilícito idêntico, no caso roubo na via pública;

- as condições pessoais dos arguidos descritas na fundamentação de facto;

- A ausência de arrependimento ou interiorização da conduta que se tem de concluir da respetiva versão apresentada e da ausência de um qualquer esforço de reparação dos danos provocados.

Assim, tendo em conta o exposto, afiguram-se adequadas as seguintes penas concretas:

- ao arguido AA a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;

-ao arguido BB a pena de 3 (três) anos de prisão;

Da reincidência.

Nos termos do nº 1 do artº 75º do C. Penal, «é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime». E o nº 2 acrescenta: «o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade».

São, assim, pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, «por si só ou sob qualquer forma de participação»; que o crime agora cometido seja um crime doloso; que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses; que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso; que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança.

Além dos aludidos pressupostos formais a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

No caso em apreço a pena anterior aplicada foi de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade. Assim sendo e apesar da revogação ulterior da pena de substituição não se tratou ab initio de uma pena efetiva pelo que não se mostra preenchido desde logo o enunciado pressuposto formal.

Pelo que se conclui pela não verificação da reincidência.


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DA NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DAS PENAS APLICADAS.

O art. 50º do C. Penal faz depender a substituição da pena de prisão até 5 anos pela suspensão da execução da pena de prisão, de esta pena de substituição realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao ilícito e as circunstâncias deste.

As referidas finalidades são sobretudo de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, reconhecido que a culpa não tem aqui qualquer papel e que também não relevam aqui finalidades de retribuição, como é consensual na doutrina e jurisprudência portuguesas, nomeadamente face à atual versão do art. 40º do C. Penal.

Significa isto, aplicado às medidas de substituição em geral e em particular à suspensão da execução da pena, que são razões de prevenção especial e geral que estão na base da opção por pena desta natureza ou pela efetividade da pena principal privativa da liberdade, sendo os casos de finalidades antinómicas presentes num dado caso concreto decididos de acordo com as necessidades de prevenção geral positiva, critério que, em abstrato, a nossa lei impõe para decidir o conflito, operando aquelas finalidades de carácter geral como um verdadeiro limite à substituição. Isto é, nas hipóteses em que a pena de substituição se mostre mais adequada à satisfação de necessidades de prevenção especial, mas a tal se oponha a perspetiva da prevenção geral ou de defesa do ordenamento jurídico, “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial podia ser aconselhável (…) sendo um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral no seu grau mínimo – o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.

Que assim é, quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a  prisão” – cfr. ANABELA RODRIGUES, Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.

Descendo ao caso concreto infere-se dos factos provados que o arguido AA está neste momento social, profissional e familiarmente integrado. E sendo certo que tal se apresenta relevante na ponderação que importa agora levar a efeito, também é um facto que no âmbito da pena suspensa que se encontra a cumprir tem revelado dificuldades no cumprimento do plano estabelecido, como aliás já antes tinha ocorrido relativamente à condenação em penas de substituição. Acresce que as preocupações relativas ao desfecho do presente estão centradas na repercussão que pode ter na sua vida, inexistindo qualquer preocupação ou empatia para com a vitima. O que aliado à circunstância de até hoje não ter revelado qualquer interiorização da ilicitude dos factos - o que se extrai – insiste-se - da falta de confissão e consequentemente falta de arrependimento - se apresenta inequivocamente revelador de uma personalidade pouco sensível aos valores protegidos pelas normas penais em causa e avessa às respetivas sanções.

De igual modo o arguido BB ao logo do seu percurso criminal expresso na fundamentação de facto revelou sempre dificuldade em cumprir as penas de substituição de tal modo que a ultima condenação averbada, pela prática de um crime de roubo em prisão substituída por trabalho culminou com a revogação da pena de substituição, encontrando-se neste momento em cumprimento da pena principal de prisão. Apesar de familiarmente apoiado e do seu comportamento prisional sem registo de sanções apenas identifica prejuízos pessoais na sua reclusão atual, nenhuma preocupação demonstrando perante a vitima dos factos em apreço, compatíveis aliás com a aludida falta de interiorização e ausência de arrependimento já referidas.

Isto posto e ponderado resulta inequívoco que a simples censura do facto e a ameaça de prisão – no que tange a ambos os arguidos - não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, inviabilizando qualquer juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro antes se apresentando este claramente desfavorável, estando também a suspensão impedida por prementes exigências gerais-preventivas, mostrando-se em concreto claramente injustificada e reveladora até de indulgência e prova de fraqueza face ao crime, pelo que se conclui pela sua não aplicação.


*

Acresce que, apesar de os arguidos contarem à data da prática dos fatos menos de 30 anos e ser a pena aplicada inferior a 8 anos, não há lugar à aplicação da Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto (Perdão de Penas e Amnistia) porquanto no caso estamos perante a exceção a que se reporta o art. 7º, al. g) da mesma lei, as vitimas e roubo, mesmo simples, são sempre vítimas especialmente vulneráveis, integrando o tipo de ilícito o conceito de criminalidade violenta (art. 1º, al. l) do C. P. Penal. »

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem.

1. De saber se é desadequada, por excessiva, a concreta pena de prisão aplicada ao arguido BB.

Vem o arguido BB alegar que a pena concreta de prisão que lhe vem cominada é desajustada, porque excessiva, não tendo sido tida na devida conta as várias circunstâncias que referencia, ligadas às circunstâncias quer dos factos, quer pessoais do arguido.

Vejamos.

No exercício de escolha e concretização da pena a aplicar como consequência da prática de um crime, há a levar em linha de conta desde logo quanto estipula o art. 40º/1 do Cód. Penal, onde se previne que as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se no nº2 que a culpa do agente constitui o limite da punição concreta.

Como, por todos, se resumiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (proc. 52/14.6GTCBR.C1)[[3]], «A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos. A reintegração do agente na sociedade está ligada á prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida

O grau de exigência na protecção dos valores jurídicos que estejam em causa em determinada criminalização, deverá ser objecto de ponderação a partir de dois vectores complementares e indissociáveis : por um lado, e em termos gerais, do respectivo relevo em termos de hierarquia axiológica legal e constitucionalmente estipuladas, e por outro lado, em termos concretos, da intensidade do respectivo desrespeito em que a actuação ilícita do agente se traduziu. Trata–se de vectores que, naturalmente, já se mostram omnipresentes na própria definição a montante dos critérios de estatuição da punibilidade aplicável em cada tipo criminal, mas que mantém, agora em sede de determinação punitiva concreta, o seu relevo por via da sua devida densificação.

Quanto às necessidades de ressocialização, na avaliação do grau da respectiva necessidade haverá de se atentar na medida em que os actos do agente são um reflexo quer da sua personalidade, quer das suas circunstâncias – e, estas, quer as específicas verificadas no momento do acto, quer as relativas ao seu percurso e situação de vida –, por forma a aquilatar a medida de exigência punitiva à salvaguarda de um eficaz processo de recondução do agente à conduta de normatividade que é exigência comunitária.

Por sua vez, como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.

No caso, a primeira destas disposições irreleva, pois que o crime pelo qual o arguido vem condenado é punível apenas com pena de prisão, isto é, privativa de liberdade.

Donde, e atalhando caminho para o exercício de graduação concreta da pena aqui aplicável – que é, afinal, o cerne desta primeira questão suscitada pelo arguido/recorrente BB –, conformam tal ponderação os critérios que resultam prima facie do disposto no aludido art. 71º do Cód. Penal.

Assim, aí se estabelece que a determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido, e se revelem, assim, susceptíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242).

Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar ; ao mesmo tempo, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.

Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente

Uma nota mais, para salientar que, como resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.

Neste sentido, citem–se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/2013 (proc. 180/11.0GAVLP.P1)[[4]] onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso», o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2017 (proc. 17/16.3PAAMD.L1-9)[[5]], ou o acórdão do S.T.J. de 18/05/2022 (proc. 1537/20.0GLSNT.L1.S1)[[6]], que consigna que «A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”».

Revertendo ao caso concreto, temos, pois, que vem o arguido BB condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º/1 do Cód. Penal, ao qual corresponde uma pena de prisão a fixar entre o mínimo de 1 ano e o máximo de 8 anos.

No presente caso o arguido foi em concreto sancionado na pena de 3 anos de prisão.

Entende o recorrente que esta medida concreta da pena de prisão que lhe foi aplicada se revela excessiva, devendo ser reduzida para «perto do limite mínimo», e «nunca superior a dois anos».

Não lhe assiste razão.

Aliás, e em boa verdade, não pode deixar de começar por se referir ser desde logo funesto o augúrio quanto ao sucesso da pretensão do recorrente quando o primeiro argumento a que o seu recurso apela é o de que o tribunal a quo «Não valorou de forma correta o Tribunal a quo o facto de as lesões sofridas pelo Ofendido não se revelarem causa de desfiguração, não afectando a capacidade de trabalho geral ou profissional do mesmo – facto n.º 7 da matéria de facto dada como provada».

Efectivamente, da matéria de facto provada (que não é objecto de impugnação) apenas resulta que os dois arguidos abordaram o ofendido e lhe desferiram «vários socos e pontapés pelas diversas partes do corpo» (ponto 2.), após o que «projetaram-no para o chão tendo-lhe desferido socos e pontapés e quando o ofendido se encontrava prostrado» retiraram–lhe os seus bens (ponto 3.), sendo ainda que «Já quando o ofendido se preparava para fugir o arguido BB desferiu-lhe um pontapé na face» (ponto 4.) ; e mais se demonstra que com tal actuação os arguidos causaram no ofendido lesões «que determinaram 33 dias de consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral (de pelo menos 33 dias, dos quais os primeiros 3 foram de afetação grave, necessitando de internamento, hospitalar) e com afetação da capacidade de trabalho de formação durante 12 dias.» ; e sim, como refere o recorrente, mais resulta, em especial no que às sequelas de tais lesões diz respeito e no ponto 7. em especial referenciado, que «Do evento resultaram ainda para o ofendido as seguintes sequelas, calos ósseos das fraturas da mandibula, dos ossos próprios do nariz e da maxila à direita, e queixas dolorosas, as quais não desfiguram o ofendido nem afetam a capacidade de trabalho geral ou profissional».

Portanto, a perspectiva do recorrente sobre a gravidade da actuação do arguido é esta : dos factos resultaram as lesões e sequelas assim descritas para a pessoa do ofendido, mas não exageremos!, pelo menos este não ficou desfigurado ou afectado na sua capacidade de trabalho.

A mera circunstância de o recorrente entender que um crime de roubo, praticado em execução de um plano comum e em conjugação de esforços com outro arguido, e levado a cabo mediante violentíssimas e variadas agressões físicas contra a pessoa do ofendido causando–lhe as lesões e sequelas descritas, foi valorado excessivamente na sua gravidade porque pelo menos o ofendido não ficou desfigurado nem laboralmente afectado – não revelando compreender que tal circunstância, se algum relevo terá suscitado para o tribunal a quo, foi quanto muito o de em parte justificar a simpática pena concretamente fixada, e não a cominação de pena mais gravosa – já será, pois, indício acentuado de que no caso naufragam em absoluto os pressupostos em que deveria assentar a procedência da sua pretensão nesta parte.

Mas prossigamos.

E para assinalar que no acórdão recorrido se elencaram os elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena, e que não se devem considerar já valorados na tipificação do crime objecto de punição, impondo a leitura da decisão recorrida que o tribunal a quo teve efectivamente em atenção todas as circunstâncias agora também invocadas pelo recorrente – não o fez foi na perspectiva de constante e por isso, deve dizer–se, desadequada desvalorização com que o recorrente agora as invoca.

Assim, ali se elencam em especial:

«- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo direto, relativamente a ambos os arguidos;

- as exigências de prevenção geral atenta a frequência com que ocorre este tipo de crime, a qual cria nas pessoas um forte sentimento de insegurança;

- o modo de execução do facto, os arguidos ao atuarem juntos diminuíram a possibilidade de defesa do ofendido, mas sobretudo a violência exercida e espelhada nas consequências sofridas pelo o ofendido – fratura do maxilar (que importou cirurgia e internamento) que consequentemente aumentaram a gravidade da conduta ao nível da ilicitude;

- o valor dos objetos subtraídos que se por lado é diminuto simultaneamente revela a gratuitidade da conduta dos arguidos;

- a circunstância de os bens terem sido reavidos, contudo sem a colaboração dos arguidos.

- os antecedentes criminais do arguido AA, ainda que por violação de bens jurídicos diversos, ainda que também (no que tange àqueles a que implicaram o uso de violência contra as pessoas);

- os antecedentes criminais do arguido BB, para além do mais já pela prática de ilícito idêntico, no caso roubo na via pública;

- as condições pessoais dos arguidos descritas na fundamentação de facto;

- A ausência de arrependimento ou interiorização da conduta que se tem de concluir da respetiva versão apresentada e da ausência de um qualquer esforço de reparação dos danos provocados.»

A questão coloca–se, pois, no âmbito da concreta valoração de tais circunstâncias e no que dela resulta em termos de graduação da punição do arguido.

E, nesta perspectiva, entende–se que não podem ser acolhidos os fundamentos do recurso interposto.

Assim, pese embora o valor patrimonial diminuto de um dos bens subtraídos ao ofendido, a verdade é que, não só os arguidos se apropriaram também de outros objectos do mesmo (chaves, cartão bancário e cartão de cidadão), como também, e principalmente, os factos revelam uma gravidade objectiva tão acentuada e censurável, com directo reflexo em termos de valoração da culpa concreta, que não se vislumbra grande peso atenuativo naquela circunstância – principalmente se atentarmos que, já na posse dos bens subtraídos, o ora recorrente BB ainda desferiu um pontapé na cara do mesmo, exacerbando a gratuitidade da sua actuação.

Como, com evidente pertinência para a situação configurada nos presentes autos, se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 03/06/2020 (proc. 1267/18.3 JABRG.S1)[[7]], «O valor patrimonial da coisa móvel alheia (…) como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção, embora neste caso possa ser neutralizado pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima».

Ou seja, sendo certo que a previsão criminal do roubo visa também tutelar bens jurídicos de natureza patrimonial, assumem contudo primordial relevo aqueles de ordem pessoal que aquela pretende salvaguardar. Donde, a circunstância de ser diminuto o prejuízo patrimonial causado no caso deve ser objecto de ponderação com as devidas cautelas, à luz das demais circunstâncias do caso, do grau de culpa do agente e das exigências de prevenção que se impõem.

No que tange aos antecedentes criminais do recorrente, do mesmo passo que no recurso se faz relevar que de tais condenações o foram em penas de multa (duas) e de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade (a última), também se olvida a especialmente significativa circunstância de todas essas três anteriores condenações reportarem a crimes que tutelam bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal – um de ofensa à integridade física, cinco de ameaça agravada (estas num único processo), e a última, datada de Abril de 2019 (isto é, menos de dois anos antes dos factos dos presentes autos), precisamente também a crime de roubo.

Sendo de assinalar que, como se mostra também assente (cfr. ponto 37. da matéria de facto provada), o arguido incumpriu a pena de substituição cominada neste último caso, tendo dado entrada no Estabelecimento Prisional ... em 28/01/2023 pela prática do aludido crime de roubo, também ocorrido na via pública, após revogação da decisão de substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Pelo que resulta grandemente enfraquecida a sustentabilidade da alegação de que «estamos perante interiorização do desvalor da conduta passada pelo Recorrente (…) de onde sempre decorrerá um diminuir das necessidades de prevenção especial».

Principalmente quando se constata que o arguido surge nesta fase como como alguém que, tendo adoptado a conduta extremamente censurável que adoptou, não revela qualquer atitude de que pudesse extrair–se a interiorização em algum grau da reprovabilidade dessa mesma conduta, denotando assim uma personalidade absente de espirito critico negativo em relação àquela – assinalando–se que se a sua versão alternativa dos factos, em sede de julgamento, em nada o pode prejudicar, quer em sede de apreciação da prova, quer nesta vertente da determinação punitiva, a verdade é que, neste âmbito da determinação da medida concreta da pena, tal inviabiliza a consideração das usuais atenuantes ligadas à confissão, arrependimento ou desenvolvimento de consciência critica em relação aos actos que empreendeu.

Todas estas considerações, além de denotarem que o grau de censura incidente sobre o comportamento do arguido não se mostra inflacionado na avaliação do tribunal a quo, salientam igualmente as exigências de prevenção geral e especial.

Quanto às suas condições pessoais e sócio–económicas, a que o arguido BB também apela, assumem efectivamente reflexo positivo em seu favor os hábitos de trabalho (ainda que não estável) revelados pelo mesmo no seu percurso de vida, e a integração familiar, além da sua relativa juventude (27 anos à data dos factos).

Porém, notar–se–á que tais eram já as condições de que o arguido beneficiava à data dos factos, não sendo as mesmas que inibiram a respectiva prática.

Tal aspecto é particularmente de assinalar no que tange à especialmente alegada circunstância de a pena aplicada impedir o recorrente de acompanhar o crescimento da sua filha, no presente com quatro anos, perdendo grande parte da sua infância, e dificultando uma correcta vinculação com a mesma.

É verdade, a filha do arguido tem (à data da decisão em primeira instância) quatro anos. Ou seja, já era nascida quando o arguido cometeu os factos dos autos, não tendo sido sequer tão–pouco o risco – que o arguido já deveria ter por bem presente face às suas anteriores condenações – de perder parte da infância da mesma que obviou à decisão de os praticar. Pelo que também por esta via não se revela imponderação na determinação da pena fixada.

Para irmos concluindo, cumpre recordar que a moldura abstracta de punibilidade prevista para o crime aqui em causa, e a circunstância de na mesma apenas se estatuir a cominação de pena privativa da liberdade, logo traduz à partida estarmos em presença de especiais considerações de defesa do ordenamento jurídico e de protecção dos bens jurídicos pessoais em causa neste tipo de crime, ao que não é alheio, de forma evidente, a reconhecidamente elevada frequência como que situações similares às dos autos ocorrem, e atentas as consequências tantas vezes gravosas – por vezes fatais – que de tais ocorrências resultam para as suas vítimas.

Donde, na vertente de salvaguarda das exigências de prevenção por reporte em especial à pessoa do recorrente, contribui negativamente para a respectiva ponderação a exacerbada violência física aqui levada a cabo e as consequências da mesma, e bem assim o passado criminal do arguido, pois que já anteriormente aos factos foi condenado por ilícito da mesma exacta natureza daquele aqui praticado.

Assim sendo e tudo ponderado, tendo em atenção a moldura penal para o ilícito penal em causa, a pena de prisão concretamente aplicada de modo algum se pode considerar excessiva ou desajustada – situando–se a mesma, aliás, muito mais próxima do limite mínimo aplicável à luz daquela moldura, o que reforça a segurança de que o tribunal a quo teve em devida conta os factores acima assinalados e que militam em desfavor e em favor do arguido.

Tendo em conta a gravidade dos factos e sua correspondência nas necessidades de protecção dos bens jurídicos atingidos pelos mesmos, e o grau de censura penal incidente sobre a actuação do arguido, afigura-se que uma pena fixada em medida concreta inferior à aplicada seria uma reacção totalmente desajustada à salvaguarda das necessidades da punição aqui impostas.

Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso efectua dos fundamentos em que se estriba a determinação da pena aplicada.

Improcede, pois, esta parte do recurso do arguido BB.

2. De saber se deve ser suspensa a pena de prisão em que cada um dos arguidos AA e BB se mostra condenado.

Vêm ambos os arguidos, AA e BB, propugnar por que seja determinada, por via dos respectivos recursos, uma decisão que decrete a suspensão da pena de prisão em que cada um deles foi condenado, invocando (em apertada síntese) ser viável um juízo de prognose positivo quanto à sua reintegração social, por via dos factores ligados à sua personalidade e condições pessoais – sendo assim de concluir que a censura dos factos e a ameaça de pena ainda realizam, e com relação a cada um, de forma adequada as finalidades da punição.

Vejamos, começando por algumas considerações de ordem genérica, que enformam jurídico–penalmente a apreciação da questão assim suscitada por qualquer dos arguidos.

Já vimos que de acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.

Fixada ao agente dos factos, de acordo com os parâmetros previstos em especial nos arts. 70º e 71º do Cód. Penal, uma pena de prisão em medida concreta não superior a 5 anos, poderá a mesma ser suspensa na respectiva execução nos termos do disposto no art. 50º/1 do Cód. Penal, onde exactamente se prevê que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a suspensão da execução da pena de prisão – mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518), «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente ; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade», acrescentando «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto». Adverte ainda o mesmo Professor (ob. citada, § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa».

Conforme se pode ler no Acórdão do S.T.J. de 25-06-2003 (proc. 2131/03)[[8]], o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas».

Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização poder ter êxito sem o cumprimento efectivo daquela pena – o que significa ser necessário que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e ainda que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.

Em suma, pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, pois, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal.

Ou seja, o pensamento ressocializador não esquece a necessidade de as soluções penais serem suficientemente dissuasoras da criminalidade, impondo-se, consequentemente, que a comunidade não encare a suspensão da execução da pena como um caso de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal – para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

Donde, só quando que as exigências de prevenção fiquem asseguradas, a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução.

Isto dito, prossigamos.

2.1. Da suspensão penal propugnada pelo arguido BB.

Revertendo ao caso dos autos, constata–se que o arguido BB vem condenado, pela prática em co–autoria de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do Cód. Penal, na pena concreta de 3 anos de prisão, a qual foi determinado dever ser efectiva na sua execução, tendo–se afastado, nos termos da decisão recorrida, a aplicação do regime de suspensão da pena de prisão acima enunciado.

Vem o recorrente pleitear pela aplicação do regime em causa, requerendo dever se suspensa na respectiva execução a pena de prisão.

Argumenta que se encontram reunidas as necessárias condições para tal efeito, remetendo no essencial para os considerandos explanados a jusante do seu recurso e a propósito da pretendida redução penal, entendendo assim ser possível a formação de juízo de prognose favorável quanto à suficiência da ameaça da pena de prisão para cumprimento das necessidades de prevenção, geral e especial.

Adianta–se desde já que não assiste razão ao recorrente, à luz daquilo que se julga ser, no caso concreto, a falência dos pressupostos de que deveria depender a aplicação da suspensão de pena peticionada.

Desde logo se dirá, e começando precisamente pela remissão recursiva do arguido para os argumentos invocados a propósito da também pretendida redução punitiva, que liminarmente por tal via falece grande parte do sustento da sua alegação.

Na verdade, e como acima se decidiu, e ao contrário do ora alegado, não se julga que a decisão de não suspensão haja radicado «no mesmo erro de base – incorreta valoração e apreciação de pontos concretos da matéria de facto dada como provada», o qual, «a não se ter verificado, sempre resultaria na aplicação de pena de prisão nunca superior a dois anos, suspensa na sua execução».

Como acima se apreciou e decidiu, julga–se isenta de censura a apreciação da primeira instância incidente sobre a factualidade susceptível de consideração para determinação das consequências penais da actuação criminalmente relevante do ora recorrente BB, tando–se assim ratificado a mesma – ratificação que se estende à vertente da mesma apreciação reportada à não verificação, no caso, dos necessários pressupostos materiais da suspensão pretendida, e que, na parte que em especial se reporta ao arguido BB, se concretiza nas seguintes as considerações explanadas no Acórdão recorrido :

«[O] arguido BB ao logo do seu percurso criminal expresso na fundamentação de facto revelou sempre dificuldade em cumprir as penas de substituição de tal modo que a ultima condenação averbada, pela prática de um crime de roubo em prisão substituída por trabalho culminou com a revogação da pena de substituição, encontrando-se neste momento em cumprimento da pena principal de prisão.

Apesar de familiarmente apoiado e do seu comportamento prisional sem registo de sanções apenas identifica prejuízos pessoais na sua reclusão atual, nenhuma preocupação demonstrando perante a vitima dos factos em apreço, compatíveis aliás com a aludida falta de interiorização e ausência de arrependimento já referidas.

Isto posto e ponderado resulta inequívoco que a simples censura do facto e a ameaça de prisão – no que tange a ambos os arguidos - não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, inviabilizando qualquer juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro antes se apresentando este claramente desfavorável, estando também a suspensão impedida por prementes exigências gerais-preventivas, mostrando-se em concreto claramente injustificada e reveladora até de indulgência e prova de fraqueza face ao crime, pelo que se conclui pela sua não aplicação.»

E na verdade, começando desde logo pela ponderação daquele que já se indicou como o limite aquém do qual não é permitida a aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão, entende–se que no caso é muito elevada a necessidade de tutela dos bens jurídicos que aqui foram materialmente lesados pelo comportamento criminoso do arguido, sendo que as circunstâncias em que se desenvolveu a sua actuação – factor também preponderante nos termos do art. 50º/1 do Cód. Penal, como vimos – exacerbam não apenas o sentimento de reprovação social do crime, como também o sentimento jurídico da comunidade.

Ou seja, a gravidade da conduta do arguido, e a que já acima se aludiu em termos que aqui se dão por reproduzidos, não pode aqui deixar de ser objecto de ponderação na medida do respectivo reflexo nas exigências de prevenção geral que aqui se colocam – porque é disto que aqui agora se trata.

Assim, se, como se enunciou, é verdade que se configura como quase o irrisório o valor patrimonial subtraído por via dos factos, certo é que esse pouco relevo venal é mitigado pelas circunstâncias já assinaladas, dado que não foram primordialmente valores de ordem patrimonial que o arguido violou, mas sim valores de grande relevo pessoal e comunitário.

Ora, tal circunstância – e é isso que nesta sede cumpre realçar – coloca desde logo a fasquia da demanda de tutela da ordem jurídica e das exigências de prevenção geral, num patamar elevado.

Releva depois quanto tange à avaliação da personalidade do arguido BB, factor também preponderante na decisão aqui a adoptar.

O recorrente surge nesta fase dos autos, e considerando toda a matéria de facto tida como assente, como alguém que, tendo adoptado a conduta acentuadamente censurável que adoptou, não revelou qualquer atitude de que pudesse extrair–se a interiorização de algum grau de reprovabilidade dessa mesma conduta.

E não o fez designadamente em audiência, onde, como resulta da decisão recorrida, optou por, no exercício de um direito que lhe está processualmente garantido, não prestar declarações quanto aos factos, circunstância que, sendo embora neutra no que toca à indiciação probatória da culpabilidade ou inocência do arguido, não permite também que do seu comportamento se retire aquele aludido sinal de interiorização do mal causado, primeiro e determinante passo na avaliação do juízo de prognose quanto ao seu comportamento futuro no que tange ao cometimento de actos similares.

Notar–se–á ainda, sempre por apelo directo à matéria de facto provada em sede de acórdão recorrido, que estamos perante uma reiteração no cometimento de factos da mesma natureza por parte do arguido, já condenado, em Julho de 2019, pela prática de um crime de roubo (na via pública), em de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, medida entretanto revogada por incumprimento – registando ademais outras condenações anteriores (estas sempre em penas de multa) por crimes de ofensas à integridade física e de ameaça agravada (cinco).

Ou seja, as anteriores condenações do arguido em medidas punitivas não detentivas, e a ameaça de privação de liberdade que aquelas reacções do sistema judicial consubstanciaram, não serviram de suficiente dissuasor da reiteração criminosa do arguido, e nomeadamente por reporte, pelo menos num dos casos, a ilícito da mesma exacta natureza daquele dos autos, e que coloca, pois, em causa precisamente os mesmos valores jurídico–penais de ordem pessoal e patrimonial.

O que, tudo, não pode deixar de acentuar numa perspectiva muitíssimo desfavorável, a avaliação que se faz sobre a personalidade do arguido, que revela assim uma deficiente preparação para assumir o respeito por valores jurídicos básicos, o que inquina à partida o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro, tornando o ‘risco’ que, nesta perspectiva, sempre envolve a ponderação pelo tribunal da suspensão da pena de prisão (e ao qual a certo passo alude a decisão recorrida), num risco que não se revela de todo ‘prudente’.

Em face de um tal quadro, não assumem as circunstâncias invocadas pelo recorrente – e que, ao contrário daquilo por si alegado, foram devidamente consideradas em sede de acórdão recorrido –, e atinentes às suas actuais circunstâncias de vida, remetendo–se nesta parte para quando acima já se apreciou a tal propósito.

Ora, mesmo ponderando estas últimas circunstâncias, as finalidades da punição, ao nível da prevenção especial, resultariam goradas com a aplicação ao arguido de sanção penal não privativa da sua liberdade – além, naturalmente, do que tal traduziria no defraudar das expectativas comunitárias de reposição da ordem jurídica e da confiança nas normas violadas e no cumprimento do direito.

Os aspectos acima mencionados impõem a conclusão de que não oferece o arguido garantias suficientes de que a simples ameaça de execução da pena sejam suficientes para o afastar do cometimento de novos crimes, e, deste modo, de que seja possível formular um juízo favorável da sua adequação futura às regras de convivência sociais.

Concluindo, estamos perante a prática pelo arguido de ilícito em que a ofensa a valores jurídicos de ordem patrimonial e comunitária assumem acentuado relevo, e, como já sobejamente se assinalou, sobrepõem-se aqui muito claramente exigências de prevenção (geral e especial).

As circunstâncias da sua actuação, e a avaliação da personalidade denotada pelo arguido na mesma, assim como da sua conduta anterior aos factos e atitude perante os mesmos, traduz–se igualmente em que se devam ter por elevadas aquelas exigências, sobrepondo-se a necessidade de tutela das mesmas a qualquer prognóstico favorável que pudesse ser feito relativamente aos seus comportamentos futuros.

Donde entender–se que não se mostram reunidos aqui os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena de prisão do arguido, e que se mostram previstos no art. 50º do Cód. Penal.

Improcede, assim o recurso, mantendo–se a decisão recorrida que determinou a efectividade do cumprimento da pena de prisão em que o arguido/recorrente BB foi condenado.

2.1. Da suspensão penal propugnada pelo arguido AA.

Como se disse, também o arguido AA vem requerer por via do recurso interposto que seja decretada a suspensão da pena de 2 anos e 10 meses de prisão em que vem condenado pela prática, em co–autoria (com o arguido BB), do já aludido crime de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do Cód. Penal.

Sustenta o recorrente a sua pretensão num conjunto de circunstâncias, ligadas quer ao contexto dos factos típicos que são objecto dos autos – e cuja ocorrência não invectiva –, quer às suas condições pessoais, passado criminal e personalidade, de tudo concluindo que as finalidades de punição – maiormente no quadrante reintegrador do agente – ficam no caso inteiramente acauteladas com a aplicação de uma pena de prisão suspensa na atinente execução e condicionada a regras de condutas e a um exigente regime de prova.

Vejamos.

Desde logo se dirá, naturalmente, que também no caso do arguido AA, os termos que enformam a sua condenação preenchem os pressupostos formais que permitem a ponderação sobre a aplicabilidade do instituto alternativo da suspensão da pena de prisão, pois que vem o mesmo condenado em pena de prisão cuja medida concreta não é superior a 5 anos.

Quanto aos pressupostos materiais da propugnada suspensão, a primeira nota que cumpre deixar bem clara, e no que reporta à aqui necessária ponderação (imposta pelo art. 50º/1 do Cód. Penal) das concretas circunstâncias do crime em causa nos autos, é a de que valem relativamente à pessoa do arguido AA todos os considerandos já anteriormente explanados, quer no ponto 1., quer no ponto 2.1. da presente decisão, quanto à muito acentuada gravidade da conduta levada a cabo em conjugação de esforços e intentos também pelo ora recorrente, com inevitável negativo reflexo no grau de ilicitude que assim se revela e no juízo de censura incidente sobre o comportamento do arguido.

Dando–se, pois, tais considerandos por inteiramente reproduzidos nesta sede, vinca–se que só num quadrante assaz elevado pode ser encarada a graduação a certo passo aventada pelo recorrente de que o desvalor do facto reveste «amplitude mediana».

Tudo para dizer, pois, que no que a tal vertente respeita, não se retira aqui uma vírgula de tudo quanto ali fica já dito.

Donde, as circunstâncias já assinaladas efectivamente colocam a fasquia da demanda de tutela da ordem jurídica e das exigências de prevenção geral e especial, num patamar que não pode ser ignorado.

Sendo que, em bom rigor – é justo dizê–lo –, quanto perpassa da petição recursória do arguido AA nesta parte se mostra bem mais substanciado no apelo a circunstâncias de facto atinentes à personalidade, percurso de vida e condições sócio–pessoais do recorrente.

Seja como for, e também não pode deixar de clarificar bem este aspecto, não tendo sido assumida pelo mesmo uma postura de reconhecimento pleno dos factos em audiência, não poderá também o arguido ver valorado em seu favor, e também nesta sede, qualquer circunstância de onde se extraia um adequado reconhecimento da censurabilidade do seu comportamento, primeiro relevante passo para prognosticar favoravelmente quanto ao seu comportamento futuro.

E nesta parte, diga–se, irreleva em absoluto quanto alega o recorrente, ao referir que uma tal postura de um arguido em julgamento (de nomeadamente não confessar determinados factos) pode ser adoptada como «estratégia processual que entende[r] mais conveniente para a sua defesa (a qual é definida, na quase totalidade das situações, pelo seu mandatário ou defensor)». Assim como a responsabilidade criminal não se transmite por mandato forense, também a atitude interior do agente dos factos criminalmente relevantes relativamente aos mesmos não é passível de mediação, apenas se podendo e devendo extrair da postura e do comportamento pessoais do próprio agente enquanto arguido, maxime em sede de julgamento.

Isto dito, prossigamos.

Em sede de Acórdão, e com relação em particular ao ora recorrente AA, exarou o tribunal a quo o seguinte no segmento aqui relevante:

«Descendo ao caso concreto infere-se dos factos provados que o arguido AA está neste momento social, profissional e familiarmente integrado. E sendo certo que tal se apresenta relevante na ponderação que importa agora levar a efeito, também é um facto que no âmbito da pena suspensa que se encontra a cumprir tem revelado dificuldades no cumprimento do plano estabelecido, como aliás já antes tinha ocorrido relativamente à condenação em penas de substituição. Acresce que as preocupações relativas ao desfecho do presente estão centradas na repercussão que pode ter na sua vida, inexistindo qualquer preocupação ou empatia para com a vítima. O que aliado à circunstância de até hoje não ter revelado qualquer interiorização da ilicitude dos factos - o que se extrai – insiste-se - da falta de confissão e consequentemente falta de arrependimento - se apresenta inequivocamente revelador de uma personalidade pouco sensível aos valores protegidos pelas normas penais em causa e avessa às respetivas sanções.».

Trata–se um conjunto de factores sem dúvida relevante, mas que, não obstante, carece de alguma densificação, precisamente por via de alguns aspectos sob os quais o recorrente faz incidir o seu foco argumentativo – e que, adianta–se, determinam a final – ainda que no limite – a inversão do decidido nesta parte e a correspondente viabilização da pretensão recursória.

Assim, e no que tange à inserção económica, familiar e profissional do arguido, a mesma resulta assente em sede de Ministério Público, e não se revela passível de qualquer divergência – o mesmo habita com o seu pai e a companheira deste, e desde 04/01/2022 exerce funções como técnico de montagem na empresa “A..., Lda.”, situada em ..., na qual o irmão, DD, desempenha funções como sócio-gerente, sendo descrita uma prestação laboral adequada e empenhada por parte do arguido.

No que tange à assinalada circunstância de que «no âmbito da pena suspensa que se encontra a cumprir tem revelado dificuldades no cumprimento do plano estabelecido, como aliás já antes tinha ocorrido relativamente à condenação em penas de substituição», cumpre clarificar o seguinte.

O que resulta da matéria de facto provada, em bom rigor, é que o arguido foi condenado, no âmbito do processo nº 778/20.5PAMAI, pela prática a 25/10/2020 de um crime de violência doméstica contra cônjuge (p. e p. pelo art. 152º/1/b) do Cód. Penal), na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, suspensão esta subordinada aos deveres de se abster de contactar com a vítima e de aceitar as regras definidas pela DGRSP com afastamento da residência da ofendida e do seu local de trabalho fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (ponto 42.d.), e de acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico direccionado a prevenir o cometimento de futuros factos de natureza semelhante e eventual tratamento da problemática alcoólica (ponto 24.). Ora, como também ali se consigna (ponto 25.), o arguido AA tem–se adequado ao cumprimento do estabelecido, à excepção do acompanhamento no âmbito da problemática alcoólica.

As dificuldades assim ditas como reveladas nesse concreto contexto, sempre serão, pois, parcelares com relação à globalidade dos deveres ali impostos – sendo que, sem prejuízo da sua relevância, certo é que, como vem também alegado, a concreta avaliação acerca de algum desvio na observância do plano estabelecido e da sua ressonância na suspensão da execução daquela pena, estará outorgada tão apenas ao juiz do processo pertinente em momento processual oportuno.

No que tange a similares dificuldades reportadas ao que «já antes tinha ocorrido relativamente à condenação em penas de substituição», não se descortina da matéria de facto provada de onde decorra tal assertiva conclusão – não se crendo que, sem mais se concretizar, possa revestir tal caracterização a circunstância de o arguido ter cumprido parcialmente uma pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, tendo pago o valor da multa substituída correspondente àquela prestação não executada, cumprindo assim de todo o modo a pena.

Neste exercício de densificação dos pressupostos materiais a tomar em consideração no âmbito da ponderação sobre a suspensão penal requerida, acrescem as seguintes circunstâncias que em particular se revelam determinantes, nomeadamente na divergência de solução que se impõe relativamente a quanto vimos suceder no caso do arguido BB.

Por um lado, constata–se que o percurso de vida criminalmente relevante do arguido AA regista quatro condenações: uma por ofensas à integridade física, outra por crime de condução sem habilitação, outra ainda por condução em estado de embriaguez, e enfim uma última pelo aludido crime de violência doméstica.

Ou seja, pese embora duas destas condenações se reportem a crimes que também eles, protegem bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal, certo é que nenhuma destas condenações se refere a crime de natureza similar ao dos presentes autos.

Por outro lado, acresce que nunca antes dos factos o arguido fora condenado em pena privativa da liberdade, pois que, como bem realça o recorrente, a sentença proferida no processo nº 778/20.5PAMAI, e pela qual o arguido foi condenado em pena de prisão (suspensa) pelo crime de violência doméstica, foi proferida em 12/10/2021 (transitando em julgado a 29/11/2021), isto é, cerca de 6 meses depois dos factos dos presentes autos.

Pelo que, em bom rigor, tal condenação não consubstancia um antecedente criminal do arguido na perspectiva de traduzir uma solene advertência com a ameaça de privação da liberdade que haja sido por si sofrida antes dos factos dos autos, e menosprezada com o cometimento destes últimos – o que se erigiria (como sucede no caso do arguido BB) em mais um factor desvalioso na ponderação da sua personalidade.

E por isso, como (também aqui bem) assinala o recorrente, a relação jurídico–processual penal entre os factos do presente processo, e os daquela condenação, é de cúmulo, e não de sucessão.

O que, tudo, significa que, apesar de tudo o exposto, se julga, no limite, que os termos em que se configura a avaliação da personalidade do arguido e do seu percurso de vida, não afastam a viabilidade de se mostrar possível efectuar o aqui exigido juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro.

O ‘risco’ que, nesta perspectiva, sempre envolve a ponderação pelo tribunal da suspensão da pena de prisão, assume–se como um risco que se revela ainda minimamente prudente, e que permite sobrestar as exigências que se fazem sentir ao nível da prevenção especial positiva ou de socialização – mormente se acompanhada, como se determinará, pelo condicionamento do comportamento futuro do arguido ao cumprimento de deveres de conduta que especialmente se dirija à sensibilização do arguido para a necessidade de rever comportamentos e opções de vida, designadamente no que tange ao indicado abuso alcoólico, e respeitar os valores jurídicos e comunitários que a sua conduta recentes colocou em causa – e a controlar, de forma necessariamente apertada, pelo tribunal de primeira instância.

Donde, e tudo ponderado, entende–se que que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão serão suficientes para cumprir de forma adequada a necessidade de reprovação da conduta criminosa do arguido, bem como para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial.

Mostram–se, pois, reunidos aqui os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena única de prisão do arguido AA, e que se mostram previstos no art. 50º do Cód. Penal, pelo que se decreta a mesma.

Quanto ao período da suspensão decretada, prevê o nº5 do art. 50º do Cód. Penal que o mesmo deverá fixar–se entre um e cinco anos.

Julga–se que no caso se impõe a fixação de um período de suspensão penal que se revele adequado a, com maior rigor à luz das exigências preventivas que se impõem, avaliar a conduta posterior do arguido e saber se o juízo de prognose favorável que aqui se arrisca formular se revelou efectivamente correcto e o arguido faz por o justificar – adoptando aquele que é, afinal, o comportamento exigível a qualquer cidadão.

O período de suspensão da pena de prisão será, assim, fixado em 5 (cinco) anos.

Mais se entende, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 50º/2 – onde se prevê que «O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.» – e 53º/1 – onde se dispõe que «O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade» –, ambos do Cód. Penal, que se revela de toda a conveniência e adequação para promover a reintegração do condenado na sociedade, enquanto finalidade inerente ao sancionamento penal tal como imposta no art. 40º do Cód. Penal, e tendo em especial em conta a sua indiciada problemática relacionada com o abuso de ingestão de bebidas alcoólicas, fazer acompanhar a suspensão penal ora determinada de regime de prova.

No regime de prova em causa, e por via do plano individual a elaborar no âmbito do mesmo, deverá ser tida em especial consideração a adopção de medidas tendentes a debelar a problemática do arguido relacionada com o abuso de ingestão de bebidas alcoólicas.

Mais se entende ser de subordinar a suspensão da pena ora decretada ficar subordinada ao dever de o arguido dar ao ofendido CC uma compensação monetária relativa aos danos que lhe causou, traduzidos desde logo nas graves lesões físicas pelo mesmo sofridas por via da actuação (também) do arguido.

A possibilidade de fixação de tal dever decorre do já enunciado art. 50º/2 do Cód. Penal, visando–se com os mesmos a reparação do mal do crime. De forma exemplificativa, prevê–se no artigo 51º/1/a) do Cód. Penal que um dos deveres possíveis é precisamente o de «Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea », considerando–se, assim, o dever a assim será fixado como coerente nos respectivos pressupostos ao do pagamento indemnizatório aqui enunciado, e adequado às finalidades aqui a salvaguardar.

Ou seja, o dever em causa, traduzindo–se no pagamento de uma compensação, ainda que manifestamente parcelar, pelos prejuízos de natureza pessoal causados ao ofendido, consubstancia uma forma de reparação do mal causado pelos actos do arguido, promovendo ademais a sua imprescindível consciencialização das consequências nefastas da prática do crime pelo qual vai condenado, reportando assim aos desígnios da prevenção criminal e de reinserção social do condenado.

Porém, não poderá perder–se de vista que a exigibilidade de tal dever deve ser ponderado tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado e às circunstâncias particulares do caso, mormente as condições pessoais do arguido. Na verdade, e nos termos do art. 51º/2, a fixação de deveres não pode, em caso algum «representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir».

Em face do exposto, atenta a condição económica do arguido e dentro do que é razoável exigir–lhe (mesmo pressupondo algum esforço), a suspensão da pena de prisão ora decretada fica subordinada à condição de o arguido AA proceder ao pagamento ao ofendido CC da quantia de €1.000,00 (mil euros), pagamento a efectuar no prazo de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado da presente decisão, disso fazendo prova nos autos.

Tal pagamento, quando ocorra, será assim imputado no valor em que o arguido foi condenado no âmbito da condenação cível enxertada.

Em conclusão, procede assim esta pretensão recursória do arguido AA, ainda que nos concretos termos executórios acabados de determinar.

3. De saber se deve ser aplicada a medida de perdão prevista na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto.

Vem ainda o recorrente AA propugnar que deverá ter-se em conta e aplicar-se ao mesmo o perdão de penas resultante da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, por aplicável à situação do recorrente.

Alega que, nos termos do art. 7º/b)/i) da citada Lei 38–A/2023, o legislador expressamente excluiu o crime de roubo agravado, p. e. p. pelo art. 210º/2 do Cód. Penal, não incluindo o crime em causa nos presentes autos, qual seja, o crime de roubo simples. Ora, prossegue, o Tribunal a quo realizou um juízo acrítico acerca de o ofendido se tratar de vítima especialmente vulnerável para os efeitos do art. 67º-A do Cód. de Processo Penal, integrando o crime imputado na alínea g) do citado art. 7º/1 Lei 38–A/2023, e afastando por esse modo, ilegitimamente, a aplicação do perdão.

Pode então concluir-se que o tribunal a quo devia ter declarado perdoado 1 ano de prisão, à pena aplicada ao arguido – e não o tendo feito, infringiu o estabelecido nos artigos 3º/1 e 7º/1/b)/i)a contrario/g), da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto.

Apreciando se dirá que se julga assistir razão ao recorrente, e no que tange à aplicabilidade da medida de clemência em causa no caso – ainda que não sendo de determinar, no que toca ao arguido AA, a sua aplicação concreta neste momento processual.

Vejamos os dois passos da análise.

Da aplicabilidade do perdão ao crime de roubo simples.

Como decorre da transcrição do Acórdão proferido nos autos, e ora recorrido, veio o tribunal a quo a considerar genericamente que «Acresce que, apesar de os arguidos contarem à data da prática dos fatos menos de 30 anos e ser a pena aplicada inferior a 8 anos, não há lugar à aplicação da Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto (Perdão de Penas e Amnistia) porquanto no caso estamos perante a exceção a que se reporta o art. 7º, al. g) da mesma lei, as vitimas e roubo, mesmo simples, são sempre vítimas especialmente vulneráveis, integrando o tipo de ilícito o conceito de criminalidade violenta (art. 1º, al. l) do C. P. Penal.».

Ora, considera–se que esta premissa assim consignada pelo tribunal recorrido só encontra escopo no texto da Lei 38–A/2023, e conforme vem propugnado pelo recorrente, na parte que se reporta ao crime de roubo na sua forma agravada.

Na verdade, e no que se reporta ao tipo criminal de roubo, se é certo mostra–se o mesmo in limine excluído da aplicação da medida de amnistia – cfr. 4º da Lei 38–A/2023, onde se determina que apenas «São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa» –, já no que tange à medida do perdão apenas aqueles configurados na sua forma agravada se mostram excluídos da respectiva aplicabilidadenão se mostrando as condenações reportadas a crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art. 210º/1 do Cód. Penal, excepcionadas da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023.

E assim deve concluir–se através do devido percurso pelas excepções que o art. 7º da Lei 38–A/2023 estatui à aplicabilidade do perdão e da amnistia.

Tal percurso logo se detém no art. 7º/1/b)i), onde o legislador expressou ser tal excepção aplicável, no âmbito dos crimes contra o património, aos condenados (designadamente) «por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal», deixando aqui claramente de fora os crimes de roubo simples previstos no nº1 daquele art. 210º do Cód. Penal.

É certo que, mais adiante, no art. 7º/g), a Lei declara excluir do perdão e da amnistia previstos na presente lei «os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro», sendo que nos termos a alínea b) do nº1 deste art. 67º-A do Cód. de Processo Penal, se considera «Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social», aditando o nº 3 do mesmo artigo que «as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.

Tal remissão remete designadamente para o disposto no art. 1º/j)/l) do Cód. de Processo Penal, onde se definem como «Criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos» e como «Criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos».

Foi precisamente na contemplação de quanto assim resulta por via do disposto no art. 7º/g) da Lei 38–A/2023, e considerando indiscutível integrar o crime de roubo previsto no nº1 do art. 210º do Cód. Penal (porque punível com uma pena de prisão cujo limite máximo é superior a 5 anos) o conceito de criminalidade especialmente violenta, que o tribunal a quo veio a considerar excepcionada a condenação dos arguidos por tal crime (de roubo simples) da aplicabilidade da medida de perdão.

Porém, desde logo se diga que não é absolutamente profícua para os efeitos aqui em causa, a automaticidade da integração das vítimas de criminalidade violenta e especialmente violenta como vitimas especialmente vulneráveis.

Aliás, assinale–se, tal automaticidade é em si mesma inclusive discutida, tendo–se consignado no Acórdão do S.T.J. de 03/06/2020 (proc. 1267/18.3 JABRG.S1)[[9]] – citado pelo ora recorrente – que «É de rejeitar a aplicação automática da proclamação das vítimas de casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta como sendo sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis».[[10]]

Independentemente do ajuste de um tal entendimento, certo é que não deixa de se assinalar que a citada alínea g) do art. 7º/1 l38 alude aos casos de vitimas especialmente vulneráveis, quando poderia tê–lo feito desde logo tão simplesmente às de criminalidade violenta e especialmente violenta.

Seja como for, e prosseguindo, certo é que, e como acima se disse já, do texto da lei resulta claro que, ao definir quais os «crimes de natureza patrimonial» (e, sendo embora certo que o crime de roubo é um crime complexo que materialmente tutela bens jurídico–penais que vão além de uma estrita natureza material, não deixa de ser essa a respectiva inserção sistemática no Código Penal, cfr. respectivo Capítulo II, do Titulo II do Livro II) que se mostram excluídos da aplicação do perdão, o art. 7º/1/b)i) da Lei 38–A/2023 apenas expressamente reporta, no que ao roubo respeita, às condenações por tal crime na sua forma agravada, prevista no nº2 do art. 210º do Cód. Penal.

E a entender–se que as condenações por crime de roubo simples deveriam antes integrar a alínea g) do art. 7º/1, adentrando por essa via no regime de excepcionalidade que a lei pretendeu instituir, tal corresponderia, na prática, a uma derrogação da norma especificamente contida nesse mesmo regime no nº1/b)i) do mesmo artigo, interpretação que não se afigura poder ter acolhimento.

Como escreve a Desembargadora Ana Cláudia Nogueira no seu voto de vencido exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2023 (proc. 7102/18.5P8LSB–A.L1–5)[[11]], a «interpretação da previsão contida na alínea g), que aparece reportada ao tipo de vítima do crime, em vez de ao tipo de crime, como sucede nas alíneas anteriores, até pela sua inserção sistemática, indicativa de que é menos específica e residual em relação às anteriores previsões relativas a concretos tipos legais de crime, terá necessariamente que passar por afastar a sua aplicação aos crimes violentos e especialmente violentos (cujas vítimas são legalmente consideradas vítimas especialmente vulneráveis) que não constem excecionados nas alíneas anteriores.

Explicando.

A interpretação sufragada no acórdão e que fez vencimento corresponde, na prática, a eliminar do texto do art.º 7º/1,b) i) a indicação do nº 2 do art.º 210º do Código Penal, como se aí devesse constar apenas a referência ao art.º 210º, por forma a terem-se por excecionados da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia todos os roubos, seja na forma agravada, prevista no nº 2, seja na forma simples, com previsão no nº 1; e isso corresponde a derrogar a lei.

Na verdade, quisera o legislador excecionar da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia o crime de roubo em qualquer das suas previsões, simples e agravada, e não havia qualquer razão para não o ter feito logo quando da previsão do nº 1, b), i) do citado art.º 7º».

Subscrevem–se tais considerandos, não se vislumbrando, na verdade, por que razão expressaria sequer o legislador qualquer referência ao crime de roubo na alínea do regime excepcional que se reporta aos crimes patrimoniais, caso pretendesse excluir do perdão todas as condenações por tal crime por via do critério da natureza das suas vítimas.

No sentido do entendimento assim propugnado, e além do voto de vencido acima referido, cite–se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/12/2023 (proc. 2436/03.6PULSB–D.L1–3)[[12]] (no qual, além do mais, se reporta o processo de elaboração legislativa que deu origem ao regime da Lei 38–A/2023 na parte que aqui releva, e que também ajuda a percepcionar a adequação de tal entendimento).

É também esta a posição defendida pelo ora relator no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/01/2024 (proc. 614/15.4GBAGD-C.P1)[[13]]

Admite–se sem qualquer dificuldade que, o texto legal como arquitectado se presta a alguma ambiguidade – porém, certo é também que a interpretação assim sufragada é a que melhor se adequa à presunção legal, expressa no art. 9º/3 do Cód. Civil, de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Tudo para dizer, pois, que a condenação pelo crime de roubo simples não se mostra, contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, excluída da aplicabilidade do perdão previsto na Lei 38–A/2023.

Assiste, assim razão ao recorrente AA, sendo aplicável à condenação por si sofrida o perdão de 1 ano da pena de prisão em que se mostra condenado, nos termos do art. 3º/1 Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto – sendo ademais seguro que a pena em causa não é na sua medida concreta superior a 8 anos de prisão (cfr. mesmo art. 3º/1) e que o arguido AA tinha à data dos factos (como ainda hoje tem) idade inferior a 30 anos (cfr. art. 2º/1 Lei 38–A/2023)

Da concreta aplicação do perdão penal ao arguido AA.

Questão diversa é da concreta aplicação neste momento processual da medida de clemência em causa.

Na verdade, e como vem de se decidir supra (cfr. ponto 2.1. da presente decisão), o arguido será, afinal, e por via de provimento desse segmento do seu recurso, condenado numa pena de prisão de 2 anos e 10 meses, mas suspensa na respectiva execução, suspensão penal esta subordinada a regime de prova e condicionada ao dever de o arguido pagar ao ofendido CC a quantia de €1.000,00 (mil euros).

É verdade que no âmbito da referida Lei 38–A/2023, é perdoado um ano de prisão na pena de prisão nas penas fixadas em medida concreta não superior a 8 anos e desde que o arguido tenha até 30 anos de idade aquando dos factos – cfr. art. 3º/1.

Ora, nos termos do nº2 da mesma disposição, também as penas de substituição foram perdoadas «exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova», como expressamente decorre da respectiva alínea d).

Donde, não é susceptível de aplicação no caso do arguido AA, e neste momento, a medida de clemência de perdão prevista na aludida Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, pois que estamos exactamente perante concreta situação de condenação em pena de prisão cuja suspensão fica subordinada ao cumprimento de um dever, além de que será acompanhada de regime de prova.

Assim, e no caso do arguido AA, o perdão em causa apenas poderá ter lugar (e reunidos que se mostrem oportunamente os demais pressupostos para tal efeito nessa fase, em especial no que tange à não verificação de qualquer das condições resolutivas previstas nos termos do art. 8º da Lei 38–A/2023) em caso de revogação da suspensão da execução penal ora determinada, como expressamente decorre do disposto no art. 3º/3 Lei 38–A/2023, onde exactamente se consigna que «O perdão previsto no n.º 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena».

Mostra–se, assim, a condenação do arguido AA excluída, por ora, do âmbito de aplicação daquela Lei.

Não pode ser assim acolhida esta derradeira parte do seu recurso.

Da concreta aplicação do perdão penal ao arguido BB.

Aqui chegados, e constatando–se os termos – acabados de enunciar – da procedência parcial do recurso interposto do Acórdão da primeira instância pelo arguido AA na parte relativa à aplicabilidade no caso dos autos do perdão de penas previsto na Lei 38–A/2023, cumpre aquilatar dos efeitos de tal decisão no que tange também à situação jurídico–penal do co–arguido BB.

Na verdade, e como, a propósito do “Âmbito do recurso”, resulta (na parte que aqui releva) do disposto no art. 402º/2/a) do Cód. de Processo Penal, «Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto … Por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes».

É precisamente esta a situação aqui configurada, pois que os fundamentos em que se sustenta a pretensão recursória do arguido AA nesta matéria (da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023) claramente se justapõem sobre os pressupostos da punibilidade criminal do co–arguido BB – não respeitando em exclusivo a qualquer circunstância adstrita à pessoa daquele primeiro arguido..

Dito de outro modo, é muito claro que a alteração da decisão recorrida, considerando que no caso do crime de roubo simples é aplicável o perdão de penas previsto no art. 3º/1 da Lei 38–A/2023, reporta directamente aos termos em que se configura e delimita a determinação das consequências penais do caso com relação também ao arguido BB, pois que este último se mostra condenado pela prática do mesmo exacto crime pelo qual se mostra também condenado (precisamente em co–autoria) o arguido AA.

Ora, sendo indiscutível que também o arguido BB tinha menos de 30 anos à data dos factos, e que a pena concreta de prisão (de 3 anos) em que vem condenado é inferior a 8 anos, mostram–se reunidos os pressupostos dos arts. 2º/1, 3º/1 e 7º/7º/b–i) da Lei 38–A/2023 para que o mesmo possa beneficiar do perdão previsto naquela primeira disposição.

Assim, e isso fazendo, será de declarar o perdão de 1 ano à pena de prisão, de 3 anos, aplicada ao arguido BB nos autos.

Tal perdão é, não obstante, e nos termos do disposto no art. 8º/1/2 da Lei 38–A/2023, concedido sob a condição resolutiva de o arguido BB não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor daquela Lei, e ainda sob a condição resolutiva de pagamento da indemnização em que o arguido se mostra também condenado a favor do “Centro Hospitalar ..., E.P.E.” – pagamento este a efectuar oportunamente após correspondente notificação a ser–lhe efectuada pelo tribunal de primeira instância nos termos determinados no nº3 daquele mesmo art. 8º.

O que, tudo, se decidirá.


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III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em :

1. Não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido BB.

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 3 (três) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).

2. Declara–se o perdão de 1 (um) ano à pena de prisão, de 3 anos, aplicada ao arguido BB, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 2º/1, 3º/1 e 7º a contrario da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.

Nos termos do disposto no art. 8º/1/2 da Lei 38–A/2023, este perdão é concedido sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38–A/2023, e ainda sob a condição resolutiva de pagamento da indemnização em quer se mostra condenado a favor do “Centro Hospitalar ..., E.P.E.” – pagamento este a efectuar oportunamente após correspondente notificação a ser–lhe efectuada pelo tribunal de primeira instância nos termos determinados no nº3 do mesmo art. 8º.

3. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, e, em conformidade, declara–se a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, em que vem condenado, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, suspensão penal esta subordinada, nos termos do disposto nos arts. 50º/2, 51º/1 e 53º do Cód. Penal :

– a regime de prova, o qual deverá nomeadamente, e além do mais, por via do plano individual a elaborar no respectivo âmbito, ter em especial consideração a adopção de medidas tendentes a debelar a problemática do arguido relacionada com o abuso de ingestão de bebidas alcoólicas,

– ao dever de o arguido pagar ao ofendido CC (id. nos autos) da quantia de €1.000,00 (mil euros) no prazo de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado da presente decisão, disso fazendo prova nos autos.

Sem custas o recurso do arguido AA.


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Porto, 8 de Maio de 2024
Pedro Afonso Lucas
Paulo Costa [(com voto de vencido quanto à aplicabilidade no caso do perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto, nos termos adiante consignados)
Declaração de voto:
Questão: saber se o crime de roubo simples está excluído do perdão porque abrangido pela alínea g) dn.°1 do artigo 7.° ou se, pelo contrário, beneficia do perdão.
A favor da exclusão, entre outros:
Ac. da Relação de Lisboa de 28-11-2023, proc." n.° 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, rel. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro (com voto de vencido da Desembargadora Ana Cláudia Nogueira): "Está excluído do beneficio do perdão previsto na Lei n.º 38A/20023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples tipificada pelo art.º 210°, n° 1 do Código Penal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, "especialmente vulneráveis" e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do n° 1 do art.° 7° da Lei" (sumário).
Acórdão da Relação de Lisboa de 14-12-2023, processo n.º 27/22.1PJLRS-B.L1,rel. Sandra Ferreira: I-Nos termos do artº 9° do Código Civil a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; na fixação do sentido alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
II-O crime de roubo, previsto no nº 1 do art. 210° do Código Penal, é qualificado, nos termos do disposto no art. 1° al. 1) do Código de Processo Penal, como criminalidade especialmente violenta.
III-Do texto da alínea g) do n° 1 do art. 7° da Lei n° 38-A/2023 de 2 de agosto, decorre que o legislador excecionou a aplicação da amnistia e perdão aos condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e "vítimas especialmente vulneráveis" nos termos do art. 67°-A do Código de Processo Penal.
IV- Presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9°, n° 3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando "criminalidade violenta" ou "criminalidade especialmente violenta", nos termos do art.1° al. j) e 1) e 67°-A, n° 3, ambos do Código de Processo Penal, incluindo-se, assim, na exceção consagrada na al. g) do art. 7° da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto o crime de roubo, previsto e punível pelo art. 210°, nº 1 do Código Penal.
Ac. da Relação do Porto de 10-1-2024, proc. n.° 485/20.9T8VCD.P2, rel.Francisco Mota Ribeiro : I - Com vista a determinar se o crime de roubo do art.° 210°, n° 1, do Código Penal, está ou não abrangido pelo perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 02/08, não podem as normas da al. b-i) e da al. g) do art.° 7°, n° 1, ser interpretadas isoladamente entre si, ou relativamente às demais previstas no mesmo diploma, mas sim conjugadamente, tendo em conta todos os elementos necessários à interpretação (gramatical, teleológico, sistemático e histórico, e neste especificamente os trabalhos preparatórios), em termos que permitam demonstrar que o resultado da interpretação não será extensivo relativamente ao que resulta do texto da lei, no que toca à primeira norma referida, nem restritivo, no tocante à segunda, mas antes traduza o sentido normativo que efetivamente melhor corresponda ao pensamento legislativo;
II - Da evolução registada na elaboração do texto que veio a resultar na versão final da Lei n° 38-A/2023, que teve por base a Proposta de Lei 97/XV/1., pode concluir-se que o resultado final obtido foi o alargamento da exceção da não aplicação do perdão ao crime de roubo, seja ele simples (art.° 210°, n° 1) ou agravado (art.° 210°, n° 2),porquanto pese embora o roubo simples deixasse de estar abrangido na atual al. b)-i, passou necessariamente a está-lo na al. g) do mesmo artigo, cuja norma também passou a ter uma abrangência mais alargada do que o inicialmente previsto, ademais porque na aplicação de uma e de outra deixou de ser exigido que o crime haja sido praticado em residências ou na via pública, com arma de fogo ou arma branca, como inicialmente resultava da Proposta de Lei, aqui por uma relativamente abrangente referência ao "artigo 210.° do Código Penal".
III - Assim sendo, e resultando da redação dada à al. g) que não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.°-A do Código de Processo Penal, necessariamente passou a estar nela incluído o crime de roubo, previsto no art.º 210°, nº 1, do CP, dado o mesmo integrar conceito de criminalidade violenta, por corresponder a condutas que dolosamente se dirigem contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal, nos termos previstos no art.º 1°, al. j), do Código de Processo Penal, sendo ademais punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão, e, nos termos do nº 3 daquele art.º 67°-A, "As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis".
IV - Por outro lado, do ponto de vista teleológico, e na coerência com que pensamento legislativo deve ser reconstituído "a partir dos textos da lei", não seria compreensível que crimes muito menos graves do que o de roubo previsto no art.° 210°,n° 1, do CP, como o de coação e de perseguição, dos art.ºs 154° e 154°-A do CP, puníveis com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa, ficassem excluídos do perdão, e já não aquele, indubitavelmente mais grave e gerador de alarme social, onde a violência sobre uma determinada pessoa pontifica como elemento do tipo, seja na forma de coação, de ofensa à integridade física, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física da vítima, sendo ademais o mesmo punível com pena muito superior à prevista para aqueles crimes, ou seja, 1 a 8 anos de prisão.
Ac. da Relação do Porto de 17-1-2024, proc.° n.° 379/19.0PAVFR.P2, rel. Maria dos Prazeres Silva:1- A norma do artigo 7° da Lei n.° 38-A/2023, de 02-08, que estabelece um perdão de penas e amnistia infracções, prevê exceções quanto à sua aplicação, preceituando, entre mais, que não beneficiam do perdão os condenados pelos crimes elencados nas alíneas a) a h) do n.º 1. II - No elenco dos crimes contra o património está expressamente excecionado, entre outros, o perdão apenas relativamente ao crime de roubo agravado, nada se prevendo quanto ao roubo simples. III- No entanto, quanto a este, seja consumado ou meramente tentado, também se mostra excluída a aplicação do perdão em virtude de tal ilícito integrar crime praticado contra vítimas especialmente vulneráveis, em que se incluem as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta.
Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc.° n.° 5310/19.0JAPRT-AI.G1,rel. Isilda Pinho: "Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.° 38A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do n° 1 do art.° 7° da referida Lei"(sumário).voto de vencido da Desembargadora Isilda Pinho ao Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc. n.º 1153/16.1PCBRG-B.G1, rel. Florbela Sebastião e Silva.
Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc." n.º 2913/18.4PBLSB.L2-5, rel. Ester Pacheco dos Santos (com voto de vencido da Desembargadora Ana Cláudia Nogueira): 1- O art.° 7., n.º 1, al. g) da Lei n.º 38/2023, de 2 de agosto exceciona da aplicação do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e "vítimas especialmente vulneráveis", nos termos do art.° 67.° A do Código de Processo Penal, incluindo-se nessa exceção o crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210., n.º 1 do Código Penal.2- Tal exceção, que não comporta tratamento diverso de quem se encontra em situação idêntica - art.° 13.° da CRP -, é explicável por razões de política criminal, ponderando a gravidade das condutas criminais praticadas contra "vítimas especialmente vulneráveis".
Ac. da Relação de Guimarães de 20-2-2024, proc.º n.º 135/22.9PBVCT. G1, rel. Pedro Freitas Pinto: Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.° n.° 1do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.° 38A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do n° 1 do art.° 7° da referida Lei (sumário).
Embora não seja objeto de recurso, mas por ser do conhecimento oficioso, diga-se ainda, que bem andou o tribunal "a quo" ao não aplicar a este crime de roubo, o perdão de pena contido no artigo 3° n° 1 al. a) da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, por não beneficiar do mesmo tendo em consideração o disposto na alínea g) do n° 1 do artigo 7ºdaquela Lei".
Ac. da Relação de Guimarães de 20-2-2024, proc. n.° 546/21.7GAVNF.G1, rel. Bráulio Martins: Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.° n.° 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.° 38A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.° 7° da referida Lei (sumário).
Ac. da Relação de Lisboa de 20-2-2024, proc.° n.º 286/22.0SYLSB.L2-5, rel. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
O crime de roubo, na sua forma de consumação simples, tipificada pelo artº 210°, n° 1do Código Penal, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.° 38-A/2023,de 2 de agosto, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, "especialmente vulneráveis" e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do n° 1 do art.° 7° da Lei(sumário).
Excerto:
«Por conseguinte, não obstante a situação em apreço não se mostrar incluída no artº 7, nº 1, al. b), subalínea i)., é forçoso concluir que a mesma encontra acolhimento na al. g) do nº 1 do art.º 7º (independentemente de, no processo, a vítima ter ou não a condição e o estatuto de vítima especialmente vulnerável, uma vez que tal exigência não tem suporte em nenhum dos elementos harmonicamente utilizados na interpretação jurídica e inclusive se mostra contrariada pelo elemento literal), na medida em que a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo artº 210°, nº 1 do C.Penal, enquanto vítima de criminalidade especialmente violenta, é sempre (cfr. art.º 67°-A, n° 3 do C.P.Penal)considerada uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime, por força da mencionada al, g) do nº 1 do preceito em análise».
No mesmo sentido desta jurisprudência já se pronunciara Pedro José Esteves de Brito,"Notas práticas referentes à Lei n.° 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude", na Revista JULGAR Online, agosto de 2023, págs. 3032 e "Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.° 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude" nota 30, págs.14-15.

Contra a exclusão:
Votos de vencido da Desembargadora Ana Cláudia Nogueira ao Ac. da Relação de Lisboa de 28-11-2023, proc.° n.° 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, rel. Luísa Alvoeiro e ao Ac.da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc.º n.° 2913/18.4PBLSB.L2-5, rel. Ester Pacheco dos Santos.
Excerto do voto exarado no acórdão de 28-11-2023:
A «interpretação da previsão contida na alínea g), que aparece reportada ao tipo de vítima do crime, em vez de ao tipo de crime, como sucede nas alíneas anteriores, até pela sua inserção sistemática, indicativa de que é menos específica e residual em relação às anteriores previsões relativas a concretos tipos legais de crime, terá necessariamente que passar por afastar a sua aplicação aos crimes violentos e especialmente violentos(cujas vítimas são legalmente consideradas vítimas especialmente vulneráveis) que não constem excecionados nas alíneas anteriores.
Explicando.
A interpretação sufragada no acórdão e que fez vencimento corresponde, na prática, a eliminar do texto do art.º 7°/1,b) i) a indicação do n° 2 do art.º 210° do Código Penal,como se aí devesse constar apenas a referência ao art.° 210°, por forma a terem-se porexcecionados da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia todos os roubos, seja na formaagravada, prevista no nº 2, seja na forma simples, com previsão no n° 1: e issolcorresponde a derrogar a lei.
Na verdade, quisera o legislador excecionar da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia ocrime de roubo em qualquer das suas previsões, simples e agravada, e não havia qualquer razão para não o ter feito logo quando da previsão do nº 1, b), i) do citado art.7»
Ac. da Relação de Lisboa de 6-12-2023, proc." n." 2436/03.6PULSB-D.L1-3, rel. Hermengarda do Valle-Frias: Em face da redacção dada ao artº 7°, nº 1, al. b) e nº 1,al. g) da Lei de Amnistia nº 38-A/23 de 02.08, visto o processo de discussão política que esteve na base da referida opção legislativa, resulta que o legislador quis que os condenados por crime de roubo [simples], previsto e punido nos termos do disposto pelo nº 1 do artº 210° do Cód. Penal, beneficiassem da aplicação do perdão de pena ali previsto.
Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc." n.° 1153/16.1PCBRG-B.G1,rel. Florbela Sebastião e Silva (com voto de vencido da Desembargadora Isilda Pinho): I - O condenado por crime de roubo p.e p. pelo artigo 210°, n.°1 do Código Penal, não estando em causa uma vítima especialmente vulnerável na definição dada pela al. b) do nº 1 do artigo 67°-A do CPP, beneficia da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.° 38-A/2023, de 2 de Agosto.
II- Quando o legislador, na al. g) do n° 1 do artigo 7° da Lei nº 38-A/2023, remete para o artigo 67°-A do CPP, fá-lo apenas e tão-só com o intuito de providenciar por uma definição legal (e consentânea com a ordem jurídico-penal no seu todo) de vítima especialmente vulnerável, em substituição da fórmula (menos rigorosa) constante da Proposta de Lei, e não a de fazer excluir, de forma indirecta, certos crimes do âmbito da aplicação daquela Lei.
III- A referida alínea g) serve de válvula de escape permitindo a negação do perdão (e amnistia) para crimes que, não estando previstos especificamente nas alíneas anteriores do nº 1 do artigo 7° da Lei nº 38-A/2023 possam ainda ser considerados fora do âmbito de aplicação da referida Lei de Amnistia desde que esteja em causa uma vítima especialmente vulnerável.
IV-Contudo essa vulnerabilidade tem de resultar da definição dada pela al.b) do nº3 do art 67°-A CPP, não sendo uma operação jurídica automática resultante da aplicação do n°3 do mesmo art 67°-A.
Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc. n.º 179/04.2PBLSB-A.L1-5, rel. Maria José Machado: 1.O crime de roubo, à luz das alíneas j) e 1) do artigo 1.° do Código de Processo Penal, não deve ser considerado como integrando o conceito de criminalidade violenta ou especialmente violenta. Isto porque cada um destes conceitos, para além de exigir uma determinada medida abstracta da pena prevista no tipo incriminador (igual ou superior 5 ou a 8 anos, respectivamente), exige que as condutas em causa se dirijam dolosamente «contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e auto determinação sexual ou a autoridade pública», conceitos que o Código Penal utiliza para ordenar sistematicamente as condutas que incrimina.
2. No crime de roubo, para além de a violência, a subtracção ou a entrega da coisa ou animal alheios podem ser alcançadas por meio de ameaça com perigo para a vida ou a integridade física ou pondo a vitima na impossibilidade de resistir (artigo 210.°, n º 1 do Código Penal), não envolvendo necessariamente uma ofensa da integridade fisica da vítima. Por isso, não se pode sequer dizer que o crime de roubo também tutela a integridade física da vítima para efeitos de o integrar na alínea j) do artigo 1° o Código de Processo Penal. Tutelará apenas nos casos em que a violência se traduzir na prática de lesões da integridade física e naqueles em que a colocação na impossibilidade resistir implicar uma ofensa desse bem jurídico. Não poderia, por isso, o legislador ter estabelecido na alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, uma cláusula de exclusão de conteúdo incerto.
3. Não integrando o roubo o conceito de criminalidade violenta, não se lhe aplica o n.° 3 do artigo 67º do Código de Processo Penal, razão pela qual as vítimas desse crime não são necessariamente especialmente vulneráveis, do que deriva que o roubo simples não seja excluído pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de Agosto.4. A exclusão prevista na alínea g) da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de Agosto, só é de aplicar, quando no processo a vítima tiver a condição e o estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do artigo 67.°-A do Código de Processo Penal.~
5. A não aplicação do perdão em virtude de as vítimas dos roubos simples cometidos pelo arguido poderem ser hoje consideradas vítimas especialmente vulneráveis, quando na data da condenação não tinham essa qualificação, traduz uma violação do princípio da não aplicação retroactiva da lei processual penal previsto no artigo 5.°, n.° 2, alínea b) do C.P.P., quando da sua aplicação imediata, que é a regra, puder resultar agravamento da situação processual da situação do arguido
Tem declaração de voto da Desembargadora Mafalda Sequinho dos Santos, no sentido de que embora votando a decisão não subscreve "a fundamentação na parte em que refere que o crime de roubo não integra o conceito de criminalidade violenta".
Ac. da Relação do Porto de 24-1-2024, proc. n.° 614/15.4GBAGD-C.P1, rel. Pedro Afonso Lucas: I- A condenação por crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art. 210°/1 do Cód. Penal, não se mostra excluída da aplicação do perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Excerto:
«Porém, e como acima se disse já, certo é que do texto da lei resulta claro que, ao definir quais os «crimes de natureza patrimonial» (e, sendo embora certo que o crime de roubo materialmente tutela bens jurídico-penais que vão além de uma estrita natureza material, não deixa de ser essa a respectiva inserção sistemática no Código Penal, cfr. respectivo Capítulo II, do Titulo II do Livro II) que se mostram excluídos da aplicação do nerdão, o art. 7°/1/b)i) da Lei 38-A/2023 apenas expressamente reporta, no que ao roubo respeita, às condenações por tal crime na sua forma agravada, prevista no n°2 do art. 210° do Cód. Penal.
E a entender-se que as condenações por crime de roubo simples deveriam antes integrar alínea g) do art. 7°/1, adentrando por essa via no regime de excepcionalidade que a lei pretendeu instituir, tal corresponderia, na prática, a uma derrogação da norma especificamente contida nesse mesmo regime no n°1/b)i) do mesmo artigo,interpretação que não se afigura poder ter acolhimento.
Como escreve a Desembargadora Ana Cláudia Nogueira no seu voto de vencido exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2023 (proc.7102/18.5P8LSB-A.L1-5), a «interpretação da previsão contida na alínea g), que parece reportada ao tipo de vítima do crime, em vez de ao tipo de crime, como sucede nas alíneas anteriores, até pela sua inserção sistemática, indicatíva de que é menos específica e residual em relação às anteriores previsões relativas a concretos tipos legais de crime, terá necessariamente que passar por afastar a sua aplicação aos crimes violentos e especialmente violentos (cujas vítimas são legalmente consideradas vítimas especialmente vulneráveis) que não constem excecionados nas alíneas anteriores.
Explicando.
A interpretação sufragada no acórdão e que fez vencimento corresponde, na prática, a eliminar do texto do art.° 7/1,b) i) a indicação do n° 2 do art.° 210° do Código Penal, como se aí devesse constar apenas a referência ao art.° 210°, por forma a terem-se por excecionados da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia todos os roubos, seja na forma agravada, prevista no n° 2, seja na forma simples, com previsão no nº 1; e isso corresponde a derrogar a lei. Na verdade, quisera o legislador excecionar da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia o crime de roubo em qualquer das suas previsões, simples e agravada, e não havia qualquer razão para não o ter feito logo quando da previsão do n° 1, b), i) do citado art.° 7»
Subscrevem-se tais considerandos, não se vislumbrando, na verdade, porque razão expressaria sequer o legislador qualquer referência ao crime de roubo na alínea do regime excepcional que se reporta aos crimes patrimoniais, caso pretendesse excluir do perdão todas as condenações por tal crime por via do critério da natureza das suas vítimas. No sentido do entendimento assim propugnado, e além do voto de vencido acima referido, cite-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/12/2023 (proc.2436/03.6PULSB-D.L1-3) no qual, além do mais, se reporta o processo de elaboração legislativa que deu origem ao regime da Lei 38-A/2023 na parte que aqui releva, e que também ajuda percepcionar a adequação de tal entendimento.
Admite-se sem qualquer dificuldade que, o texto legal como arquitectado se presta alguma ambiguidade - porém, certo é também que interpretação assim sufragada é a que melhor se adequa à presunção legal, expressa no art. 9°/3 do Cód. Civil, de que legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Tudo para dizer, pois, que no caso do cúmulo referente ao grupo A) do acórdão cumulatório, as condenações pelos crimes de roubo simples ali integradas não se mostram, contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, excluídos da aplicabilidade do perdão previsto na Lei 38-A/2023».

Considero que se deve dar prevalência à primeira orientação.
Subscrevendo em abono desta orientação as considerações proferidas por Cruz Bucho em recente estudo sobre a matéria dado de 01.03.24 que depois de se debruçar sobre a questão disse- transcreve-se:
«Pese embora o teor do Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc 9179/04.2PBLSB-A.L1-5, rel. Maria José Machado, que parece restringir o conceito de criminalidade violenta a condutas que dolosamente se dirigem contra a integridade física, é indiscutível que o crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.", n.º1 do Código Penal integra o conceito de criminalidade violenta previsto no artigo 1º alínea j) do CPP, por se tratar de um crime doloso que se dirige contra liberdade das pessoas e a sua integridade física, sendo punível com pena de máximo superior a 5 anos. (cfr. neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 13-03-2008, proc." n.º 08P924, rel. Cons." Rodrigues da Costa, de 28-03-2018, proc. n.º 622/17.0SYLSB-A, rel. Cons." Lopes da Mota, de 4.11-2021, proc. n.º 77/2021, rel. Cons." Helena Moniz, de 9-06-2022, proc. n.º 41/2021. rel. Cons. Orlando Gonçalves, de 2-11-2023, proc. n.º 303/23.6JABRG-ALS1, rel.Cons. Ernesto Vaz Pereira e de 8-2-2024, proc." n.º 1821/23.1PBLSB-A.S1, rel. Cons, João Rato e ainda Maria do Carmo Silva, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2ed., Coimbra, 2022, pág. 89).
Por outro lado, nos termos do n.° 3 do artigo 67.°-A do CPP "As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b)do n.º 1".
Sempre é sempre.
Foi esta a opção do legislador por muito criticável que a mesma possa ser considerada.
Por conseguinte as vítimas de crime de roubo, na sua forma ou simples ou qualificada, são sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis.Como bem se assinalou no Ac. da Relação de Évora de 28-02-2023, proc.° n.° 637/2020, rel. Artur Vargues, "atendendo à definição de criminalidade violenta e especialmente violenta previstas nas alíneas j) e 1) do art.º 1º do Código de Processo Penal, resulta que as vítimas de crime de roubo ou de violência após a subtracção, na sua forma ou simples ou qualificada, são consideradas, ope legis, como vítimas especialmente vulneráveis"
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias em "Ofendida, lesada, assistente, vítima definição e intervenção processual" in Revista Julgar Online, fevereiro de2019, pág. 29 e Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2ed..Coimbra, 2022, pág. 89 sustenta, com razão, que as vítimas deste tipo de criminalidade são automaticamente consideradas 'vítimas especialmente vulneráveis
Tamhém Tiago Caiado Milheiro in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, cit.. pág. 796 em anotação ao artigo 67.°-A refere que "o legislador estabeleceu uma presunção de vulnerabilidade em relação às vítimas de criminalidade violenta we especialmente violenta (n.°3)" No mesmo sentido se pronunciaram os Profs. Teresa Quintela de Brito e Pinto de Albuquerque, in Pinto de Albuquerque (org-), Comentário do Código de Processo Penal, cit., pág. 270.
Como bem se concluiu no Ac. da Relação do Porto de 17-1-2024, proc. n.379/19.0PAVFR.P2, rel. Maria dos Prazeres Silva: "(...) a análise objetiva do conjunto das normas que integram a mencionada lei não permite afirmar a presença de ressalva ou limitação alguma quanto ao enquadramento das vítimas de roubo simples, consumado ou tentado, no âmbito do conceito legal de vítimas especialmente vulneráveis [artigo 67.°-A, n.° 1, alínea b), e n.° 3, do Código Processo Penal] conjugado com a definição legal de criminalidade especialmente violenta e criminalidade violenta [artigo 1., alíneas 1) e j), do Código Processo Penal], para efeitos de preenchimento da causa de exclusão do perdão de penas que a mesma lei prevê no seu artigo 7., n.° 1, alínea g)".
Esclarecido este primeiro ponto, avancemos um pouco mais.
Pode parecer difícil responder à pergunta formulada no Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc.° n.º 1153/16.1PCBRG-B.G1, rel. Florbela Sebastião e Silva: porque motivo o legislador, que até identifica crimes pelos respectivos artigos na sua integralidade, muitos dos quais com sub-tipos, decide cirurgicamente retirar do art°210° do Código Penal o roubo simples, correspondente ao n° 1, e mantém apenas o roubo agravado previsto no n° 2, quando em relação ao crime de burla, o legislador incluiu no leque de crimes não abrangidos pelo perdão precisamente a burla simples, prevista no artº 217° do Código Penal, a par da burla qualificada prevista no artº 218° do CódigoPenal?
Por vezes parece que também os caminhos do nosso legislador são insondáveis.
Importa, porém, não esquecer que a lei é o resultado da vontade de deputados que muitas vezes são incapazes de se abstraírem dos interesses dos seus grupos partidários.
A evolução dos trabalhos preparatórios parece-me ser a este respeito bastante ilustrativa.
A Proposta de Lei excluía do perdão e da amnistia o crime de roubo "em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no art. 210° do Código Penal'
Posteriormente, em 10 de Julho de 2023, foi apresentada proposta de alteração pelo Grupo Parlamentar do PSD que excluía do perdão e da amnistia os condenados por crime de roubo previsto no artigo 210.° do Código Penal.
Em 14 de Julho de 2023, foi apresentada outra proposta pelo Grupo Parlamentar do PS que apenas excluía do perdão e da amnistia os condenados pela prática do crime de roubo agravado, previsto no n.º 2 do artigo 210.° do Código Penal.
Essa menção ao crime de roubo manteve-se na proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS em 17 de Julho de 2023, que substituiu a proposta de 14 de Julho, tendo sido aquela proposta que acabou por ficar consagrada no texto final do artigo 7.°,n.° 1, alínea b), subalínea i)., da Lei n° 38-A/2023, de 2 de agosto.
O mesmo ocorreu quanto à alínea g), do artigo 7º da citada Lei, que, à semelhança daquela, também teve uma redação diferente da constante da inicial proposta de lei apresentada pelo Governo.
Aquela proposta inicial excluía do perdão e da amnistia "g) Os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens e as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes", mas a redação final que fez vencimento e que resultou também de uma proposta de alteração apresentada pelo mesmo Grupo Parlamentar do PS exclui do perdão e da amnistia "g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.°-A do Código de Processo Penal".
Quer isto dizer que perante o texto que veio ser aprovado foi obtido exactamente o mesmo resultado que havia sido proposto pelo PSD.
Todos os crimes de roubo estão excluídos do perdão.
Mas em vez de ter sido aprovada a proposta de alteração do PSD, aquela exclusão resulta antes da conjugação das alíneas alínea b)-i) e g) do n.°1 do artigo 7.° que são o resultado de propostas de alteração do PS!
Para além dos elementos gramatical, sistemático e teleológico abordados nos acórdãos que seguem a primeira orientação, afigura-se-me que os elementos histórico sistemático devem ser acentuados. Na determinação das excepções à aplicação da amnistia e do perdão o legislador, embora de forma algo trapalhona, utilizou diversas técnicas que combina de forma pouco clara.
Com efeito no artigo 7.° depois de salientar no n.°1 que não beneficiam do perdão e da amnistia prevista na presente Lei, o legislador começa por enumerar os crimes que entendeu não beneficiarem de amnistia e perdão constantes do Código Penal [alíneas a)a e)] e em legislação avulsa [alínea f)],
Note-se que pelo menos em relação a algumas alíneas do artigo 7.° o legislador parece ter utilizado impropriamente a expressão "condenados" (cfr. a este respeito os acima mencionados em 12.1Acs. da Relação de Coimbra de 24-1-2024, proc.° n.°477/22.3GAPMS.C1, rel. Alexandra Guiné e de 7-2-2024, proc.° n.° 1180/20.4T9GRDB.C1, rel. Ana Carolina Cardoso).
Quanto aos crimes constantes do Código Penal a Lei faz referência expressa aos títulos do Código Penal (crimes contra as pessoas, crimes contra o património, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, crimes contra a vida em sociedade, crimes contra o Estado) e a propósito de cada uma das categorias em causa, enuncia os crimes excepcionados com referência à designação e artigo constantes do Código Penal lex Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei "a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por: "i) Crimes de homicídio e infanticídio previstos nos artigos 131.° a 133.°e 136.° do Código Penal..." -artigo 7.° n.°1, i)].
Mas, para além de enumerar os crimes que entendeu não beneficiarem de amnistia e perdão constantes do Código Penal [alíneas a) a e)] e em legislação avulsa [alínea 1],legislador pretendeu restringir ainda mais o campo de aplicação das medidas de clemência. Para o efeito criou diversas outras causas que excluem a aplicação da amnistia e/ou do perdão, tendo em consideração:
- certos tipos de vítimas dos crimes:
-"crianças, jovens e vitimas especialmente vulneráveis nos termos do artigo 67.°A do CPP" - alínea g)
-membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respectivas funções - n.°2;
-Certos agentes do crime:
-atendendo ao cargo que desempenham ["titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas" -alínea h)]
-atendendo ao cargo desempenhado pelo agente conjugado com as infracções cometidas ["os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena" - alínea k)] -
- o tipo de pena a que se reporta a condenação ["os condenados em pena indeterminada"- linha i);
-a verificação no crime da circunstância qualificativa comum ["os reincidentes" - alínea a J)
Assim, v.g., os crimes de injúria (artigo 181.° do Código Penal) e de ofensa à integridade física negligente (artigo 148.°, n.°1 do Código Penal) são em principio amnistiáveis porque puníveis, respectivamente, com pena de prisão até três meses ou com pena multa até 120 dias e com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias(cfr. artigo 4.° da Lei).
Mas se algum daqueles crimes for praticado por um agente da PSP ou sobre um agente da PSP, em ambos os casos no exercício das suas funções, já o crime não é amnistiável nem a pena aplicada ao agente do crime é perdoável.
A conjugação destas diversas causas de exclusão conduz à existência de sobreposições: assim a vítima do crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artigos 131.° e 132.° do Código Penal é sempre uma vítima especialmente vulnerável, o mesmo se passando com a vítima do crime de violência doméstica ou com a vítima de crime contra a autodeterminação sexual (cfr. n.° 3 do artigo 67-A do CPP), mas tanto crime de homicídio como o de violência doméstica ou contra a autodeterminação sexual constam expressamente da enumeração dos crimes cujas penas não são susceptíveis de perdão.
Noutros casos o crime não consta da enumeração das alíneas a) a f) e, no entanto, não pode beneficiar do perdão por força das demais alíneas e números do mesmo artigo 7.°.
E o que se passa com o crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal cuja pena não é perdoável atento o disposto na alínea g).
Como bem se assinalou no Ac. da Relação do Porto de 17-1-2024, proc. n.º379/19.0PAVFR.P2, rel. Maria dos Prazeres Silva: «(...)a integração do crime de roubo, qualquer que seja a sua forma simples ou agravada, no âmbito dos crimes contra vitimas especialmente vulneráveis, excecionados na alínea g), do n.° 1, do mencionado artigo 7º., da Lei n.° 38-A/2023, de 02-08, não implica desnecessidade ou incoerência na sua inclusão no rol dos crimes contra o património que se encontram excluídos do perdão no ponto i), da alínea b), do n.º 1, do citado preceito legal, mas antes resulta de diferente organização temática das exceções à aplicação do perdão, baseada em critérios diversos, nomeadamente em razão do tipo de crime e área de bens jurídicos tutelados, por um lado, e em função das vítimas, por outro. Acontece, aliás, que também o preenchimento de outras exceções previstas nas alíneas h) a k), do n.º 1, do artigo 7º, da indicada lei, pode ocorrer em simultâneo ou independentemente do cometimento de crime incluído no âmbito dos delitos discriminados nas alíneas a) a f) do mesmo preceito legal, donde não resulta qualquer incongruência e/ou inutilidade na discriminação dos crimes excecionados operada no preceito legal em análise».
No mesmo caso podem coexistir diversas causas que excluam o perdão - ex: crime de homicídio tentado [alínea a)i.], cometido contra criança [al. g)], praticado por membro de forças policiais no exercício de funções [al. k)].
Afigura-se-me, pois, que as causas exclusão funcionam independentemente umas das outras, são autónomas entre si, não existindo qualquer relação de subsidiariedade entre elas.
Como hem observa o Dr. José Esteves de Brito, "Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.° 38A/2023....", cit., pág. 14, nota 20, a propósito do crime de roubo simples "(...) do teor literal do art 7º,n.º 1, al. g), da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto, não resulta que a hipótese aí prevista seja subsidiária ou residual em relação às restantes alíneas do n.° 1, do art.º 7.,da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, nomeadamente a al. b)-i)".
Para além das restrições temporal e etária constantes do artigo 1.°, dos limites impostos pelas penas aplicáveis relativamente aos crimes amnistiáveis (artigo 4.°) e, no que se refere ao perdão, dos limites das penas aplicadas de prisão (artigo 3.° n.°1) e de multa(artigo 3.0 n.° 2 alínea a), o legislador estabeleceu no artigo 7.° uma completa e complexa teia de excepções, tudo com o claro propósito de apenas outorgar o benefício da amnistia a bagatelas penais e ainda aqui com excepções e de excluir o perdão de um ano de prisão relativamente a certos crimes graves que repugnam à consciência colectiva ou de o excluir por outras razões de política criminal, atendendo nomeadamente às necessidades de prevenção geral (como é patente, v.g., no que concerne ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas).»]

Por estas razões não aplicaria qualquer tipo perdão aos arguidos destes autos.].

Raúl Esteves


(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
__________________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[4] Relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[5] Relatado por Filipa Costa Lourenço, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[6] Relatado por Ana Barata de Brito, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[7] Relatado por Raúl Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[8] Relatado por Henriques Gaspar, disponível em Col. Jurisprudência – STJ, 2003, t.II, pág. 221
[9] Relatado por Raúl Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[10] Ainda que ali discorrendo a propósito dos termos em que se configura o regime do arbitramento indemnizatório oficioso previsto no art. 82º–A do Cód. de Processo Penal, no citado aresto se vem a consignar o seguinte – com sublinhados agora apostos : «A automaticidade da consideração das vítimas de criminalidade violenta serem tidas, ou ficcionadas como vítimas especialmente vulneráveis, como veremos, é questão mais problemática. (…)
Na definição do art. 1.º, al. l), do Código de Processo Penal, a criminalidade especialmente violenta, como de resto, ocorre com a criminalidade violenta, na al. j), é definida em função da natureza do bem jurídico violado, prevalecendo a tutela de direitos de personalidade –vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual–, a que acrescem as condutas dirigidas contra a autoridade pública, e, cumulativamente, da ordem de grandeza da pena cabível ao caso – pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos ou a 8 anos. (…)
Por outro lado, é de rejeitar a aplicação automática da proclamação das vítimas de casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta como sendo sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis.
Relembrando, estabelece o n.º 3 do artigo 67.º-A do CPP:
3 – As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
Tais vítimas são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º1.
Mas, quais são os efeitos da alínea b) do n.º 1 ?
A alínea b) contém apenas uma definição, começando por afirmar-se ser pessoa com especial fragilidade, resultante dos factores que invoca.
a) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.
A especial fragilidade aproxima-se do conceito de vítima especialmente indefesa presente na Lei de Política Criminal n.º 51/2007, de 31 de Agosto (entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, valendo para o biénio de 2007-2009), em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99), que aprovou a Lei Quadro da Política Criminal, a que se seguiu a Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009), definindo os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011 (abarcando o período temporal compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011), na qual em relação à versão anterior o adjectivo “vulneráveis” substituiu “indefesas” e foi aditado “imigrantes” na alínea b) do artigo 2.º.
Seguiu-se a Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho, para o biénio de 2015-2017, sendo que no elenco dos fenómenos criminais de prevenção prioritária definidos no artigo 2.º não é mencionado o crime de roubo, mas antes na alínea b) “A criminalidade violenta organizada ou grupal”, reportando na alínea “d) Os crimes praticados contra crianças e jovens e outras pessoas vulneráveis”, referindo o artigo 8.º planos de policiamento de proximidade ou programas especiais de polícia destinados a prevenir a criminalidade “a) Contra pessoas idosas, crianças e outras vítimas especialmente vulneráveis.
O diploma entrou em vigor em 1 de Setembro de 2015, três dias antes da publicação da Lei n.º 130/2015.
Anota-se que no Anexo a que alude o artigo 14.º, o crime de roubo não é mencionado vez alguma.
Na Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto, para o biénio de 2017-2019, entrada em vigo rem 24-08-2017, não é referenciado o roubo, referindo-se a “criminalidade violenta organizada ou grupal” na alínea b) do artigo 2.º e na alínea e) correspondente à anterior d) foram incluídos os idosos, estabelecendo: “e) Os crimes praticados contra crianças e jovens, idosos e outras pessoas vulneráveis”, e estabelecendo no artigo 8.º, alínea a) o mesmo que a anterior Lei.
Do mesmo modo, no Anexo a que se refere o artigo 17.º não é mencionado o crime de roubo.»
[11] Relatado por Luísa Alvoeiro, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[12] Relatado por Hermengarda do Valle–Frias, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[13] Disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf