Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2873/24.2T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRATO A TERMO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RP202511262873/24.2T8AVR.P1
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O trabalhador com contrato a termo, pelo despedimento ilícito, tem direito às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente, as quais funcionam como um limite mínimo da indemnização a que tem direito, em caso de despedimento ilícito.
II – Por força da al. a) do nº 2 do art. 393º do CT, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador nunca pode receber menos, como indemnização, do que receberia se estivesse a cumprir o contrato a termo até ao seu fim.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2873/24.2T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: A..., Lda.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., AA, NIF: ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., intentou mediante o formulário a que aludem os art.s 98º-C e 98º-D, do CPT, acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências, contra a entidade empregadora A..., Lda., com o NIPC: ... e sede na Rua ... Aveiro ....
Frustrada a conciliação, conforme decorre da acta datada de 10.09.2024, foi a empregadora notificada para, querendo, apresentar articulado a motivar o despedimento e apresentar o procedimento disciplinar, o que fez, nos termos do requerimento junto em 25.09.2024, fundamentando-o, nos factos constantes da decisão disciplinar e pugnando pela regularidade e licitude do mesmo, com as legais consequências.
Começa por invocar que, em 18 de março de 1981, Autora e Ré celebraram um contrato de trabalho, sem termo e a tempo inteiro, tendo sido admitida com a categoria profissional de Técnica de Análises Clínicas Sem Curso. A Autora passou à situação de pensionista em 01.06.2023 e manteve-se ao serviço da Ré após 01.07.2023 tendo, nos termos do artigo 348.º, n.º 2 do CT o contrato de trabalho passado a termo resolutivo.
Alega que, por documento escrito datado de 11 de dezembro de 2023, Autora e Ré acordaram que a partir de 1 de janeiro de 2024, o contrato de trabalho, celebrado em 1981, passaria a ser a tempo parcial, tendo sido estabelecido um período normal de trabalho de 20 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta-feira.
Mais, alega que não obstante a categoria que lhe foi atribuída quando foi contratada, a Autora sempre desempenhou funções administrativas de apoio aos postos de recolha, exercendo-as na sede da empresa, não tendo formação, conhecimentos ou competência técnica para proceder à validação biopatológica de análises clínicas.
Por fim, alega que a Autora, nos dias e horas indicados nas tabelas que constam dos DOC 3 e 4 que se juntam, fez a validação biopatológica de resultados analíticos de utentes da Ré. Tal validação foi efetuada no software ... sem o conhecimento da gerência e com o recurso indevido, abusivo e não autorizado, das credencias do Dr BB (utilizador ...). As validações referidas no artigo anterior foram efetuadas através do computador designado por ... que era utilizado pela Autora, com nome de utilizador .... A conduta da Autora, põe em causa a qualidade e fidedignidade dos serviços prestados pela Ré aos seus utentes e, consequentemente, o seu bom nome, reputação e credibilidade.
Conclui que, “deve ser julgada improcedente a ação, declarando-se a regularidade e licitude do despedimento do Autor, com as legais consequências.
Subsidiariamente, por mera cautela e em caso de procedimento da ação, requer-se que seja dado cumprimento ao estabelecido no n.º1 do artigo 98.º-N e ordenadas as deduções previstas no artigo 98.º-O ambos do CPT.”.
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Notificada a A. contestou e deduziu reconvenção, nos termos que constam do articulado junto, em 15.10.2024, alegando, em síntese, que, deve ser considerado como não escrito parte do alegado no AMD, por não constar da nota de culpa e da decisão de despedimento, sob pena de nulidade. E que, o procedimento disciplinar é inválido, porque a R. se socorreu de juízos conclusivos e afirmações abstractas e genéricas, não assentes na invocação de factos concretos, suficientemente circunstanciados, em termos de modo, tempo e lugar, como impõe a parte final do art. 353º, n.º 1 do Cód. do Trabalho.
Mais, alega que nunca fez validações biopatológicas de resultados analíticos de utentes da R., com as credenciais do Dr. BB ou de qualquer outro colaborador da R. - credenciais de que não dispõe. E, ainda, que mesmo que tivesse feito, não estão em causa comportamentos de tal forma culposos, graves e ilícitos, que tornassem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Termina que, “deve:
1) A arguida nulidade ser julgada procedente, por provada, e, por via disso, ser considerados como não escritos os arts. 7.º (na parte onde é referido “de apoio aos postos de recolha”), 8.º (na parte onde é referido “formação, conhecimentos”), 10.º (na parte onde se remete para as “tabelas que constam dos DOC 3 e 4”), 11.º (na parte onde é referido o “software ...” e “utilizador ...”) e 12.º do AMD – ut arts. 1.º a 10.º;
2) A excepção de invalidade do procedimento disciplinar ser julgada procedente, por provada, e, por via disso, o despedimento da Trabalhadora ser considerado ilícito, nos termos do disposto no artigo 382.º, n.º 2, al. a) do CT – ut arts. 11.º a 29.º;
3) Reconhecer-se que a Trabalhadora foi ilicitamente despedida pela Empregadora, por ausência de justa causa, nos termos do art. 351.º do CT, e,
4) em consequência, condenar-se a Empregadora no pagamento de uma indemnização, que não deve ser inferior às retribuições que a Trabalhadora deixar de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente, à razão de € 716,14 (€ 675,16 + € 40,98) por mês – ut arts. 68.º e 71.º;
5) Legais consequências.”.
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Notificada a ré respondeu à contestação/reconvenção, em 04.11.2024, refuta a ocorrência dos vícios formais invocados, reafirma o entendimento de que o despedimento foi lícito e impugna a factualidade alegada pela A. na contestação /reconvenção.
Terminando que, “deve o pedido reconvencional ser julgado totalmente não provado e improcedente e, por conseguinte, conclui-se como no AMD”.
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Nos termos que constam do despacho proferido, em 28.03.2022, a R., foi convidada, a suprir no prazo de 10 dias a apontada insuficiência na matéria de facto alegada, o que veio satisfazer, nos termos do requerimento junto, em 05.12.2024.
A A. pronunciou-se quanto a este, nos termos do requerimento junto, em 10.12.2024.
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Nos termos do despacho de 06.01.2025, foi admitida a reconvenção apresentada, dispensada a convocação da audiência prévia, bem como, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Mais, no mesmo despacho, foi apreciada e, quanto à invocada invalidade do procedimento disciplinar, julgou-se, a mesma, improcedente, concluindo-se que, “Não havendo, por conseguinte, motivo para considerar nulo o procedimento disciplinar” e decidiu-se que, não podem ser levados em conta no juízo a fazer sobre a licitude ou ilicitude do despedimento, nem ser objecto de prova, os factos alegados nos arts. 7.º (na parte onde é referido “de apoio aos postos de recolha”), 8.º (na parte onde é referido “formação, conhecimentos”), 11.º (na parte onde é referido o “software ...” e “utilizador ...”) e 12.º do AMD.
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Realizado o julgamento, nos termos documentados nas actas datadas de, 12 e 26.02.2025, foram conclusos os autos e proferida sentença que terminou com a seguinte: “DECISÃO
Em face de todo o exposto, julgando regular e lícito o despedimento, absolvo a R. do pedido.
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Custas pela A. - art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.
Registe e notifique.
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Fixo em € 2.000,00 o valor da acção – cfr. art. 98º-P, n.º 2 do Cód. de Processo do Trabalho.
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Após trânsito em julgado da sentença, remeta certidão da sentença ao DIAP desta comarca.”.
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Inconformada a A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
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A R. não apresentou contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância, como apelação, com efeito meramente devolutivo e foi ordenada a remessa dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o presente recurso não obter provimento, no essencial, por considerar, “(…). Quanto à matéria do recurso, o ponto n.º 10 não merece qualquer censura, tal como resulta da fundamentação da sentença. Tanto assim é que a recorrente entra em flagrante contradição quanto a ele nas conclusões n.ºs 1 e 17.
Quanto ao ponto n.º 11, diremos que está validamente formulado, contendo 2 segmentos, o primeiro factual e o segundo que se poderá considerar como conclusivo.
(…)
Caso assim se não entenda, subsiste sempre a 1.ª parte, a ser alterada oficiosamente, nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, com a seguinte redacção na parte inicial, que se sugere com a seguinte redacção “Com a sua conduta a A., validou análises de utentes da R., sem ter para tanto competência técnica e usando credenciais alheias.”.
Com efeito, ainda e tendo em conta as considerações tecidas na sentença “sub iudice” quanto a validações biopatológicas de análises, terá aqui de ser chamado à colação o conhecimento científico, tendo por base esta análise do texto da decisão e sem necessidade de quaisquer outros elementos. É pacífico que a recorrente procedeu a validações com consequências que podem ser falsos resultados a influenciar o estado de saúde dos pacientes, a serem clinicamente tratados em conformidade com errado resultado clínico proveniente dessas análises obtido em divergência com os adequados procedimentos laboratoriais. Em causa pode estar um risco para a saúde dos pacientes visados, como consequência directa, necessária e suficiente da conduta da recorrente. Daí que a relação laboral não possa subsistir, por quebra dos deveres funcionais, por comportamento culposo da recorrente que a torna de imediato insubsistente, por merecedora de censura. A sanção disciplinar de despedimento mostra-se justificada e lícita, conforme aos princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade face à gravidade destes factos, por revestir uma probabilidade objectiva e séria de justa causa, nos termos combinados dos art.sº 328º. nº.1 al. f), 338º., 351º. nº.s 1, 2 al. a) e 3 e 381.º al. b) do C. do Trabalho (cfr. Ac.s deste TRPorto de 15.01.2024 e TRLx. de 13-02-2019, aplicáveis “mutatis mutandis").
Mais não se vê que haja que ser aditado qualquer facto novo, por desnecessário.”.
Notificadas deste, veio a A./recorrente responder, afirmando não poder deixar de discordar do mesmo, em síntese, invocando que, ao contrário do decidido na sentença, é seu entendimento que o despedimento é ilícito, quer atenta a invalidade do procedimento disciplinar em face do art. 382.º, n.º 2 al. a) e a violação do art. 383.º, n.º 3 do Código do Trabalho, quer por ausência de justa causa, em face do art. 351.º do Código do Trabalho.
Reitera, em conclusão que, “o carácter genérico e vago da factualidade contida no documento anexo à Nota de Culpa, intitulado “Registo de acessos ao ... com as credenciais do utilizador Dr. BB efetuados no computador ...”, que a Ré, ora Recorrida, identificou como a “tabela anexa que se junta e faz parte integrante da presente nota de culpa”, bem como nas “tabelas que constam dos DOC 3 e 4 que se juntam e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais” referidas no art. 10.º do AMD, viola o disposto no art. 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que impõe a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, não podendo ser fundamento da aplicação da sanção disciplinar de despedimento sem indemnização e compensação à A., determinando, ainda, a invalidade do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 382.º, n.º 2, al. a) do CT, e, consequentemente, a ilicitude do despedimento, nos termos do n.º 1 do aludido preceito legal.”.
Mais, diz que, “A única referência a estas datas de 05/12 e 31/10 apenas consta do depoimento de CC, junto a fls. 6 do PD junto sob o n.º 8 com AMD, não tendo sido referidas no depoimento prestado pela testemunha no Tribunal, como demonstrámos.
Ora, não constando a localização através do GPS da viatura Renault ..., nos dias 31/10 e 5/12, da Nota de Culpa e, consequentemente, da Decisão de despedimento, estes factos não podem ser atendidos na apreciação judicial do despedimento, nos termos do art. 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
Assim, a sentença ora posta em crise, também violou o n.º 3 do art. 387º do Código do Trabalho, quando valorou as alegadas listagens de GPS que revelariam que o automóvel de serviço Renault ... que comprove que a referida viatura, no dia 5 de Dezembro, às 11h35, se encontrava em Coimbra, e no dia 31 de Outubro, entre as 12h50m e as 13h04m se encontrava na ..., para determinar os dias em que a A. terá feito validações biopatológicas.”
Termina, concluindo, “como nas respectivas alegações de recurso, para as quais remete”.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber:
- se o Tribunal “a quo” errou a decisão da matéria de facto, quanto aos factos dados como provados em 10 e 11, ao dado como não provado, referido na conclusão 5ª e ao facto, cujo aditamento a recorrente requer na conclusão 6ª;
- se deve revogar-se a sentença, dada a ilicitude do despedimento, como defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) - Os Factos
O Tribunal “a quo” considerou que: “Provados estão os seguintes factos:
1. Em 18-03-1981, a A. celebrou com a R. um contrato de trabalho sem termo, a tempo inteiro, tendo sido admitida com a categoria profissional de Técnica de Análises Clínicas Sem Curso.
2. A A. passou à situação de pensionista em 01-06-2023.
3. A R. teve conhecimento da reforma da A. nessa mesma data.
4. A A. manteve-se ao serviço da R. após 01-07-2023.
5. Por documento escrito datado de 11-12-2023, A. e R. acordaram que a partir de 01-01-2024, o contrato de trabalho passaria a ser a tempo parcial, tendo sido estabelecido um período normal de trabalho de 20 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a sexta-feira.
6. Não obstante a categoria que lhe foi atribuída quando foi contratada, a A. sempre desempenhou funções administrativas, na sede da empresa.
7. A A. não tem competência técnica para proceder à validação biopatológica de análises clínicas.
8. A validação biopatológica de análises, só pode ser efectuada por médicos patologistas clínicos ou por farmacêuticos com especialidade em análises clínicas (funções a que corresponde a categoria profissional de Director Técnico).
9. Nos dias e horas a seguir discriminados, foram feitas validações biopatológicas de resultados de análises de utentes da R., com uso das credenciais do Dr. BB:
Dia Hora Inicial Hora Final
25/09/2023 10:52 10:52
26/09/2023 20:29 20:31
27/09/2023 16:22 16:23
28/09/2023 12:39 13:00
29/09/2023 17:56 17:58
29/09/2023 18:31 18:33
02/10/2023 10:30 10:52
02/10/2023 11:24 11:30
02/10/2023 16:27 16:33
02/10/2023 18:23 18:25
03/10/2023 16:46 16:47
03/10/2023 17:01 17:19
04/10/2023 09:28 09:29
04/10/2023 10:46 10:47
04/10/2023 18:39 18:41
06/10/2023 11:05 11:05
06/10/2023 18:57 18:58
06/10/2023 12:49 12:50
09/10/2023 12:07 12:31
09/10/2023 13:09 13:10
09/10/2023 15:16 15:17
09/10/2023 15:46 15:47
09/10/2023 17:32 17:33
10/10/2023 09:07 09:08
10/10/2023 10:40 10:43
10/10/2023 23:14 23:18
31/10/2023 12:50 13:04
02/11/2023 10:21 10:22
02/11/2023 17:31 17:31
03/11/2023 09:40 09:41
03/11/2023 10:59 10:59
03/11/2023 18:40 18:50
07/11/2023 10:17 10:18
07/11/2023 12:46 12:47
07/11/2023 16:00 16:14
07/11/2023 18:28 18:32
08/11/2023 11:32 11:26
10/11/2023 10:20 10:21
10/11/2023 10:22 10:24
14/11/2023 10:04 10:17
14/11/2023 18:10 18:11
14/11/2023 18:21 18:22
15/11/2023 09:41 09:42
15/11/2023 16:10 17:45
15/11/2023 17:45 17:54
15/11/2023 18:00 18:01
22/11/2023 10:46 10:47
04/12/2023 16:47 16:49
05/12/2023 11:35 11:35
06/12/2023 17:33 17:34
11/12/2023 18:08 18:09
11/12/2023 18:12 18:17
12/12/2023 12:49 12:49
10. A A. realizou, pelos menos, algumas dessas validações de análises, com uso das credenciais do Dr. BB e sem o conhecimento dos gerentes da R., DD e EE, nomeadamente as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas. (Eliminado)
11. A conduta da A., ao validar análises de utentes da R., sem ter para tanto competência técnica e usando credenciais alheias, põe em causa a qualidade e fidedignidade dos serviços prestados pela R. aos seus utentes e, consequentemente, o bom nome, reputação e credibilidade da R.. (Eliminado)
12. O despedimento da A. foi precedido de procedimento disciplinar, iniciado a 29-05-2024.
13. A A. foi notificada da nota de culpa, constituiu mandatário e exerceu o seu direito de defesa, apresentando resposta e requerendo a produção de prova documental, designadamente, a junção aos autos do registo de infracções disciplinares da A..
14. Aquando do seu despedimento, a A. não tinha quaisquer infracções disciplinares registadas, enquanto trabalhadora da R..
15. A A. recusou-se a assinar a comunicação de despedimento que lhe foi entregue em mão, pelo que tal comunicação foi-lhe remetida por carta registada com aviso de recepção, no dia 30-07-2024, tendo sido recebida pela A. no dia seguinte (31-07-2024).
16. No dia 30-07-2024, a R. comunicou à A., nos termos do artigo 344 n.º 1 do Código de Trabalho, a não renovação do contrato de trabalho a termo que vigorava entre ambas, para o final previsto, em 31-12-2024.
17. No dia 17-06-2024, antes de ter sido notificada da nota de culpa, a A. esteve reunida numa sala das instalações da R., com o Dr. CC, Director Administrativo e Financeiro, a Dr.ª FF, Directora de Recursos Humanos e a Dra. GG, Directora Técnica.
18. Nessa reunião, a A. foi questionada sobre se realizava validações biopatológicas de análises, usando as credenciais do Dr. BB.
19. A A., através da sua advogada, requereu a intervenção inspectiva da ACT, no dia 02-07-2024.
20. A ACT respondeu, no dia 16-08-2024, dizendo que «Tendo em conta o assunto em epígrafe e não tendo sido possível contactar V. Exa telefonicamente, cumpre-me informar que a intervenção destes serviços no âmbito de procedimento disciplinar instaurado prende-se com a verificação do cumprimento do respetivo procedimento, nomeadamente no que diz respeito ao que estabelece o nº 6 do artigo 329º do Código do Trabalho.».
21. Existia na sociedade R. um conflito entre os sócios-gerentes Dr.ª EE e Dr. DD, por um lado, e Dr. BB, por outro.
22. Tal conflito deu origem a processos judiciais.
23. Aquando do despedimento, a A. auferia a retribuição mensal base de € 675,16, acrescida de € 40,98, a título de diuturnidades.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados no AMD e na contestação/reconvenção, nomeadamente:
- Que foi a A. que efectuou, com uso das credenciais do Dr. BB, todas as validações biopatológicas de resultados de análises de utentes da R., discriminadas no n.º 9 dos factos provados.
- Que as validações efectuadas pela A. de resultados de análises de utentes da R., com uso das credenciais do Dr. BB, não foram autorizadas por este.
- Que na reunião referida no n.º 17 dos factos provados, a A. foi fechada na sala, entre as 10h30 e as 11h00, numa atitude de pressão, tendo sido informada pelo Dr. CC, num tom ameaçador e intimidatório, que iria receber “uma carta muito dura” à qual teria de responder para não ser punida.
- Que nessa reunião, a A. afirmou, peremptoriamente, que não tinha as credenciais do Dr. BB e que nunca fez a validação biopatológica de análises de utentes da R., com as credenciais do Dr. BB ou de qualquer outro colaborador da R..
- Que a A., enquanto trabalhadora da R., sempre se pautou pelo rigor, zelo, profissionalismo e competência, o que era reconhecido por todos os seus colegas e pelos utentes da R.”.
Aditados nesta sede:
- Que a A. realizou, pelos menos, algumas dessas validações de análises, com uso das credenciais do Dr. BB e sem o conhecimento dos gerentes da R., DD e EE, nomeadamente as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas.
- Que a conduta da A., ao validar análises de utentes da R., sem ter para tanto competência técnica e usando credenciais alheias, põe em causa a qualidade e fidedignidade dos serviços prestados pela R. aos seus utentes e, consequentemente, o bom nome, reputação e credibilidade da R..
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B) - O Direito
Importa notar que no recurso, como bem o refere, a recorrente insurge-se contra o decidido na sentença recorrida que declarou a regularidade e licitude do despedimento da A., dado ter reconhecido a existência de justa causa para o mesmo. A alegada e reiterada, nesta sede, invocação da ilicitude, como a recorrente refere quer na sua alegação, quer na resposta ao parecer do Ministério Público, - “atenta a invalidade do procedimento disciplinar em face do art. 382.º, n.º 2 al. a) e a violação do art. 383.º, n.º 3 do Código do Trabalho” (não se percebendo a invocação ao último dispositivo que, nem dispõe de qualquer nº 3) - não é questão que tenha sido apreciada naquela, mas sim, no despacho proferido em 06.01.2025.
Assim, as questões a apreciar, neste, são a invocada discordância quanto à matéria de facto que a recorrente alicerça na, alegada, existência de, “matéria de facto que devia ter sido dada como não provada, bem como matéria dada como não provada, que devia ter sido dada como provada, em obediência aos princípios a que deve obedecer a recolha da prova” e apreciar se o despedimento é ilícito face à, alegada, “ausência de justa causa, em face do art. 351.º do Código do Trabalho”.
Vejamos, então.
- Impugnação da matéria de facto
Esta questão tem a ver com a discordância manifestada pela recorrente quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, em concreto, nos termos que sintetiza nas conclusões 1ª a 6ª da sua alegação.
Ou seja, discorda de o Tribunal “a quo” ter dado como provado que: “10. A A. realizou, pelos menos, algumas dessas validações de análises, com uso das credenciais do Dr. BB e sem o conhecimento dos gerentes da R., DD e EE, nomeadamente as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas” e que: “11. A conduta da A., ao validar análises de utentes da R., sem ter para tanto competência técnica e usando credenciais alheias, põe em causa a qualidade e fidedignidade dos serviços prestados pela R. aos seus utentes e, consequentemente, o bom nome, reputação e credibilidade da R.”, ter dado como não provado que: “Que a A., enquanto trabalhadora da R., sempre se pautou pelo rigor, zelo, profissionalismo e competência, o que era reconhecido por todos os seus colegas e pelos utentes da R.”, que defende deve ser dado como provado e, ainda que deveria ter aditado à matéria de facto assente, que: “A viatura Renault ..., habitualmente conduzida pelo Sr. Dr. BB, era conduzida por outros trabalhadores da Ré.”, fundamentando a sua pretensão, como decorre das suas alegações e conclusões supra transcritas, no depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, em concreto, nos trechos que identifica e transcreve, defendendo quanto aos factos 10 e 11 não serem aqueles depoimentos suficientes para convencerem quanto a eles, além de defender que, o segundo deve ser eliminado do acervo dos factos provados, alegadamente, “por encerrar matéria de índole conclusiva, susceptível de conduzir ao desfecho da acção”. E, por outro lado, invocando quanto ao facto dado como não provado, o que decorre dos pontos 1 e 14 da matéria de facto assente e ainda o depoimento das testemunhas que indica, em síntese, na conclusão 5ª e, por último, atento os depoimentos das testemunhas identificadas na conclusão 6ª, considera dever ser aditado o facto que descreve na mesma conclusão.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir indicados sem outra menção de origem) ex vi dos art.s 1º, nº 2, al. a) e 87º, nº1 do CPT que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Aí se abrangendo, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelos recorrentes.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto por este Tribunal “ad quem” pressupõe que os recorrentes cumpram determinados ónus, sobre os quais dispõe o art. 640º, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Diz (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de, como refere o mesmo autor (na obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” .
Resulta da análise daquele dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo dos recorrentes, impondo-lhes que deixem expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, consideram, impõem decisão diversa da recorrida.
Novamente nas palavras de (Abrantes Geraldes, na mesma obra, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição (cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt, sítio da internet onde se encontrarão os demais acórdãos citados sem outra indicação) –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, art. 607º, nº 5, (cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009).
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso.
Além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, conforme (Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º 824/11.3TTLRS.L1.S1).
Em suma, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal “a quo”, salientando-se que, como decorre do (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11) quanto à «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», aquele Tribunal uniformizou jurisprudência no sentido de que basta que a parte recorrente o faça nas alegações, desde que essa decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca das alegações.
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provados, considera devem ser dados como não provado, os pontos 10 e 11 e o que considera deve ser dado como provado, dos factos dados como não provados, bem como o que deve ser aditado à matéria assente.
Indica ainda os meios de prova que fundamentam a sua pretensão com indicação dos concretos minutos dos depoimentos que indica e ainda procede à transcrição desses extratos.
Mostram-se, deste modo, cumpridos os ónus de impugnação da matéria de facto.
Passemos, então, à requerida reapreciação em conjunto.
Comecemos, por transcrever o teor do ponto 10, dado como provado, que a recorrente considera deve passar a figurar nos factos não provados:
“10. A A. realizou, pelos menos, algumas dessas validações de análises, com uso das credenciais do Dr. BB e sem o conhecimento dos gerentes da R., DD e EE, nomeadamente, as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas.”.
E, porque não se podem olvidar as razões que estiveram na base da formação da convicção do Tribunal, para uma melhor compreensão do “iter” lógico-dedutivo que levou o Mº Juiz “a quo” a responder a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados e não provados aos factos, (onde obviamente, se integram os, agora, impugnados) transcrevemos, integralmente a apreciação e as considerações, expostas, na motivação da decisão de facto, onde se lê o seguinte:
«A matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 14, 15 e 16 resulta da sua expressa aceitação ou não impugnação por parte da A..
No que se refere à restante factualidade dada como provada, a convicção do tribunal baseou-se:
N.ºs 9, 10, 17 e 18: A testemunha CC, que trabalha para a R. desde 2017, sendo Director Administrativo e Financeiro, afirmou em julgamento que por volta do dia 15/05/2024, no 2º andar do edifício onde funciona o laboratório central da R., ouviu um comentário no sentido de que a A. já teria validado determinadas análises laboratoriais, o que o preocupou, visto que a A. é uma Funcionária Administrativa, sem competência para validar análises, razão pela qual contou o sucedido à Directora Técnica, GG.
Por seu turno, a referida Directora Técnica, que trabalha para a R. há 8 anos, afirmou em julgamento que perante o que lhe foi transmitido pelo Director Administrativo e Financeiro, foi falar com o funcionário HH, que trabalha no mesmo gabinete que a A., sito no 2º andar do laboratório central da R., perguntando-lhe se tal informação tinha alguma razão de ser. E que o dito funcionário lhe confirmou que viu por várias vezes a A. a validar análises laboratoriais no computador, usando as credenciais do Dr. BB, sem que este se encontrasse presente no gabinete.
Em julgamento, a testemunha HH (que trabalha para a R. desde Agosto de 2019, fazendo colheitas nos postos, da parte da manhã, até às 10:00/10:30 horas e estando desde meados de Fevereiro de 2023 no laboratório central, diariamente, no mesmo gabinete que a A., a partir das 10:00/10:30 horas e até final do dia de trabalho, a prestar apoio administrativo aos postos de colheitas, tal como a A.), disse que tanto ele como a A. trabalham com o software “...”, a que acedem com as respectivas credenciais e password, mas nenhum deles pode fazer validações biopatológicas das análises dos utentes, por não terem para tanto competência, não estando sequer essa funcionalidade disponível para eles no mencionado programa informático.
Mais afirmando que tem perfeita visibilidade sobre o computador com que a A. trabalhava e que no período de tempo aqui em causa, (de Setembro a Dezembro de 2023) e mesmo anteriormente, desde que foi para o mesmo gabinete da A., esta recebia telefonemas dos postos de colheitas sobre análises que precisavam de ser validadas e respondia que iria tratar disso, vendo-a então, por várias vezes, aceder ao programa “...” com as credenciais do Dr. BB (que eram “...”), sem este se encontrar presente, e validar análises clínicas, o que implicava também o uso da password do Dr. BB.
Acrescentando a testemunha que essas validações ocorriam com bastante frequência e que apesar de estranhar e saber que não era suposto a A. fazer isso, não disse nada sobre o assunto até ser questionado pela Directora Técnica, GG, porque estava há pouco tempo nesse serviço e não se sentia à vontade para falar nisso.
A testemunha CC disse, em julgamento, que em face do que foi relatado pela testemunha HH, solicitou às empresas que prestam serviço informático para a R., uma listagem dos acessos ao programa “...”, efectuados a partir do computador usado pela A. (designado por ...), com as credenciais do Dr. BB; e depois, informação sobre a identidade do utilizador “Windows”, com sessão aberta no mesmo computador, nesse período de tempo.
Tendo solicitado também listagens da localização “GPS” do automóvel de serviço “Renault ...”, que era usado pelo Dr. BB, em relação ao período de tempo compreendido entre Outubro de 2023 e Abril de 2024, com vista a verificar se em dias e horas em que o Dr. BB esteve ausente, foram efectuadas validações de análises com as suas credenciais, no terminal de computador usado pela A., situado no 2º andar das instalações do laboratório central, em Aveiro.
As verificações informáticas solicitadas pela testemunha CC, foram feitas por II, gerente e responsável técnico da “B..., Ld.ª”, que presta serviços à R. desde 2018; e JJ, que trabalha numa empresa, denominada “C...”, que presta serviços de informática à R. há mais de 5 anos, nomeadamente no âmbito do software “...”, que é um programa especificamente desenvolvido para laboratórios de análises.
Ouvido em julgamento como testemunha, JJ disse que na sequência do que lhe foi solicitado pela R., elaborou a listagem constante de fls. 22 dos autos, com os dias e horas em que se encontram registados acessos no “...” para o utilizador Dr. BB, efectuados no computador normalmente usado pela A., com a denominação ..., no período de tempo compreendido entre 25/09/2023 e 12/12/2023.
Tendo a testemunha explicado que quando o computador é ligado, é necessário em primeiro lugar a autenticação no “Windows”, mediante indicação de utilizador e palavra-passe, sendo posteriormente a entrada na aplicação “...” efectuada através do login do utilizador no programa e inserção da respectiva palavra-passe. Esclarecendo que o acesso ao “...” podia ser efectuado em qualquer terminal de computador com sessão “Windows” iniciada, que tivesse o referido programa/aplicação instalado. E que as funcionalidades do “...” diferem consoante o utilizador, só estando as validações de análises disponíveis para os utilizadores com competência para as realizar.
A testemunha II, por seu turno, disse em julgamento que elaborou a declaração e a listagem constantes de fls. 22 v.º e 23 dos autos, com indicação dos utilizadores “Windows” que tinham sessão iniciada no computador com a denominação ... (que era o que a A. usava), entre 25/09/2023 e 12/12/2023.
Explicando que no referido computador ..., que era utilizado pela A., para além de poder ser iniciada sessão através do utilizador “...” (pertencente à A.), também era possível iniciar o “Windows” através de um “utilizador geral”, com funcionalidades reduzidas e acessos limitados a pastas e ficheiros, servindo sobretudo para que em casos pontuais outros trabalhadores da R. pudessem, em caso de necessidade, realizar alguma tarefa nesse computador.
Esclarecendo que o computador pode ser usado, alternadamente, pelo utilizador “...” e por um utilizador “geral”, mas não em simultâneo. E que quando um utilizador coloca as respectivas credenciais e o utilizador anterior não terminou a sua sessão no “Windows”, o computador mantém a sessão anterior iniciada, razão pela qual surgem na listagem que apresentou sessões iniciadas e não terminadas num determinado período, pelo utilizador “...” e pelo utilizador “Geral”. Acrescentando que para se mudar entre sessões, é sempre necessário o utilizador inserir as respectivas credenciais e palavra passe.
Conjugando os dados recolhidos pelas testemunhas II e JJ, a R. elaborou, então, a listagem que figura a fls. 33 v.º/40 dos autos, com os registos dos acessos ao programa “...”, para validação de análises, mediante uso das credenciais do utilizador Dr. BB (862), efectuados no computador ..., com sessão “Windows” iniciada pelo utilizador “...”, pertencente à A., entre 25/09/2023 e 12/12/2023.
Foi afirmado em julgamento pelas testemunhas CC, GG e FF (que trabalha para a R. desde Agosto de 2022, como Directora de Recursos Humanos), que no dia 17 de Junho de 2024, reuniram com a A. numa sala das instalações da R., questionando-a sobre se realizava validações biopatológicas de análises, usando as credenciais do Dr. BB.
Tendo as três referidas testemunhas dito em julgamento, de forma convicta e segura, que embora inicialmente a A. tenha negado, acabou por reconhecer que tinha efectivamente validado análises clínicas, usando as credenciais e a palavra passe do Dr. BB, e que o tinha feito a pedido deste, que lhe facultou para o efeito a palavra-passe.
Sucede que também foi dito em julgamento pela testemunha KK (que presta serviços para a R. há mais de 15 anos, tendo um posto de recolha de colheitas em ..., ..., contactando frequentemente com a A., que era quem fazia a ligação entre o laboratório central da R. e os postos de colheitas), que quando ia levar as colheitas ao gabinete onde estava a A., no 2º piso do laboratório central da R., nomeadamente no período compreendido entre Setembro e Dezembro de 2023, viu por várias vezes o Dr. BB a proceder à validação de análises no computador da A.. Esclarecendo que a A. por vezes ligava ao Dr. BB, pedindo-lhe para validar análises, e ele ia ao gabinete da A. e fazia essa validação, por vezes no portátil dele, quando o levava, e outras vezes usando o computador da A., ocupando o lugar desta na respectiva cadeira.
Também a testemunha LL (que trabalhou para a R. de Novembro de 2020 a Junho de 2024, como Directora Comercial, tendo saído em virtude da extinção do seu posto de trabalho) disse que ia duas ou três vezes por semana ao laboratório central da R., da parte da manhã, afirmando que encontrava muitas vezes o Dr. BB no Gabinete da A., no 2º andar, e que o chegou a ver a usar o computador da A.. Referindo, porém, que no período de Setembro a Dezembro de 2023, não foi muitas vezes ao laboratório central, porque foi sujeita a uma intervenção cirúrgica.
A testemunha MM (que trabalha para a R. há 45 anos, como Técnico de Análises Clínicas), por seu turno, disse em julgamento que embora a A. chamasse por vezes ao gabinete o Dr. BB e outros com competência para validarem resultados de análises clínicas, eles usavam os seus próprios computadores portáteis para procederem às validações, nunca tendo visto o Dr. BB a usar o computador da A. para esse fim.
E a testemunha NN (que trabalhou 20 anos para a R., até Abril de 2024, como Técnica de Análises Clínicas e que disse guardar grande ressentimento em relação à actual gerência da R., queixando-se que agiram de má-fé consigo, levando-a a sair, tendo apresentado queixa na ACT e referindo estar arrependida de não ter instaurado uma acção judicial contra a R.), afirmou que ia ao laboratório central por volta das 13:00/14:00 horas, estando lá cerca de 25 minutos, e que viu diversas vezes o Dr. BB a validar análises no computador da A..
Porém, o depoimento da testemunha NN não nos mereceu qualquer credibilidade, atendendo ao modo inseguro, incoerente e claramente tendencioso com que foi prestado, nele transparecendo a animosidade que reconheceu manter em relação à R.. Tendo afirmando, nomeadamente, que a A. foi fechada num gabinete e influenciada a dizer coisas que não eram verdade - sem ter, porém, estado presente quando isso supostamente aconteceu, argumentando inicialmente que foi um trabalhador chamado OO que lhe disse isso, para depois reconhecer que não sabe afinal quem é esse OO, nem o que fazia, e que foi a própria A. que lhe disse que tinha sido pressionada. E que o automóvel de serviço “Renault ...”, em relação ao qual a testemunha CC solicitou listagens da localização “GPS”, era usado por toda a gente e que a própria o tinha utilizado nos dias 31/10/2023 e 05/12/2023, apesar de ter um veículo de serviço próprio - para depois reconhecer que afinal não sabe se usou ou não o “Renault ...” nesses dias.
Sendo de notar que de acordo com a testemunha CC, o Dr. BB tinha dado ordens expressas para mais ninguém usar o referido veículo, para além dele, referindo que teria que estar 100% disponível para o seu uso.
Tendo tanto a testemunhas CC, como a testemunha PP (que trabalha para a R. desde 2011, na parte do armazém e tem a seu cargo a gestão da frota automóvel), afirmado que no período em causa (entre Setembro e Dezembro de 2023), o veículo estava adstrito apenas ao Dr. BB, sendo este que tinha a respectiva chave.
Explicando ambas as referidas testemunhas, que todos os utilizadores de automóveis de serviço da R. têm o seu próprio cartão de motorista, pessoal e intransmissível, que é necessário inserir no sistema de localização “GPS” com que os veículos (nomeadamente o “Renault ...” em causa) estão equipados, para poderem com eles circular. E que no dia 31/10/2023, entre as 12:50 horas e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas, ficou registado no sistema “GPS” com que o “Renault ...” está equipado, que o veículo se encontrava em Coimbra e na ..., sendo o cartão de motorista do Dr. BB que estava inserido no sistema “GPS”, o que significa que era ele que o conduzia e que estava, por isso, ausente do laboratório central da R..
Isto dito, da conjugação de toda a mencionada prova, pode concluir-se, a nosso ver, que foi a A. que realizou a partir do seu computador, com uso das credenciais do Dr. BB, se não todas, pelos menos algumas das validações de análises efectuadas nos dias e horas discriminados no n.º 9 dos factos provados, nomeadamente as realizadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas.
Com efeito, a testemunha HH afirmou que no período de tempo em causa (de Setembro a Dezembro de 2023), viu a A., frequentemente, a aceder a partir do computador que normalmente utilizava, ao programa “...”, com as credenciais do Dr. BB, sem este se encontrar presente, e validar análises clínicas, o que significa que usava a palavra passe do Dr. BB.
A própria A., quando questionada sobre isso, reconheceu que tinha efectivamente validado análises clínicas, usando as credenciais e a palavra passe do Dr. BB, referindo que o tinha feito a pedido deste, que lhe facultou para o efeito a palavra-passe.
Assim, mesmo admitindo - face aos depoimentos das testemunhas KK e LL - que algumas das validações efectuadas nos dias e horas discriminados no n.º 9 dos factos provados, possam ter sido feitas pelo próprio Dr. BB, a partir do computador da A. e com sessão “Windows” iniciada pela A., outras houve que foram feitas por esta e presenciadas pela testemunha HH, sem que o Dr. BB estivesse no gabinete. Tendo sido efectuadas pela A. as validações dos dias 31/10/2023 (entre as 12:50 e as 13:04 horas) e 05/12/2023 (às 11:35 horas), uma vez que o Dr. BB se encontrava ausente das instalações do laboratório central, de acordo com os registos do equipamento de “GPS” instalado no veículo de serviço que utilizava.
É de assinalar, por fim, que embora a R. tenha alegado no AMD que as validações foram feitas pela A. «sem o conhecimento da gerência e com o recurso indevido, abusivo e não autorizado, das credenciais do Dr. BB (…)», os adjectivos “indevido” e “abusivo” são conclusivos e, como tal, insusceptíveis de resposta por parte do tribunal.
E quanto ao desconhecimento “da gerência”, de acordo com o que se ouviu em julgamento, até determinada altura, eram três os gerentes da R. (DD, EE e BB), tendo este último sido destituído da gerência, em data não concretamente determinada, sem que se tenha apurado em julgamento se tinha ou não conhecimento de que a A. usava as suas credenciais e palavra-passe para proceder às validações.
Com efeito, o facto da A., na reunião do dia 17 de Junho de 2024, ter dito perante as testemunhas CC, GG e FF, que foi a pedido do Dr. BB que fez as validações e que foi este que lhe facultou para o efeito a palavra-passe, não é em nosso entender suficiente, por si só, para que tal se possa considerar como provado.
N.º 11: Resulta das regras da experiência, do senso comum e da normalidade das coisas, que sendo a A. uma funcionária administrativa, ao validar análises de utentes da R., sem ter competência técnica para tanto e fazendo uso de credenciais alheias, coloca em causa a qualidade e fidedignidade dos serviços prestados pela R. aos seus utentes e, por consequência, o bom nome, reputação e credibilidade da R..
N.ºs 19 e 20: Na cópia do pedido de intervenção inspectiva dirigido à ACT pela exm.º advogada da A., constante de fls. 47 v.º/48 dos autos, e resposta da ACT, junta a fls. 80.
N.ºs 21 e 22: Foi dito em julgamento pelas testemunhas GG e MM que existia na sociedade R. um conflito entre os sócios-gerentes, que deu origem a processos judiciais e que acabou por ditar o afastamento do Dr. BB da gerência da sociedade.
N.º 23: Nos recibos de vencimento da A. constantes de fls. 80 v.º/81 dos autos, respeitantes aos meses de Maio e Junho de 2024.
Quanto à matéria de facto considerada não provada, a convicção do tribunal assentou, para além do que ficou já dito em sede de motivação dos factos dados como provados, na ausência de prova produzida em julgamento passível de a comprovar.
Sendo de salientar em particular, quanto à alegação da A. de que na reunião do dia 17-06-2024, foi fechada na sala, numa atitude de pressão, sendo informada pelo Dr. CC, num tom ameaçador e intimidatório, que iria receber “uma carta muito dura” à qual teria de responder para não ser punida, que não só ninguém o disse em julgamento, como, ao invés, foi negado por todos quanto nela estiveram presentes (a saber, CC, GG e FF), que afirmaram que a reunião decorreu de forma pacífica e cordial, pese embora a gravidade e o melindre do assunto, e que o que foi dito à A., no final da reunião, é que lhe iria ser instaurado procedimento disciplinar e lhe seria enviada uma nota de culpa, a que teria que responder.» (Fim de citação).
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Como já referimos supra e decorre das suas alegações, a apelante discorda desta fundamentação, no essencial, argumentando que a sentença incorre em erro de julgamento, quanto àquele ponto 10 dado como provado, ou seja ao considerar provado que, a A. realizou, pelos menos, algumas dessas validações de análises, com uso das credenciais do Dr. BB e sem o conhecimento dos gerentes da R., DD e EE, nomeadamente, as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas, sustentando que, “em face das fls. 2 e 3 do procedimento disciplinar junto sob o n.º 8 com o AMD, dos documentos juntos com o AMD sob os n.ºs 3 e 4, dos depoimentos da testemunha CC, prestado no dia 12/02/2025, aos tempos [00:00:54] a [00:01:48], [00:10:41] a [00:12:38] e aos tempos [00:06:03] a [00:06:22]; da testemunha GG, prestado no dia 12/02/2025, aos tempos [00:03:04] a [00:04:52] e aos tempos [00:32:02] a [00:32:29]; da testemunha HH inquirida, no dia 12/02/2025, aos tempos [00:11:59] a [00:14:56], [00:14:56] a [00:16:35], [00:12:45] a [00:13:04] e aos tempos [00:06:15] a [00:06:57]; da testemunha FF, inquirida, no dia 12/02/2025, aos tempos [00:06:57] a [00:08:04]; da testemunha JJ, inquirida, no dia 26/02/2025, aos tempos [00:14:10] a [00:16:59]; da testemunha MM, inquirida, no dia 26/02/2025, aos tempos [00:11:43] a [00:13:33]; da testemunha KK, inquirida, no dia 26/02/2025, aos tempos [00:08:56] a [00:11:33]; da testemunha LL, inquirida, no dia 26/02/2025, aos tempos [00:16:55] a [00:17:22]; da testemunha NN, inquirida, no dia 26/02/2025, aos tempos [00:16:32] a [00:18:00]; da testemunha II, inquirida, no dia 26/02/2025, aos tempos [00:06:59] a [00:13:31] e aos tempos [00:15:20] a [00:17:16]”, aquela factualidade foi incorrectamente julgada, devendo tal matéria ser eliminada da matéria de facto dada como provada, na medida em que não pode ser dada como provada.
Para o efeito, alega, em síntese, que resulta, “de forma inequívoca que qualquer funcionário poderia usar o computador da A., com as credenciais desta ou suas credenciais, sendo certo que se esta não encerrasse a sessão continuaria a aparecer .... Também resultou provado que qualquer pessoa com as credenciais do utlizador ... Dr. BB, incluindo o próprio, poderia, através do computador da A., ..., com a sessão desta iniciada, aceder ao programa ... para fazer validações biopatológicas.
Por isso, lucidamente, Meritíssimo Juiz a quo, na sentença ora posta em crise, p. 7, não deu como provado que “Que foi a A. que efectuou, com uso das credenciais do Dr. BB, todas as validações biopatológicas de resultados de análises de utentes da R., discriminadas no n.º 9 dos factos provados.”, defendendo, assim, que, “o mesmo julgamento se impunha relativamente ao facto ora em análise, no qual foi dado como provado que a A. fez validações biopatológicas, no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas” e prossegue com a seguinte alegação, “O Meritíssimo Juiz a quo, conforme resulta da sentença ora posta em crise, pp. 9 e 12, alicerçou esta decisão no facto de ser referido pela testemunha CC que foram pedidas “listagens da localização “GPS” do automóvel de serviço “Renault ...”, que era usado pelo Dr. BB, em exclusivo, no período em causa (entre Setembro e Dezembro de 2023), sendo este que tinha a respectiva chave, que revelaram que “no dia 31/10/2023, entre as 12:50 horas e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas, ficou registado no sistema “GPS” com que o “Renault ...” está equipado, que o veículo se encontrava em Coimbra e na ..., sendo o cartão de motorista do Dr. BB que estava inserido no sistema “GPS”, o que significa que era ele que o conduzia e que estava, por isso, ausente do laboratório central da R..
Ora, apesar de referido, no depoimento de CC, junto a fls. 6 do PD junto sob o n.º 8 com o AMD, que “nos dias 5 de Dezembro, às 11h35 o Dr. BB se encontrava, em Coimbra e no dia 31 de outubro, entre as 12h50 m e as 13h04m se encontrava na ...” não há no processo disciplinar qualquer prova documental que o ateste.”.
Pugnando, assim, pela alteração da decisão recorrida e daquela factualidade, dada como provada no ponto 10.
Assistir-lhe-á razão?
E, a resposta adiantamos, desde já, é que, a recorrente tem razão.
Pois, em nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), testemunhais e documentais, particularmente, em face do teor das fls. 2 e 3 do procedimento disciplinar junto sob o n.º 8 com o AMD, dos documentos juntos com o AMD sob os n.ºs 3 e 4, e considerados pelo Mº Juiz “a quo”, no que respeita à matéria que deu como provada no ponto 10, não podemos deixar de concordar, com a recorrente.
Efectivamente, apreciadas todas as provas produzidas nos autos, do mesmo modo que, não podemos deixar de concordar com a decisão do Tribunal recorrido ao dar como não provado, “Que foi a A. que efectuou, com uso das credenciais do Dr. BB, todas as validações biopatológicas de resultados de análises de utentes da R., discriminadas no n.º 9 dos factos provados”, como bem refere o Mº Juiz “a quo”, dada a “ausência de prova produzida em julgamento passível de a comprovar”, salvaguardando o devido respeito, em nossa convicção, também, não foram produzidas provas suficientes e credíveis para convencer quanto à realidade constante daquele ponto 10 e atentas as regras da ciência e do raciocínio e as máximas da experiência, de igual modo, não poderia ter considerado que resultou provado aquele ponto 10, na medida em que deu como provado que a A. realizou, “pelo menos, algumas dessas validações de análises, …, nomeadamente, as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas”. Pois, nada do que foi dito, por nenhuma das testemunhas ouvidas, o demonstra, como o pudemos confirmar através da audição integral de toda a prova pessoal produzida nos autos, sendo disso bem elucidativos os trechos dos depoimentos transcritos pela recorrente e outro tipo de prova, a esse propósito, não foi feita, como bem decorre da fundamentação supra transcrita. Não sendo, ao contrário, do que se considerou naquela, em nossa convicção, suficiente para dar como provado, aquele, o que foi dito pelas testemunhas, nomeadamente, a testemunha CC.
A este propósito, só podemos concordar com a apelante quando alega que, “apesar de referido, no depoimento de CC, junto a fls. 6 do PD junto sob o n.º 8 com o AMD, que “nos dias 5 de Dezembro, às 11h35 o Dr. BB se encontrava, em Coimbra e no dia 31 de outubro, entre as 12h50 m e as 13h04m se encontrava na ...” não há no processo disciplinar qualquer prova documental que o ateste” e, o que aquele disse não permite formular aquela afirmação.
Assim, é nossa convicção, atento o que decorre das provas produzidas nos autos que, só é possível concluir, por ausência de prova possível da comprovar, do mesmo modo que se convenceu o Mº Juiz “a quo”, no que se refere, a “todas” as validações, discriminadas no nº 9 dos factos provados, que a Ré não logrou provar que a A. realizou, “pelo menos, algumas” dessas validações, “nomeadamente” as efectuadas nos dias 31/10/2023 (entre as 12:50 e as 13:04 horas) e 05/12/2023 (às 11:35 horas).
Explicando.
Não tem a virtualidade de assim convencer, o que foi dito pela testemunha HH, quanto a A. ter realizado, “pelo menos, algumas”, já que, não conseguiu ele indicar, qualquer data concreta em que terá visto a A. a fazer validações biopatológicas, limitando-se a referir genericamente “ao longo de 2023”.
Além de que, sempre com o devido respeito, o seu depoimento não nos mereceu qualquer credibilidade, quando diz que viu que as validações estavam a ser feitas com as credenciais do Dr. BB, (comportamento da A., que não deixou de qualificar de grave). No entanto, apesar disso, não explicou, ele, como sabia que as credenciais eram do Dr. BB, surgindo-nos a dúvida, será que, também as conhecia? Pois, como é sabido, as credenciais são pessoais e intransmissíveis e não são visíveis quando são digitadas, como bem o disse, quando foi perguntada a testemunha, GG, Directora Técnica na Ré, (com funções de fazer validações de análises), afirmando que a password é invisível. E, sendo desse modo, como é que aquele via qual a password que a A. digitava?
Além de que, não convenceu porque (perante um comportamento, que qualificou de grave), como diz, decidiu manter-se calado e não dizer nada, só o fazendo quando, como diz, “a Dra. GG confrontou-me com esta situação. Chamou-me ao gabinete dela e disse: “Ouvi aí uns zunzuns”. E eu disse: “Pronto, é verdade”. E foi-me pedido para escrever, para deixar por escrito aquilo que tinha dito”.
Acresce que, esta explicação, não se mostra de todo conforme com o que consta, na declaração junta a fls. 3 do procedimento disciplinar junto sob o n.º 8 com AMD, com data de 29 de Maio, fazendo-o, como se lê: “Exma. Sra.
Dra. GG,
Eu, HH, venho por este meio reportar-lhe uma situação muito delicada que peço que seja mantida em sigilo.
Como sabe, trabalho diariamente na mesma sala que a colega AA. Em diversas ocasiões, apercebi-me que a minha colega AA estava a fazer validações biopatológicas de processos no ..., no seu próprio computador e em horário normal de trabalho.
Aveiro, 15/05/2024”, como se reportasse àquele facto, pela primeira vez.
E, se o que antecede, explica porque não convenceu o depoimento da testemunha HH, quanto a ter a A. efectuado, “algumas, das validações referidas no ponto 9 dos factos provados, também, o que foi dito pela testemunha CC não permite formular essa convicção, nomeadamente, quanto às validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas, que o Tribunal “a quo” deu como provado.
Pois, o depoimento daquele, não foi de modo a convencer que tal aconteceu.
Desacompanhado de quaisquer outras provas, o que disse, não é de molde a puder dizer-se, como se assentou na motivação da decisão de facto, novamente, reiterando o necessário respeito, “que o Dr. BB se encontrava ausente das instalações do laboratório central, de acordo com os registos do equipamento de “GPS” instalado no veículo de serviço que utilizava” e, por isso, concluir, como o faz o Mº Juiz “a quo”, que aquelas concretas validações, referidas no ponto 10, tenham sido efectuadas pela Autora.
As considerações tecidas, na motivação da decisão de facto, sem qualquer suporte factual, apenas de acordo com o que foi dito e afirmado pelas testemunhas, onde se diz: “Sendo de notar que de acordo com a testemunha CC, o Dr. BB tinha dado ordens expressas para mais ninguém usar o referido veículo, para além dele, referindo que teria que estar 100% disponível para o seu uso.
Tendo tanto a testemunhas CC, como a testemunha PP (que trabalha para a R. desde 2011, na parte do armazém e tem a seu cargo a gestão da frota automóvel), afirmado que no período em causa (entre Setembro e Dezembro de 2023), o veículo estava adstrito apenas ao Dr. BB, sendo este que tinha a respectiva chave.
Explicando ambas as referidas testemunhas, que todos os utilizadores de automóveis de serviço da R. têm o seu próprio cartão de motorista, pessoal e intransmissível, que é necessário inserir no sistema de localização “GPS” com que os veículos (nomeadamente o “Renault ...” em causa) estão equipados, para poderem com eles circular. E que no dia 31/10/2023, entre as 12:50 horas e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas, ficou registado no sistema “GPS” com que o “Renault ...” está equipado, que o veículo se encontrava em Coimbra e na ..., sendo o cartão de motorista do Dr. BB que estava inserido no sistema “GPS”,…”, não permitem, em nosso entender, como se refere na fundamentação da decisão recorrida, dizer que, naquelas datas o Dr. BB estava ausente do laboratório central da R., ou que isso “significa que era ele que o conduzia …”.
É para nós seguro que, ainda que estivesse registado no sistema “GPS” com que, o “Renault ...” está equipado, que naquelas datas, o veículo se encontrava em Coimbra e na ..., sendo o cartão de motorista do Dr. BB que estava inserido naquele sistema, tal não significa que fosse ele a conduzi-lo e que estivesse ausente daquele referido laboratório.
Como é sabido, aquele referido cartão de motorista, apelidado de “pessoal e intransmissível”, tem a mesma função da “chave” de qualquer veículo e é tão pessoal e intransmissível como qualquer outra chave, podendo ser usado por quem o tiver.
Obviamente, as dúvidas que se nos suscitam, quanto à afirmação de que era o Dr. BB que, naquelas datas e horas, conduzia o “Renault ...” que, de acordo, com as testemunhas, lhe estava adstrito, teriam sido possíveis senão, afastar de todo, pelo menos com grande probabilidade esclarecer, através do depoimento do Dr. BB, o qual poderia ter clarificado não só esta questão, como também, a discussão travada sobre as suas credenciais, (estas, sim, como é sabido, pessoais e intransmissíveis). Mas, tal não aconteceu.
Pese embora, terem algumas testemunhas dito que, em reunião, que apelidaram de, cordial e profissional, tida com a Autora, esta, terá dito que foi aquele que lhas facultou, como tivemos oportunidade de ouvir e se lê na motivação da decisão de facto, referindo: “Foi afirmado em julgamento pelas testemunhas CC, GG e FF (que trabalha para a R. desde Agosto de 2022, como Directora de Recursos Humanos), que no dia 17 de Junho de 2024, reuniram com a A. numa sala das instalações da R., questionando-a sobre se realizava validações biopatológicas de análises, usando as credenciais do Dr. BB.
Tendo as três referidas testemunhas dito em julgamento, de forma convicta e segura, que embora inicialmente a A. tenha negado, acabou por reconhecer que tinha efectivamente validado análises clínicas, usando as credenciais e a palavra passe do Dr. BB, e que o tinha feito a pedido deste, que lhe facultou para o efeito a palavra-passe.”.
Ora, não pode deixar de se estranhar que, a ter sido do modo que estas testemunhas relatam, nunca o Dr. BB, como disse a testemunha CC, tenha sido questionado sobre tal questão.
Aliás, a este propósito não podemos deixar de lembrar, já que com ela concordamos, a alegação da recorrente, quando diz, “É manifestamente estranho, para não referir implausível, que três trabalhadores, suspeitando que uma trabalhadora utilizou as credenciais de um sócio-gerente, médico especialista, para validar análises biopatológicas, não lhe dessem a conhecer o sucedido, atenta a gravidade deste facto.”.
Cremos, face ao que se deixa exposto, termos justificado a razão, porque refutamos de todo, a convicção do Mº Juiz “a quo”, quando afirma que, “…, da conjugação de toda a mencionada prova, pode concluir-se, a nosso ver, que foi a A. que realizou a partir do seu computador, com uso das credenciais do Dr. BB, se não todas, pelos menos algumas das validações de análises efectuadas nos dias e horas discriminados no n.º 9 dos factos provados, nomeadamente as realizadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas.”.
Sem dúvida, competia à Ré demonstrar que, foi a A. que realizou a partir do seu computador, com uso das credenciais do Dr. BB, se não todas, pelos menos algumas das validações de análises efectuadas nos dias e horas discriminados no n.º 9 dos factos provados, nomeadamente as realizadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas, mas, a análise pormenorizada e conjugada de todas as provas produzidas nos autos, não nos permite firmar a convicção de que, aquela o tenha feito.
De referir, ainda, que nos impossibilita a formação de qualquer convicção positiva a esse propósito, a ausência de provas credíveis e convincentes, mas também, todas as dúvidas que se nos suscitaram, atenta a factualidade apurada.
Senão, vejamos.
Desde logo, tendo a A. uma carreira profissional na Ré, durante mais de 40 anos, sem qualquer registo de infracções disciplinares, qual o interesse da A. em usar credenciais que, alegadamente, não lhe pertencem para efectuar trabalho que não é da sua competência?
Depois, sendo como é sabido as credenciais e passwords (pessoais e intransmissíveis) da responsabilidade do Dr. BB, é ele, o responsável pelo seu uso e preservar que outros as conheçam, no caso, não só enquanto Director Técnico, mas como sócio-gerente da Ré. Assim, como é que a A. teve acesso às mesmas? (ninguém falou que a A. tivesse conhecimentos especiais a nível informático que lhe permitisse por sua iniciativa usar aquelas).
Assim, as dúvidas que antecedem, só nos permitem firmar a convicção de que, se alguma vez a A. teve acesso às credenciais do Dr. BB, tal só poderá ter acontecido, porque aquele voluntariamente ou por negligência lhas passou, porque, como já referimos, além de ser nossa convicção que de outro modo não as conseguiria obter, acresce que, não se vislumbra qual o benefício que a A. teria na realização das tarefas que aquelas permitem, ou seja, tarefas que não são suas e que só a Ré pode beneficiar com a sua realização.
Acresce, ainda, conforme decorre do depoimento das testemunhas que, o terem aquelas validações sido feitas através do computador, com nome ..., atribuído à A., para entrar no programa ..., no período de 25/09 a 12/12 de 2023, tal não é suficiente, nem permite concluir que o foram pela A., poderiam ter sido feitas por qualquer pessoa, desde logo, pelo Dr. BB, que ali foi visto a fazê-lo, como por qualquer outro funcionário da Ré que tivesse acesso às suas credenciais.
Analisada a tabela junta com o documento nº 4, com o AMD, verifica-se que aquele computador, ... 11, pode ser usado pela A., mas também por outros funcionários e as testemunhas ouvidas, a esse propósito, confirmaram isso.
Assim, ao contrário, do que foi a convicção do Mº Juiz “a quo”, é nossa convicção de que não resulta, das provas produzidas nos autos, demonstrada a factualidade, que se deu como provada no ponto 10.
Daí, dizermos que, tem a recorrente razão. E tem razão, no que se refere ao ponto 11, não só, porque não resultou provada a imputada conduta da A., como a testemunha, GG, à questão que lhe foi colocada de se, houve algum problema neste período, entre 25 de Setembro e Dezembro de 2023, com validações que tenham sido feitas, se tiveram algum problema técnico, alguma reclamação, por parte dos utentes, respondeu: “Não, não tive nenhuma reclamação”.
Assim julgamos, procedente a pretensão da recorrente, quanto aos factos dados por provados nos pontos 10 e 11 e, em consequência, altera-se aquela factualidade, procedendo à sua eliminação do elenco dos factos provados, os quais se aditam ao elenco dos factos dados como não provados. No mais, mantém-se a decisão de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, já que, face ao decidido quanto àqueles pontos 10 e 11, fica prejudicado o conhecimento do demais impugnado, nomeadamente, o invocado aditamento de outros factos.
Procede, assim, esta questão da apelação.
*
E, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, nos termos acabados de decidir, passemos à questão colocada quanto à decisão de direito, começando por saber:
- se deve revogar-se a sentença recorrida, dada a ilicitude do despedimento, como defende a recorrente.
A este respeito, lê-se naquela o seguinte: «(…), provou-se que a A. efectuou, pelos menos, algumas das validações biopatológicas de análises de utentes da R., nos dias e horas discriminados no n.º 9 dos factos provados, com uso das credenciais do Dr. BB e sem o conhecimento dos gerentes da R., DD e EE, nomeadamente as validações efectuadas no dia 31/10/2023, entre as 12:50 e as 13:04 horas, e no dia 05/12/2023, às 11:35 horas.
A A. desempenhava ao serviço da R. funções administrativas, não tendo competência técnica para proceder a tais validações, que só podem ser efectuadas por médicos patologistas clínicos ou por farmacêuticos com especialidade em análises clínicas.
Como a própria denominação indica, a sociedade R. explora um laboratório de análises clínicas, sector de actividade em que é fundamental a imagem de seriedade e confiança que é capaz de transmitir, visto que envolve a saúde dos utentes.
A conduta da A., ao validar análises de utentes da R., sem ter para tanto competência técnica e usando credenciais alheias, põe em causa a qualidade e fidedignidade dos serviços prestados pela R. aos seus utentes e, consequentemente, o seu bom nome, reputação e credibilidade.
Trata-se de um comportamento grave, ilícito e culposo, passível de integrar, em abstracto, a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º n.º 1 do Cód. Penal, sendo apto a causar à R. sérios prejuízos.
Traduzindo a violação, por parte da A., do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, a que se reporta o art. 128º n.º 1, al. c) do Cód. do Trabalho. E, sobretudo, do dever de lealdade, previsto na al. f) do mesmo artigo, (…)
Assim, apesar da antiguidade da A. enquanto trabalhadora da R. e da ausência de antecedentes disciplinares, e independentemente de não se ter apurado que da sua conduta resultou efectivo prejuízo patrimonial para a R., ficou irremediavelmente comprometida a confiança no desempenho futuro da A., que nenhuma medida disciplinar de cariz conservatório teria a virtualidade de repor, não sendo razoável impor à R. que a mantivesse ao seu serviço.
Daí decorrendo o reconhecimento da existência de justa causa para o despedimento.».
*
Que seja desse modo, reitera a A./recorrente a sua discordância, nesta sede, alegando em síntese que, “a Ré não provou que a A. tenha assumido qualquer comportamento culposo, grave ou ilícito, não tendo resultado provado que a A. tenha feito validação biopatológica e tenha posto em causa o bom nome da Ré, como demonstrado na impugnação dos pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como assente.
Nos termos do art. 381.º, al b) do Código do Trabalho, perante a ausência de justa causa, nos termos do art. 351.º do Código do Trabalho, o despedimento da A. é ilícito.”.
Que dizer?
Sem dúvida, desde já, que tem a recorrente razão.
Atento o que ficou decidido quanto à questão da impugnação da decisão de facto, analisando a factualidade que ficou definitivamente assente, só é possível concluir pela ilicitude do despedimento da Autora.
Contrariamente do que se considerou na decisão recorrida, não logrou a Ré demonstrar que tenha a A. tido qualquer comportamento violador dos seus deveres enquanto trabalhadora, em concreto, o que a Ré invocou para justificar a sua decisão de despedimento que comunicou àquela.
Desse modo, sem necessidade de quaisquer outras considerações, é manifesta a sua improcedência. Inexistem quaisquer factos que indiquem que a A./recorrente violou qualquer dos seus deveres laborais, susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, nos termos definidos no art. 351º, do CT.
Assim, concluindo nós pela ilicitude do despedimento, conforme art. 381º, al. b), a questão da apelação, de saber se a sentença recorrida deve ser revogada tem, igualmente, de ser julgada procedente e, em consequência, a Recorrida condenada no pedido, nos termos peticionados pela Autora.
Não se discute que estamos perante um contrato de trabalho a termo certo, com início em 01.01.2024, a que a Ré pôs termo através da comunicação do despedimento que fez à A., recebida, por esta, em 31.07.2024.
Podemos, assim, concluir que o despedimento da Autora ocorreu durante a vigência de um contrato de trabalho a termo certo, cujo términus, atento o disposto no art. 348, nº 2, al. b) do CT e a comunicação da R., referida no ponto 16 dos factos assentes, ocorreu em 31 de Dezembro de 2024.
Quanto às consequências decorrentes do despedimento por iniciativa do empregador, em caso de contrato a termo, o art. 393º do CT, sob a epígrafe «Regras especiais relativas a contrato de trabalho a termo», dispõe o seguinte:
“1 – As regras gerais de cessação do contrato aplicam–se a contrato de trabalho a termo, com as alterações constantes do número seguinte.
2 – Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) No pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente;
b) Caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão judicial, na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
3 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.”.
Decorre deste que, em situações, como é o caso, de um trabalhador com contrato a termo, que seja vítima de um despedimento ilícito, tem direito, diferente do que acontece nos contratos sem termo, a receber uma indemnização que não deve ser inferior às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente, precisamente como foi peticionado pela Autora.
Pois, em caso de despedimento ilícito de trabalhador, com contrato a termo, as retribuições a que tem direito são as que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente verificando-se, assim, que nestas situações o trabalhador nunca pode receber menos, como indemnização, do que receberia se estivesse a cumprir o contrato a termo até ao seu fim. Funcionando, aquelas, como um limite mínimo da indemnização a que tem direito.
Ou seja, atento o disposto naquela al. a) do nº 2 do referido art. 393º, em caso de despedimento ilícito, o empregador é condenado a pagar ao trabalhador uma indemnização pelos prejuízos causados, conforme já resultava do art. 389º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal, como diz, (João Leal Amado in Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág.s 428/429), “tendo o quantum indemnizatório como limite mínimo o valor dos salários intercalares devidos ao trabalhador desde a data do despedimento até à verificação do termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, consoante o que ocorra primeiro. Os salários intercalares correspondentes ao período que medeia entre estas duas datas (data do despedimento e data da verificação do termo resolutivo ou do trânsito em julgado da decisão) representam, pois, o montante mínimo a pagar pelo empregador ao trabalhador, a título de indemnização compensatória dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito”.
Como dissemos, no caso, a Autora pediu a condenação da Ré, no pagamento de uma indemnização que não deve ser inferior às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (31.07.2024) até ao termo certo, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente.
Assim, atento o que se deixou exposto, há que concluir que, são devidas à A. as retribuições intercalares desde o despedimento até ao termo certo do contrato, ou seja, desde 31.07.2024 até 31.12.2024 e, atento o teor do facto provado, ponto 23, o valor mensal da retribuição a atender é de € 716,14 e o montante destas retribuições intercalares, devido pela R./empregadora à A./trabalhadora, face à ilicitude do despedimento desta é de € 3.580,70.
*
III – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, em consequência, condena-se a Ré a pagar à Autora as retribuições intercalares devidas desde 31.07.2024 até 31.12.2024, ou seja, na quantia de € 3 580,70.
*
Custas pela R./recorrida.
*
Porto, 26 de Novembro de 2025
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Rui Penha
Teresa Sá Lopes