Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1239/23.6YLPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RP202312071239/23.6YLPRT-A.P1
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Deduzida oposição no procedimento especial de despejo, não obstante a fase jurisdicional que se segue à distribuição ser caraterizada pela celeridade e simplificação processual, impõe-se assegurar o direito do arrendatário ao exercício do contraditório, aliás consagrado pela previsão de um novo articulado constante da segunda parte do n.º 2 do artigo 15º-H do Novo Regime do Arrendamento Urbano, o qual tanto poderá servir para responder à matéria de exceção como para responder à matéria da reconvenção deduzida.
II - Razões de economia processual e de tutela efectiva do arrendatário justificam que no âmbito do procedimento especial de despejo, o arrendatário se possa defender, na oposição, por impugnação, por excepção e ainda, por reconvenção, fazendo valer, designadamente, o seu direito a indemnização pelo cumprimento defeituoso do contrato de arrendamento, para além da mera compensação de créditos (sempre admissível) e evitando a interposição de acção autónoma, que poderia vir a constituir causa prejudicial à efectiva desocupação do locado.
III - A indemnização peticionada nos autos prende-se com o (alegado) incumprimento pelo senhorio, precisamente, da obrigação que é correspectiva da renda (cuja falta de pagamento se constitui como causa do despejo), a saber, a de proporcionar o gozo da coisa para os fins do contrato; com o que em causa o exercício de direito que tem causa no mesmo contrato de arrendamento mesmo cuja cessação vem pedida e, assim, verificada a conexão objetiva que justifica a admissibilidade da reconvenção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1239/23.6YLPRT-A.P1.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 8

Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Judite Pires
2º Adjunto: Maria Manuela Barroco Esteves Machado
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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
Nos presentes autos de Ação Especial de Despejo, com o nº 1239/23.6YLPRT, em que são autora AA e Réu BB, na sua oposição, veio o réu negar ter rendas em atraso (fundamento do pedido de despejo na presente acção) e, adicionalmente, deduzir pedido reconvencional, peticionando a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de €52.213,50, acrescida da quantia respeitante a juros moratórios, calculados desde a data da notificação da oposição e até à data do efetivo e integral pagamento.
Alegou para tanto que, em resultado de episódios de infiltrações, que participou à sua Companhia de Seguros (como sinistro) mas cuja responsabilidade esta última declinou, sofreu transtornos e perdas financeiras, a saber: contrato com CC, projecto ..., que seria produzido em parte na loja no valor de 10.000,00 € + IVA, cocktail de degustação da marca ..., com um pack de 10 figuras públicas no evento de 20.500,00 € + IVA e venda e instalação da ... + Técnica para o salão no valor de 6.000,00 € + IVA.
Em pronúncia contraditória, a autora negou que tais danos lhe tivessem sido reportados e declina qualquer responsabilidade pelos mesmos, cuja realidade põe em causa.
Sustenta desde logo a inadmissibilidade da dedução de reconvenção neste tipo de acção, alegando para tanto que o pedido feito pelo Requerido não é a título de excepção peremptória mas sim como reconvenção, não tendo origem no contrato de arrendamento (despesas decorrentes do contrato) e nem sequer advém daquele (benfeitorias), tratando-se de matéria individual e distinta que carece de prova e que deverá ser discutida, caso o Requerido assim entenda, em acção própria, pois que a sua apreciação em sede de acção de despejo contenderia com o carácter urgente, célere e simples deste tipo de procedimento.
A M.ma Juiz indeferiu a pretensão reconvencional.
Dessa decisão veio o Réu interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª) A Mma. Juíza à quo através do douto despacho que proferiu em 25-09-2023, não admitiu o pedido reconvencional do Réu, aqui Recorrente, e designou o dia para a realização da audiência de julgamento, para o próximo dia 18 de Outubro de 2023, pelas 14 h 30 m.
2ª) Porquanto entende que no caso dos presentes autos, não é admissível pedido reconvencional por entender que não estão em causa valores de quaisquer despesas decorrentes ou com origem no contrato de arrendamento, nem com benfeitorias;
Contudo,
3ª) Da matéria constante dos artigos 7º, 12º, 13º, 14º e 28º supra transcritos, contradizem o invocado pela Mma. Juíza à quo, no sentido de que no caso dos presentes autos não estão em causa valores de quaisquer despesas decorrentes ou com origem no contrato de arrendamento;
4ª) assim bem como a matéria constante dos artigos 12º, 13º, 14º e 28º supra transcritos, contradizem o invocado pela Mma. Juíza à quo, no sentido de que no caso dos presentes autos o pedido reconvencional não está relacionado apenas e só com o contrato de arrendamento e, nomeadamente, quando se pretende fazer valer a figura da compensação de créditos,
5ª) assim bem como, ainda, a matéria constante do artigo 22º supra transcrito, contradiz o invocado pela Mma. Juíza à quo, no sentido de que, para se conceber a figura da compensação, o Réu não tenha admitido, para além da qualidade de credor que se arroga, a qualidade de devedor perante a Autora, porquanto o que ressalta à saciedade do teor do referido artigo 22º é que o Réu, apesar de não pagar a renda, continua a utilizar o locado, como forma de ir efetuando a compensação do seu crédito.
6ª) A Mma. Juíza à quo ao não admitir a reconvenção do Réu viola o principio da economia processual e prejudica, de uma forma irreversível, a tutela efectiva da posição jurídica do Réu.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a decidir nos autos: a de saber se é admissível a dedução de reconvenção no presente procedimento especial de despejo, baseado este na falta de pagamento das rendas, quando o arrendatário peça reconvencionalmente indemnização emergente de prejuízos decorrentes da falta de condições do arrendado.
III.

A decisão sobre a admissibilidade da reconvenção implica, em nossa opinião, a consideração da causa de pedir da reconvenção, explicitada nos artigos 4º a 11º e 16º a 22º da oposição, para os quais nos remetemos.
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A Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, veio alterar o NRAU introduzindo medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano, entre elas, um novo procedimento especial de despejo do local arrendado com vista a permitir “a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento” – cf. art.º 1º da referida Lei -, com o que se pretendeu agilizar o procedimento de despejo.
Por sua vez, o DL n.º 1/2013, de 7 de Janeiro e a Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro vieram definir as regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo.
Tal procedimento especial de despejo (PED) está previsto nos art.ºs 15 a 15-S do NRAU e é apenas aplicável nas situações previstas no n.º 2 do mencionado art. 15º. Nos demais casos, e de modo a fazer cessar o arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, deverá o senhorio recorrer à acção de despejo prevista no art. 14º do NRAU.
O PED é, pois, um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção das partes, podendo servir-lhe de base, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado da comunicação ao arrendatário na qual se invoque, fundamentadamente, a obrigação incumprida – cf. art.º 1084º, n.º 3 do Código Civil e art. 15º, n.ºs 1 e 2, e) do NRAU.
O requerimento de despejo – no qual o requerente deve indicar, designadamente, o fundamento do despejo - é apresentado no BNA, que, caso não o recuse, notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, desocupar o locado – e se for caso disso, pagar as quantias pedidas pelo requerente – ou deduzir oposição à pretensão do requerente – cf. art.ºs 15-A, n.º 1, 15º-B, n.ºs 1 e 2 e) e 15º-D, n.º 1 do NRAU.
Se o requerido se opuser à pretensão de despejo, o BNA remete os autos para o tribunal, no qual se abre, perante o juiz, uma fase declarativa, um processo declarativo especial, regulado, naquilo que não estiver especialmente previsto, pelas regras gerais e comuns do Código de Processo Civil e, em tudo o que não estiver prevenido, numas e noutras, pelo que se acha estabelecido para o processo comum de declaração – cf. art.º 549º, n.º 1 do CPC.
No que diz respeito à oposição ao procedimento especial de despejo, dispõe o art. 15-F do NRAU: “1.- O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação. 2.- A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais. […]”
Por sua vez, prevê o art. 15-H que: “1.- Deduzida oposição, o BNA apresenta os autos à distribuição e remete ao requerente cópia da oposição.
2.- Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais, ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório.
3.- Não julgando logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decidindo logo do mérito da causa, o juiz ordena a notificação das partes da data da audiência de julgamento.
4.- Os autos são igualmente apresentados à distribuição sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial.”
Atente-se que é obrigatória a constituição de advogado para a dedução de oposição ao requerimento de despejo, tendo as partes de fazer-se representar por advogado nos atos processuais subsequentes à distribuição no procedimento – cf. art.º 15-S, n.ºs 3 e 4 do NRAU.
Aos prazos aplicam-se as regras previstas no CPC, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação; e os atos a praticar pelo juiz no âmbito do PED assumem carácter urgente – cf. art.º 15º-S, n.ºs 5 e 8 do NRAU.
Em conclusão, no que concerne às regras de tramitação processual estabelecidas pelo legislador, previstas designadamente nos art.º 15.º-F, 15.º-H e 15.º-I, evidencia-se um conjunto de normas que se apresentam como especiais face ao processo comum, que, no essencial, visam alcançar aqueles objetivos de simplificação e celeridade.
Apresentando-se como um processo urgente, as especialidades do PED manifestam-se não apenas nos prazos previstos para a prática dos atos pelos vários intervenientes processuais, que são reduzidos (v.g., n.º 1 do art.º 15.º-F, o n.º 2 do art.º 15.º-H ou o n.º 1 do art.º 15.º-I), como ademais na forma simplificada dos atos, desde logo a apresentação da oposição, que não tem de ser articulada – n.º 2 do art.º 15.º-F - ou a sentença, sucintamente fundamentada e ditada para a ata – n.º 10 do art.º 15.º-I.
Estamos assim, reitera-se, perante um processo especial caracterizado pela celeridade e simplificação do processado, sem prejuízo do direito de defesa do arrendatário e do contraditório.
Caraterizando o pedido reconvencional um outro pedido formulado pelo réu contra o Autor, nos termos do art.º 266.º n.º 1 do CPC, a sua admissibilidade vai sempre introduzir a necessidade de se apreciarem e decidirem novas questões, que no âmbito do contrato de arrendamento é previsível que em muitos casos sejam mais complexas, manifestamente quando esteja em causa o direito a indemnização por vícios ou defeitos do arrendado.
Em função destas especificidades, como desde logo se avança na decisão recorrida, é discutida a questão da admissibilidade da reconvenção no processo especial de despejo, que é o espécime dos autos.
Nessa medida, já se decidiu no Acórdão do TRE de 20/11/2014 no proc. 3588/13.2YLPRT.E1 in www.dgsi.pt, na sequência da apreciação da regulamentação processual do PED: “Ora, da natureza célere e urgente do procedimento em apreço, com prazos apertados de tramitação e decisão, que apenas comporta dois articulados (ou novo articulado apenas para garantir o contraditório, designadamente, a excepções ou nulidades que tenham sido invocadas) resulta, desde logo, que tal procedimento não se compadece com acções cruzadas, como é o caso da reconvenção (cfr. A. Varela e outros “Manual de P.C.”, 2ª ed. p. 313/314), de instrução morosa que dificulte aquele objectivo de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, concretizados mediante a agilização do procedimento de despejo.”
Costumam também os sufragantes desta tese da inadmissibilidade convocar o art.º 266.º n.º 2 do CPC, que estabelece a inadmissibilidade da reconvenção quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do A., salientando ser a regra a da inadmissibilidade da reconvenção nos processos especiais.
Laurinda Gemas, in Algumas questões controversas no novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento, Revista do CEJ n.º 1, 2013, pág. 23 ss. Escreve que: “parece que dificilmente será admissível a defesa por reconvenção atento o disposto no art.º 266.º n.º 3 do CPC, já que ao pedido reconvencional corresponderá a forma de processo comum declarativo, manifestamente incompatível com o processo especial de uma acção no âmbito do PED, em particular face à urgência que os actos a praticar pelo juiz aqui assumem (art.º 15.º-S n.º 8) ao oferecimento de provas na audiência (art.º 15.º-I n.º 6) e à inexistência de audiência prévia.”[1]
No sentido da inadmissibilidade da reconvenção detetam-se na jurisprudência diversos arestos: acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2019, processo n.º 427/19.4YLPRT-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 30-06-2014, processo n.º 1572/13.5YLPRT.P1 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-11-2014, processo n.º 3588/13.2YLPRT.E1.
Já António José Lopes Regadas, in Procedimento Especial De Despejo - A eventual limitação de Direitos Fundamentais, Dissertação de Mestrado, Coimbra 2017, acessível em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/83864/1/disserta%C3%A7%C3%A3o_com_capa.doc.pdf, pág. 29: “Trata-se de uma fase jurisdicional marcada assumidamente pela celeridade processual mas que tem de procurar um ponto de equilíbrio entre dois interesses antagónicos e em litígio: por um lado, o direito de exercício do contraditório para permitir ao requerido a apresentação da sua defesa e, por outro, a possibilidade do arrendatário ter interesse, apenas e só, em retardar o despejo com o recurso ao incidente de oposição frustrando, pelo menos temporariamente, a pretensão do senhorio. A solução encontrada pelo legislador para equilibrar estas antagónicas pretensões radica num prazo relativamente curto entre a marcação da data de audiência de julgamento e a prolação da respetiva sentença: 20 dias, nos termos do disposto no artº 15º-I do NRAU/12 para se realizar a audiência de julgamento a contar da distribuição.”
Da breve síntese da tramitação do PED retira-se que o respectivo regime não contempla, ao menos de forma expressa, a possibilidade de dedução de reconvenção pelo demandado, mas não deixa de prever a existência de um novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório, conforme resulta de modo cristalino do n.º 2, segunda parte do art.º 15º-H do NRAU.
Manifesto que a existência de um pedido formulado pelo demandado contra o demandante introduz no processo a necessidade de apreciar e decidir novas questões, o que contende com a celeridade e simplificação que o legislador quis alcançar com a criação do PED.
Sempre a reconvenção é uma nova acção proposta pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), baseando-se num pedido conexo com o do autor. Deduzida a reconvenção, esta constitui uma acção enxertada noutra, ou seja, uma acção do réu num processo pendente, sendo considerada também como uma contra-acção ou como uma acção cruzada.
Com a dedução da reconvenção é o próprio conteúdo da relação processual que sofre uma significativa alteração, já que a reconvenção “representa uma cumulação sucessiva (não inicial) de objectos, tendo como principal especialidade a característica de este objecto ser um contra-objecto, já que se opõe àquele que é inicialmente proposto pelo autor.” – cf. Marco António Borges, A Demanda Reconvencional, 2008, pág. 23.
Não se pode ignorar o relevo dos argumentos convocados para sustentar a inadmissibilidade da reconvenção, posto que é, de facto, apanágio do PED a celeridade e simplicidade que se visou alcançar na solução de litígios em matéria de arrendamento.
Sempre, para além da visada celeridade processual e simplificação dos atos para se atingir rapidamente a decisão final, com supressão de fases processuais existentes no processo comum de declaração, não se pode deixar de ponderar a necessidade de assegurar o contraditório, aliás, expressamente consagrada com a possibilidade de dedução de oposição por parte do demandado e, mais do que isso, com a consequente transmutação do procedimento em acção declarativa por força da apresentação de oposição, o que atenua a expressividade da diversidade da tramitação do PED face à forma de processo aplicável ao pedido reconvencional.
Como anota Elizabeth Fernandez, in O Procedimento Especial de Despejo (Revisitando O Interesse Processual e Testando a Compatibilidade Constitucional), Revista JULGAR - N.º 19 – 2013, pág. 78: “A tramitação do PED varia conforme o requerido (locatário) deduza ou não oposição à injunção para desocupação que lhe é dirigida pelo locador através do BNA. Não deduzindo este qualquer oposição, formar-se-á o título de desocupação assente no silêncio voluntário do locatário e com base nele será efetivado o despejo. Pelo contrário, se o locatário requerido deduzir oposição à injunção de desocupação que lhe é dirigida pelo locador o procedimento injuntivo transforma-se numa ação declarativa que, enquanto tal só pode ser apreciada judicialmente e fora do âmbito do BNA, mais propriamente no tribunal de comarca onde se situe o bem imóvel em causa após um ato de distribuição.”
Serve isto para dizer que, não obstante a tramitação própria que a acção deve seguir, não se pode deixar de atender, também, a razões de economia processual e de tutela efectiva do arrendatário para sustentar, em princípio, a admissão da reconvenção, sobremaneira, quando, como sucede no caso concreto, está em causa – ao menos segundo a alegação e perspectiva do recorrente – a eventual extinção, total, da dívida atinente a rendas vencidas peticionada pela demandante/recorrida, a operar através da invocação pelo réu da compensação de créditos – cf. art.º 847º do Código Civil.
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Coloca em causa o recorrente a asserção, na decisão recorrida, de que na pretensão reconvencional: “não estão em causa valores de quaisquer despesas decorrentes ou com origem no contrato de arrendamento, nem com benfeitorias, mas antes com outras questões que, por isso, deverão ser apreciadas em acção própria pois que não se coadunam com a forma deste processo especial. Não pondo em causa a admissibilidade de pedido reconvencional, o mesmo terá de estar relacionado apenas e só com o contrato de arrendamento e, nomeadamente, quando se pretende fazer valor a figura da compensação de créditos, o que não é o caso dos autos, pois que para se conceber esta figura, o réu teria que admitir, para além da qualidade de credor que se arroga, a (dupla) qualidade de devedor perante a autora, que, no caso, nega, pois sustenta ser falso existirem rendas em atraso (desde logo no artigo 1.º da oposição)”.
Temos para nós que, nessa parte, lhe assiste razão e, assim, existir conexão objetiva entre a acção e a reconvenção.
Desde logo, a indemnização peticionada prende-se com o (alegado) incumprimento pelo senhorio, precisamente, da obrigação que é correspectiva da renda (cuja falta de pagamento se constitui como causa do despejo), a saber, a de proporcionar o gozo da coisa para os fins do contrato; resultando expressamente do articulado da oposição a vontade de exercer a compensação… Assim é que vem expressamente admitida a falta de pagamento das rendas como “exercício” de autotutela compensatória…
Não está, pois, em causa, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, o exercício de direito que não tem causa no contrato de arrendamento mesmo cuja cessação vem pedida…
Mais aduz o recorrente que a inadmissibilidade da reconvenção coloca em causa o seu direito de defesa e o princípio do contraditório, tendo em conta que só através da reconvenção poderá operar a compensação com o crédito de rendas, para além do que a celeridade processual não pode colocar em causa tais direitos e, bem assim, o direito de acesso ao direito e a tutela judicial efectiva.
Avaliando o caso em presença, como se adiantou, verifica-se que o que o arrendatário visa também é a extinção total do crédito de rendas reclamado pela A., invocando para o efeito um crédito sobre ela que pretende ver reconhecido, socorrendo-se para o efeito da compensação. Outrossim o crédito que se arroga é emergente do inadimplemento do mesmo contrato.
A compensação de créditos, prevista no art.º 847.º do C.Civil constitui uma causa extintiva das obrigações como decorre do n.º 1 deste artigo e do art.º 395.º do C.Civil que alude aos factos extintivos da obrigação.
Donde, o devedor demandado numa ação pode pretender invocar a compensação, com vista a determinar a extinção total ou parcial da dívida reclamada.
Nessa medida, ainda que a entender-se inadmissível a reconvenção, sempre nos autos teria de conhecer-se da questão suscitada, a título de exceção perentória[2], com o que “alargado” necessariamente o objeto da ação, em termos de frustrar as razões de simplificação aventadas para justificar a inadmissibilidade da Reconvenção (que apenas colheria quanto à parte do crédito peticionado que excede o pedido da Autora).
Em abono desta posição, Rui Pinto, O Novo Regime Processual do Despejo, 2ª ed., Abril 2013 págs. 153/154.
De resto, a obrigar-se o inquilino a interpor uma outra acção para fazer valer eventual direito a indemnização pelo cumprimento defeituoso do contrato pelo senhorio, a pendência dessa acção poderia, desde logo, constituir causa prejudicial para efeitos de efectiva desocupação do locado[4], o que se traduziria num retardar do procedimento especial, resultando, desse modo, frustrada a agilidade que se visou Alguma dado PED resulte, a final, num provável abreviar de tramitações e protelação do despejo.
Disso se dá nota no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2020, processo n.º 2723/19.1YLPRT.L1-7, na base de dados da dgsi, onde se concluiu pela admissibilidade da reconvenção aduzindo o seguinte:
Admitindo-se que tal direito apenas deveria ser exercido em ação autónoma que constituiria causa prejudicial relativamente ao PED, acabaríamos por contrariar, de igual modo, o caráter urgente deste mesmo procedimento (ver art. 272, nº 1, do C.P.C.).
Sempre a tramitação própria do PED não é necessariamente incompatível com a reconvenção. Embora corresponda a esta a forma de processo comum declarativo, sempre pode o juiz admiti-la, adaptando o processado (art. 266, nº 3, e 37, nºs 2 e 3, do C.P.C.).
Outrossim constituindo o PED um processo declarativo especial, naquilo que não esteja especialmente regulado valem as regras gerais e comuns do Código de Processo Civil e em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, vale o que se acha estabelecido para o processo comum (art. 549 do C.P.C.) (ver ainda Rui Pinto, ob. cit., pág. 160).
Finalmente, a possibilidade da existência de um novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório (nº 2 do art. 15-H) tanto poderá servir para responder à matéria de exceção como para responder à matéria da reconvenção deduzida ao abrigo do art. 266 do C.P.C..”
Ponderando, a proteção do direito do arrendatário, os princípios da economia processual e da utilidade dos atos processuais e não deixando o procedimento especial de prevenir expressamente a possibilidade de um novo articulado, para além do requerimento de despejo e da oposição, precisamente para garantir o contraditório (cf. art.º 15º-H, n.º 2 do NRAU), que tanto poderá servir para responder à matéria da excepção como para responder à matéria da reconvenção, propende-se para a admissão da reconvenção, não se acompanhando, assim, o despacho que a julgou processualmente inadmissível.
No sentido da admissibilidade da reconvenção no procedimento especial de despejo vejam-se, entre outros, o Ac. da RL de 5.4.2022, Proc. 937/21.3YLPRT.L1-7, o Ac. da RL de 27.4.2017, Proc. 3222/16.9YLPRT-2, e o Ac. da RL de 6.3.2014, Proc. 2389/13.2YLPRT.L1-2, todos em www.dgsi.pt, e ainda, nomeadamente, Rui Pinto, loc. cit., p161. Ver, ainda, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., 2018, pág. 536.
Pelas razões supra expendidas, apenas a admissão da reconvenção assegurará uma discussão ampla do direito que a demandante pretende fazer valer, no confronto com a invocação da compensação e direito a indemnização por cumprimento defeituoso do contrato.
IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro que admite a reconvenção, devendo o tribunal recorrido dar-lhe a devida sequência processual (com eventual convite ao aperfeiçoamento se assim se entender útil – cf. art.º 15º-H, n.º 2 do NRAU).
Custas pela apelada/recorrida.
Notifique.

Porto, 07 de Dezembro de 2023
Isabel Peixoto Pereira
Judite Pires
Manuela Machado
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[1] No entanto, não deixa de admitir a possibilidade de, sendo peticionado o pagamento de rendas, encargos e despesas pelo senhorio, o requerido invocar a compensação, designadamente com o crédito por benfeitorias ou outra indemnização a que tenha direito, admitindo também, em geral, a defesa baseada no direito de retenção – cf. art.ºs 216.º, 754.º, 756.º, 1273.º e 1275.º do Código Civil e art.º 29º do NRAU. Algumas questões controversas no novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento, Revista do CEJ nº 1, 2013, págs. 23/24.
[2] Sempre não está vedado que a matéria de excepção base da reconvenção possa subsistir como tal e possa ou deva (conforme os casos) ser deduzida na contestação.
[3] Parte da jurisprudência que admite a dedução da reconvenção nesta forma processual convoca o lugar paralelo da AECOPEC, argumento que não sufragamos, porquanto temos para nós inadmissível a dedução de reconvenção naquela forma processual, como de resto sustentamos já no Acórdão proferido no Processo nº 34898/23.0YIPTR-A.P1, de 09.11.2023.
[4] Ainda quando não se afigure cabível a situação convocada na hipótese do também convocado direito de retenção, o que se prefigura já como um problema de mérito. Assim é que o Réu se reconduz a um tal direito na oposição.