| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: | 
 | ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL MATOS NAMORA | ||
| Descritores: | PROCESSO PENAL PRINCÍPIO DA TIPICIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA SENTENÇA NULIDADE DESPACHO IRREGULARIDADE REGIME UNIÃO EUROPEIA DECISÃO EUROPEIA DE INVESTIGAÇÃO APREENSÃO DE BENS PROVA REGIME JURÍDICO | ||
|  |  | ||
| Nº do Documento: | RP202503121556/24.8JAPRT-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
|  |  | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
|  |  | ||
| Sumário: | I - Tendo presente o princípio da tipicidade das nulidades (artº 118º do Cód. Proc. Penal), o disposto no artº 379º do CPP aplica-se apenas às sentenças e não aos meros despachos. A omissão de pronúncia verificada em despacho constitui uma mera irregularidade, a arguir no prazo e nos termos estabelecidos no artigo 123º do Código de Processo Penal. II - A apreensão bancária, prevista no art.º 181º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, corresponde a uma medida provisória de conservação de bens, à qual podem presidir distintas finalidades, em função do destino que irá ser dado aos bens a apreender. Pode ser apenas um meio de obtenção e conservação de provas, servindo finalidades exclusivamente probatórias; pode, ainda, servir finalidades exclusivamente conservatórias, visando garantir a segurança dos bens, por a final deverem ser declarados perdidos e podem-lhe, ainda, estar subjacentes, em simultâneo, ambas as finalidades.. III - A Decisão Europeia de Investigação em matéria penal (DEI) consiste num instrumento para obtenção de prova em contexto transnacional. IV - A Lei 25/2009, que tinha sido revogada apenas na parte relativa à execução das decisões de apreensão de elementos de prova pela Lei 88/2017, de 21 de agosto (DEI), veio a ser tacitamente revogada, na restante parte pelo Regulamento nº 2108/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018. V - O Regulamento nº 2108/1805 estabelece as regras segundo as quais um Estado-Membro reconhece e executa no seu território uma decisão de apreensão ou uma decisão de perda emitida por outro Estado-Membro no âmbito de processos em matéria penal. VI - Se estiver em causa apenas a perda dos bens a apreender o instrumento de cooperação a utilizar será o Regulamento 2018/1805; se estiver em causa a apreensão de elementos de prova, ainda que essa finalidade não seja a única, o instrumento de cooperação adequado é a DEI. VII - A distinção entre os dois objetivos das medidas provisórias nem sempre é óbvia e pode mudar no decurso do processo; cabe à autoridade de emissão apreciar aferir a finalidade do bem a apreender. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
|  |  | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc.º n.º 1556/24.8JAPRT-A.P1 
 Relatora: Isabel Matos Namora 1º Adjunto: Jorge Langweg 2ª Adjunta: Maria Deolinda Dionísio 
 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto  Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual corrobora as razões aduzidas, reclamando a revogação do despacho proferido pelo JIC. Proferido que foi o despacho liminar, teve lugar a conferência.     Neste inquérito investiga-se a prática dos crimes de, burla qualificada, p. e p. pelos artigos, 217º, n.º 1 e 218º, n.ºs, 1 e 2, al. a), ambos do Código Penal, acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6.º e falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º, estes da Lei do Cibercrime, na sequência da denúncia apresentada, no dia 26/02/2024, pela sociedade A..., LDA. Esta sociedade recebeu uma mensagem no correio eletrónico remetido por ..........@....., a solicitar o pagamento de uma fatura em atraso (...), no valor de 67.395,27€, para uma conta sedeada na Polónia, no Banco 1... SA e julgando tratar-se de uma mensagem de correio eletrónico verdadeira, dado ser semelhante ao endereço original daquela empresa, a sociedade denunciante procedeu ao pagamento do referido valor/fatura, no dia 29 de Fevereiro de 2024. Porém, após o dia 5 de Março de 2024, a denunciante veio a constatar que tal mensagem eletrónica datada de 26 de Fevereiro era falsa e não tinha sido remetida pela sociedade B... e que os indivíduos denunciados criaram e utilizaram nas comunicações endereço de correio eletrónico falso, muito semelhante ao legítimo, contudo não pertencendo ao domínio da internet diferente ...., já que este pertence ao domínio da internet C... INC (China), tendo data de criação o dia 27 de Fevereiro de 2024 e a conta bancária de destino daquele valor possui o IBAN ... e está sedeada no Banco 1...”, na Polónia - o Ministério Público (MP).   Após a realização das diligências de inquérito que se afiguraram como úteis e necessárias ao esclarecimento dos factos em território nacional, o Ministério Público determinou a emissão de uma DEI (Decisão Europeia de Investigação), considerando que existem ainda informações imprescindíveis a recolher, no sentido da descoberta da verdade material e realização da justiça, relacionadas com a identificação da conta bancária e respetivos titulares, para a qual foi efetuada a transferência ilegítima por parte da denunciante, realizada para a Polónia, já que o respetivo IBAN de destino dessa transferência surgem com a identificação desse País. Tal DEI, efetuada em formulário próprio, foi ordenada ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, 38º todos da Lei n.º 88/2017, de 21 de Agosto, a ser executada na Polónia para que: I - Se averiguasse, junto do Banco 1...” a identidade do titular/es da conta bancária identificada com IBAN ..., cópia da ficha de assinaturas de abertura de tal conta e remessa do extrato bancário referente aos meses de fevereiro e março de 2024; II- No caso de tal valor 67.395,27€ já ter sido levantado ou transferido, se obtenham todos os elementos de prova que confirmem qual o destino que lhes foi dado (incluindo cópia de toda a documentação bancária comprovativa do seu levantamento e/ou transferência); III- Se proceda à constituição como arguidos da pessoa ou das pessoas que vierem a ser identificadas; ao seu interrogatório nessa qualidade, para que expliquem a forma como lograram obter na respetiva conta bancária tal valor de 67.395,27€, devendo ser confrontados com a factualidade em causa no presente inquérito; e à aplicação da medida de coação de termo de identidade e residência a quem for constituído arguido; - Aquando da realização do interrogatório deverão o/s denunciado/s ser questionados sobre os seguintes factos e prestar declarações, querendo (atento o direito que o estatuto processual de arguido lhes confere): - Se conhecem a empresa “A..., Lda.”, com sede em Portugal e a “B...”, com sede na Roménia e que relação comercial, ou outra, têm com as mesmas; - Se entre fevereiro e março de 2024 foi o autor do envio das mensagens de correio eletrónico para a empresa A..., Lda., fazendo-se passar pela empresa B..., criando e utilizando endereços eletrónicos do domínio ... e solicitando o pagamento do valor de uma fatura (...), para o IBAN ... e, em caso negativo, se conhece os seus autores, devendo identificados, e caso afirmativo; - A que título foi creditada na conta bancária com o IBAN ..., o valor monetário de 67.395,27€, associado à transferência bancária de 29 de fevereiro de 2024, proveniente da empresa A..., L.da e que destino foi dada a essa quantia; - Se o titular da conta bancária com o IBAN ... autorizou que alguém utilizasse a dita conta para aí receberem transferências monetárias, e em caso afirmativo, a sua identificação completa, morada, contacto telefónico e endereço de correio eletrónico; - Caso seja identificado outro indivíduo suspeito residente no Estado da Polónia proceder à sua constituição como arguido e respetivo interrogatório, devendo prestar Termo de Identidade e Residência; - Se realizem todas as diligências de investigação que, no decurso do presente pedido de cooperação judiciária, se venham a revelar úteis à investigação em causa. 
 Ainda no mesmo despacho, e com os mesmos fundamentos, o MP veio promover ao Juiz de Instrução Criminal do Porto que ordenasse a apreensão do valor global de 67.395,27€, referente à transferência bancária ilegítima efetuada, no dia 29 de fevereiro de 2024, pela sociedade comercial denunciante para a conta bancária sedeada no Banco 1...”, com o IBAN ..., por ser proveniente de ilícito criminal, nos termos do disposto nos artigos, 181.º, n.º 1 e 178.º, n.º 1, 2, do Código de Processo Penal e nos termos do 1º, 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1 e 2, 38º e 44º todos da Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto: “Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito enunciados supra, importa assim apreender junto do banco os saldos bancários correspondentes à transação bancária efetuada indevidamente no dia 29 de Fevereiro de 2024, por ser proveniente de ilícito criminal. (…) Nos presentes autos existem já elementos probatórios que indiciam a prática de ilícitos criminais, sendo que aos referidos montantes é proveniente da atividade ilícita correspondendo às contrapartidas monetárias recebidas através da prática do crime em investigação. Pelo exposto, promovo seja remetida DEI às autoridades judiciárias da Polónia, nos termos acima descritos que, atento o disposto no artigo 181.º, n.º 1 e 178.º, n.º 1, 2, do Código de Processo Penal e nos termos do 1º, 2.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, alínea a), 6.º, 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1 e 2, 38º 44º todos da Lei n.º 88/2017, de 21 de Agosto, para que se proceda à apreensão do valor global de 67.395,27€, referente à transferência bancária ilegítima efetuada pela sociedade comercial denunciante, acima referida, efetuada para a conta bancária sedeada no Banco 1...”, com o IBAN  ....” Deste despacho interpôs o Ministério Público recurso para este Tribunal da Relação, em 18/02/2025, invocando, no essencial: - A promoção do MP que requereu a apreensão fundamentou devidamente, até com argumentos vertidos no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 294/2008 (publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 125 — 1 de Julho de 2008) que, para além da apreensão bancária representar uma medida cautelar destinada a assegurar o cumprimento de certos efeitos de direito substantivo que estão associados à pratica de ilícito penal, também funciona como meio de prova, não só porque a sua previsão legal (art.º 178º e 181º, ambos do CPP) se encontra na parte referente aos meios de prova, como é a prova maior da prática do crime e, eventualmente, da sua autoria; - A M.ª JIC devia ter ordenado a apreensão promovida à autoridade judiciária competente do local da apreensão e a sua concretização através de DEI, nos termos do disposto na Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto; - Mesmo que se entenda que a Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto não se aplica ao caso concreto, poderia tal promoção ser atendida e concretizada através dos mecanismos que a M. mª JIC considerasse aplicáveis ao caso; - Ao assim não proceder, a M.ª JIC violou o disposto nos artigos, 178º e 181º, ambos do CPP, artigo 3º, al. e) da Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto e jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no acórdão n.º 294/2008.   “Independentemente da natureza e fins da apreensão pretendida - sendo certo que se nos afigura que o “rasto” dos valores apropriados não é obtido através da apreensão dos saldos bancários, mas por simples junção de documentação bancária, mormente do extrato bancário de suporte dessa conta onde constem os respetivos movimentos e saldos-, mesmo admitindo que a apreensão bancária funciona também como meio de prova, continuaria a DEI (Decisão Europeia de Investigação, aprovada pela Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto) a não ser o meio próprio da promovida ordem de apreensão, contrariamente ao que sustenta o Ministério Público. Com efeito, o mecanismo adequado para proceder à apreensão de valores ilicitamente transferidos e acautelar o perigo de as quantias serem dissipadas, é a emissão de certificado de apreensão (vulgarmente designado de FREEZING ORDER), no caso por referência à conta bancária domiciliada na Polónia, sendo este o Estado de Execução competente, nos termos do previsto no Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão disponível em https://www.ejn-crimjust.europa.eu/ejn/libdocument properties/EN/3270. O Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14.11.18, relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão assenta no princípio base de que a apreensão e a perda dos instrumentos e produtos do crime constituem um dos meios mais eficazes de luta contra a criminalidade reforçando o empenhamento da União em assegurar uma maior eficácia na identificação, perda e reutilização de bens de origem criminosa, em conformidade com o «Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos». Tendo em conta a frequente natureza transnacional da criminalidade, é fundamental assegurar a eficácia da cooperação transfronteiriça para apreender e declarar perdidos os instrumentos e os produtos do crime (considerandos 4 e 5 do Regulamento). Ora, não foi isso que o Ministério Público promoveu e o que o Tribunal indeferiu foi o uso da DEI (e não a apreensão em si conforme se depreende do texto e fundamentos do despacho sob censura), por se tratar de instrumento indevido, carecendo, pois, de cabimento e fundamento para tal, entendimento esse que continuamos a sufragar”.  A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no douto parecer que apresenta sustenta que a DEI é o instrumento que deve ser utilizado no presente caso, com vista à apreensão de saldo bancário em instituição bancária sediada em país da União Europeia. Alega, em síntese, que a DEI abrange qualquer medida de investigação, com exceção da criação de equipas de investigação conjuntas e da obtenção de elementos de prova por essas equipas, abrangendo por isso qualquer medida destinada a impedir provisoriamente a destruição, transformação, deslocação, transferência ou alienação de um elemento que possa servir de prova. Por outo lado, compete ao JIC determinar a apreensão de valores que se encontrem em estabelecimentos bancários, nomeadamente, depósitos bancários, quando tiver fundadas razões de que estejam relacionados com um crime e que assumem interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (artigo 181º, n.º 1 do CPP), o que sucede nos autos. Conclui, assim, que não se vislumbra qualquer obstáculo legal à apreensão, caso exista, do saldo bancário no valor global de 67.395,27€, referente à transferência bancária ilegítima efetuada pela sociedade comercial denunciante para a conta bancária indicada e que tal diligência de prova seja efetuada através de DEI. Nem mesmo o invocado Regulamento (UE) 2018/1805, de 14/11/2028, do qual não resulta que a apreensão de saldo bancário, quer para efeitos de prova, quer como medida cautelar destinada a assegurar a eventual perda ou confisco, não possam ser efetuadas através de DEI, ainda que com a emissão de certificado de apreensão - o denominado FREEZING ORDER -, por referência à conta bancária domiciliada na Polónia. E deste Regulamento, sustenta, também não resulta que essa competência possa ser do Estado da execução, como refere a M.ª JIC. Por último, refuta a aplicabilidade da jurisprudência firmada no invocado acórdão desta Relação, de 27/11/2024, por incidir sobre uma situação distinta, já que a apreensão ali promovida pelo MP visava, exclusivamente, garantir a execução do confisco dos produtos do crime e, no presente caso, a apreensão do valor global de 67.395,27€, depositada em conta bancária sediada na Polónia tem, desde logo e essencialmente efeitos probatórios, como melhor resulta do despacho do MP que ordenou a emissão da DEI, com várias diligências solicitadas muito antes da apreensão de eventual saldo bancário, que se desconhece se existe ou não. Ainda que a apreensão da referida quantia tenha, também, por finalidade acautelar a eventual perda/confisco de tal montante, essa não é a sua finalidade principal, nem decorre do Regime Jurídico da Emissão e Execução de Decisões de Apreensão de bens ou elementos de prova da UE qualquer obstáculo à sua utilização.   Considerando os termos em que o Ministério Público estruturou o respetivo recurso, a única questão a apreciar apurar se o juiz de instrução criminal deve ordenar a apreensão de saldo bancário de conta sedeada na Polónia até ao montante da transferência efetuada ilicitamente da conta da sociedade ofendida, através da emissão de uma DEI. 
 4. Do mérito do recurso 
 Nos presentes autos o Ministério Público recorreu do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal, no qual se decidiu que a DEI não é o meio próprio para requerer a apreensão de saldo bancário, com o propósito de futura perda ou confisco. O despacho recorrido concluiu indeferindo o assim promovido. Com efeito, importa considerar que a promoção do Ministério Público, sobre a qual recaiu o despacho recorrido, era composta de dois segmentos. O primeiro relativo à apreensão do valor global de 67.395,27€, quantia esta correspondente ao valor da transferência bancária ilegítima efetuada pela sociedade comercial denunciante para a conta bancária indicada. O segundo relativo ao instrumento de cooperação internacional a utilizar, promovendo o Ministério Público que para esse efeito fosse remetida uma DEI às autoridades judiciárias da Polónia. O despacho recorrido apenas incidiu sobre este segundo segmento, tendo decidido que “a DEI não é o meio próprio para pedir a apreensão de quantia numa conta bancária, com o fim visado.” O recurso interposto pelo Ministério Público conclui que “A M.ª JIC devia ter ordenado a apreensão promovida à autoridade judiciária competente do local da apreensão e a sua concretização através de DEI, nos termos do disposto na Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto.” Tendo presente o princípio da tipicidade das nulidades (artº 118º do Cód. Proc. Penal), o disposto no artº 379º do mesmo diploma aplica-se apenas às sentenças e não aos meros despachos. Decorre do âmbito da citada norma que a omissão de pronúncia do Juiz de Instrução Criminal quando ao primeiro pedido que lhe foi apresentado em sede de promoção do Ministério Público (apreensão do valor global de 67.395,27€) constitui uma mera irregularidade que deveria ter sido arguida no prazo e nos termos estabelecidos no artigo 123º do Código de Processo Penal, o que não aconteceu. Decorre de todo o exposto que apenas iremos conhecer da única questão sobre a qual recaiu pronúncia por parte do Juiz de Instrução Criminal, a saber, o instrumento de cooperação internacional a utilizar para a concretização da pretendida apreensão. 
 Começamos por indicar o enquadramento jurídico das apreensões bancárias, sua natureza e finalidades.  - “(…) existindo indícios de que a vantagem do crime indiciado, se encontra na conta identificada, as razões quer probatórias, quer de conservação do património indicam que a apreensão deve ser realizada (…) Como alega o recorrente, o dinheiro é uma coisa fungível,cf artº 207º do CC e como tal passível de confusão no património, mas também substituível, por outra da mesmo género e quantidade. Como tal a existência de dinheiro em montante igual aquele que foi transferido pela prática de um crime, continua a ser indiciariamente uma vantagem desse crime, face ao disposto nos arts 110º nº4 e 11º nº3 do CP, e revela interesse para a descoberta da verdade, e para prova, apesar da relevância nesta vertente do próprio comprovativo da efectivação da transferência.” - acórdão do TRP de 7/2/2024. - “A apreensão enquanto meio de obtenção da prova serve a finalidade processual penal da descoberta da verdade e enquanto garantia processual da perda de vantagens, tem em vista a finalidade processual penal de realização de justiça. Trata-se de um importante instrumento de prevenção do perigo de aumento ou de reiteração da criminalidade, por via da reconstituição da esfera patrimonial do agente do crime, ao estágio anterior à prática do mesmo e como se este nunca tivesse sido praticado” – acórdão do TRL de 24/02/2022. - “No presente caso é pedida a apreensão de saldos bancários e outros produtos financeiros resultando da prova doecumental apresentada pelo Ministério Público indícios de que o montante depositado da referida conta podem derivar da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.°, n.°2, a) do Código Penal e, por essa via, de branqueamento p. e p. pelo art. 368°-A n°s 1 a 3 do Código Penal, em virtude de o suspeito ter obtido o depósito mencionado, supostamente por engano astuciosamente provocado sobre as ofendida e de ter procedido à circulação dos valores obtidos nessa sequência (sendo este o aspecto relevante para a presente decisão). (…) de acordo com o disposto no art. 178.°, n.°1, do Código de Processo Penal, devem ser apreendidos os bens que constituam produto, lucro, preço ou recompensa de um crime, o que, neste caso concreto, se afigura ser constituído pelos saldos bancários e outros produtos financeiros em investigação.” - acórdão do TRL 07-05-2019. Concluímos, então, que há fundadas razões para crer que a quantia depositada, cuja apreensão se peticiona, esteja relacionada com a prática de um crime de burla qualificada e que apresenta interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, ainda que com pouco relevo. Nessa medida, não existem motivos para indeferir a peticionada apreensão, porquanto para além da finalidade cautelar (que até pode assumir maior relevo), a quantia a apreender apresenta interesse para a descoberta da verdade e para a prova. Em face de tudo o quanto se disse, a DEI é o instrumento de cooperação a utilizar neste caso, razão pela qual procede o recurso nesta parte. No que respeita ao pedido de apreensão do valor global de 67.395,27€, o recurso não procederá por não existir ainda decisão da primeira instância, devendo o tribunal a quo emitir pronuncia sobre tal pedido.   Pelo exposto acordam os Juízes da 4ª secção desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência: |