Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
92/13.2 P6PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
COIMA
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
DECISÃO CONDENATÓRIA
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
PRAZO PARA RECORRER
SEGURANÇA JURÍDICA
ESTADO DE DIREITO
BOA-FÉ
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Nº do Documento: RP2024021292/13.2 P6PRT-B.P1
Data do Acordão: 02/12/2024
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (DECISÃO SUMÁRIA)
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA SOCIEDADE ARGUIDA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança – que decorrem do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2.º da CRP, entendido como uma dimensão do princípio da boa fé e que constitui um dos princípios jurídicos fundamentais da atividade administrativa consagrados no n.º 2 do artigo 266.º da CRP – impõem que os sujeitos processuais afetados por erros das secretarias judiciais – maxime quando esteja em causa a perda do direito ao recurso – deverão sempre ver admitidos os seus atos afetados pelo erro e que a interpretação das normas processuais, concretamente do artigo 157.º n.º 6 do CPC, aplicável ao processo penal ex vi do artigo 4.º do CPP, deverá ser feita com salvaguarda dos aludidos princípios.
II - Não poderá deixar de admitir-se o requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial de decisão contraordenacional, constatando-se que o mesmo foi apresentado com respeito pelo prazo que, embora erradamente, foi concedido à arguida na notificação enviada pela Autoridade Administrativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 92/13.2P6PRT-B.P1

O recurso mostra-se tempestivo, tendo sido admitido com efeito e regime de subida adequados, nada obstando ao seu conhecimento.

Ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea d), do Código de Processo Penal, profere-se decisão sumária.


*

DECISÃO SUMÁRIA


Por decisão datada de 12 de maio de 2023, proferida pela Direção-Geral do Consumidor, foi a sociedade arguida “A... – Unipessoal, Lda” condenada numa coima no valor de €4.000,00, pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação económica grave, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 1, b), e 7.º, do DL n.º 57/2008, de 26 de março.

Notificada através de carta registada com aviso de receção, assinado em 22/6/2023, a arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa, pedindo a sua absolvição ou, subsidiariamente, a redução da coima aplicada para metade do valor determinado.

Contudo, o referido recurso de impugnação judicial foi considerado extemporâneo e, por esse motivo, rejeitado pelo Juízo Local Criminal de Aveiro.

Inconformada com a mencionada decisão, veio a arguida/recorrente interpor recurso para o presente Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões (segue transcrição):

«1. Vem o Recurso interposto da mui douta sentença/despacho, que rejeitou liminarmente a impugnação judicial de contraordenação, interposta nos presentes autos, pela Arguida, ora Recorrente, por alegada extemporaneidade, consequentemente tendo sido ordenada a prossecução da execução administrativa recorrida nos presentes autos.

2. Todavia, defende a Arguida face à factualidade e ao direito aplicável, que inexiste fundamento para o indeferimento liminar.

3. Na douta decisão, de que ora se recorre, considerou o Tribunal a quo, que a impugnação judicial da decisão condenatória da autoria da autoridade administrativa, que aplicou uma coima à Arguida, ora recorrente, pela prática de uma contraordenação económica grave, foi apresentada extemporaneamente.

4. Sustentou o Tribunal a quo, que os recursos judiciais de impugnação de contraordenação, são interpostos no prazo de 20 (vinte) dias úteis, pelo que tendo a Arguida, ora Recorrente, rececionado a notificação que lhe deu conta da referida decisão condenatória, no dia 22.06.2023, o prazo para a impugnar terminaria no dia 20.07.2023.

5. Considerou ainda o Tribunal a quo, que a Arguida impugnou a referida decisão, no dia 08 de Agosto de 2023, porquanto é a data que consta do carimbo constante nas fls 63. dos Autos?! – cujo teor é do desconhecimento da Arguida!

6. No entanto, salvo o devido respeito não assiste razão ao Mm. Juiz a quo.

7. Desde logo, porque o regime aplicável aos presentes autos é o Regime Geral das Contraordenações Económicas, instituído pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, que nos termos do seu artigo 69.º n.º 1, confere ao recorrente um prazo de 30 dias para impugnar as decisões condenatórias.

8. Além disso, a Arguida enviou por via postal, a sua impugnação judicial à entidade Administrativa, no dia 04 de Agosto de 2023, considerando-se esta data, como sendo a da interposição da Impugnação Judicial, sendo irrelevante a data da sua receção pela Direção Geral do Consumidor, conforme se encontra assente na jurisprudência.

9. Veja-se a este respeito o Assento 1/2001, de 03.03.2001, DR Série I-A, de 20.04.2000 “Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efetivação do registo postal da remessa do respetivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000.(O art.º 150 do CPC em referência corresponde ao atual art.º 144 do CPC). (negrito e sublinhado nosso).

10. Acresce que, independentemente, do todo o exposto, a verdade é que na notificação remetida pela Autoridade Administrativa, que deu conta da decisão condenatória à ora Recorrente, vem taxativamente expresso que a decisão condenatória é suscetível de ser impugnada judicialmente: “através de recurso, que deverá constar das alegações sumárias e conclusões. O recurso será feito por escrito e apresentado na sede desta Direção-Geral do Consumidor no prazo de 30 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após a assinatura do registo dos CTT da presente notificação”. (negrito e sublinhado nosso). Cf.- ponto 3. do Doc. n.º 1.

11. Novamente no Ponto 5. da referida notificação a DGC, faz referência ao prazo de 30 dias úteis: “não for judicialmente, impugnada no prazo referido em 3. (30 dias úteis). (negrito e sublinhado nosso). Cf. Ponto 5 do Doc. n.º 1.

12. Portanto, nestes termos, tendo a Arguida, ora Recorrente, rececionado a referida notificação no dia 22.06.2023 o prazo para impugnar judicialmente a decisão condenatória iniciar-se-ia, no dia 26.06.2023, visto que dia 25.06.2023 foi um domingo.

13. Tendo a ora Recorrente, até ao dia 07 de Agosto de 2023 (30 dias úteis contados desde aquela data), para impugnar judicialmente a decisão condenatória, proferida pela Autoridade Administrativa.

14. Tendo por base o princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa fé, que advêm do principio do Estado de Direito, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, que a atuação da atividade administrativa, deve respeitar, o prazo concedido à Arguida, ora Recorrente, pela Autoridade Administrativa, para impugnar judicialmente a decisão condenatória tem de se sobrepor, no caso concreto ao prazo legal.

15. Tem sido este o entendimento, dos tribunais superiores: “II - Não poderá deixar de admitir-se o requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial de decisão contraordenacional, conquanto se constata que o mesmo foi apresentado com respeito pelo prazo que, embora erradamente, foi concedido à arguida na notificação enviada pela Autoridade Administrativa. (Negrito e Sublinhado Nosso) - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 08-03-2022, referente ao processo n.º 359/21.6T9TNV.E1 em que foi Relatora (MARIA CLARA FIGUEIREDO), disponível em http://www.dgsi.pt/.

16. De igual forma Acórdão TRE, datado de 12-07-2012, referente ao Processo n.º 179/10.3TBORQ.E1, em que foi Relator MARTINHO CARDOSO: “não deve ser rejeitado, por extemporaneidade, o recurso interposto em conformidade com os termos dessa notificação. 3. Os princípios da confiança e da segurança jurídicas impõem que, independentemente de estar correto ou incorreto o teor daquela notificação, ela deva ser considerada como o verdadeiro regulador do regime recursal no caso concreto.” (negrito e sublinhado nosso).

17. Portanto a Arguida, ora Recorrente tinha até 07 de Agosto de 2023, para impugnar judicialmente a decisão condenatória.

18. Tendo a mesma, procedido à sua remessa no dia 04 de Agosto de 2023, a impugnação foi tempestivamente apresentada. – Cf. Doc. n.º 2.

19. Sendo que a sentença/despacho recorrida violou assim o princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa fé, que advêm do principio do Estado de Direito, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, que regulam a atividade administrativa, bem como o direito ao contraditório da Arguida.

ASSIM NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V.ª EX.ª DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ADMITA A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO CONDENATÓRIA EMITIDA PELA DIREÇÃO GERAL DO CONSUMIDOR, PORQUE TEMPESTIVAMENTE APRESENTADA, PELA RECORRENTE.

POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA!»


*

O recurso foi admitido por despacho proferido em 5/1/2024, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

*

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso – nos termos constantes do articulado junto aos autos e que aqui damos por reproduzidos -, tendo concluído no sentido da sua procedência, posição condensada no conjunto de conclusões que se transcrevem:

«I. No âmbito dos presentes autos de recurso de contraordenação foi proferido despacho que rejeitou liminarmente o recurso judicial de impugnação de contraordenação apresentado pela Recorrente por considerar o mesmo intempestivo;

II. Em sede de processo de contraordenação a Direção-Geral do Consumidor notificou a Recorrente da decisão condenatória de aplicação da coima por meio de carta registada com AR que remeteu àquela no dia 21-06-2023, tendo o respetivo AR sido assinado no dia 22-06-2023;

III. De seguida, a Recorrente apresentou recurso de impugnação judicial que foi rececionada pela autoridade administrativa no dia 08-08-2023;

IV. No caso concreto, estamos perante um processo de contraordenação relativo à prática de uma infração económica, pelo que tem aplicação o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro) e não o Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), aplicável subsidiariamente no caso de não haver outro instrumento legal que regulamente a situação em concreto;

V. Conjugado o artigo 69.º, n.º 1 com o artigo 46.º, n.º 6 daquele diploma legal, o recurso de impugnação judicial deve ser interposto no prazo de 30 dias, considerando-se a notificação efetuada na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil posterior ao envio;

VI. Da notificação remetida à Recorrente, consta que a decisão condenatória é suscetível de ser impugnada judicialmente, através de recurso, no prazo de 30 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após a assinatura do aviso de receção;

VII. Atendendo a que a Recorrente assinou o respetivo aviso de receção no dia 22-06-2023, o prazo de interposição de recurso iniciou três dias depois, ou seja, 27-06-2023 e terminou no dia 07-08-2023;

VIII. Tratando-se de um prazo administrativo e não judicial, não tem aplicação a regra de suspensão da contagem em período de férias, nem a possibilidade de prática extemporânea mediante o pagamento da respetiva multa processual.

IX. Não obstante na notificação remetida à Recorrente constar o prazo de 30 dias úteis e ao mesmo tempo remeter para o disposto no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – que prevê o prazo de 20 dias –, certo é que, efetivamente, o prazo de que a Recorrente dispunha para interpor recurso da decisão condenatória era de 30 dias úteis e não de 20 dias úteis, por tal resultar expressamente do teor da notificação remetida;

X. E, assim, constata-se que o recurso de impugnação judicial apresentado foi interposto tempestivamente já que enviado à autoridade administrativa no dia 04-08-2023;

XI. Os princípios da confiança e da segurança jurídicas, intrínsecos ao princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, determinam que o cidadão comum não pode ser prejudicado por qualquer erro que tenha sido cometido, ainda que inadvertidamente, por parte da autoridade administrativa, e não pode ver precludido o seu direito de acesso à tutela jurisdicional para ver apreciada a sua defesa;

XII. O cidadão comum não sabe e não tem obrigação de conhecer a prescrição legal quanto a um determinado prazo, pelo que confia no prazo que lhe é expressamente transmitido pela autoridade administrativa;

XIII. Pelo que, desta forma, não pode deixar de ter-se como tempestivo o recurso de impugnação judicial interposto pela Recorrente, porque apresentado dentro do prazo que lhe foi concedido para o efeito pela autoridade administrativa.

NESTES TERMOS,

Deve o despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado, e substituído por outro que julgue tempestivo o recurso de impugnação judicial apresentado pela Recorrente, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!»


*

Apreciando os fundamentos do recurso.

Como vimos, a sociedade arguida “A..., Lda” foi condenada numa coima no valor de € 4.000,00, pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação económica grave, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 1, b), e 7.º, do DL n.º 57/2008, de 26 de março.

Notificada através de carta registada com aviso de receção, assinado em 22/6/2023, a arguida impugnou judicialmente a aludida decisão, pedindo a sua absolvição ou, subsidiariamente, a redução da coima aplicada para metade do valor determinado.

Contudo, o referido recurso de impugnação judicial foi considerado extemporâneo e, por esse motivo, rejeitado pelo Juízo Local Criminal de Aveiro.

Deste entendimento discorda a recorrente, que defende a tempestividade do recurso apresentado, pugnando pela sua admissão.

Vejamos se lhe assiste razão.

O art.º 69.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 21 de janeiro, que estabelece o regime jurídico das contraordenações económicas (RJCE), estipula que «O prazo de interposição do recurso de impugnação judicial é de 30 dias, contados da data da notificação da decisão condenatória ao arguido».

Portanto, configurando o ilícito contraordenacional porque a recorrente foi condenada uma contraordenação económica, punível pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 1, b), 7.º e 21.º do DL n.º 57/2008, de 26 de março, é aplicável o regime jurídico das contraordenações económicas, contido no referido DL n.º 9/2021, de 21/1.

De acordo com o disposto no art.º 46.º, n.º 6 do RJCE, «A notificação por carta registada com aviso de receção considera-se efetuada na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação constar do ato de notificação.»

Já o art.º 44.º do RJCE estabelece que «Os prazos para a prática de quaisquer atos previstos no presente regime são contínuos, sendo aplicáveis as regras do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações» - não sendo, por isso, supletivamente aplicáveis as regras contidas no art.º 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, das quais decorre que «O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.»

Assim, resulta da aplicação destas regras que, tendo sido a arguida/recorrente notificada da decisão da autoridade administrativa no dia 22/6/2023, e iniciando-se a contagem do prazo no dia subsequente (cf. o art.º 279.º, b), do Código Civil, aqui aplicável), o termo do prazo de 30 dias para a respetiva impugnação ocorria no dia 22/7/2023.

É que, como observa a magistrada do MP na resposta ao recurso, tratando-se de um prazo administrativo e não judicial, não tem aplicação a regra de suspensão da contagem em período de férias (e, portando, durante o período compreendido entre 16/7 e 31/8), nem a possibilidade de prática extemporânea mediante o pagamento da respetiva multa processual.[1]

Contudo, não podemos deixar de notar, como justamente observa a recorrente, que na notificação expedida pela autoridade administrativa fez-se consignar que o recurso, a remeter por escrito para a sede da Direção-Geral do Consumidor, deveria ser apresentado no prazo de 30 dias úteis, iniciando-se a respetiva contagem 3 dias após a assinatura do registo dos CTT (cf. o documento junto com o recurso dirigido a este tribunal).

Em situações destas, tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores que os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança – que decorrem do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2.º da CRP, entendido como uma dimensão do princípio da boa fé e que constitui um dos princípios jurídicos fundamentais da atividade administrativa consagrados no n.º 2 do artigo 266.º da CRP – impõem que os sujeitos processuais afetados por erros das secretarias judiciais – maxime quando esteja em causa a perda do direito ao recurso – deverão sempre ver admitidos os seus atos afetados pelo erro e que a interpretação das normas processuais, concretamente do artigo 157.º n.º 6 do CPC [2],

aplicável ao processo penal ex vi do artigo 4.º do CPP, deverá ser feita com salvaguarda dos aludidos princípios.

Deste modo, não poderá deixar de admitir-se o requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial de decisão contraordenacional, constatando-se que o mesmo foi apresentado com respeito pelo prazo que, embora erradamente, foi concedido à arguida na notificação enviada pela Autoridade Administrativa, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 8/3/2022 (relatado por Maria Clara Figueiredo e disponível para consulta em www.dgsi.pt).[3]

Além disso, e como também defende a recorrente, é a data do envio da impugnação, e não a data em que a mesma foi recebida pela autoridade administrativa, que releva para determinação da data em que o ato em causa foi praticado.[4]

Relativamente a este aspeto, é de notar que o STJ, no Assento 1/2001, de 3/3/2001 (DR Série I-A, de 20/4/2000), firmou jurisprudência, no sentido de que “Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efetivação do registo postal da remessa do respetivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima - artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000».

No presente caso, a recorrente impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa em 4 de agosto de 2023 – data coincidente com a da efetivação do registo postal da remessa do respetivo requerimento, tendo este sido apenas rececionado no dia 8 de agosto -, sendo certo que, de acordo com a notificação por ela recebida, tal prazo apenas terminaria em 7 de agosto de 2023.

Em conclusão, a impugnação apresentada pela arguida deveria ter sido considerada tempestiva e, por isso, admitida.

Procede, por conseguinte, o presente recurso.


*

Dispositivo.

Julga-se o presente recurso procedente e, por conseguinte, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro no qual o recurso de impugnação judicial seja admitido.

Sem custas.

Notifique e dê conhecimento do teor da presente decisão à autoridade administrativa.


*

(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2, do CPP)

*

Porto, 12 de fevereiro de 2024.

Liliana Páris Dias – com assinatura digital aposta no documento.


_________________
[1] Cf., neste sentido, e a propósito da norma contida no art.º 60.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, António Beça Pereira, na obra com o mesmo nome, pág. 60.
[2] Norma que dispõe que «Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes».
[3] De igual modo, no Acórdão do TRE, datado de 12/7/2012, relatado pelo Desembargador Martinho Cardoso, igualmente invocado pela recorrente, foi decidido que: “Tendo a autoridade administrativa feito constar da notificação que efetuou à arguida que “a decisão é suscetível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta Comissão, no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação, devendo constar de alegações sumárias e conclusões”, não deve ser rejeitado, por extemporaneidade, o recurso interposto em conformidade com os termos dessa notificação. Os princípios da confiança e da segurança jurídicas impõem que, independentemente de estar correto ou incorreto o teor daquela notificação, ela deva ser considerada como o verdadeiro regulador do regime recursal no caso concreto.”
[4] Como bem faz notar a recorrente, «estaria profundamente comprometido o Princípio da Segurança Jurídica se a data de receção pela Autoridade Administrativa fosse a relevante, tanto mais que qualquer entidade poderia permanecer dias a fio sem rececionar as diversas impugnações de que é alvo, assim fazendo passar os prazos legais aplicáveis.»