Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAQUEL CORREIA DE LIMA | ||
Descritores: | HERDEIRO LEGITIMÁRIO AÇÃO DE REDUÇÃO DE LIBERALIDADE POR INOFICIOSIDADE CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP20250429433/24.7T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/29/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Havendo um único herdeiro legitimário, reconhecido postumamente e tendo este intentado processo de inventário com o objectivo de determinar o valor do acervo hereditário do “de cuiús” e calcular o valor concreto da legítima, tendo sido chamados ao inventários os donatários e herdeiro testamentário, tem o primeiro interesse em agir numa acção comum proposta contra o herdeiro testamentário e um terceiro pedindo a nulidade, por simulação, de um negócio entre estes celebrado. II - O prazo de caducidade fixado no artigo 2178º do Código Civil somente rege para o caso de liberalidade feita a pessoa que não seja herdeira do autor da sucessão que a realizou. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível da .... - Juiz .... Processo nº 433/24.7T8PVZ ACÓRDÃO I. RELATÓRIO (transcrição) O autor AA, casado, NIF ...86, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou a presente ação declarativa de processo comum contra BB, NIF ...75, divorciado, residente na Rua ..., CP ... da freguesia ..., concelho ..., e A..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., NIPC ...07, peticionando a declaração de nulidade, por simulação, do negócio de permuta efetuado entre a 1.ª e a 2.ª rés (com o respetivo cancelamento no registo), e, subsidiariamente, a declaração de anulação do mesmo negócio por usura, e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do mesmo, com o reconhecimento do direito do autor a executá-lo no património da 2.ª ré no valor necessário ao preenchimento da sua legítima na herança do seu pai. Para tanto, invoca, resumidamente, que é filho de CC, falecido em 2010, o qual doou, em 2009, um prédio (designado por Quinta ...) ao 1.º réu, prédio esse que assume um valor muito superior ao da quota disponível, o que fez na pendência da ação de investigação da paternidade do autor, para que este não ficasse com o bem, em sede de inventário. Mais afirma que o 1.º réu, com vista a escapar à redução por inoficiosidade, procedeu à permuta do mesmo bem por outro, de valor substancialmente inferior, o que fez com a 2.ª ré, sociedade de que é sócio. Alega, ainda, que o mesmo foi feito com outros prédios e outras sociedades, todas ligadas ao 1.º réu. Os réus defenderam-se por exceção e por impugnação. A ré alega a falta de interesse em agir, pois o desfecho da ação não conduzirá ao desiderato pretendido pelo autor, na medida em que este depende da possibilidade (e da procedência) da redução da doação prévia à permuta, por inoficiosidade. Alega, ainda, a ilegitimidade do autor quanto ao pedido de anulabilidade do negócio por não ser uma pessoa a favor de quem a norma vem plasmada. Acrescenta a caducidade da providência cautelar por extinção do direito do autor. Defende-se ainda por impugnação. Já o réu alega que o autor já precludiu o direito à redução do negócio por inoficiosidade, alegando a caducidade do mesmo, e também invoca a falta de legitimidade do autor para requerer a anulação do negócio por usura. Foi exercido o contraditório, tendo o autor militado pela improcedência das exceções. O Tribunal, oficiosamente, levantou a questão da eventual existência de causa prejudicial, tendo as partes explicado que inexiste qualquer pendência de requerimento ou ação de redução da liberalidade por inoficiosidade. ** Foi proferida decisão aquando da audiência prévia de 29.11.2024 foi proferida decisão julgando improcedente a excepção da ilegitimidade, mas procedente a excepção dilatória atípica, de falta de interesse em agir e, em consequência, foram os réus absolvidos da instância. ** RECURSO Não se conformando com a decisão veio o Autor interpor recurso. Após alegações apresente as seguintes CONCLUSÕES: I) O recorrente é o único filho de um abastado proprietário, que faleceu solteiro, sem outros descendentes e sem ascendentes, sem ter chegado a reconhecer juridicamente a sua paternidade (não obstante a conhecer perfeitamente e ter até dado indícios de que o iria fazer voluntariamente), o qual havia transmitido, através de liberalidades (doações) efetuadas pouco antes de falecer e por testamento, a quase totalidade da sua fortuna a um terceiro, estranho à sua família, tendo ainda efetuado legados de outros bens a favor de outros terceiros, dispondo desse modo da totalidade dos seus bens, sendo que todos os beneficiários dessas liberalidades eram pessoas estranhas à sua família, não sendo seus herdeiros legítimos, pelo que, através de tais disposições, o pai do recorrente acabou por transmitir gratuitamente todos os seus bens a favor de terceiros, "deserdando", na prática, o seu único filho; II)- Após o trânsito em julgado do acórdão do S.T.J. que definitivamente declarou a filiação do recorrente (que veio a ocorrer apenas em 25/03/2015) pôde então o recorrente invocar o seu estatuto jurídico de filho e exigir coercivamente o quinhão hereditário a que tinha direito, ou seja, a parte da herança que constituía a sua legítima como filho, que teria obrigatoriamente de sair das disposições gue o pai tinha feito a favor de terceiros, pois, para além delas. nada mais ficara para partilhar; III)- Tendo tomado conhecimento do testamento e das doações a cuja escritura, entretanto, tivera acesso, e que nada tinha sobejado das liberalidades efetuadas pelo pai (e não tendo sido possível qualquer acordo, que ainda fora tentado), sendo ainda intenção do herdeiro testamentário partilhar passivo que invocava existir, o recorrente instaurou o competente inventário (no cartório notarial, por à data ser o competente para tramitar o processo), para efetuar a partilha da herança (até porque, com aquele testamento a favor do recorrido BB, passaram a existir dois herdeiros, um legitimário e um testamentário) e, no seu âmbito, lhe ser adjudicada a legítima a que tem direito por óbito do pai, para o que, forçosamente, nesse inventário terão que ser reduzidas as liberalidades que, violando o princípio da intangibilidade da legítima, tinham tido como objeto a totalidade dos bens do pai do recorrente, pelo que só com a sua redução por inoficiosidade, segundo os critérios da Lei, poderá o recorrente receber a parte da herança que constitui a sua legítima, tendo a instauração do inventário concretizado a sua aceitação da herança, pois ainda não tinha praticado antes qualquer ato de aceitação; IV)- O pedido de instauração do inventário, a que foi atribuído o nº 4281/15, foi apresentado em 16/09/2016, tendo o recorrente sido nomeado cabeça de casal, e nas respetivas declarações indicou a identificação completa de todos os beneficiários das liberalidades, para que fossem chamados desde logo ao processo, dada a indiscutível evidência de que os respetivos benefícios estavam em causa na partilha, e assim pudessem, quando necessário, defender os seus direitos quanto à redução que teria que ser efetuada, na medida da sua inoficiosidade, visto que, ao terem abrangido todos os bens do inventariado e feitas por alguém que tinha um herdeiro legitimário, haviam obviamente excedido a sua quota disponível e ofendido a legítima do filho; V)- Durante o período que mediou entre a realização daquelas liberalidades em vida e o reconhecimento do recorrente como filho do "de cujus", o herdeiro testamentário (e também beneficiário daquelas liberalidades em vida) - aqui 1º recorrido - "transferiu" a propriedade da generalidade dos bens que lhe tinham sido doados pelo pai do recorrente, para sociedades comerciais onde detém participações, não o tendo ainda feito, porém, relativamente a um valioso bem situado em pleno centro da cidade ... com mais de 30.000 m2, correspondente a 2/3 de um prédio, denominado "Quinta ...", o qual constitui o prédio mais valioso que havia sido objeto de liberalidades e, sozinho, tem um valor superior a todos os demais, pelo que o mesmo garantia ao recorrente o recebimento do 1° recorrido do valor da sua legítima; VI)- Entretanto, porque o recorrente descobriu que o 1º recorrido, através de um negócio simulado, "transferiu" aqueles 2/3 da Quinta ... (que garantiam a legítima do recorrente) para o nome da 2ª recorrida, tal como se mostra explanado nos presentes autos, instaurou um procedimento cautelar de arresto, que foi decretado por douto acórdão desse Venerando Tribunal (e mantido mesmo na sequência de contraditório dos requeridos, aqui recorridos), destinado a apreender aqueles 2/3 da "Quinta ..." "transferidos" pelo 1º. Recorrido pela a 2ª. Recorrida, e foi por isso que surgiu a presente ação, a qual, caso o inventário para partilha do património do pai do recorrente corresse os seus termos no Tribunal (e não no Cartório Notarial, como ao tempo da sua instauração era exigível), não seria sequer necessária, porque o procedimento cautelar decretado teria sido instaurado por apenso ao inventário -já que o que se pretendeu garantir (e assim decretado) foi o direito à legítima do recorrente, e é nesse processo de inventário que a questão da inoficiosidade e da redução das liberalidades será, necessariamente e no momento processualmente próprio, decidida; VII)- O presente recurso não versa sobre se o recorrente optou pela forma processual adequada (no caso, o inventário) para fazer valer o seu direito a partilhar os bens por óbito de seu pai e pedir a redução das liberalidades inoficiosas, já que a Mª. Juiz "a quo" entendeu que o recorrente podia optar tanto pelo processo de inventário, como pela ação sob a forma de processo comum, entendendo porém (no que radicalmente se diverge - donde também o presente recurso), que mesmo tendo sido instaurado o inventário para poder ser feita a redução das liberalidades, e apesar de considerar ser esse um meio idóneo para tal e de ter sido feito antes de decorridos dois anos após a aceitação da herança, o recorrente (que não pode controlar as vicissitudes nem o tempo de demora do inventário!) teria todavia de "saltar etapas", contra as regras adjetivas a observar na tramitação processual do inventário, que define o tempo e o modo de o fazer, para antecipar o pedido de redução por inoficiosidade para antes de decorrerem os dois anos, mesmo sem estar quantificado o valor dos bens, da legítima e o montante e ordem de redução, que dependem forçosamente de tramitação processual ainda não realizada; VII)- Apesar de saber que está pendente aquele processo de inventário, do qual nem sequer dispunha de todos os elementos, como reconhece no despacho recorrido(!), e sabendo que a presente ação acaba por ser instrumental daquele inventário, entendeu a Mª. Juiz "a quo" que poderia conhecer aqui a questão da suposta caducidade do direito à redução das liberalidades, por entender que o recorrente já deveria ter feito um pedido "ad hoc" dessa redução no inventário e, considerando que o não terá feito e que o inventário não será uma causa prejudicial da presente ação, entende tratar-se apenas duma questão prejudicial, e que, por isso, mesmo reconhecendo não estar na posse de todos os elementos do processo, tinha legitimidade para a decidir essa questão, nos termos do artigo 91º do C.P.C., do que igualmente se discorda e daí o presente recurso; IX)- Como está amplamente assente na jurisprudência e na doutrina, o interesse subjacente ao estabelecimento da caducidade reporta-se à segurança e certeza nas relações jurídicas, e os terceiros beneficiários da liberalidade (donatários ou legatários) - que em regra não podem recorrer ao processo de inventário para definir a situação da deixa de que foram beneficiários - não poderão permanecer indefinidamente à espera de uma iniciativa dos herdeiros legitimários, pelo que a caducidade aqui prevista se refere apenas à ação comum, por o beneficiário da liberalidade não ter legitimidade para instaurar o inventário (e, por isso, para obviar à indefinição do donatário ou legatário quanto à definitiva titularidade dos bens doados ou legados, é estabelecido um prazo durante o qual deve ser exercido o direito de redução da liberalidade), o que não terá aplicação nos processos de inventário, quando o beneficiário da liberalidade inoficiosa é um herdeiro; X)- Assim, se a existência do prazo de caducidade se justifica para as situações em que os donatários ou legatários não podem requerer o inventário, já assim não sucede no caso do herdeiro testamentário, como nestes autos, em que existem liberalidades feitas a título de remanescente da herança, a favor do 1º recorrido, pelo que este, tal como o recorrente, teria toda a legitimidade para instaurar o inventário para partilha dos bens do "de cujus", obviando àquela situação de incerteza e segurança jurídica que está na base do estabelecimento daquele prazo de dois anos, e daí que, no caso em apreço, o prazo previsto no artigo 2178º do e.e. não é aplicável, pelo menos, no que toca ao herdeiro testamentário; XI) Os beneficiários de uma vocação distinguem-se entre si consoante são chamados a título de herdeiro ou a título de legatário - art. 2030°, nº 1, do CC, e o nº 2 do art. 2030º do CC refere "Diz se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.", não existindo dúvidas que o 1º recorrido é herdeiro do "de cujus" e, assim, sempre teria o direito de exigir a partilha (artº. 2101º. nº 1 do CC), direito esse que se exerce mediante acordo ou por meio de inventário (artigo 4° nº. 1 a) da Lei 23/2013), por ser interessado direto na partilha; XII)- As razões de ordem pública que presidem ao estabelecimento daquele prazo de dois anos para requerer a redução das liberalidades inoficiosas não se aplicam ao herdeiro testamentário (como o 1° recorrido) que, tal como os legitimários, tem também legitimidade para requerer inventário e ver andar a indefinição relativamente à situação da deixa de que foi beneficiário; XIII)- O instituto da inoficiosidade é de interesse e ordem pública, visando proteger, com, sem ou mesmo contra a vontade do doador, a legítima dos herdeiros forçados e não há qualquer razão para, num caso como o presente (em que há um herdeiro testamentário que pode requerer o inventário, e que à semelhança do recorrente, tem direito a 50% da herança) colocar num patamar superior o interesse subjacente ao estabelecimento do prazo de caducidade, relativamente ao interesse subjacente ao instituto da inoficiosidade; XIV)- Se é para obviar àquela indefinição do beneficiário das liberalidades quanto à definitiva titularidade dos bens, que foi estabelecido um prazo durante o qual deva ser exercido o aludido direito de redução da liberalidade, não se impõe essa exigência quando o beneficiário for simultaneamente herdeiro (legitimário ou testamentário), pois quer uns, quer outros poderão recorrer ao processo de inventário para pôr termo à situação de indefinição, e não existe qualquer razão objetiva para diferenciar a situação do herdeiro legitimário da do herdeiro testamentário, pois ambos podem exercer, de igual maneira, os seus direitos no processo de inventário; XV)- Ao aplicar o artigo 2178º do Código Civil, interpretando-o com o sentido de que o prazo de caducidade aí previsto não é aplicável se o beneficiário dessa liberalidade for herdeiro legitimário, mas já o é se o beneficiário das liberalidades for herdeiro testamentário (nomeadamente do remanescente da herança), aliás numa situação como aqui, em que há apenas um herdeiro legitimário e o herdeiro testamentário tem direito a 50% da herança (como o herdeiro legitimário), tal norma, interpretada nesses termos, seria manifesta mente inconstitucional por violação dos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa; XVI)- Como douta e decisivamente referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, a págs. 124 do seu "O Novo Regime do Processo de inventário e Outras Alterações à legislação Processual Civil' (Almedina, 2020), e se afigura incontestável, "há que reconhecer o bem fundado da orientação que exclui da sujeição ao prazo de caducidade as reduções que sejam requeridas em processo de inventário contra beneficiários de liberalidades que, por também serem interessados na partilha da herança. também têm intervenção no processo de inventário como interessados diretos ou secundários", pois "[neste caso, os donatários e os legatários atingidos pela redução não podem ignorar que, na partilha da herança indivisa, não podem deixar de ser tomadas em conta as liberalidades de que beneficiaram, quando tal seja indispensável para a tutela da intangibilidade da legítima dos herdeiros"; XVII)- Por força das liberalidades feitas pelo pai do recorrente, este viu-se obrigado a lançar mão dos meios legais competentes para exigir a partilha da herança do pai e receber a parte correspondente à sua legítima, que é de metade da herança (nº. 2 do artº. 2159 do CC), como filho e único herdeiro legitimário, tendo, assim, para tal, instaurado inventário, que era o meio processual legalmente adequado para realizar a partilha da herança (composta por ativo e, segundo o 1º recorrido, também por passivo) e serem resolvidas as questões que a condicionavam, nomeadamente o apuramento da existência e dimensão da inoficiosidade das liberalidades e a sua redução, em concreto, de acordo com os critérios da lei substantiva (arts. 2168 nº 1, 2169, 2171 e 2174 do CC), para lhe poder ser atribuída, após tal redução, a efetuar cumprindo as normas adjetivas do processo, o quinhão hereditário correspondente à sua legítima; XVIII)- Logo ao apresentar a relação de bens naquele processo, o recorrente, enquanto cabeça-de-casal da herança, relacionou todos os bens que conseguiu identificar, nomeadamente todos os bens que foram doados ao recorrido BB por seu pai (nomeadamente o prédio que está em causa nos presentes autos) e todos os bens legados por aquele a terceiros, relacionando aquelas doações e legados e identificando os seus beneficiários, e fazendo intervir no inventário (como intervêm) quer o herdeiro e donatário BB, quer os demais legatários; XIX)- O entendimento vertido pela Mª. Juiz "a quo" na decisão recorrida, a respeito da intervenção dos legatários e donatários no processo de inventário (pag. 11, 2º parágrafo), salvo o devido respeito, não tem o menor sentido e descura aquilo que, de facto, resulta da Lei e é o seu espírito, sendo certo que caso o recorrente não quisesse colocar em causa as liberalidades inoficiosas, através da sua redução, não as teria relacionado e indicado os beneficiários, mas tendo-o feito, não podem existir dúvidas acerca do seu objetivo, e aquilo que o artigo 4º nº 2 da Lei 23/2013 refere é que "os legatários e os donatários são admitidos a intervir em todos os atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legitima e implicar eventual redução das respetivas liberalidades"; XX)- Se os legatários e donatários foram chamados a intervir no processo (e foram-no porque o .recorrente relacionou os bens doados e legados e indicou os beneficiários no inventário, logo no início, indicando também as liberalidades que lhes foram feitas) e se a Lei refere que são chamados para intervir nos atos que sejam suscetíveis de influir no cálculo da legítima e implicar a redução das liberalidades, não é possível afirmar que a sua chamada e intervenção no processo não tivesse como objetivo aquela redução das liberalidades, ademais quando todos ficaram desde logo cientes de que todos os bens da herança do pai do recorrente haviam sido objeto de liberalidades; XXI)- Poderiam até existir dúvidas do "quantum" necessário à redução das liberalidades (nem sequer hoje é possível saber, por o valor dos bens ainda não estar determinado) e quais desses bens vão ser reduzidos e em que medida (até por existir uma ordem legal para a redução - artigo 2171 do C. Civil - e haver vários beneficiários, pelo que poderão ser reduzidas algumas e outras não) mas sem dúvida todos ficaram cientes que teriam de ser reduzidas, e, que, não fosse esse objetivo, os mesmos não seriam chamados ao processo; XXII)- Se o pai do recorrente dispôs do seu património a favor de terceiros (quer por doações, quer por legados), se o mesmo ainda instituiu herdeiro do remanescente o recorrido BB, e se o recorrente, herdeiro legitimário e cabeça-de-casal da herança, relacionou todos esses bens para entrarem na partilha e fez intervir no processo todos os beneficiários das liberalidades, não há como poder defender-se que não tenha existido uma manifestação por parte do recorrente de que estava a exercer o seu direito para obter a redução das liberalidades - que assim teria que ocorrer nesse processo, através do incidente previsto na lei para o momento em que, já determinados os valores de todos os bens da herança, a lei impunha que fosse notificado para o efeito - nem que os beneficiários das liberalidades, quando chamados ao inventário. não tivessem logo noção dessa pretensão, até porque nada obriga a que essa manifestação no inventário se feita de forma expressa (até ao momento próprio, previsto na tramitação do respetivo inventário, como se irá referir). nada obstando a que se feita de forma tácita; XXIII)- O processo de inventário ficou submetido ao regime da Lei nº 23/2013, que estava então em vigor (e é ainda aplicável ao inventário em causa) e que, além do mais, contém os mecanismos processuais próprios para se apurar a inoficiosidade das liberalidades (que, tendo abrangido a totalidade da herança, incluindo parte indisponível que constituía a legítima do filho, tomavam forçosa a sua redução, em conformidade com os critérios da lei substantiva, pois sem ela nada havia para integrar a legítima do filho, que assim ficaria deserdado), tendo o recorrente instaurado a dita ação de inventário com a finalidade de pôr fim à comunhão hereditária (art. 2° nº 1 daquela Lei), visando a definição e a partilha da herança, entre o recorrente, por um lado, e o herdeiro testamentário e demais beneficiários das restantes liberalidades, por outro, de modo a ser definido, através do incidente expressamente previsto naquela Lei, a existência de inoficiosidade e o seu montante, e poder requerer a sua redução, nos termos do artº. 2169 do CC, à parte que não ofendesse a sua legítima, possibilitando-lhe assim receber a quota parte da herança que lhe cabe como único herdeiro legitimário do inventariado, que, por isso, era indisponível; XXIV)- Na Secção VIII daquela Lei, sob a epígrafe "Do apuramento da inoficiosidade", prevê-se o desencadear dos trâmites específicos desse incidente quando, na conferência de interessados, um herdeiro legitimário declarar que pretende licitar em bens doados (art. 52º) ou em bens legados (art. 53º), regulando ainda toda a sua subsequente tramitação e consequências, prevendo ainda aquela Lei que, quando, ao elaborar o mapa de partilha, o notário verifique que os bens doados ou legados (... )"excedem a quota do respetivo interessado ou a parte disponível do inventariado", deverá elaborar e lançar no processo um "mapa informativo" indicando o montante do excesso (nº 1 do art. 60º), e, caso haja doações ou legados inoficiosos, ordenará a expressa notificação dos interessados ''para requererem a sua redução nos termos da lei civil" (nº 2 daquele art. 60º), cuja tramitação subsequente ali regula também, sendo esta norma que estabelece, para os inventários instaurados na sua vigência, como é o caso, as regras do procedimento a ser observado pelos herdeiros legitimários cuia legítima tenha ficado total ou parcialmente prejudicada em consequência de liberalidades feitas pelo autor da herança que ultrapassem a sua quota disponível, ficando, por isso, sujeitas a redução, para a requererem na sequência da notificação prevista naquele nº 2 do art. 60 da referida Lei; XXV)- É esse o tempo e o modo próprios para. quando não há acordo, se arguir e decidir a existência e consequências da inoficiosidade, como bem se compreende, pois é manifesto que somente no inventário será possível atribuir em definitivo o valor aos bens para efeito de partilha, não só por avaliação ou acordo, mas também por virtude de eventuais licitações que muitas vezes podem alterar substancialmente a situação, não existindo, fora do inventário, outro meio processual dirigido a tal finalidade, sendo certo que as regras de direito substantivo têm correspondência na lei processual civil que for aplicável ao processo de inventário instaurado na sua vigência, como era já o caso do artº 1376º do CPC anterior à Lei 23/2013, intitulado "Excesso de bens doados, legados ou licitados", cujo procedimento foi adotado pela Lei 23/2013, no artigo 60º do RJPI, aqui aplicável; XXVI)- O processo, que constitui a lei adjetiva, é uma sequência lógica, cronológica e encadeada de atos, não fazendo o mínimo sentido que, numa fase inicial, se suscitassem questões cuja pertinência apenas deverá ser aferida em fase posterior, e sempre assim foi entendido, e já o Prof. Alberto dos Reis (RLJ, Ano 85, 241 e ss.) ensinava que "A inoficiosidade pressupõe, por definição, uma relação de valor entre dois factores: o bens doados, por um lar/o a legítima, por outro. Se a doação é de bens certos e determinados, há que pôr os bens doados em equação com os restantes bens da herança do doador; para esse efeito têm de relacionar-se, descrever-se e avaliar-se todos os bens. Estas operações são próprias do processo de inventário." (sublinhado nosso). Obviamente o mesmo vale para os bens legados; XXVII)- Num caso como o presente, seria impossível realizar a partilha sem aquelas reduções das liberalidades que se tornam necessárias, com a atribuição a cada interessado do que lhe cabe, considerando as normas imperativas que limitam a quota de que se pode dispor quando há herdeiros legitimários (o que implica forçosamente a determinação do valor da herança, com o ativo e passivo que for aprovado, e das quotas disponível e legitimária, para em conformidade ser efetuada a redução das liberalidades, por serem inoficiosas, sendo óbvio que só depois se pode partilhar a herança); XXVIII)- Para haver lugar à redução das doações ou outras disposições gratuitas por inoficiosidade, a primeira condição é que os bens objeto de liberalidades sejam relacionados, dado só nesse caso ser possível proceder às operações complexas do cálculo da legítima e da eventual redução daquelas, e mesmo da - também eventual - restituição em espécie, sendo bom de ver que, face a este regime, a relacionação dos bens objeto de liberalidades prejudica os "interessados" beneficiários - legatários, donatário e herdeiro testamentário - e beneficia o interessado herdeiro legitimário, pois só a relação daquele bem doado lhe abrirá as portas da redução por inoficiosidade, não podendo pois os beneficiários das liberalidades sustentar que o recorrente, ao relacionar aqueles bens e chamar os beneficiários ao processo não pretendesse obter a redução das liberalidades que ofendiam a sua legítima; XXIX)- Sendo certo que, devido a diversas vicissitudes, embora o inventário pendente esteja prestes a chegar a essa fase - pois estão a terminar as avaliações aos bens objeto de liberalidades, que foi aliás requerida tanto pelo recorrente corno pelo donatário/herdeiro testamentário para determinar ern que medida há que reduzir as liberalidades. tendo ern conta o valor atribuído aos bens - ainda não chegou o momento processual para a redução poder ocorrer, e, tendo sido expressamente reconhecido no douto despacho recorrido que o recorrente podia efetivamente lançar mão do processo de inventário para vir a obter redução das liberalidades inoficiosas (como fez), e mesmo que se entendesse aqui aplicável o prazo de caducidade estatuído no artº. 2178º do Código Civil, essa caducidade não se verificou, pois o facto que a norma considera impeditivo da caducidade é, muito concretamente, a propositura da ação, no caso, o inventário, e tal inventário foi instaurado dentro dos dois anos previstos no artº. 2178º do C.C.; XXX)- Como é claro na jurisprudência e doutrina, e se refere também no douto acórdão do S.T.J. de 06/04/2017,processo 161/14.71 R ·A caducidade do prazo é interrompida com a entrada da petição na secretaria"; XXXI)- A caducidade tem o seu fundamento específico no interesse público da paz familiar e segurança social da circulação, e no interesse da brevidade das relações jurídicas, a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos (Aníbal de Castro; A Caducidade; pág. 28), pelo que não há como poder defender-se que com a instauração do inventário pelo recorrente - que imediatamente relacionou todos os bens objeto de liberalidades (de resto, os únicos existentes) e chamou ao processo todos os beneficiários cujos bens, objeto das liberalidades do autor da herança, são avaliados (e tendo, aliás, participado nas avaliações realizadas e aceite o valor atribuído aos bens), e estando assente que o recorrente podia lançar mão do processo de inventário, como fez, para obter a redução das disposições inoficiosas - as razões de ordem pública que justificariam a aplicação do prazo de caducidade do direito não existem, quando todos os beneficiários foram chamados ao processo para ver reduzidas as liberalidades, nos termos da lei; XXXII)- As referências feitas pela Mª. Juiz "a quo", na decisão, na pag. 1O, 5°, 6º e 7º parágrafos, nomeadamente utilizando o sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 17/11/2020, nada têm que ver com os presentes autos, já que o que estava em causa naquele acórdão citado pela M Juiz "a quo" - submetido aliás a uma lei processual posterior à aplicável aos presentes autos, mas tendo alguma semelhança - não era a questão da caducidade do direito à redução das liberalidades, mas sim se, por razões de economia processual, o incidente de redução das liberalidades por inoficiosidade "pode" ser deduzido em anterior fase processual àquela em que está legalmente regulada no processo de inventário, mas não é posto em causa em tal acórdão que o herdeiro que vê a sua legítima afetada pelas liberalidades possa requerer a redução das liberalidades até ao momento processualmente previsto no regime jurídico do inventário (nomeadamente quando, como sucede nos presentes autos, instaurou a ação própria para o efeito - o inventário - dentro dos dois anos após a aceitação da herança), e ali se lê também que, sendo a conferência de interessados o limite temporal máximo para suscitar a questão, "como regra, o incidente de inoficiosidade deve ser suscitado no decurso da conferência de interessados, até à abertura das licitações"; XXXIII)- Não podemos olvidar que, no caso dos autos, existem liberalidades consistentes em doações (que foram feitas em vida do "de cujus" ao também herdeiro testamentário, e testamentárias, sendo estas compostas por legados a terceiros e deixa do remanescente ao herdeiro testamentário) e ó após as devidas avaliações dos bens (já prestes a findar quanto a dois bens, tendo as partes aceitado, por acordo, o valor atribuído aos demais na avaliação efetuada no âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos) será possível determinar a concreta redução a efetuar, isto é, em que medida é preciso reduzir as liberalidades: XXXIV)- Refere também a Mª. Juiz "a quo", para fazer valer a posição que tomou, que "Por outro lado, o prazo processual visa assegurar o exercício de um direito substantivo, o qual, se caducado, por decurso do prazo de direito material, já não existe, sendo indiferente, então, o esgotamento, ou não daqueloutro prazo.", mas este argumento apenas seria válido se se pudesse entender que o recorrente não lançou mão da ação correspondente a obter aquela redução das liberalidades antes de esgotado o prazo para o efeito, - o que aqui se não verifica, pois a ação própria (inventário, como reconhece) foi instaurada atempadamente, impedindo assim qualquer caducidade, e o processo (que visa assegurar o exercício dos direitos das partes) tem uma sequência lógica, cronológica e encadeada de atos, não tendo sentido nem utilidade que, numa fase anterior, se suscitem questões cuia pertinência apenas poderá ser aferida em fase posterior, podendo até ser esvaziado de conteúdo (em maior ou menor medida), por a normal evolução do processo tomar insubsistentes os fundamentos em que se baseia, não existindo aliás no regime legal do processo qualquer outro momento ou forma para o incidente, cuia tramitação está expressamente regulada na Secção própria da Lei nº23/2013. aqui aplicável· XXXV)- O 1º recorrido, na oposição que deduziu ao procedimento cautelar, e na contestação aos presentes autos, alega que, face ao valor que atribui a todos os bens (e que as avaliações desmentiram), a doação do prédio em causa nos autos não será objeto de redução, por os restantes bens objeto de liberalidades (que pela sua ordem teriam de ser reduzidos primeiro) chegariam para compor a legítima do recorrente, alegação que só que reforça a evidência de que o momento próprio para ser decidida a questão no regime do processo de inventário deverá ser aquele em que, de forma certa, os valores estejam já fixados, não tendo sentido antecipá-lo; XXXVI)- Não pode pois deixar de se concluir que a instauração do inventário, necessariamente com aquelas finalidades, representou a prática tempestivo do ato de "propositura do processo tendente à redução das liberalidades inoficiosas", como previsto no artº. 2178 do CC, impedindo assim qualquer caducidade desse direito, conforme o nº 1 do art. 331º do Código Civil, sendo certo que a interpretação do artigo 2178º do Código Civil, no sentido de que (como atribuído pelo Tribunal recorrido), apesar do disposto no artigo 331º do C.C., a instauração do processo de inventário para partilha dos bens deixados pelo "de cujus" (processo onde está previsto o momento e o meio processual próprio para ser operada a redução das liberalidades) - onde foram relacionados todos os bens objeto de liberalidades e citados para o processo todos os beneficiários das liberalidades, sendo um dos beneficiários de liberalidades um herdeiro testamentário (do remanescente da herança, com direito a 50% da herança), havendo assim ativo e suposto passivo (indicado pelo herdeiro testamentário) a partilhar e tendo todo o património hereditário sido objeto de liberalidades, colocando em causa a legítima do herdeiro legitimário - não impede a caducidade do direito à redução de liberalidades inoficiosas, sempre seria inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da segurança e da certeza jurídica, decorrentes do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa; XXXVII)- A situação em causa nos presentes autos é idêntica e paralela à que foi decidida no recente acórdão da Relação de Évora de 18-12-23, proferido no proc. nº 469/20.7T8ENT.E (Relator Des. José Lúcio), consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: "1 - Tratando o inventário apenas de uma verba, um imóvel doado pelo inventariado a terceiro não herdeiro, a isso se resumindo a relação de bens, havendo herdeiros legitimários, tem necessariamente que considerar-se colocada ao Tribunal a questão da redução da liberalidade por inoficiosidade. 2- Para os efeitos do prazo de caducidade previsto no art._2178º do Código Civil, o facto impeditivo dessa caducidade é a propositura da ação, e não a citação do beneficiário da liberalidade. 3- Sendo requerido esse inventário menos de dois anos depois do falecimento do inventariado, mesmo que se julgue aplicável ao processo de inventário a referida norma, por o donatário não ser um dos herdeiros, forçoso concluir que não decorreu o prazo de caducidade previsto no dito art. 2178º." XXXVIII)- Ali, tal como no caso presente, estava em causa um inventário instaurado menos de dois anos após a aceitação da herança, em que há herdeiros legitimários, e cuja relação de bens contém somente bens objeto de liberalidades a estranhos (um bem doado em vida, naquele caso, e bens doados em vida, bens legados e os bens remanescentes, também deixados em testamento a estranhos, no caso presente) e considera também aquele douto acórdão que "ainda que se julgue aplicável no caso do inventário o prazo de caducidade estatuído no art. 2178º do Código Civil, na situação presente essa caducidade não se verifica', pois "o facto que a norma menciona como impeditivo da caducidade é muito concreto: é a propositura da ação", explicando que "quer a propositura do processo de inventário quer o conteúdo da relação de bens (com uma única verba, o imóvel que tinha sido doado em vida) traduzem necessariamente a vontade de exercer os direitos que assistem aos herdeiros, nomeadamente a redução de liberalidades inoficiosas "· XXXIX)- Essa ilação extrai-se inequivocamente da propositura desse inventário, uma vez que se referia a um único bem que tinha sido doado pelo inventariado a quem não era seu herdeiro legitimário (como ali se refere), apesar de os ter - exatamente como aqui sucede, pois todos os bens relacionados foram objeto de liberalidades, também necessariamente inoficiosas, a quem não era herdeiro legitimário do inventariado, que todavia os tinha - pelo que, como aquele douto aresto conclui, "outro sentido não podia ter o requerimento de inventário que não fosse a pretensão de reduzir a liberalidade, para preenchimento da legitima de cada um naquilo em que se mostrava ofendida (cfr. art. 2169º do CC)"; XL) Tal como no caso presente, em que no inventário está em curso a avaliação de uma verba, estando já determinado por acordo o valor dos restantes bens, ali também se refere que "Diga-se, aliás, que o próprio tribunal pareceu entender assim ao determinar a avaliação do bem doado - essa avaliação só tem o sentido útil de possibilitar as operações de determinação da legítima. com vista à redução da liberalidade.''; XLI) Tal como sucede nos presentes autos, também naquele acórdão se refere que "embora o direito à redução de liberalidades seja um direito disponível. afigura-se que a manifestação de vontade no sentido do seu exercício estava presente e era notória desde o início do processo. A manifestação de vontade no sentido da redução da doação inoficiosa 11a medida do que exceder a quota da donatária e ofender as legítimas dos herdeiros legitimários. não tinha que ser verbalmente expressa logo no requerimento inicial, podendo ser tácita ou subentendida, como aconteceu neste caso - nesta situação estava necessariamente implícita na própria propositura do inventário e veio a exprimir-se formalmente no decurso deste", sendo assim inquestionável que essa pretensão estava "desde o princípio subjacente à própria propositura do inventário"; XLII) O direito à redução das liberalidades inoficiosas é um direito disponível, pelo que a hipotética caducidade sempre seria afastada, por força do nº 2 do artº. 331 do CC, "quando o direito seja reconhecido por parte daquele contra quem deva ser exercido" e, como refere Vaz Serra, Prescrição e caducidade, nº 118, in BMJ nº 107), "o reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida", sendo certo que {para além dos elementos constantes dos presentes autos) no processo de inventário existem diversos elementos que facilmente demonstram o reconhecimento do direito do recorrente à redução das liberalidades; XLIII) Desde logo, nenhum daqueles interessados (donatário, legatários e herdeiro testamentário) se opôs à sua citação para o inventário como beneficiários das liberalidades (única qualidade que conferia legitimidade aos legatários para a sua intervenção, sendo o donatário também herdeiro testamentário e intervindo nessa dupla qualidade), nem se opuseram à inclusão na relação de bens a partilhar de todos os bens que haviam sido doados e legados; XLIV) Tendo esse 1º recorrido reclamado da relação de bens, apenas o fez para impugnar o valor atribuído aos bens, e para alegar pretender um pretenso ónus sobre alguns dos bens doados, sem nunca ter posto em causa a eventual (e evidente) inoficiosidade e sujeição a redução das liberalidades; XLV) Conforme resulta dos documentos juntos ao requerimento de resposta às exceções apresentada em 12/07/2024, já na reclamação feita no inventário em 05/12/2016, o 1º recorrido, obviamente por estar ciente de que a inoficiosidade e a redução das liberalidades estava ali em causa, aludiu expressamente à redução da doação por inoficiosidade e disponibilizou-se até a fornecer elementos para virem a ser relacionados mais bens, que alegadamente seriam parte do "remanescente" de que era herdeiro, estando assim sujeitos a redução por inoficiosidade - cfr. aquele doe. nº 1 já junto -, e na resposta a essa reclamação, de 17/O1/2017, é feita pelo recorrente por referência expressa à inoficiosidade (cfr. doe. nº 2 junto ao mesmo requerimento); XLVI) Na sequência da apresentação de nova relação de bens pelo ora recorrente, aquele recorrido, em 14/09/2018, apresentou nova reclamação e voltou a fazer referência à redução das liberalidades por inoficiosidade e na resposta a essa reclamação também o recorrente se referiu expressamente a tal inoficiosidade (does. 1 e 2 agora juntos); XLVII) Depois de concluída a avaliação dos bens relacionados no inventário, incluindo os doados aqui em causa (que foi efetuada no âmbito do procedimento cautelar apenso), o ora recorrente apresentou no inventário um requerimento comunicando já ter sido realizada tal avaliação e requereu que fosse convocada uma conferência preparatória para tentar acordar os valores dos prédios e poder apurar-se a medida da inoficiosidade das liberalidades, sem que nenhum dos beneficiários se opusesse (doe. nº 3 agora junto); XLVIII) E, após o recorrente ter apresentado, no inventário, um novo requerimento em que faz referência à redução das liberalidades e às rendas produzidas pelos prédios que haviam sido objeto das mesmas, o 1º recorrido, na resposta que apresentou, defendeu que o valor das rendas dos imóveis doados não tinha que entrar em contas no inventário e que só seriam consideradas em prestação de contas na medida da eventual inoficiosidade, e afirma expressamente que para apurar a "eventual inoficiosidade de alguma liberalidade, apenas importam os bens em si e não os seus rendimentos, que não fazem parte do acervo da herança", subscrevendo ainda a afirmação de que "para aquilatar de eventual inoficiosidade e sua redução, o valor de tais liberalidades. nomeadamente quanto às doações em vida, deve ser reportado à data da abertura da herança e deduzido o valor do usufruto" (does. 4 e 5 agora juntos); XLIX) Posteriormente foi proferido despacho pela St1 Notária (que não foi objeto de recurso e constitui nesse processo caso julgado formal), esclarecendo que "os bens a partilhar estão fixados" (ou seja, os constantes da relação de bens, incluindo os legados e os doados), tendo convocado depois uma conferência preparatória, com a participação de todos os interessados (herdeiro legitimário, herdeiro testamentário/donatário e legatários), e na conferência, realizada em 13/03/2023, foi acordado fixar o valor da avaliação dos imóveis da relação de bens de harmonia com a avaliação feita no procedimento cautelar apenso aos presentes autos, salvo no que toca às verbas 7 e 11 (sendo a verba 11 o prédio em causa nos presentes autos), que poderiam ainda ser objeto de avaliação colegial se alguma partes pretendesse, o que o donatário, ora recorrido, veio a pedir com base no acordo, e já se realizou, aguardando apenas a resposta aos esclarecimentos pedidos, mas estando já fixado o valor dos restantes bens objeto das liberalidades)-docs. 6 e 7 agora juntos; L- E, na providência cautelar apensa aos presentes autos, estando designada a audiência de julgamento para o dia 27/03/2023, as partes, face ao desenvolvimento do inventário, tentaram ainda chegar a acordo, tendo o Mº Juiz do processo proferido um despacho, transcrito na respetiva ata, afirmando haver "fortes possibilidades de um acordo, que tornaria inútil, pelo menos, a providência cautelar, até porque no âmbito do inventário fá se conseguiu avançar numa parte daquilo que será a partilha ... ", e, não tendo sido possível concluir o acordo até à nova data designada (19/05/2023) a audiência foi novamente adiada por despacho do Mº. Juiz, transcrito na ata da diligência, em que afirma que o acordo passava por "manter um arresto sobre determinados bens como garantia para o requerente (o aqui recorrente), até existir entre as partes uma partilha global que respeite a legítima do requerente", e que "esta solução terá igualmente a virtualidade de evitar a interposição da ação principal uma vez que o arresto dos novos bens servirá como garantia e irá persistir até à partilha global dos bens. aqui se notando que se encontra a correr termos um inventário para esse efeito" (que iria em breve permitir a redução, por a avaliação ter sido já efetuada); LI)- Assim, é irrefutável que todas as posições tomadas pelo donatário/herdeiro testamentário (tanto nos requerimentos que apresentou no inventário - antes e depois de decorridos dois anos após aceitação da herança pelo recorrente- como ao concordar que nele fosse feita, como foi, para apuramento da inoficiosidade, a avaliação de todos os bens, incluindo os das referidas liberalidades (de que falta apenas concluir uma avaliação colegial de dois deles, sendo um o que está em causa nos presentes autos), como ainda nas posições, atrás referida, que tomou no processo de arresto apenso à presente ação), constituem, a todas as luzes, claro e incontestável reconhecimento (como o dos legatários) do direito de o recorrente pedir a redução das liberalidades inoficiosas, em função dos valores atribuídos a todos os bens relacionados pelas avaliações iá efetuadas (incluindo as duas em vias de conclusão), acordadas e aceites para esse efeito por todos os interessados - não podendo pois haver qualquer dúvida de que o recorrido sempre reconheceu ao recorrente o direito a requerer a redução das liberalidades inoficiosas, a ocorrer no processo de inventário em curso, em que é parte; LII) A Mª. Juiz "a quo", incompreensivelmente, não só dispensou a junção e análise dos elementos que constam do processo de inventário, o que era indispensável para compreensão da situação, como nem sequer atentou e analisou o próprio processo de arresto que se encontra apenso ao presente, o que determinou a sua deficiente compreensão dos dados do problema, levando-a a uma ideia errada da aplicação do direito - desde logo porque essa junção, juntamente com a sua análise, bem como a dos elementos que já constam destes autos e do processo apenso, que por completo ignorou, facilmente demonstra o reconhecimento do direito do recorrente à redução das liberalidades, quer antes, quer após o decurso daquele prazo de dois anos, dado que, apesar de reconhecer que não dispunha de elementos suficientes e não se ter sequer pronunciado relativamente à pretensão do recorrente de juntar aos autos as peças desse processo (como manifestou no seu requerimento de 07/10/2024), veio a proferir o despacho sob recurso, considerando existir caducidade do direito do recorrente a pedir a redução das liberalidades inoficiosas (e por isso decidindo inexistir interesse em agir do recorrente!), sem atentar nos elementos constantes do processo de inventário (que não conhece), pelo que os documentos extraídos desse processo, ora juntos, cuja junção se requer ao abrigo do artº 651º do CPC, por se tomarem necessários para possibilitar um julgamento em conformidade com a realidade existente (sendo que, apesar de se tratar de peças retiradas do respetivo processo eletrónico - e que têm valor de certidão - o recorrente protesta juntar certidão de tais peças, caso seja entendido necessário). LIII)- O entendimento da Mª. Juiz "a quo", quando refere na decisão recorrida (pag. 9, 1º e 2° parágrafos) que "o Tribunal não pode ficar refém do eventual exercício judicial de um direito - que pode ou não ser exercido e pode ou não ter provimento - e, com base nesse pressuposto, admitir, discutir e decidir um outro negócio jurídico, que, caso não seja exercido aquele direito, em nada impacta com o autor", não tem o menor sentido, nomeadamente depois de o procedimento cautelar de arresto ter sido decretado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, no Processo 1441/19.5T8PVZ.Pl, 2ª. Secção, que se encontra apensado aos presentes autos (o qual não poderia sequer ter sido admitido, se a caducidade aqui em causa tivesse fundamento), pois se destinou a salvaguardar exatamente o mesmo direito - possibilitar a sujeição do prédio doado à redução por inoficiosidade - (aqui também em causa, pois é a ação definitiva de que o procedimento cautelar decretado depende); LIV) Importa realçar que, ao contrário do que refere a Mª. Juiz "a quo" o presente processo não "é em tudo similar - praticamente sobreponível - à que foi julgada pelo venerando Tribunal da Relação de Évora" no acórdão que refere na decisão (pág. 8), desde logo porque nele não se conhece de qualquer questão relacionada com a suposta caducidade do direito a requerer a redução das liberalidades inoficiosas, pois, como nele se refere (parte que não foi transcrita pela Mª. Juiz "a quo" na decisão recorrida, mas que é um antecedente da decisão que foi ali tornada) "no caso presente (ali contemplado) o autor não exerceu o direito a requerer a redução da doação efetuada pelo inventariado, nem alega que pretende exercê-lo, por considerar a doação viciada por inoficiosidade ..." - o que é completamente antagónico com o que se refere na presente ação, em que o recorrente, por pretender essa redução (que alegou), requereu o arresto do bem em causa e instaurou a presente ação autónoma (apenas porque o inventário corre no Cartório Notarial); LV) Ao invés do que sucede no inventário instaurado pelo recorrente, no processo referido naquele acórdão considera-se uma situação (que naturalmente influiu na decisão) em que "não se encontrando os bens relacionados nos autos de inventário, e não se encontrando pendente qualquer "decisão" de inoficiosidade a qual se veio a apurar o próprio autor não sabe ainda se irá suscitar e em que termos e com que consequências", enquanto que, como já se salientou (e consta dos autos), no inventário instaurado pelo recorrente todos os bens objeto de liberalidades foram relacionados sendo pacífico (do que todos os intervenientes no inventário estavam cientes) que o recorrente irá pedir a redução das liberalidades no momento processual próprio, o que é um pressuposto necessário para ser efetuada a partilha, já que todos os bens foram objeto de liberalidades (o que não é o caso do processo referido no acórdão que a Mª. Juiz "a quo" utilizou como apoio); LVI) Não tem justificação e não é correto o entendimento da Mª. Juiz "a quo" de que a suposta caducidade do direito do recorrente a pedir a redução das liberalidades inoficiosas fosse uma pretensa "questão prejudicial" - em que concluiu erradamente pela caducidade daquele direito e, com base nisso entendeu existir falta de interesse em agir do recorrente e absolveu os recorridos da instância - pois que (conforme referido supra e aqui se reitera) aquele direito não está caducado e se encontra pendente o processo onde tais reduções terão de operar, pelo que não se trata de existir uma questão prejudicial, mas sim uma causa prejudicial, não existindo falta de interesse em agir. LVII) Como resulta do já referido, estando pendente o inventário em que a redução das liberalidades inoficiosas irá operar, o qual foi instaurado menos de dois anos antes do termo do prazo previsto no artigo 2178º do C.C., nunca se poderia afirmar estar perante uma questão prejudicial/incidental (pelo que não tem aplicação o artigo 91º do C.P.C.), mas sim perante uma verdadeira causa prejudicial; LVIII) A ação na qual a questão da inoficiosidade vai ser decidida - no caso, o mencionado inventário - constitui manifesta causa prejudicial em relação à presente, pois a sua procedência depende, naturalmente, da decisão que ali há-de ser tomada relativamente à redução das liberalidades que aqui se pretendeu acautelar, sendo jurisprudência pacífica que "uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta." e como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil", vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 268 que "uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda"; LIX)- Sendo insofismável que está pendente a ação de inventário onde as reduções das liberalidades irão operar, na medida do necessário ao preenchimento da legítima do recorrente (sendo obviamente ali que terá de ser feita a redução após apuramento do quantum da inoficiosidade das liberalidades, que pode ou não afetar a doação do imóvel que está em causa nos presentes autos), impõe se a suspensão da instância nos presentes autos até decisão final do inventário, nos termos do artigo 272º do C.P.C., o que a Mª. Juiz "a quo" deveria ter decretado e assim deverá ser ordenado. LX)- A decisão recorrida deverá pois ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir (quer porque tal falta de interesse nunca se verificaria nos presentes autos, quer porque não se verifica a caducidade do direito do recorrente a pedir a redução das liberalidades inoficiosas) e, porque está pendente o inventário onde a redução das liberalidades terá de ser operada, deverá ser ordenada a suspensão da presente instância por existência de causa prejudicial (o referido inventário), nos termos do artigo 272º do C.P.C., ou, caso se entenda não ser de suspender a instância apesar da pendência do inventário (o que apenas se admite por hipótese de raciocínio), deverá ordenar-se o prosseguimento dos autos com o indeferimento das exceções deduzidas; LXI)- A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 331 nºs 1 e 2, 21O1º nº. 1, 2159º, 2168 a 2174 e 2178 do CC e artigos 2°, 4º, 52º a 55º e 58º a 60º da Lei 13/2023, para além de padecer de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º e 20º da C.R.P. e dos princípios da segurança e da certeza jurídica, decorrentes do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e deverá ser alterada em conformidade com o acima referido; NB bold da nossa autoria. Houve contra-alegações. O Réu BB apresentou as seguintes CONCLUSÕES: A- A caducidade prevista no artigo 2178.º do Código Civil visa garantir a estabilidade das relações patrimoniais e evitar a perpetuação de incertezas jurídicas sobre doações já efetuadas, sendo este um princípio estruturante do instituto da caducidade. B- O prazo de caducidade estabelecido no artigo 2178.º do Código Civil aplica-se, sem distinção, a todos os herdeiros, independentemente da sua qualidade de legitimários, testamentários ou terceiros, não havendo qualquer fundamento legal para uma interpretação restritiva. C- A omissão de qualquer ressalva legal quanto à qualidade do beneficiário da liberalidade reforça o caráter universal do prazo de caducidade, sendo esta uma manifestação inequívoca da intenção legislativa. D- A jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, incluindo os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa (06-10-2011 e 19-10-2017), da Relação de Évora (08-03-2012) e da Relação do Porto (10- 07-2024), confirma a aplicabilidade geral e abrangente do prazo de caducidade do artigo 2178.º. E- A redução das liberalidades inoficiosas não opera ex officio, impondo-se a iniciativa dos interessados, que dispõem de um prazo peremptório de dois anos para exercer esse direito, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário. F- O artigo 2178.º do Código Civil não distingue entre as diferentes vias processuais de invocação da redução por inoficiosidade, sendo o prazo nele previsto igualmente aplicável tanto à ação comum quanto ao processo de inventário. G- O argumento do Recorrente, ao pretender excluir os herdeiros do âmbito de aplicação da caducidade, criaria um regime desigual, colocando os donatários-herdeiros numa posição de maior vulnerabilidade em comparação com terceiros. H- Na hipótese de ser entendido que tal prazo de caducidade não é aplicável aos herdeiros, o que apenas por hipótese se concebe, o certo é que só não seria aplicável aos herdeiros legitimários apenas. I- O direito de invocar a caducidade pertence ao beneficiário da liberalidade, que tem interesse jurídico direto na manutenção da doação, podendo opor-se à sua redução por força do decurso do prazo estabelecido no artigo 2178.º. J- O facto de o beneficiário da liberalidade ser simultaneamente herdeiro testamentário não afasta o seu direito de invocar a caducidade, pois a norma em questão refere-se apenas a doações inoficiosas e não a outras disposições testamentárias. K- A solução proposta pelo Recorrente não só carece de suporte jurídico como introduziria uma instabilidade desnecessária na sucessão, contrariando o espírito do direito sucessório e os princípios que o informam. L- Pelo exposto, deve ser rejeitada a tese do Recorrente, mantendo-se firme a aplicação do prazo de caducidade do artigo 2178.º do Código Civil a todos os beneficiários de liberalidades inoficiosas, incluindo os herdeiros testamentários. M-A caducidade consagrada no artigo 2178.º do Código Civil recai sobre o direito à redução e não sobre a ação em si, exigindo um ato inequívoco de exercício dentro do prazo de dois anos, contado desde a aceitação da herança pelo herdeiro legitimário. N-O exercício do direito à redução das liberalidades inoficiosas não se consuma pela mera instauração do processo de inventário, sendo necessária uma manifestação expressa do interessado, nos termos do artigo 2169.º do Código Civil; O- O direito de redução de liberalidades inoficiosas pode ser exercitado por via de uma acção autónoma (antes do inventário ser requerido) ou por via de incidente em processo de inventário, seguindo os trâmites para tal especialmente previstos no regime da Lei n° 23/2013 (aplicável ao processo de inventário a que nos referimos, por lhe ser anterior e por força do disposto no artigo 11.º, n.º 2 da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro), não sendo a redução inoficiosa uma função específica do processo de inventário, mas incidental. P- O Recorrente não formulou, nem antes da instauração do inventário, nem depois, qualquer pedido formal de redução das liberalidades inoficiosas, sendo essa omissão fatal para o exercício tempestivo do direito. Q- A alegação de que a inclusão dos bens doados na relação de bens do inventário equivaleria ao exercício tácito do direito à redução não encontra respaldo no regime jurídico aplicável, uma vez que a lei exige uma manifestação expressa da vontade de reduzir. R- A tramitação do inventário pode revelar, em momento ulterior, a necessidade de redução, mas tal não dispensa o interessado de invocar e requerer a inoficiosidade dentro do prazo peremptório fixado no artigo 2178.º do Código Civil. S- O artigo 60.º da Lei n.º 23/2013 impõe ao notário a notificação dos interessados para requererem a redução, mas tal ato não substitui a obrigação do herdeiro legitimário de exercer ativamente o seu direito no prazo legal. T- Os documentos agora apresentados pelo Recorrente não são supervenientes, uma vez que já existiam à data da tramitação em primeira instância, tendo sido oportunamente dispensados pela Mtmª. Juiz, sendo que o Recorrente não demonstrou qualquer impossibilidade de os ter apresentado em momento anterior, pelo que a junção dos documentos deve ser recusada. U- O artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil apenas obsta à caducidade quando haja um reconhecimento expresso, inequívoco e incontroverso do direito pelo obrigado, o que não se verifica no caso vertente. V- A mera ausência de oposição à citação ou a inclusão dos bens doados na relação de bens não configuram um reconhecimento substancial do direito à redução, tratando-se antes de atos processuais neutros, inseridos no normal decurso do inventário. W- Nenhuma das manifestações processuais do 1º Recorrido pode ser interpretada como uma aceitação da redução das liberalidades, nem como uma renúncia ao prazo de caducidade. X- Aliás, no âmbito da oposição à providência cautelar apensa aos presentes autos, o 1º. Recorrido invocou a caducidade da redução por inoficiosidade, por ultrapassado o prazo fixado no artigo 2178.º do Código Civil, sendo que o Mtmº. Juiz, no âmbito da providência, não se pronunciou sobre a referida excepção. Y- O interesse em agir exige a necessidade objetiva da tutela jurisdicional para a proteção de uma posição jurídica concreta, não podendo fundar-se em meras possibilidades ou intenções futuras. Z- O Recorrente não exerceu tempestivamente o direito potestativo de redução da liberalidade, nos termos do artigo 2169.º do Código Civil, não instaurando o incidente próprio no inventário nem promovendo ação autónoma. AA- O pedido de redução por inoficiosidade de doações e legados deve ser formulada no próprio inventário, mediante incidente específico, sendo essa a via adequada para o apuramento e restituição dos bens ao património hereditário. BB- A ausência de qualquer diligência concreta do Recorrente para suscitar a inoficiosidade das doações evidencia a inexistência de um litígio efetivo sobre a matéria. CC- A providência requerida nos presentes autos não é necessária para a tutela do direito invocado, pois, ainda que a posterior permuta fosse anulada, subsistiria a necessidade de instaurar incidente próprio no inventário, o que o Recorrente nunca fez. DD- A falta de interesse processual consubstancia uma exceção dilatória inominada, determinando a absolvição da instância, nos termos dos artigos 577.º, alínea e), e 578.º do Código de Processo Civil. EE- O Tribunal a quo decidiu corretamente ao reconhecer a inexistência de um interesse processual legítimo por parte do Recorrente, uma vez que este não demonstrou a necessidade objetiva da intervenção judicial na tutela do direito que alega possuir. FF- O direito foi corretamente aplicado aos factos. Assim, mantendo a decisão recorrida, V.Exªs. farão JUSTIÇA, ** A Ré A..., UNIPESSOAL, LDA. apresentou as seguintes CONCLUSÕES: 1. Porque o Recurso de Apelação viola o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, no tocante ao ónus de síntese, uma vez que o recorrente formula 61 (sessenta e uma) conclusões, as quais para além de serem irregulares e prolixas, limitam-se, por vezes, a transpor o texto das suas alegações, incluindo, inclusive, citações da doutrina e da jurisprudência, o que não é de se admitir; 2. Porque o Recurso de Apelação viola o disposto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC, uma vez que o recorrente ao proceder à indicação das normas jurídicas violadas pela douta Decisão recorrida, não indicou qual o sentido em que as mesmas deveriam ser interpretadas e aplicadas ou, em caso de erro, a norma jurídica que deveria ser aplicável, o que não é de se admitir; 3. Porque o Recurso de Apelação viola o disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, no tocante à juntada de 7 (sete) documentos, uma vez que não estamos diante de uma das situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC, nem tão-pouco tal se tornou necessário em virtude da Decisão proferia pelo Tribunal a quo, posto que durante todo o rito processual, o Tribunal a quo observou princípio do contraditório e sempre possibilitou às partes, recorrente e recorridos, pronunciarem-se sobre as questões de direito ou de facto e, querendo, juntar documentos, não se justificando, por conseguinte, a referida juntada; 4. Porque a presente ação é prematura e desconexa do direito material invocado pelo recorrente, nomeadamente, o direito de pedir a redução de liberalidade inoficiosa, uma vez que, não existe qualquer Decisão Judicial, já transitada em julgado, a declarar a inoficiosidade da doação realizada pelo falecido pai do recorrente, relativamente ao bem objeto do negócio de permuta celebrado entre os recorridos; 5. Porque, por não ter sido declarada, previamente, a inoficiosidade da doação em causa, a eventual procedência da presente ação, em nada alteraria a situação do recorrente, relativamente à partilha da herança aberta por óbito do seu falecido pai, posto que, o bem (ou parte dele) objeto do negócio de permuta, não iria, de per si, ingressar no acervo hereditário, isto é, na massa da herança; 6. Porque o Tribunal a quo decidiu e bem, porquanto, efetivamente, verifica-se a falta de interesse em agir do recorrente, uma vez que estamos perante uma questão incidental e nunca de uma causa prejudicial, posto que só haveria uma causa prejudicial, se no âmbito do processo de inventário n.º 4281/15, estivesse pendente de decisão um incidente de redução da doação por inoficiosidade; 7. Porque a alteração do sentido da Decisão recorrida, relativamente à questão incidental, não é o bastante para afastar a falta de interesse em agir, uma vez que, na prática, nada mudará quanto aos efeitos da presente ação em relação ao recorrente; 8. Porque no âmbito do Recurso de Apelação, o recorrente limita-se, apenas, a tentar afastar a verificação da caducidade – o que não se concede –, sem contudo, demonstrar, cabalmente, que ao fazê-lo transformaria a questão incidental numa causa prejudicial; 9. Porque a questão incidental da caducidade do direito à redução por inoficiosidade, apreciada pelo Tribunal a quo, não constitui caso julgado fora do presente processo, uma vez que tal não foi requerido pelos recorridos, assim, no âmbito do processo de inventário n.º 4281/15, quando o momento chegar – visto que este é o entendimento sufragado pelo recorrente –, o incidente de redução da doação por inoficiosidade poderá, querendo, ser suscitado e a sua bondade, aí incluída a caducidade do respetivo direito, será apreciada, de modo que, não há que se falar em interpretação inconstitucional do disposto no artigo 2178.º do CC, uma vez que não foi proferida nenhuma decisão quanto ao mérito do eventual direito à redução por inoficiosidade do recorrente; 10. A douta Decisão proferida pelo Tribunal a quo, não merece qualquer censura por parte do Tribunal ad quem, possuindo uma fundamentação clara e esclarecedora, pelo que se deve manter incólume, sendo justíssima! VENERANDOS(AS) JUÍZES DESEMBARGADORES, ESTAMOS PERANTE UMA DOUTA SENTENÇA, QUE RESPEITA A LEI, BEM COMO OS PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL, PELO QUE NÃO MERECE QUALQUER CENSURA, DAÍ QUE DEVERÃO SER INDEFERIDAS TODAS AS PRETENSÕES DO RECORRENTE, VAZADAS NAS SUAS (EXTENSAS) CONCLUSÕES, MANTENDO- SE, IN TOTUM, O DECIDIDO DOUTAMENTE PELO TRIBUNAL A QUO. *** Colhidos os vistos, cumpre decidir. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil. No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a questão a apreciar é · (In)existência do interesse em agir por parte do Autor. III. FUNDAMENTAÇÃO ** A. OS FACTOSDamos como reproduzidos todos os factos constantes do relatório. B. O DIREITO Na decisão posta em crise escreveu-se: “O autor é herdeiro legitimário do doador do imóvel – cf. o artigo 2157.º do Código Civil –, tendo, por conseguinte, direito ao quinhão hereditário pela morte deste, em cujo acervo se inserirá o imóvel permutado entre as rés (negócio anulando nos autos), se a doação for reduzida por inoficiosidade. Então, para que o autor possa beneficiar da destruição dos efeitos do negócio entre os réus (que peticiona), terá de demonstrar que, ao fazê-lo, o imóvel reingressa na esfera jurídica do de cuius, o que não se logra através desta ação de per si. Para tanto, terá de requerer a redução da doação do mesmo bem, feita pelo seu pai ao 1.º réu, pois só assim o bem (ou parte dele) ingressará no acervo hereditário de que é herdeiro legitimário e, enfim, eventualmente, na sua esfera jurídica. As partes estão de acordo – emergente dos articulados e expressamente declarado, ainda, nesta audiência prévia – que não existiu, até à data, qualquer incidente de redução da doação por inoficiosidade no âmbito do inventário pendente por morte do doador, nem qualquer ação comum com tal fim. Por conseguinte, esta ação é em tudo similar – praticamente sobreponível – à que foi julgada pelo venerando Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 25 de janeiro de 2024, processo n.º 845/22.0T8EVR.E1, onde o autor pretendia a declaração de nulidade de doação feita pelo de cuius, sem que tivesse, ainda, requerido a redução por inoficiosidade. Ali se conclui – e com tal se concorda in totum – que «A inoficiosidade de doação efetuada pelo inventariado poderá configurar a existência de um litígio, no âmbito do qual não dispõe o herdeiro legitimário de meios extrajudiciais que lhe permitam obter a tutela da respetiva legítima, tornando indispensável o recurso a juízo. No entanto, desta constatação, do interesse do autor em recorrer aos tribunais com o objetivo de obter tutela jurídica, caso considere a doação viciada por inoficiosidade, não decorre, sem mais, o respetivo interesse processual perante a pretensão deduzida na presente ação. Efetivamente, apesar de invocar o direito a requerer a redução da doação efetuada pelo inventariado, o autor não fez valer esse direito no local próprio, isto é, no processo de inventário intentado por óbito de seus pais, nem o fez valer na presente ação, na qual deduziu pretensão que não configura meio de exercício ou de tutela do direito que invoca. […] Como tal, ainda que viesse a ser considerada procedente a pretensão deduzida nos presentes autos, no sentido da anulação da doação e da respetiva escritura, bem como do cancelamento da inscrição no registo, não se vislumbra que o autor retirasse qualquer vantagem da tutela pretendida, considerando que não exerceu o direito que invoca, a requerer a redução da doação por inoficiosidade. Nesta conformidade, face à constatação de que a eventual procedência da pretensão deduzida não altera a situação do autor, cumpre concluir que a ação se mostra inútil, pelo que não assiste ao apelante o interesse em agir, conforme decidiu a 1.ª instância.» (negrito e sublinhado nossos). O Tribunal não pode ficar refém do eventual exercício judicial de um direito – que pode ou não ser exercido e pode ou não ter provimento – e, com base nesse pressuposto, admitir, discutir e decidir um outro negócio jurídico, que, caso não seja exercido aquele direito, em nada impacta com o autor. Com esse fundamento, rapidamente se conclui que ao autor falta o interesse em agir na presente ação, que nunca logrará proteger o direito do autor ou recolocar o bem na esfera jurídica da massa da herança cujo quinhão serve de sustentação da sua causa de pedir. Mas mesmo que assim não se entendesse, por se defender, antes, que a possibilidade teórica do exercício do direito, ou a alegação do autor de que pretende, eventualmente, vir a exercê-lo, são suficientes para se conclua que este tem interesse em agir nestes autos, a verdade é que o desfecho da ação seria o mesmo. Para o determinar, o Tribunal terá de apreciar uma questão prejudicial, invocada pelos réus, que se prende com a caducidade do direito do autor a requerer a redução da liberalidade inoficiosa. Não tendo, ainda, sido requerida tal redução por qualquer meio – cf. reconhecem as partes nos articulados e nesta audiência prévia –, não estamos perante uma causa prejudicial, mas sim perante uma questão prejudicial, rectius: uma questão incidental. Ao abrigo do disposto no artigo 91.º do Código de Processo Civil, compete ao Juiz decidir as questões incidentais, levantadas como meio de defesa, como é o caso. Não se tratando de questão penal ou de foro administrativo, perante a qual o Tribunal pudesse sobrestar (artigo 92.º do Código de Processo Civil), compete a este Tribunal apreciá-la, sem prejuízo da limitação dos efeitos do caso julgado e estes autos (n.º 2 do artigo 91.º do Código de Processo Civil). O que se fará de seguida. O inventário corre os seus termos desde 2015 – cf. reconhecido pelas partes (nos articulados e mediante declaração nesta audiência prévia) e cf. decorre do número do próprio processo de inventário (n.º 4281/15) –, pelo que, pelo menos desde essa data, o autor aceitou a herança por óbito do seu pai. Com efeito, diz o artigo 2056.º do Código Civil que «1. A aceitação pode ser expressa ou tácita. 2. A aceitação é havida como expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir. 3. Os atos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança.». Aceite, que foi a herança, dispunha o autor do prazo de dois anos para propor a ação – ou o incidente, em sede de processo de inventário – de redução da liberalidade inoficiosa. Isto mesmo vem plasmado no artigo 2178.º do Código Civil. O meio pelo qual o autor o poderia fazer – por incidente ou por ação sob a forma de processo comum – é inócuo, nisso se concordando com este. Com efeito, desde que espoletada a redução da liberalidade por inoficiosa, é indiferente a forma como o faz, conquanto dentro dos meios judicialmente adequados a tal desiderato. Importa é que o faça e que o faça expressamente, o que não sucedeu. Na verdade, o autor afirma que instaurou o processo de inventário e que tal é quanto baste para que aquele prazo se considere respeitado, até porque o incidente é suscetível de apresentação até à conferência de interessados, que ainda não se concluiu. Não podemos concordar com tal entendimento. Bem sabe o Tribunal o momento processualmente adequado até ao qual o direito pode ser exercido. Em rigor, o momento adequado, à luz do Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 23/2013, de 05 de março), aplicável ao processo de inventário a que nos referimos, por lhe ser anterior e por força do disposto no artigo 11.º, n.º 2 da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro (que expressamente exclui do seu âmbito de aplicação os inventários pendentes em Cartório Notarial, que não tenham transitado para os Tribunais, como é o caso do inventário em discussão), é o da apresentação do mapa de partilha. Isto, sem prejuízo da eventual superveniência do conhecimento da inoficiosidade, por ocasião do mesmo ou das avaliações dos imóveis. E se é certo que tal momento ainda não terá ocorrido no processo de inventário, cf. afirma o autor, não é menos certo que tal é inócuo para o que nos ocupa. Com efeito, aquele é um prazo processual, adjetivo, enquanto que o prazo de dois anos, plasmado no artigo 2178.º do Código Civil, é um prazo de natureza substantiva, que com aquele não se confunde. De resto, o momento processual legalmente indicado marca o dies ad quem, mas não impede o exercício do direito em momento anterior (cf. o acórdão do venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de novembro de 2020, processo n.º 345/20.3T8ACB-A.C1). Por outro lado, o prazo processual visa assegurar o exercício de um direito substantivo, o qual, se caducado, por decurso do prazo de direito material, já não existe, sendo indiferente, então, o esgotamento, ou não daqueloutro prazo. Mais: sendo este um prazo de caducidade, o mesmo não se suspende, nem se interrompe (cf. o artigo 328.º do Código Civil, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, op. Cit., Volume VI, reimpressão, 2010, p.285). Pelo que a instauração do inventário sem mais em nada muda o que se vem de explanar. Igualmente inócuo nos parece que o facto de terem sido citados os legatários e os donatários (caso tenha ocorrido tal citação, como invoca o autor), pois que os mesmos o terão sido por força da lei (artigo 4.º, n.º 3 da Lei n.º 23/2013, de 05 de março), e não por impulso deste e para os termos de qualquer redução de liberalidade inoficiosa. Esta é uma exigência legal em qualquer inventário onde se verifique a existência de legados ou de doações e não aniquila a obrigação do autor de ali requerer a redução da inoficiosidade. Até porque a redução de liberalidades inoficiosas não é de conhecimento oficioso, o que vale por dizer que, não sendo suscitado o incidente, jamais haverá apreciação da questão, tenham ou não sido citados os donatários e os legatários. Assim sendo, concluindo-se pela caducidade do direito à redução da liberalidade inoficiosa – sendo que, acrescenta-se, o Tribunal nem sequer está certo de que a doação do prédio em discussão nos autos, efetivamente, configure uma inoficiosidade, por não dispor de elementos suficientes para sobre isso se pronunciar –, inevitavelmente se conclui pela falta de interesse em agir do autor, pois, mesmo que esta ação tenha provimento, a destruição dos efeitos do negócio apreciando não logrará o reingresso do bem ao acervo hereditário de que o autor é herdeiro legitimário. Dito de outra forma: a presente ação é inútil, quando apreciada à luz do desiderato do autor. Em face do exposto, julga-se procedente a exceção dilatória atípica, de falta de interesse em agir, e, em consequência, absolvem-se os réus da instância, ficando prejudicado o conhecimento de tudo o mais arguido e alegado nestes autos.” Apreciando. No tribunal “a quo” foi entendido que o aqui recorrente não tem interesse em agir porquanto, pese embora ser o único filho do de cuiús e tendo este deixado todos os seus bens a terceiros – por testamento e doação – a procedência desta acção em que se pede a título principal a nulidade, por simulação, do negócio de permuta efectuado entre a 1.ª e a 2.ª rés, nunca teria a virtualidade de fazer regressar o bem ao património do de cuiús uma vez que o aqui recorrente não peticionou no âmbito do inventário, ou em acção comum, a redução por inoficiosidade do legado e doação. O inventário é um procedimento legal que formaliza a divisão e transferência de bens aos herdeiros., sendo que somente os herdeiros têm interesse direto para requerer o inventário. Os donatários podem intervir no inventário se houver herdeiros legitimários e se a sua intervenção puder influir no cálculo da legítima. Os donatários podem também intervir se a sua intervenção puder implicar uma eventual redução das suas liberalidades. Como se pode ler n o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-04-2023, tirado no processo 3490/22.7T8STR.E1”(…) «Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.» art. 2024º do CC.Os beneficiários de uma vocação distinguem-se entre si consoante são chamados a título de herdeiro ou a título de legatário – art. 2030º, nº 1, do CC. Dada a importância da qualificação do beneficiário como herdeiro ou legatário, compreende-se que a lei mostre uma certa preocupação de fixar com rigor os conceitos. É assim que nos surge uma definição destas categorias no nº 2 do art. 2030º do CC: «Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.» Como decorrência da circunstância do direito de o legatário incidir sobre bens ou valores determinados, não lhe é reconhecido, ao contrário do que sucede com os co-herdeiros ou com o cônjuge meeiro, o direito de exigir a partilha [art. 2101º, nº 1, do CC] direito esse que se exerce mediante acordo ou por meio de inventário. Por sua vez, estipula o art. 1085º do CPC: «1 - Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os atos e termos do processo: a) Os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens; b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a menores, maiores acompanhados ou ausentes em parte incerta. 2 - Podem intervir num processo de inventário pendente: a) Quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respetivas liberalidades; b) Os credores da herança e os legatários, nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos; c) O Ministério Público, para o exercício das competências que lhe estão atribuídas na lei.» (…) Sendo que, nos casos referidos no n.º 1 do preceito em análise está contida a intervenção como parte principal, ou seja, uma intervenção para todos os actos e termos no processo, como seja a legitimidade para iniciar o processo de inventário e participar em todos os seus actos e termos; nos casos do n.º 2 prevê a intervenção da parte acessória, isto é, uma intervenção para fins específicos, conferindo a alguns interessados, que a lei indica, a intervenção em determinados momentos no inventário, mas não confere ao seu titular o direito de encetar o processo, mas apenas a prerrogativa de participar no processo [neste sentido, veja-se DOMINGOS SILVA CARVALHO DE SÁ, in Do Inventário, descrever, avaliar e partir, 8.º edição revista e actualizada, pág. 45]. Neste sentido, veja-se na jurisprudência, entre outros, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto [processo n.º 1372/17.3T8OAZ.P1; datado de 27.11.2017] O regime instituído inspirou-se no artigo 4.º do RJPI, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que por sua vez, já se havia inspirado no artigo 1327.º do Código de Processo Civil de 1961, revogado em 2013. Do que se vem vindo a expor fácil é de concluir que os credores, donatários e os legatários apenas têm legitimidade para intervir, mas não podem requerer o processo de inventário, seja porque já recebem bens concretos e não carecem de partilha para a sua concretização, seja porque apenas têm direito a precaver-se de uma eventual redução por inoficiosidade de liberalidades que lhe tenham sido feitas pelo autor da sucessão.” Como se pode ler no Acórdão da Relação de Évora de 10.03.2022 tirado no processo 158/20.2T8ORM-A.E1 “ Sobre este conceito de interessado, de que não existe definição legal, tem sido sempre aceite um entendimento alargado, tendo em conta a natureza mesma do processo de inventário (é a sede própria para discutir todas as questões pertinentes à boa e correcta aplicação da lei com vista à cessação das situações de comunhão hereditária). A este propósito leia-se o que ficou escrito no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-01-2017, no processo n.º 2768.13.5TBBRG.G1, relator Espinheira Baltar, in www.dgsi.pt : “A questão que se coloca é saber qual a abrangência de interessados no inventário. O processo de inventário não é um processo de partes – autores e réus – mas antes um processo de interessados. O CPC não define o que são interessados, mas refere quem tem legitimidade para requerer inventário, quem tem o direito a ser citado para os seus termos, intervir nos atos processuais decisivos à defesa dos seus direitos, à intervenção principal e a requerer a sua habilitação, como decorrer dos artigos 1327, 1328, 1330, 1331 e 1332 do mesmo diploma. Da leitura dos mesmos leva-nos a concluir que interessado será todo aquele que tiver interesse na herança, desde herdeiro, donatário, legatário e credor. Para a conferência de interessados devem ser notificados todos aqueles que sejam afetados na forma como é realizada a partilha, porque o que nela for acordado vincula os presentes e ausentes que tenham sido notificados (artigo 1352 e 1353 do CPC).” Em suma, como se concluiu no mesmo acórdão, e aqui se sublinha, o processo de inventário é um processo de interessados e não de partes, abrangendo todos os que tiverem interesse na herança, como os herdeiros, legatários, donatários e credores. A idêntica conclusão se teria que chegar analisando as disposições da Lei n.º 23/2013 de 05-03-2013 (aprovou o regime jurídico do processo de inventário, alterando o Código Civil, o Código do Registo Predial, o Código do Registo Civil e o Código de Processo Civil). Neste diploma, designadamente nos arts. 4º (legitimidade para requerer ou intervir no inventário), 9º e 10º (intervenção principal e intervenção de outros interessados) constata-se que de igual modo foi acolhido um conceito generoso da qualidade de interessado, com a preocupação de não excluir ninguém que tenha algum eventual direito a defender no processo. Nomeadamente, são expressamente referidos os legatários e os donatários, para além dos herdeiros, interessados directos, de forma a que todos possam intervir em todos os actos, termos e diligências susceptíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e implicar eventual redução das respectivas liberalidades, mencionando-se ainda os credores da herança.” No caso dos autos, resulta evidente que tendo o de cuiús disposto de todo o ser acervo patrimonial a favor de terceiros e havendo um herdeiro legitimário, reconhecido postumamente, a legítima do mesmo – que representa metade – terá sido atingida porque nenhum bem lhe poderá ser atribuído. Pergunta-se, pois, qual o interesse na instauração do processo de inventário em que só existe um herdeiro legitimário? Parece-nos óbvio que será a determinação do valor do acervo patrimonial do de cuiús por forma a que se possa, desde logo, calcular o valor concreto da legítima. Ver Acórdão Tribunal Relação de Guimarães de 17.02.2022, tirado no processo 1242/20.8T8VCT.G1 “ 1. Numa situação de herdeiro único de uma herança distribuída em legados: o inventário destina-se a relacionar bens e a servir de base a eventual liquidação da herança; esta liquidação contempla, em sentido amplo, a definição dos termos da imputação dos bens ao herdeiro único, depois de deduzidos dos legados - na totalidade, quando não ofenderem a legítima do herdeiro legitimário, ou reduzidos quando ofenderem a legítima do herdeiro legitimário (atendendo aos regimes: da liquidação da herança, isto é, da satisfação dos seus encargos nos termos do art.2097º do C. Civil; dos encargos globais pelos quais responde a herança, onde se integra o cumprimento dos legados nos termos da parte final do art.2068º do C. Civil; da redução dos legados por inoficiosidade, nos termos dos arts.2168º a 2178º do C. Civil). 2. A adequação da forma de processo afere-se face à pretensão concreta formulada na ação. Para a apreciação de uma pretensão de redução de liberalidades formulada de uma forma aberta e não determinada (com pedido de redução nos termos do art.2174º do C. Civil e sem qualquer concretização de efeitos pretendidos), numa situação juridicamente complexa (de multiplicidade de legatários, de legados, de bens integrados em cada legado) e dependente de determinação ulterior dos valores dos bens (não alegados individualmente e de forma certa e limitativa mas invocados de forma aproximada e com pedidos de avaliação): é adequada a forma especial de inventário para relacionamento de bens e liquidação da herança já instaurado (e atualmente sujeito ao referido regime do RJPI aprovado pela Lei nº23/2013, de 5 de março), por este processo especial de interessados ser dotado de fases de maior flexibilidade para o apuramento da inoficiosidade e para a determinação dos seus efeitos (avaliação dos bens e aferição do valor da legítima e se os legados excedem o valor da mesma; no caso dos valores dos legados serem inoficiosos por afetarem a legítima, desencadeamento de processo de escolha e de imputações para redução dos legados e para preenchimento dos mesmos e da legítima).” A este propósito, chamaremos à colação uma Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, apresentada por Susana Isabel Seixas Fernandes, Coimbra 2019 (….) denominada “A inoficiosidade das doações no âmbito do Processo de Inventário”. (…) As modalidades de vocação sucessória, ou seja, de chamamento ou chamada à sucessão do de cujus, são duas, tal como resulta da análise do artigo 2026.º do CC, podendo as mesmas ser feitas através da lei ou através da vontade do autor da sucessão. No primeiro caso, ocorrida a morte do autor da sucessão, o chamamento dos seus sucessíveis, resulta de certas normas jurídicas, que se impõem independentemente da vontade do falecido ou mesmo contra a sua vontade. Neste caso, estamos perante a sucessão legal que, por sua vez, se subdivide em sucessão legítima e sucessão legitimária. No segundo caso, a sucessão diz-se voluntária, na medida em que resulta da vontade do autor da sucessão, através da qual ele institui herdeiros dos seus bens determinadas pessoas. Também esta modalidade de sucessão se subdivide em sucessão testamentária ou sucessão contratual consoante aquilo que esteja na sua origem seja um testamento ou uma doação por morte. Dito isto, iremos analisar o fundamento de cada uma destas modalidades de sucessão. Na sucessão legítima, existem fundamentos distintos consoante os sucessíveis chamados sejam os familiares do autor da sucessão ou o Estado. Esta modalidade de sucessão caracteriza-se, ainda, pela existência de normas dispositivas, ou seja, por normas poderem ser afastadas por vontade do autor da sucessão. Assim sendo, quando os sucessíveis chamados são os familiares do autor da sucessão, a ideia que lhe está subjacente é, de acordo com Carvalho Fernandes:” a relevância da família como célula básica da sociedade”18. Por isso, a sucessão legítima, tem por objetivo, nas palavras de Manuel Leal Henriques:” proteger a chamada família parental (isto é, os parentes ou familiares do de cujus)”19 . No mesmo sentido, Cristina Araújo Dias, diz:” a família é objeto de garantia institucional, sendo protegida constitucionalmente nos artigos 36.º e 37.º da CRP. O fundamento do chamado de familiares do de cujus à sua sucessão, por força da lei e a título supletivo, reside na relevância dada aos vínculos que se estabelecem entre os membros da família. Por isso, quando o autor da sucessão não manifesta a sua vontade no sentido de atribuição dos seus bens a alguém, a lei determina o chamamento dos seus familiares de acordo com uma hierarquia que tem em conta a proximidade dos vínculos familiares (artigo 2133.º CC) “ (…)Contudo, apesar da relevância dada, na sucessão legítima, à ideia de proteção da família e segundo a qual o património de de cujus deve permanecer no seu seio familiar, a mesma pode-se ver frustrada uma vez que o autor da sucessão pode dar outro destino aos seus bens, dispondo deles pela via testamentária ou, nos casos em que tal é admitido, através de pactos sucessórios. Por isso surge a sucessão legitimária, que vem assegurar essa função, uma vez que nesta modalidade de sucessão, a lei destina uma parte dos bens do falecido (a chamada legítima ou quota indisponível) à sua família nuclear, composta pelo cônjuge, ascendente e descendentes, não podendo o mesmo, quer por ato inter vivos quer por ato mortis causa, dispor da totalidade dos seus bens, na medida em que afete as legítimas dos referidos herdeiros. Neste sentido, e de acordo com Manuel Leal Henriques:” o que define, pois, a sucessão legitimária é o carácter injuntivo das normas que a regulam”. Todavia, esta modalidade de sucessão é amplamente criticada pela doutrina, uma vez que teria como consequência, sobretudo nas famílias mais abastadas, uma diminuição do estímulo ao trabalho e levaria muitas vezes os sucessíveis legitimários a esperar viver à custa do património que viriam a herdar. Por último, temos a sucessão testamentária e a sucessão contratual, cujos fundamentos residem na autonomia privada e na liberdade de disposição do património. No entanto, devido às grandes limitações na admissibilidade dos pactos sucessórios, a sucessão testamentária caracteriza-se, assim, por ser a principal forma como o autor da sucessão pode dispor livremente do seu património. Neste sentido, o proprietário dos bens tanto pode dispor deles a título oneroso, como a título gratuito e por ato inter vivos ou através de ato mortis causa, sendo no domínio dos atos de disposição a título gratuito e mortis causa que o testamento assume a sua principal função, podendo o autor da sucessão dispor do seu património a favor de familiares seus ou de estranhos e instituir herdeiros ou legatários. Contudo, podemos notar que a sucessão legitimária e a sucessão testamentária se encontram intimamente ligadas e se limitam reciprocamente, uma vez que embora o autor da sucessão possa, pela via testamentária, dispor do seu património, não pode dispor na sua totalidade, na medida em que afete as legítimas dos seus herdeiros legitimários, o que teria como consequência afastá-los da sucessão, consequência essa que, salvo raras exceções, a lei veda quando os mesmos existam. (…..) no nosso atual CC, no qual a autonomia da sucessão legitimária não pode ser posta em causa, desde logo porque a mesma é autonomamente regulada no título III do livro V do CC, sem prejuízo da existência de traços característicos comuns a ambas as modalidades de sucessão. Nesse sentido, como traços diferenciadores relativamente à sucessão legítima podemos apontar o facto de embora as modalidades de sucessão apresentam classes de sucessíveis comuns, no que diz respeito ao cônjuge, ascendente e descendentes, a sucessão legítima apresenta muitas mais categorias e classes, preenchidas pelos diversos parentes e familiares, e até pelo estado, como resulta do artigo 2133.º do CC. Por outro lado ainda, podemos apontar como nota diferenciadora destas duas modalidades de sucessão, a diversidade de objeto de cada uma delas, uma vez que ao passo que na sucessão legítima se assegura o destino dos bens que existam no momento da morte do autor da sucessão, na sucessão legitimária, o que se visa proteger é a legítima dos herdeiros legitimários, pelo que para além dos bens que existam no momento da morte do de cujus, há que atender ao valor das liberalidades feitas em vida pelo autor da sucessão. Sendo que essas mesmas liberalidades podem ser atacadas pelos herdeiros legitimários, quando as mesmas ofendam as suas legítimas. Contudo, o traço mais evidente desta diferenciação consiste na diversa natureza jurídica das normas que regulam a sucessão legítima e a sucessão legitimária, pois uma vez que as normas que regulam a sucessão legítima são de carácter dispositivo, dado que podem ser afastadas por vontade do autor da sucessão, na sucessão legitimária, as normas têm caráter imperativo não podendo ser afastadas por vontade do autor da sucessão, chegando, inclusive, a sobrepor-se à sua vontade. Aqui chegados, cabe-nos definir a sucessão legitimária, e neste sentido, Manuel Leal Henriques, define-a como:” aquela em que a lei obriga à reserva de uma determinada porção do património hereditário para atribuição imperativa a certas pessoas próximas do de cujus”. Nesse sentido, a sucessão legitimária encontra a sua origem, na “identidade do sangue” e “no vínculo do parentesco direto” .Assim sendo, a porção do património hereditário de que o de cujus não pode dispor, quer por ato inter vivos quer por ato mortis causa, uma vez que a lei a destina aos seus herdeiros legitimários (cônjuge, ascendentes e descendentes nos termos do art.º 2157.º CC), recebe a denominação de legítima. Esta por sua vez, subdivide-se em legítima objetiva, global ou quota indisponível, que respeita a essa porção de bens que o autor da sucessão não pode dispor e em legítima subjetiva, e aqui estamos a falar já não dessa porção de bens na sua globalidade, mas sim da porção de bens que cada um dos herdeiros legitimários tem direito. Dito isto, a doutrina apresenta duas conceções possíveis sobre o modo como se configura a legítima, havendo uma parte da doutrina que a vê como um direito a uma parte dos bens da herança e outra que a vê como uma parte do valor dos bens da herança. De acordo com a primeira conceção, a legítima corresponde a uma parte ou quota da herança, calculada de acordo com o critério definido no artigo 2162.º do CC. Nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes:” o legitimário tem, aqui, a posição de sucessor, em particular de herdeiro”31. Enquanto que, de acordo com a segunda conceção, a legítima traduz-se no direito a uma parte do valor dos bens (pars bonorum). Para o citado autor:” ao conceber a legítima como pars bonorum, esta tese não confere mais do que o direito a uma parte do valor (abstrato) desses bens. O legitimário não tem, consequentemente, a posição de verdadeiro herdeiro, mas de credor da herança”. No mesmo sentido, Cristina Araújo Dias, afirma:” para a primeira conceção, a legítima traduz uma parte ou quota da herança, calculada de acordo com o artigo 2162.º CC, enquanto que para a segunda conceção o herdeiro legitimário tem direito a uma parte do valor abstrato dos bens da herança (surgindo como um credor)”. Como argumentos a favor da primeira conceção, invoca-se desde logo, o teor do artigo 2156.º do CC, que define a legítima como “porção de bens”, e a circunstância da lei identificar o legitimário como herdeiro e como tal o tratando. Para além disso, invoca-se, ainda, o princípio da intangibilidade da legítima, que encontra consagração legal no artigo 2163.º do CC, bem como o facto da redução das liberalidades inoficiosas se fazer, por vezes, em espécie, e não em valor, como resulta do disposto no artigo 2174.º CC, “o que não se justificaria se o direito à legítima fosse simplesmente um direito a um valor abstrato”. Neste sentido, o caráter imperativo dessa porção de bens do autor da sucessão que a lei reserva à sua família nuclear, conduz-nos à ideia que o seu património se divide em duas partes distintas, sendo a primeira delas, a quota disponível, que diz respeito à parte dos bens que ele pode livremente dispor, e a segunda delas, a quota indisponível, que se refere a essa porção de bens de que ele não pode dispor e que a lei reserva à sua família nuclear, composta, como foi supra indiciado pelo cônjuge, ascendente e descendentes. (…) Dito isto, apesar de entre nós ter vigorado o sistema da quota fixa até ao código civil de 1867, como referido supra, esta realidade foi alterada pela entrada em vigor do nosso atual CC, passando a vigorar entre nós um sistema de quota variável, segundo o qual a medida da legítima global varia quer em função da classe do legitimário, em que por exemplo, os descendentes dão origem a uma legítima global maior que a dos ascendentes do autor da sucessão, quer do tipo legitimário, dado que o cônjuge detém aqui uma posição privilegiada, e ainda do número de legitimários, pois a legítima global dos filhos varia em função do seu número, assim, de acordo com Daniel Morais: “Esta pode variar entre 1 /3, quando apenas concorrem à herança ascendentes de segundo grau e seguintes (artigo 2161.º/2) e 2 /3 da herança, quando concorrem à herança cônjuge e descendentes (artigo 2159.º/1), cônjuge e ascendentes (artigo 2161.º/1), ou quando são chamados à herança mais do que um filho do autor da sucessão (artigo 2159.º/2). A legítima pode, ainda, ser de metade da herança, se apenas concorre à mesma o cônjuge (2158.º), um filho do de cujus (artigo 2159.º/2), ou os seus pais (artigo 2161.º/1). É deste modo que o princípio da proteção da família é homenageado: é a solidariedade entre as gerações que o exige” (…) de acordo com Carvalho Fernandes, que:” a determinação do valor da legítima é uma das operações fundamentais da sucessão legitimária, uma vez que dela resulta a extensão e natureza do direito dos herdeiros legitimários, daí que assuma crucial importância o apuramento do montante dessa quota, bem como a determinação da unidade sobre a qual o mesmo vai ser calculada. Trata-se, assim, no fundo de saber o que se entende por herança para efeitos de sucessão legitimária”. Atendendo ao disposto no artigo 2162.º n.º 1 do CC, para o cálculo da legítima deve atender-se aos bens deixados no momento da morte do autor da sucessão, ao valor dos bens doados, ao valor das despesas sujeitas à colação e ainda às dívidas da herança. No que diz respeito às doações, nas palavras de Carvalho Fernandes:” são consideradas todas as que sejam feitas em vida do autor da sucessão, independentemente de os donatários serem sucessíveis ou terceiros. Não releva, portanto, se estão ou não sujeitas à colação”. Já do lado passivo, a doutrina tem entendido que as mesmas se referem aos encargos elencados no artigo 2068.º CC, com exceção dos legados, e tal justifica-se, segundo Carvalho Fernandes, uma vez que:” abater os legados no valor a herança era uma forma indireta de afetar os legitimários”. No entanto, aqui a operação mais complexa consiste na forma como é a apurada a referida herança, sendo que aqui podemos apontar duas posições, uma seguida por Pereira Coelho, por vezes dita posição da Escola de Coimbra, segundo a qual primeiro estabelece se o valor dos bens que o de cujus possuía à sua morte, posteriormente a montante desses bens, reduzir-se-iam as dívidas que o mesmo tinha, para posteriormente se proceder “à restituição fictícia dos bens doados e das despesas sujeitas à colação” e só posteriormente, e por fim, se faria a imputação das liberalidades feitas por conta da legítima, para determinar os bens que irão preencher essa quota. Neste sentido, os bens doados não respondem pelo passivo da herança, uma vez que os credores não podem ter, “melhor posição do que a que tinham em vida dela – e esta confinava-se ao seu património” Pereira Coelho, defende esta posição, uma vez que caso assim não fosse os herdeiros legitimários, em caso de herança deficitária, ficariam sem a sua legítima salvaguardada. Já a segunda posição é defendida por Pamplona Corte-Real, também denominada por posição da Escola de Lisboa, segundo a qual a legítima se calcula de acordo com o estabelecido no artigo 2162.º CC, defendendo assim que a legítima não podia variar, nem muito menos ampliar, no caso de herança deficitária pela não ponderação do défice, pelo que segundo este autor, entrariam as doações nas contas para efeitos de cálculo do passivo, sendo o mesmo calculado só posteriormente dos doados serem ficticiamente restituídos às forças da herança. Dito isto, podemos daqui extrair que a primeira tese se mostra mais favorável aos interesses dos herdeiros legitimários, enquanto que a segunda se mostra mais favorável aos interesses dos credores. Neste sentido, dado que o artigo 2162.º do CC visa, em bom rigor, a tutela dos legitimários, é a primeira tese que é defendida pela maioria da doutrina. (…) De acordo com o que já foi referido supra, constatamos que quando o autor da sucessão falece, deixando o mesmo bens, há que proceder à sua partilha e divisão pelos herdeiros. No entanto, quando o mesmo dispôs de bens ao longo da sua vida:” o processo de inventário para partilha de herança continua a ser o meio processual idóneo para nele se apreciar a inoficiosidade e eventual redução de doação feita a inventariado tanto a herdeiro como a estranhos à herança”. . Contrariamente ao que se escreveu na decisão em crise o recorrente pretende a destruição do negócio efectuado entre os réus, mas não para que o imóvel, alegadamente objecto de contrato simulado, reintegre a esfera jurídica do “de cuiús.” Tal aconteceria se o negócio simulado tivesse sido celebrado entre o “de cuiús” e um terceiro. Com a acção em causa o ora recorrente pretende que o bem regresse à esfera patrimonial do herdeiro testamentário para, se necessário, pode operar a inoficiosidade. A decisão em crise, além do que já expusemos, diz que esta acção nunca teria qualquer efeito útil uma vez que o direito de pedir a redução por inoficiosidade já havia caducado. A caducidade é um instituto jurídico que se refere à extinção de um direito em razão do seu não exercício durante um determinado período de tempo. Em outras palavras, é a perda do direito de exigir o cumprimento de uma obrigação devido à inércia de seu titular dentro de um prazo estabelecido pela lei. É importante distinguir a caducidade da prescrição, embora ambas se refiram à perda de um direito pelo decurso do tempo. A principal diferença entre ambas é que a prescrição está relacionada com a perda do direito de ação, ou seja, a perda do direito de exigir em juízo o cumprimento de uma obrigação, enquanto a caducidade refere-se à perda do direito material em si devido à inação de seu titular. A caducidade é um instituto jurídico que serve para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade nas relações jurídicas, extinguindo os direitos que não são exercidos dentro de um determinado período de tempo. Chamando a caducidade para o âmbito do processo de inventário e designadamente para o prazo de redução de inoficiosidades, parece-nos quase pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que o prazo de caducidade fixado no artigo 2178º do Código Civil somente rege para o caso de liberalidade feita a pessoa que não seja herdeira do autor da sucessão que a realizou. Neste sentido, ver Acórdão da Relação do Porto de 03.06.2024 tirado no processo 6018/20.0T8MTS-A.P1: ““I – Por via da aquisição de quinhão hereditário a herdeiro legitimário, o seu adquirente ingressou na titularidade de todo o conteúdo daquele direito de quinhão, podendo acionar todos os direitos que dele fazem parte, designadamente o direito de requerer a redução de liberalidades do autor da sucessão que ofendam a legítima. II – Estando em causa processo de inventário, consta do seu regime processual próprio a norma do nº1 do art. 1118º do CPC, que possibilita que a redução por inoficiosidade possa ser requerida até à abertura das licitações. III – Ainda que não seja justificável fazer depender a aplicação da caducidade prevista no art. 2178º do C. Civil consoante o pedido de redução por inoficiosidade seja feito incidentalmente no inventário ou em ação ordinária autónoma, há que excluir da sujeição àquele prazo de caducidade as reduções que sejam requeridas em processo de inventário contra beneficiários de liberalidades que, por também serem interessados na partilha da herança, também têm intervenção no processo de inventário como interessados diretos ou secundários.” (…) Como referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, a págs. 124 do seu “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil” (Almedina, 2020), tem sido questão controvertida a articulação entre o incidente de verificação de inoficiosidades no processo de inventário e a ação de redução de liberalidades inoficiosas prevista no art. 2178º do C. Civil, bem como a aplicabilidade do prazo de caducidade estabelecido neste preceito aos pedidos de redução por inoficiosidade enxertados no inventário [vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 18/2/2021 (proc. nº1095/19.9T8VIS.C1), da Relação de Lisboa de 7/3/2024 (proc. nº8169/23.0T8LRS.L1-2), da Relação de Guimarães de 16/3/2023 (proc. nº3594/11.1TJVNF-D.G1), todos no sentido de que o prazo de caducidade previsto no art. 2178º não é aplicável ao processo de inventário mas apenas à ação comum proposta pelo herdeiro contra o beneficiário de liberalidade que não seja herdeiro, e os Acórdãos da Relação de Évora de 18/12/2023 (proc. nº469/20.7T8ENT.E1) e da Relação do Porto de 8/10/2018 (proc. nº2670/11.5TBPNF.P1), que admitem aplicabilidade daquele prazo de caducidade quer em sede da ação comum a que alude o art. 2178º quer em sede de inventário, sendo quanto a este no caso de liberalidade feita a pessoa que não é herdeira do autor da sucessão – todos os arestos disponíveis em www.dsgi.pt]. Por nós, parece-nos que a caducidade prevista no art. 2178º apenas fará sentido ser equacionada no âmbito da ação autónoma ali prevista, a qual, tanto quanto cogitamos, só será pertinente e útil propor no caso de haver um único herdeiro legitimário (pois só este pode requerer a redução – art. 2169º do C. Civil) e ter havido liberalidade a terceiro não herdeiro, pois neste caso não há que proceder à partilha[3]. Diferentemente, se a liberalidade tiver sido feita a outro ou outros herdeiros, só no processo em que se efetua a partilha, que é o processo de inventário, é que, no confronto com os diversos interessados e quotas que lhes cabem, se pode, em vista da redução em referência, proceder à estimação rigorosa dos bens do autor da herança, à determinação exata da sua quota disponível e ao apuramento da ofensa das legítimas, e todos estes dados só são suscetíveis de serem captados através dos termos que são próprios do inventário[4]. Estando em causa processo de inventário, neste, como se referiu acima, consta do seu regime processual próprio a norma do nº1 do art. 1118º do CPC que possibilita que a redução por inoficiosidade, agora objeto de incidente com tramitação e decisão próprias (nºs 2 a 4 daquele mesmo artigo), possa ser requerida até à abertura das licitações. Isto é, havendo inventário, pode ser requerida a redução até àquela fase processual, do que decorre, em tal caso, a inaplicabilidade do prazo de caducidade previsto no art. 2178º do C. Civil. Como nesta mesma linha de raciocínio dizem os autores acima referidos, ainda a págs. 124 e referindo-se ao incidente agora regulado no art. 1118º do CPC, “Se estiver pendente um processo de inventário, os interessados podem, sem qualquer limitação, fazer uso do incidente regulado no artigo, mesmo no confronto de beneficiários de liberalidades alegadamente inoficiosas que não tenham a qualidade de herdeiros e, por isso, não sejam interessados diretos (isto é, sejam legatários ou donatários)” (sublinhado nosso), salientando depois a este propósito que o nº1 daquele preceito se limita a estatuir que o pedido de redução é formulado no confronto de quaisquer beneficiários de liberalidades sujeitas a redução e que estes beneficiários (onde se incluem legatários e donatários) possuem legitimidade para intervir no processo quanto a tal questão, como expressamente decorre do art. 1085º nº2 a) do CPC [onde se prevê que podem intervir num processo de inventário pendente, “quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respetivas liberalidades”]. Na senda desta posição, constatamos o relevo especial na distinção entre quem pode requerer o processo de inventário e aquele (s) que, não podendo requerer, apenas podem intervir. O primeiro réu, ora recorrido, na qualidade de herdeiro testamentário, tinha legitimidade para requerer o processo de inventário, daí que, no caso, não tendo sido ultrapassado o prazo do artigo 1118 número 1 do Código de Processo Civil, pode o ora recorrente pedir a redução da deixa testamentária por inoficiosidade. Ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07 de Março de 2024 tirado no processo 8169/23.0T8LRS.L1-2 “1- O prazo de caducidade previsto no art.º 2178º do Código Civil não é aplicável à acção de inventário (nem tão pouco ao arrolamento preliminar da mesma), mas apenas e tão só à acção comum proposta pelo herdeiro contra o beneficiário de liberalidade que não seja herdeiro, visando a redução da mesma por ofensa da legítima. 2- Tendo o autor da sucessão deixado em legado ao seu cônjuge acções de uma sociedade comercial, legado esse susceptível de ofender a legítima dos demais herdeiros legitimários, o que interessa aos fins do inventário a propor é a especificação da totalidade das acções legadas, para efeitos do apuramento do valor dos bens da herança, do cálculo do valor da legítima e da correspondente redução do legado por inoficiosidade, tudo operações a realizar no âmbito desse inventário. 3- Assim, e porque o arrolamento constitui medida cautelar dependente da acção à qual interessa a especificação dos bens, sendo de decretar quando haja justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, relativamente aos quais haja de ser feita tal especificação, estando verificado o receio de dissipação da totalidade das acções legadas justifica-se o arrolamento das mesmas, na sua totalidade, para salvaguarda do referido interesse na sua especificação, em sede de inventário. (…) Da caducidade do direito à redução do legado Fazendo apelo ao disposto no art.º 2178º do Código Civil, e tendo presente que é de considerar a aceitação da herança pelos requerentes, pelo menos reportada ao momento da apresentação da participação fiscal identificada em 4. dos factos provados (ou seja, em 22/4/2021), sustenta a requerida, por um lado, que até ao termo do prazo de dois anos aí referido os requerentes não propuseram a “medida judicial para a redução da inoficiosidade (…) seja por que meio processual seja”, assim havendo caducado o direito a tal redução. Do mesmo modo entende que, ainda que se considere que o presente procedimento cautelar corresponde ao referido meio processual apto ao exercício do direito à redução, o referido prazo de caducidade completou-se antes de tal propositura (que ocorreu em 30/8/2023). Contrapõem os requerentes que o disposto no art.º 2178º do Código Civil tem de ser interpretado no sentido de a acção aí prevista ser a acção comum que há-de ser intentada contra quem não é herdeiro legitimário e que, por isso, carece de legitimidade para a acção de inventário. Já no caso de se tratar da redução por inoficiosidade, relativamente ao legatário que é herdeiro legitimário, é no âmbito da acção de inventário que cabe exercer o direito à redução, e podendo o mesmo ser exercido a todo o tempo, não sendo aplicável o disposto no art.º 2178º do Código Civil. O instituto da redução de liberalidades por inoficiosidade, previsto nos art.º 2168º e seguintes do Código Civil, está dirigido à protecção da legítima, isto é aquela porção de bens de que o autor da sucessão não podia dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art.º 2156º do Código Civil). Como explica Pires de Lima (Código Civil anotado, volume VI, 1998, pág. 273), “a característica fundamental da inoficiosidade está, como a disposição salienta no lugar próprio, na circunstância de a liberalidade (seja ela entre vivos, seja mortis causa) ofender a legítima, excedendo o limite da quota disponível da herança”. E mais explica que se apresenta como essencial, para afirmar que se está perante uma limitação da liberdade de disposição mortis causa, “que, ao precisar o modo como se calcula a legítima (ou o valor da legítima), o artigo 2162º não tenha omitido que, para esse efeito, ao lado dos relicta, se devem também incluir os donata e também as despesas sujeitas a colação”. Numa outra perspectiva, e como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020 (relatado por Rijo Ferreira e disponível em www.dgsi.pt), “a inoficiosidade das liberalidades (art.º 2168º do CCiv) situa-se no âmbito das operações de partilha (cálculo do valor que cabe a cada um dos interessados em função das respectivas quotas hereditárias e preenchimento dos respectivos quinhões) e tem como função reagir à ofensa da legítima dos herdeiros legitimários”. Assim sendo, e numa primeira abordagem interpretativa do art.º 2178º do Código Civil, parece que a “acção de redução de liberalidades inoficiosas” aí referida não se confunde com a acção especial de inventário. Com efeito, e como resulta do disposto conjugadamente nos art.º 2102º do Código Civil e 1082º do Código de Processo Civil, é pelo inventário judicial que qualquer herdeiro faz cessar a comunhão hereditária e provoca a partilha, caso a mesma não seja alcançada extrajudicialmente por acordo de todos os interessados. E estando-se perante a ofensa da legítima destinada aos herdeiros legitimários, o que só se logrará afirmar no âmbito das operações de partilha, não se pode afirmar que o direito à redução da liberalidade inoficiosa se tem por caducado ainda antes dessas operações de partilha, caso tenham já decorrido dois anos desde a aceitação da herança pelo(s) herdeiro(s) legitimário(s). O que é o mesmo que afirmar que o prazo de caducidade previsto no art.º 2178º do Código Civil não é aplicável à acção de inventário, mas apenas e tão só à acção comum proposta pelo herdeiro contra o beneficiário de liberalidade que não seja herdeiro, visando a redução da mesma por ofensa da legítima. Como se observa no acórdão de 7/12/2023 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por João Cura Mariano e disponível em www.dgsi.pt), não é “consensual que essa caducidade [ou seja, a caducidade a que respeita o art.º 2178º do Código Civil] ocorra quando os beneficiários das doações forem interessados na partilha da herança”. Com efeito, e como ficou afirmado no acórdão de 9/4/2002 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Armando Lourenço, igualmente referido pelos requerentes e disponível em www.dgsi.pt), “sendo o donatário herdeiro legitimário, a redução só em processo de inventário podia [pode] ter lugar”, uma vez que “a redução exige que se proceda a um inventário e à fixação do valor da herança e a uma distribuição dos bens que tenha em conta o efeito das alienações gratuitas na legítima”. Pelo que se concluiu que o “artigo 2178º, CC não é aplicável às situações em que o beneficiário da titularidade seja herdeiro legitimário”. Do mesmo modo, no acórdão de 3/5/2007 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Francisco Magueijo e disponível em www.dgsi.pt) ficou afirmado que “o processo de inventário constitui a sede própria para conhecer da inoficiosidade dos legados a favor dos herdeiros legitimários”, mais se afirmando que a “acção prevista no art.º 2178, do Código Civil, reporta-se às situações de as liberalidades terem favorecido quem não for herdeiro legitimário”. Do mesmo modo, no acórdão de 14/12/2010 do Tribunal da Relação de Guimarães (relatado por Isabel Fonseca e disponível em www.dgsi.pt) ficou afirmado que “o processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima de cada um dos herdeiros (filhos e cônjuge), com vista à redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo testador a favor de um deles é o processo de inventário”, mais se concluindo que “a acção de redução de liberalidades inoficiosas a que alude o art. 2178º só tem cabimento nos casos em que as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume a qualidade de herdeiro legitimário”. Do mesmo modo, no acórdão de 8/10/2018 do Tribunal da Relação do Porto (relatado por Miguel Baldaia de Morais e disponível em www.dgsi.pt), conclui se que “o prazo de caducidade fixado no artigo 2178º do Código Civil somente rege para o caso de liberalidade feita a pessoa que não seja herdeira do autor da sucessão que a realizou; já se o beneficiário dessa liberalidade for seu herdeiro legitimário, então, a todo o tempo, se pode pedir, no respectivo processo de inventário, a redução da liberalidade por inoficiosidade”. Do mesmo modo, ainda, no acórdão de 26/11/2019 do Tribunal da Relação do Porto (relatado por José Carvalho e disponível em www.dgsi.pt) conclui-se que “o prazo de caducidade de 2 anos para redução das liberalidades inoficiosas (2178º CC) não se aplica quando os beneficiários dessas liberalidades são herdeiros”. (…) Concluindo nós que o prazo para requerer a redução por inoficiosidade ainda não decorreu (entendemos não se aplicar o prazo dos 2 anos, pese embora não sabermos em concreto a fase em que se encontra o processo de inventário, uma vez que nada foi requerido, nem junto aos autos) parece-nos evidente o interesse em agir do ora recorrente. Tal significa a revogação da decisão tomada, devendo os autos prosseguir, podendo aí equacionar-se a eventual suspensão da instância, a ser considerada prejudicial, até à determinação concreta da legítima do recorrente, mantendo-se, obviamente, a providência cautelar decretada. IV. DECISAO Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em consequência revogar a decisão recorrida. Custas pelos recorridos Registe e notifique. DN Porto, 29 de Abril de 2025. (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos) Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990. Raquel Correia Lima (Relatora) Lina Castro Baptista (1º Adjunto) Alexandra Pelayo (2º Adjunto) |