Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ÁLVARO MONTEIRO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA PERDA DO BEM LOCADO SUB-ROGAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20251113693/24.3T8AMT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Na locação financeira o proprietário do veículo é a locadora financeira, o qual cede ao locatário (mediante retribuição –a renda), temporariamente, o gozo dessa coisa, móvel ou imóvel, que adquiriu ou construiu por indicação do locatário (art. 1º do DL 149/95), sendo que o risco de perda ou deterioração do bem que a lei (art. 10º, nº 1, j) do DL 149/95) obriga que o locatário garanta por contrato de seguro, a favor do locador, o que leva a concluir que o beneficiário da indemnização nas situações de perda ou deterioração do bem locado é o locador e não o locatário, sendo aquele o titular activo da obrigação de indemnização em caso de ocorrência de um tal dano. II – Tendo a Segurada, no âmbito do contrato de locação financeira, verificada a perda do veículo, prescindido do recebimento do crédito da Seguradora para que esta pague directamente o valor a ressarcir junto da locadora, leva-nos a concluir estarmos simultaneamente sob a figura da sub-rogação convencional e legal, esta decorrente do artº 136º, nº 1, DL n.º 72/2008, de 16 de Abril III - Às situações de sub-rogação legal é aplicável, analogicamente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CC, a contar do pagamento efetuado pelo sub-rogado ao credor originário. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 693/24.3T8AMT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Amarante * Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro 1º Adjunto: Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida 2º Adjunto: Juiz Desembargador José Manuel Monteiro Correia * Sumário: ……………………………………………….. ……………………………………………….. ……………………………………………….. *** I - Relatório: A..., S.A., NIPC ...31, intentou a presente acção declarativa de condenação contra AA, NIF ...93. Peticionou a condenação do réu a pagar à autora a quantia de €19.105,19 (dezanove mil cento e cinco euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da citação até integral pagamento, bem como nas custas e mais encargos legais. Para tanto alegou, em síntese, que celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a cobertura adicional de danos próprios, com BB tendo por objecto seguro o veículo ..., de matrícula ..-SI-.., e como credor/locador/beneficiário a B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA; Que em 31-12-2020 o réu partiu os vidros do mesmo e ateou-lhe fogo; que o réu foi julgado, no âmbito do processo crime n.º ..., e condenado por sentença transitada em julgado em 08-06-2022, além do mais, pela prática de um crime de incêndio; como consequência do incêndio o referido veículo sofreu danos; o veículo foi considerado em perda total; a autora pagou em 02-06-2021 à proprietária do veículo seguro, a indicada B..., SA, a quantia de €19.105,19. * O réu, regularmente citado, veio contestar apresentando defesa por excepção e por impugnação. Excepcionou a prescrição. Em sede de impugnação, sustentou, em apertada síntese, que o pressuposto essencial para que possa ocorrer a sub-rogação é que o titular do direito de crédito seja o segurado, o que no caso dos autos não se verifica, uma vez que, a autora pagou o montante indemnizatório à proprietária do veículo, a B..., Sociedade Financeira de Crédito, S.A., e não à segurada, BB; Que do contrato de seguro, não se estipulou que a locadora financeira era beneficiária; Quem recebeu os salvados, no valor de €11.270,00, foi aquela BB; A indemnização sempre teria de ser paga à tomadora do seguro e segurada, independentemente de esta ser ou não a proprietária do veículo, à semelhança do que aconteceu com o pagamento dos salvados, tendo sido paga a terceiro que não é beneficiário do contrato de seguro, não cabe aqui a sub-rogação legal de que se arroga titular a autora; o réu foi condenado a pagar à locatária a quantia de €12.815,71 pela perda do veículo, quantia essa que se encontra totalmente paga. Mais impugna os danos sofridos pele veículo e alegado em 14.º da p.i.; o veículo não sofreu perda total, mas parcial. Propugna, a final, pela procedência da excepção invocada e pela improcedência da acção. * Em sede de audiência prévia pronunciou-se a autora quanto à excepção invocada pelo réu. Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e dos temas da prova. * Realizou-se julgamento, conforme consta da respetiva acta, após o que foi proferida sentença com a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se julgar a ação totalmente procedente e, em consequência, condenar o réu AA a pagar à autora A..., S.A a quantia de €19.105,19 (dezanove mil cento e cinco euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da citação até integral pagamento. * Custas da ação a cargo do réu. – [art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.] * Registe e notifique.” * É desta decisão que, inconformado, o Réu interpõe recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A) Devem ser dados como não provados os factos dados como provados sob o ponto 15: “Em 02-06-2021, a autora pagou à B..., SA, na qualidade de proprietária do veículo id. em 3 a quantia de €19.105,19, que foi recebida por esta em 04-06-2021”. B) Par dar tal facto como provado, o Tribunal a quo apoiou-se na declaração emitida pela locadora financeira: “No dia 04/06/2021, recebeu a quantia de €19.105,19 (dezanove mil cento e cinco euros e dezanove cêntimos) resultante da indemnização liquidada pela Seguradora Tranquilidade em virtude da perda parcial da viatura com a matrícula ..-SI-.., conforme documento n.º 1 que ora se anexa”. C) O documento n.º 1 junto pela locadora financeira consiste numa carta remetida pela Autora à locatária BB, datada de 26/02/2021, a informar que se encontrava à disposição daquela BB o valor de €19.105,19 para regularização dos danos decorrentes do sinistro que nos ocupa nestes autos. D) O que decorre deste documento é que, em 26/02/2021, encontrava-se à disposição daquela BB aquela quantia, não fazendo tal documento do pagamento à locadora financeira. E) Bem como o documento junto pela Autora à petição inicial, sob o documento n.º 26, que consiste num print informático da autoria daquela, não faz naturalmente prova do pagamento aqui em causa. Da matéria de direito: F) A Autora invoca o seu direito à sub-rogação, estipulado pelo art. 136.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, regulado no Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril. G) Sendo um dos pressupostos da sub-rogação o pagamento da indemnização, dando-se como não provado o ponto 15 dos factos, fica por preencher tal pressuposto. Sem prescindir, H) Como expressamente refere o art. 136.º n.º 1, do RJCS, outro pressuposto da sub-rogação é que o titular do direito de crédito seja o segurado. I) Resulta dos factos dados como provados na sentença sob o ponto 2 que a segurada e a tomadora do seguro é BB. J) E resulta dos factos provados sob o ponto 15 que a Autora pagou à proprietária do veículo - a B..., Sociedade Financeira de Crédito, S.A. – a quantia em apreço nestes autos. K) Destarte, não se encontra preenchido o supra-referido pressuposto para a sub-rogação da Autora. L) Diz o Tribunal a quo que o contrato de seguro nada tem que ver aqui, pois o direito da Autora não assenta na responsabilidade contratual, mas antes na sub-rogação legal estabelecida no art. 136.º n.º 1 do RJCS, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual. M) Ora, desde logo, o exercício da sub-rogação terá sempre que ter como pressuposto a existência de um contrato de seguro válido e eficaz. N) E se nos atermos, como diz o Tribunal a quo, ao estabelecido no referido art. 136.º, então a própria letra da lei inserta neste normativo refere expressamente que o direito (de crédito) transmitido é o do segurado. O) O crédito que é transmitido é o crédito originariamente constituído na esfera do segurado para o segurador, sendo que esse crédito pode ter a mais diversa natureza, seja ela a responsabilidade civil aquiliana (subjectiva ou objectiva), seja ela até a responsabilidade contratual, pré-contratual, pelo sacrifício ou factos lícitos. P) Diz o Tribunal a quo que o titular do direito de crédito que aqui importa não é o segurado, mas sim, o lesado. Q) Pois bem, atentos os factos provados sob os pontos 4, 23, 24, 25, 26, 27 da sentença, aquela BB, locatária do veículo seguro é, para efeitos do contrato de seguro – que é o que aqui interessa -, a lesada. R) Na verdade, a segurada tinha a propriedade económica do veículo seguro. S) Com efeito, a locatária, embora sem título jurídico de proprietária do veículo, durante o período do contrato exerce sobre ele um domínio material e económico, retirando dele, em exclusividade, todas as suas utilidades, suportando, em contrapartida, todos os custos com a sua manutenção. T) Nos termos do disposto no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, correndo o risco de perda ou deterioração do bem por conta do locatário, constitui obrigação do locatário efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados, de acordo com o estipulado no art. 10.º n.º 1, al. j), daquele mesmo diploma legal. U) E assim estipulava a cláusula 9.ª do contrato de locação financeira dada como provada sob o ponto 23 dos factos assentes na sentença. V) O risco que o contrato de seguro prevenia acautelar corria assim por conta da tomadora de seguro e segurada. W) Assim, verificando-se o risco, a indemnização sempre teria de ser paga à tomadora do seguro e segurada, independentemente de esta ser ou não a proprietária do veículo, à semelhança do que aconteceu com o pagamento dos salvados, como dado como provado sob o ponto 20 dos factos assentes na sentença. X) Tendo sido paga a terceiro que não é beneficiário do contrato de seguro, não cabe aqui a sub-rogação legal de que se arroga titular a Autora. Y) E mais, correndo o risco da perda do bem por conta da locatária, uma vez perdido tal bem, a locatária não se encontra desobrigada de pagar as prestações vincendas ao locador e isto, mesmo tendo deixado de usufruir da utilidade económica desse bem. Z) Perdido o bem, a locatária continuou a proceder ao pagamento das rendas ao locador até Março de 2021, como resulta dos factos dados como provados sob o ponto 24 da sentença. AA) Pois, perdido o bem, em Junho de 2021, a locatária devia à locadora a quantia de €27.404,96, sendo €24.161,05 a título de antecipação das rendas vincenda se valor residual, e €3.243,91 a título de valores em mora, como resulta dos factos provados sob o ponto 25 da sentença. BB) Tendo a locadora já recebido da A. a quantia de €19.105,19, foi paga à locadora, por terceiros, a quantia restante de € 8.299,77, em 15/07/2021, como resulta dos factos provados sob o ponto 26 da sentença. CC) Assim, pese embora o contrato de locação financeira tenha caducado, continuaram a vencer-se as rendas, tendo a locadora destinado o dinheiro recebido da Autora para indemnização da perda do veículo para o pagamento de parte de tais rendas, como resulta dos factos provados sob o ponto 27 da sentença. DD) Tudo concluindo, tendo a Autora pago a quem não devia, não podia o Tribunal a quo fazer funcionar a sub-rogação ipso iure, nos termos do disposto no art. 593.º n.º 1 do CC. Sem prescindir, EE) A sub-rogação não se confunde com o direito de regresso; pois enquanto no direito de regresso quem cumpre vê nascer na sua esfera um direito novo, na sub-rogação, quem cumpre sucede na posição daquele que era credor – o que tem reflexos para o que aqui importa: a prescrição. FF) Assim, na sub-rogação, o direito transmite-se nas precisas condições e com as características que lhe são inerentes, à data em que ocorre a substituição, pelo que, se anteriormente à sub-rogação, o direito já se encontrava em condições de ser exercido pelo credor primitivo, verificada a sub-rogação, essas condições acompanham-no, o que quer dizer que o prazo que se encontre em curso, no momento da sub-rogação, continua a correr, após esta se verificar. GG) Caso assim não fosse, estaria encontrado um subterfúgio para contornar a prescrição, pois bastava recorrer à sub-rogação quando o prazo de prescrição estivesse a esgotar-se, para ser relançado novo prazo para a prescrição, tendo em atenção que a sub-rogação não está dependente do consentimento do devedor, nos termos do disposto no art. 589.º do CC… HH) Temos assim que, tendo assente que a sub-rogação não confere ao sub-rogado um direito novo, mas apenas uma transmissão da qualidade de credor, nas exactas condições em que se encontrava o credor primitivo, aplica-se a regra geral da prescrição preceituada no art. 498.º n.º 1 do CC, segundo a qual o direito prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. II) Não se aplica in casu o preceituado no art. 498.º n.º 2 do CC, o qual foi concebido para o direito de regresso, e segundo o qual este direito prescreve no prazo de 3 anos a contar do seu cumprimento. JJ) Aliás, se fosse intenção do legislador salvaguardar, da mesma forma, ambos os institutos, então não teria deixado de contemplar também naquele n.º 2 a situação da sub-rogação; se não o fez foi por tal se entender como desnecessário, dentro da perspectiva de não estarmos perante um direito novo, mas sim perante um direito que mantém todas as suas características, apenas mudando a pessoa do credor, o que se mostra compatível com o estipulado nos arts. 589.º a 594.º do CC.. KK) In casu, dado o facto provado sob o ponto 11, tendo a segurada participado o sinistro à Autora no dia 04 de Janeiro de 2021, esta dele tomou conhecimento naquela data, pelo que o seu direito a demandar o Réu prescreveu a 04 de Janeiro de 2024. LL) Tendo a presente acção sido instaurada a 16 de Maio de 2024 e o Réu sido citado a 21 de Maio de 2024, verifica-se a excepção peremptória da prescrição, que importa a absolvição do pedido, nos termos do disposto no art. 576.º n.º 3 do CPC. Sem prescindir, MM) Mesmo que se entenda ser de aplicar à sub-rogação o especialmente concebido para o direito de regresso no art. 498.º n.º 2 do CC, a verdade é que, dando-se como não provado o facto dado como assente sob o ponto 15 da sentença, e tendo por referência o facto dado como provado sob o ponto 17, a saber, a data de emissão do recibo de pagamento, a 02/03/2021, o direito da Autora prescreveu a 02/03/2024, o que importa a absolvição do pedido, como sobredito. NN) A sentença viola o disposto no art. 136.º n.º 1 do RJCS, no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, e nos arts. 498.º, 589.º e 593.º, todos do CC. Conclui pela revogação da sentença e absolvição do Réu * A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da Apelação. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil. Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes: a) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento, nos termos pretendido pelo Recorrente; b) Existência do pressuposto da sub-rogação da Autora versus direito de regresso. c) Prescrição do direito da Apelada. *** III - FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS 1.1. Factos provados O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos: 1. A autora A..., S.A exerce atividade de seguradora. 2. No âmbito dessa atividade, a autora celebrou com BB, com NIF ...96 como tomadora, segurada e locatária financeira do veículo, um denominado contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a cobertura adicional de danos próprios. 3. O contrato identificado em 2 é titulado pela apólice n.º ...26 e tem por objeto seguro o veículo ..., de matrícula ..-SI-.., da propriedade da B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA. 4. BB celebrou com B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA. um denominado “Contrato de Locação Financeira Mobiliária, datado de 20-12-2016, no qual a primeira figura como locatária e a segunda como locadora e cujo objeto é o veículo id. em 3. 5. No dia 31-12-2020, pelas 17h45, o veículo id. em 3. estava estacionado na Rua ..., ..., Amarante, em frente do .... 6. O réu aproximou-se do referido veículo e, com um ferro, partiu os vidros do mesmo. 7. Após, atirou para o interior daquele veículo um líquido inflamável e, de seguida, ateou-lhe o fogo. 8. Com a descrita conduta, o réu provocou o incêndio e combustão do identificado veículo. 9. O réu manteve-se no local, aonde acorreu a GNR do posto de Amarante, que lavrou o competente auto de notícia. 10. Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º ..., que correu os seus termos pelo ... do Juízo Central Criminal de Penafiel, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-06-2022 e transitado em julgado, o réu foi condenado, além do mais, pela prática dos factos descritos de 5. a 8., que consubstanciam um crime de incêndio. 11. Em 04-01-2021, BB participou o descrito de 5. a 8. à autora. 12. A conduta do réu descrita de 5. a 8. provocou no veículo id. em 3. danos cuja reparação foi estimada em €62.856,21, sem desmontagem. 13. À data do sinistro o capital seguro relativamente ao contrato referido em 2. ascendia a €31.125,19, o valor dos salvados ascendia a € 11.270,00 e o valor da franquia prevista no contrato id. em 2. é de € 750,00. 14. Em face do valor estimado para reparação do veículo e descrito em 12., a autora considerou não ser viável a sua reparação. 15. Em 02-06-2021, a autora pagou à B..., SA, na qualidade de proprietária do veículo id. em 3. a quantia de € 19.105,19, que foi recebida por esta em 04-06-2021. Da contestação 16. A presente ação foi instaurada a 16-05-2024 e réu foi citado a 21-05-2024. 17. Do recibo de pagamento consta como data de emissão o dia 02-03-2021. 18. No denominado contrato de seguro id. em 2., na caixa gráfica sob a designação “Dados do Cliente” identifica-se BB “na qualidade em que efetua o seguro: dono/proprietário”. 19. No mesmo documento nas condições gerais e especiais, na caixa gráfica sob a designação a “Detalhe do objeto seguro” indica-se “credor/ locador financeiro do veículo: B..., SOC F DE CRED, S.A.”. 20. BB recebeu o valor de € 11.270,00, relativo ao salvado vendido. 21. Foi feita, por terceiro, uma proposta de aquisição do veículo descrito em 3. no valor de €11.270,00, a qual foi aceite. 22. Um terceiro adquiriu o veículo por compra, reparou-o e procedeu ao registo da propriedade em seu nome. 23. Na cláusula 9.ª n.º 5 a) do denominado contrato de locação financeira descrito em 4. consta o seguinte “Em caso de perda total, o presente contrato ter-se-á por caducado, considerando-se como data de caducidade aquela em que for recepcionado pelo locador o documento escrito emitido pela respectiva seguradora onde esta declare a perda total, tendo o locador direito a exigir do locatário o montante correspondente à soma (i) de todas as rendas vencidas e não pagas e respectivos juros, e (ii) de todas as quantias em dívida pelo locatário, (iii) acrescido do montante correspondente ao valor actualizado das rendas vincendas acrescido do valor residual. O locador conservará a indemnização que venha a receber da seguradora, ficando o locatário responsável pelo pagamento ao locador do montante correspondente à diferença entre o montante devido em face da perda total nos termos da presente alínea e o valor da indemnização recebida da seguradora, caso este último valor não seja suficiente para liquidar o referido montante devido. O locador deverá, em qualquer caso, entregar ao locador a indemnização que venha a receber da seguradora, caso esta lhe seja directamente liquidada, bem como praticar todos os actos necessários à liquidação daquela indemnização a favor do locador”. 24. BB continuou a proceder ao pagamento das rendas à B..., SA até março de 2021. 25. Em junho de 2021, BB no âmbito do denominado contrato descrito em 4. devia à B..., Sociedade Financeira de Crédito, S.A. a quantia de €27.404,96, sendo € 24.161,05 a título de antecipação das rendas vincendas e valor residual, e € 3.243,91 a título de valores em mora. 26. Em 15-07-2021, através de outras pessoas, BB pagou à B..., Sociedade Financeira de Crédito, S.A. a quantia € 8.299,77, por conta do denominado contrato referido em 4. 27. A B..., Sociedade Financeira de Crédito, S.A. destinou o dinheiro recebido da autora para indemnização da perda do veículo para o pagamento de parte de rendas. 28. Pela prática dos factos descritos de 5. a 8. o réu foi condenado no âmbito do proc. descrito em 10. a pagar a BB a quantia de €12.815,71. 29. O fogo atingiu o habitáculo do veículo automóvel, carbonizando a consola central, o tejadilho e o banco do condutor. * (…)*** 2 - OS FACTOS E O DIREITO. Invoca ainda o R./Apelante não se verificar o pressuposto da sub-rogação da Autora. Conhecendo: Resulta da factualidade provada que no cumprimento do contrato de seguro que a autora mantinha com a segurada BB, locatária do veículo ..., de matrícula ..-SI-.., a primeira indemnizou a locadora e proprietária B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA, no valor de € 19.105,19. Existe ainda documento junto em audiência de julgamento pela testemunha CC em que BB declara prescindir do valor da indemnização a favor da entidade credora. O “direito de regresso" e o “direito de sub-rogação” desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efetivamente – na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento – a prestação devida. Função em que a autonomização do direito de reembolso, como acima citado, encontra sustentação, vide Ac. do STJ de 26 de Novembro de 2020, processo 2325/18-0T8VRL.G1.S1, Relatora Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi.pt. O direito de regresso determina a constituição de um direito novo na esfera do devedor que satisfez integralmente a prestação extinguindo o direito creditício, enquanto a sub-rogação se enquadra na transmissão de dívidas, ou seja, na transmissão de um crédito do credor para o devedor que lho satisfez. Na sub-rogação os direitos dos devedores transferem-se de armas e bagagens para a esfera jurídica de quem satisfez a obrigação, o que implica a transmissão de todo o regime aplicável, vide Professor Antunes Varela por Arnaldo Filipe da Costa Oliveira in Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Almedina, 2008, p. 101.. In casu a segurada do veículo possuía um seguro de danos próprios, pelo que tinha o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador, no entanto, não menos é verdade que a seguradora é um mero garante que pode haver do devedor principal tudo o que tenha prestado ao lesado. Por outras palavras, a seguradora paga em vez, na medida e no lugar do responsável civil, num quadro de interesses valorado pelo legislador a favor dos lesados. Decorre ainda da factualidade provada e dos autos que a Autora/seguradora pagou a quantia de €19.105,19 à B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA., pelo facto desta ter celebrado com a Segurada um contrato denominado “Contrato de Locação Financeira Mobiliária, datado de 20-12-2016, no qual aquela figura como locadora e esta última como locadora. Mais consta dos autos documento junto em audiência de julgamento em que BB declara prescindir do valor da indemnização a favor da entidade credora/locadora do veículo. A B..., Sociedade Financeira de Crédito, S.A. destinou o dinheiro recebido da autora para indemnização da perda do veículo para o pagamento de parte de rendas. Assim, temos de concluir que nos encontramos no âmbito de um puro e manifesto direito de sub-rogação da Seguradora, a qual pagou o valor de €19.105,19 à B... pelo facto da segurada ter prescindido do crédito a que tinha direito, para que o mesmo fosse pago directamente junto da locadora automóvel. A propósito, no âmbito do seguro automóvel, dispõe o Artigo 136.º do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril: Sub-rogação pelo segurador 1 - O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro. 2 - O tomador do seguro ou o segurado responde, até ao limite da indemnização paga pelo segurador, por acto ou omissão que prejudique os direitos previstos no número anterior. 3 - A sub-rogação parcial não prejudica o direito do segurado relativo à parcela do risco não coberto, quando concorra com o segurador contra o terceiro responsável, salvo convenção em contrário em contratos de grandes riscos. 4 - O disposto no n.º 1 não é aplicável: a) Contra o segurado se este responde pelo terceiro responsável, nos termos da lei; b) Contra o cônjuge, pessoa que viva em união de facto, ascendentes e descendentes do segurado que com ele vivam em economia comum, salvo se a responsabilidade destes terceiros for dolosa ou se encontrar coberta por contrato de seguro. Nos termos do artº 589º do CC o credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação. Constituem, pois, condições da sub-rogação pelo segurador o pagamento da indemnização por força do contrato de seguro e a existência de um crédito do segurado contra o terceiro responsável, que, uma vez verificadas, fazem funcionar a sub-rogação ipso iure, por via do que o segurador adquire os poderes que ao segurado competiam contra o terceiro responsável, vide art 593º, nº. 1, do Código Civil. De acordo com o nº 1 do artigo 593º, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”. Assim, a sub-rogação coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito, se bem que limitado pelos termos do cumprimento, que pertencia ao credor primitivo. Diga-se, ainda, que, nos termos do artº 15º do DL 149/95 de 24 de Junho (risco), salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário. E o artº 10º, j), do mesmo diploma, estipula que está obrigado o locatário a efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados. Além disso, no âmbito do nº 2, a), do citado artº 10.º, para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário financeiro, em especial, o direito de usar e fruir o bem locado e findo o contrato o direito de adquirir o bem locado, pelo preço estipulado. O que serve para dizer que o proprietário do veículo era a locadora, porquanto, na vigência do contrato, o locador continua proprietário do bem, estando obrigado a ceder ao locatário (mediante retribuição –a renda), temporariamente, o gozo dessa coisa, móvel ou imóvel, que adquiriu ou construiu por indicação do locatário (art. 1º do DL 149/95), neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2024, processo n.º 1085/20.9T8LOU.P2, Relator João Ramos Lopes em www.dgsi.pt. Como bem se diz na sentença recorrida o “risco de perda ou deterioração do bem que a lei (art. 10º, nº 1, j) do DL 149/95) obriga que o locatário garanta por contrato de seguro, a favor do locador] – o que confirma que o beneficiário da indemnização (nas situações de perda ou deterioração do bem locado) é o locador e não o locatário, sendo aquele o titular activo da obrigação de indemnização em caso de ocorrência de um tal dano. In casu, como acima já foi expresso, a Autora/Apelada pagou a quantia de €19.105,19 à B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA., pelo facto da segurada ter celebrado com aquela um contrato denominado “Contrato de Locação Financeira Mobiliária”, pagamento que foi feito com o consentimento e acordo entre segurada e seguradora, com vista a pagar parte das rendas. Ora, a factualidade constante dos autos leva-nos a concluir que no caso sub iudicio se verifica a figura da sub-rogação sob duas vertentes, uma convencional entre a segurada e a seguradora em que aquela acordou com esta prescindir do crédito a favor da locadora para pagamento parcial do valor em dívida e outra extracontratual assente na responsabilidade civil que incidia sobre o devedor aqui Réu/Apelante. Assim sendo, ter-se-á de concluir ser manifesto estarmos perante um direito de sub-rogação simultaneamente convencional e legal em que a Seguradora/Autora satisfez a indemnização de €19.105,19 à B..., Sociedade Financeira de Crédito, SA proprietária do veículo por a segurada ter prescindido do recebimento de tal montante em benefício da locadora, bem como decorrente do facto de existir um contrato seguro que garantia o bem locado, sendo que os €19.106,19 serviram para pagar parte das rendas em dívida da locatária à locadora. * Relativamente à questão da prescrição suscitada pelo R./apelante sufragamos inteiramente a posição explanada pela decisão recorrida. Com efeito, é pacífico na jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que às situações de sub-rogação legal é aplicável, analogicamente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CC, a contar do pagamento efetuado pelo sub-rogado ao credor originário, vide entre outros, Ac do STJ, de 11-02-2021, processo 2315/18.2T8FAR.E1.S1, Relator: Tomé Gomes, in www.dgsi.pt. In casu, da factualidade provada resulta que o pagamento da indemnização ocorrido entre em 02-06-2021 e a presente ação sido intentada em 16-05-2024 e o réu citado em 21-05-2024, dúvidas não existem de que aquele prazo de prescrição não havia decorrido. Deste modo, improcede totalmente a excepção de prescrição * Assim sendo, ter-se-á de concluir pela total improcedência do recurso do R./Apelante. *** IV – Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto: a) Em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida * Custas pelo R./Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil. Notifique. Porto, 13 de Novembro de 2025. Álvaro Monteiro Aristides Rodrigues de Almeida José Manuel Monteiro Correia |