Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5661/21.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GERMANA FERREIRA LOPES
Descritores: PAGAMENTO DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA CADUCIDADE DE CONTRATO DE TRABALHO QUE FOI CELEBRADO A TERMO
NÃO APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO DA ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
ABUSO DO DIREITO
VALIDADE DO TERMO/JUSTIFICAÇÃO COM FACTOS RECONDUZÍVEIS À ESTIPULAÇÃO DO TERMO
ACORDO DE EMPRESA CELEBRADO ENTRE TAP E O SNPVAC E NO REGULAMENTO DA CARREIRA PROFISSIONAL DO TRIPULANTE DE CABINA (RCPTC) ANEXO A TAL AE/ ADMISSÃO NA CATEGORIA PROFISSIONAL DE ASSISTENTE DE BORDO (CAB) E SUA INTEGRAÇÃO NOS ESCALÕES PREVISTOS
GARANTIA MÍNIMA PREVISTA NA CLÁUSULA 5.ª DO REGULAMENTO DE REMUNERAÇÕES
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202401155661/21.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO SUBORDINADO. PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO PRINCIPAL. ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I – Cabe à Relação, mesmo oficiosamente, retirar da matéria de facto, com base no disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, «os juízos de valor sobre factos» ou a «valoração jurídica de factos».
II - «Só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.»
III – «Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam uma decisão justa».
IV – «O disposto no artigo 366.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2009 (presunção de aceitação do despedimento colectivo) não é aplicável aos casos de pagamento da compensação devida pela caducidade de contrato de trabalho que foi celebrado a termo, nem esse pagamento impede a posterior impugnação judicial da validade do termo aposto ao contrato de trabalho.»
V – «Não age em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o trabalhador que, tendo aceite a compensação, questiona a ilicitude do despedimento de que considera ter sido alvo.»
VI – «Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto factos recondutíveis a um motivo justificativo da estipulação do termo e que tais factos tenham correspondência com a realidade.»
VII – «A suficiente explicitação no documento que titula o vínculo do motivo justificativo da contratação laboral a termo integra uma formalidade “ad substantiam”.»
VIII – «A invocação no contrato de trabalho do acréscimo temporário de actividade decorrente da “abertura de novas rotas/linhas”, para justificar a contratação a termo de uma tripulante de cabine, por 12 meses, na sua vacuidade, será susceptível de justificar a existência de um “acréscimo” da actividade da empresa, que se dedicará a novas rotas, mas não denota que esse aumento seja “temporário” e, muito menos, “excepcional”, não permitindo ao tribunal efetuar um juízo de adequação da justificação invocada face à hipótese legal e à duração estipulada para o contrato de trabalho.»
IX – Da interpretação do clausulado no Acordo de Empresa celebrado entre a TAP e o SNPVAC, publicado no BTE n.º 8 de 28-02-2006 e no Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina (RCPTC) anexo a tal AE, conclui-se que a admissão na categoria profissional de assistente de bordo (CAB) nos termos referidos na cláusula 4.ª, n.º 1, do RCPTC, faz-se pelo escalão CAB início (escalão correspondente ao início do exercício de funções na profissão), sendo que as regras de evolução salarial não são determinadas nem condicionadas pela natureza do vínculo em que assenta essa admissão (contrato a termo ou contrato por tempo indeterminado), antes resultando da conjugação dos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5.ª do RCPTC que tal evolução pressupõe períodos de permanência, ou seja, experiência na função.
X – Da sobredita interpretação decorre que o facto de o contrato ser ab initio por tempo indeterminado não determina o posicionamento do tripulante de cabina em CAB I e, bem assim, que no caso do contrato de trabalho do CAB contratado a termo se converter ab initio em contrato por tempo indeterminado (por força da nulidade do termo) tal não implica um diferente enquadramento na categoria nem no escalão salarial.
XI - No que concerne à “garantia mínima” (prestação retributiva especial), prevista na cláusula 5.ª do Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais anexo ao citado AE, face ao Acordo Temporário de emergência celebrado entre a TAP e o SNPVAC, publicado no BTE, n.º 9, de 8-03-2021, o trabalhador despedido terá direito a receber da Ré, em sede de retribuições intercalares, o que os demais trabalhadores da Ré tiveram durante o ano de 2021, ou seja, se estivessem disponíveis seis dias por mês sem terem sido incluídos na escala, ficando depois suspenso o direito até ao dia 31-12-2024, ou, se anterior, na data da entrada em vigor da revisão integral do atual acordo de empresa prevista na cláusula 8.ª do Acordo temporário, na sequência da sua publicação no Boletim de Trabalho e Emprego.
XII - «Em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de alegar e provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.»
[elaborado pela sua relatora nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (cfr. artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho) - aproveitando a parte dos sumários dos citados Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2023 e de 24-01-2018 e, bem assim, do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-10-2023, transponível para o objeto do presente recurso]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação/Processo n.º 5661/21.4T8MAI.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Maia, Juiz 2
4ª Secção

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Nelson Nunes Fernandes
2ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I - Relatório
AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, intentaram a presente ação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra Transportes Aéreos Portugueses, S.A.
Os Autores formularam os respectivos pedidos.
Na petição inicial foi indicado pelos Autores, como valor global da causa, o valor de €180.675,00 e, bem assim, discriminado o valor da causa por Autor nos seguintes termos:
- AA - €23.563,83;
- BB - €26.071,54;
- CC - €25.907,10;
- DD - €25.537,11;
- EE - €26.153,76;
- FF - €26.709,35;
- GG - €26.714,31.
No que concerne à autora FF (única relativamente à qual os autos prosseguiram para julgamento e prolação de sentença e a quem respeita o presente recurso – adiante designada por Autora), os pedidos são os seguintes (com a devida adaptação, tendo em conta que os demais Autores celebraram transação com a Ré):
- Seja considerada nula a justificação aposta ao contrato de trabalho da Autora, e ser o mesmo considerado como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147º/1, a), b) e c) do CT;
- Ser declarado ilícito o despedimento da Autora, conforme artigo 381º, c) e ss. do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de resolução do contrato e, em consequência ser a Ré condenada a:
I - Reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I ou categoria mais elevada se lhe couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT, sem prejuízo de esta optar pela indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artigo 391º do CT;
II - A pagar à Autora as retribuições intercalares, incluindo subsídios de natal e de férias, que esta deixou de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, n.º 2, a) do CT.
III- A pagar à Autora a retribuições intercalares a Garantia Mínima, que é parte integrante do seu salário base (Cláusula 5ª do RRRGS – “Garantia Mínima), que esta deixou de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5ª do RRRGS – “Garantia Mínima”;
IV- Reconhecer que a Autora ocupou a categoria CAB 1 desde o início da relação laboral, em virtude do seu contrato ser agora considerado como contrato sem termo desde tal momento.
V - Seja a Ré condenada a pagar à Autora as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início do seu contrato de trabalho, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são, acrescidas de juros desde a data de citação, no valor de € 10.238,63 (dez mil duzentos e trinta e oito euros e sessenta e três cêntimos) ilíquidos.
VI - Seja a Ré condenada a pagar à Autora as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que a Autora deixou de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início do seu contrato de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, e por isso, sem prejuízo de eventual incidente de liquidação quanto aos montantes vincendos, à Autora, são, acrescidas de juros desde a data de citação, no valor de € 14.470,72 (catorze mil quatrocentos e setenta euros e setenta e dois cêntimos) ilíquidos;
VII – Seja a Ré condenada à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais em valor a arbitrar pelo tribunal, mas nunca inferior a €2.000,00 (dois mil euros);
VII - Ser a Ré condenada no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as quantias peticionadas, vencidas, vincendas e, também, sobre as que resultarem, eventualmente, da aplicação do disposto no artigo 74.º do CT, desde a data da citação e até total a integral pagamento;
Se assim não se entender, subsidiariamente:
I – Deverá ser considerado que a Autora prestou a sua atividade à Ré desde 26 de março de 2020 a 25 de março de 2021 sob contrato sem termo uma vez que a Ré nunca reduziu a escrito a segunda renovação do seu contrato e em consequência,
II. Ser declarado ilícito o despedimento da Autora, conforme artigo 381º, c) e ss. do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de resolução do contrato;
III- Reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada à data de 26 de Março de 2020, ou categoria mais elevada se lhe couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT, sem prejuízo de esta optar pela indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artigo 391º do CT;
IV – Ser a Ré condenada ao pagamento das retribuições intercalares.
V - Ser a Ré condenada no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as quantias peticionadas, vencidas, vincendas e, também, sobre as que resultarem, eventualmente, da aplicação do disposto no artigo 74.º do CT, desde a data da citação e até total a integral pagamento”.
Alega, em síntese, que: Autora e Ré celebraram em 26-03-2018 um contrato de trabalho a termo certo, sem que se verifiquem os pressupostos de tal contratação a termo já que a necessidade de contratação é duradoura e não transitória; a indicação do motivo justificativo não contém a correlação entre a justificação invocada e o termo estipulado; a cláusula constante do contrato quanto ao motivo justificativo é vaga e genérica, não concretizando suficientemente a necessidade e o motivo de acréscimo que justifica a celebração do contrato a termo; o termo é, pois, inválido pelo que o referido contrato deve ser considerado desde o início como contrato de trabalho sem termo; se assim não se entender, pelo menos a partir da sua renovação o contrato converteu-se em contrato sem termo; a Autora não viu a 2ª renovação ser reduzida a escrito, pelo que, por cautela de patrocínio, sustenta que o seu vínculo pelo menos desde 27 de março de 2020 se considerará sem termo; a Ré comunicou à Autora a cessação do contrato em referência, o que configura um despedimento ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de cessação do contrato, devendo ser condenada a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I ou categoria mais elevada se lhe couber à data da decisão do Tribunal, e a pagar as retribuições intercalares desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado (com a exclusão do período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação), sustentando a Autora que aí se integra também a “garantia mínima” – valor mínimo mensal garantido constante da cláusula 5ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais; a Ré procedeu à errada qualificação categorial da Autora nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria CAB 1, a contar desde o início do contrato, com as inerentes perdas no salário base e na ajuda de custo complementar, pelo que se deve proceder aos consequentes ajustes salariais e pagamento das diferenças apuradas em sede de vencimento base e ajuda de custo complementar; por último, a Ré atuou de forma dolosa e com má fé desde o início da relação laboral, ao abusar do instituto do contrato a termo certo, tendo posto fim ao contrato da Autora e provocando-lhe danos não patrimoniais que justificam uma indemnização a esse título.

Foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível a conciliação.

A Ré apresentou contestação. Excecionou a pretensão formulada, com a alegação da aceitação pela Autora da compensação pela caducidade do contrato a termo e respetiva não devolução, argumentando que a Autora não pode já ilidir a presunção de aceitação da caducidade, nem pôr em causa a validade da celebração do contrato a termo. Mais invocou que, ainda que assim não se entenda, ao aceitar a compensação, vindo depois questionar a licitude do termo e a cessação do contrato ao qual foi aposto, a Autora age em abuso de direito. Impugnou a versão dos factos sustentada na petição inicial, defende a licitude do termo e da renovação do contrato da Autora, sustentando que o contrato cessou validadamente com a consequente inexistência de qualquer despedimento ilícito. Mais sustenta que a Autora foi devidamente enquadrada, pelo que não lhe assiste qualquer direito laboral decorrente de um indevido enquadramento, máxime a título de diferenças no vencimento base e nos valores de ajudas de custo complementar; a ajuda de custo complementar tem natureza completamente diferente e autónoma da prestação retributiva especial, tal como definida na cláusula 5ª Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais; a Autora, mesmo que obtenha ganho de causa quanto à fundamentação a termo, não terá direito nem a qualquer diferencial de valores relativamente ao período em que prestaram a sua atividade, uma vez que continuará integrada na mesma categoria/posição salarial em que se encontra; como, atenta a natureza da ajuda de custo complementar e/ou prestação retributiva especial, não terão direito a estas prestações após a cessação do seu contrato e a sua eventual reintegração, uma vez que não realizando voos não tem despesas e não se verifica a ratio da prestação retributiva especial. Finalmente, entende que não tendo cometido qualquer ação ilícita, nenhum dano tem que indemnizar; de todo modo, sustenta que os danos não patrimoniais invocados não permitem a condenação em indemnização por danos não patrimoniais nos termos peticionados. Conclui, pugnando pela respetiva absolvição de todos os pedidos formulados.

Foi homologado o acordo relativo aos autores GG, DD e EE.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e elaborado despacho saneador que julgou a regularidade da instância. Foram relegadas para conhecimento final as exceções deduzidas, fixado o objeto do litígio e selecionado os temas de prova.
No despacho saneador foi fixado o valor da ação em decisão com o seguinte teor:
Nos termos do disposto nos artigos 297.º e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, fixo como valor da presente ação, considerando a transação celebrada entre a Ré e os Autores GG, DD e EE, em €102.251,82 (cento e dois mil, duzentos e cinquenta e um euros e oitenta e dois cêntimos).”
Para fixação do valor da ação o tribunal a quo atendeu aos valores indicados na petição inicial para as várias ações conexas coligadas que, naquele momento ainda se encontravam pendentes, sendo que no que respeita ao valor da causa da ação da Autora o valor considerado e, portanto, fixado foi o indicado na petição inicial, ou seja, € 26.709,35.

Foi homologado o acordo relativo à autora AA.
Foi determinada a apensação a estes autos do processo 1152/22.4T8MAI em que são autores HH, II e JJ. Nesse apenso A tinha sido proferida sentença de homologação de acordo quanto aos autores II e HH – 18.08.2022.

Foi designado dia para a audiência de discussão e julgamento. No início dessa audiência, foi alcançado acordo abrangendo os trabalhadores CC, BB e JJ.

A ação prosseguiu, pois, apenas quanto à autora FF.

Foi proferida sentença, concluindo com a decisão seguinte:
“Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente e, nesta conformidade:
I. Declarar a nulidade da cláusula de termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre a autora FF e a ré TAP e, por conseguinte, considerar sem termo o respectivo contrato.
II. Declarar ilícito o despedimento promovido pela ré, condenando-a:
a) A reintegrar a autora FF no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) A pagar à autora desde o dia 26 de Março de 2021 até ao trânsito em julgado da presente sentença, o valor das retribuições e do vencimento de senioridade, no valor mensal a apurar em sede de liquidação de sentença, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do artigo 390º, que a ré deverá entregar à Segurança Social, e sem prejuízo, no que se refere à autora, da dedução a que alude a al. a) do n.º 2 do artigo 390º, sendo que nas retribuições se incluem as de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo conforme se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, sendo que os juros de mora apenas serão devidos após liquidação (artigo 805º, n.º 3 do Código Civil).
III. Condenar a ré a pagar à autora os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que auferiu como CAB início e CAB 0 e os valores que deveria ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão, sendo certo que esses valores devem ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada um dos valores devidos até integral pagamento.
IV. Condenar a ré a pagar à autora os valores respeitantes à componente remuneratória “garantia mínima” a liquidar em sede de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo.
V. Condenar a ré a pagar à autora os valores respeitantes à componente remuneratória “ajuda de custo complementar” a liquidar em sede de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo.
VI. Absolver a ré do restante.
Custas a cargo da ré nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique”.

Inconformada com esta decisão a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES [transcrevem-se as conclusões já aperfeiçoadas, na sequência de despacho nesse sentido]:
“A. O ponto 40 deverá ser eliminado do elenco dos factos provados, pelo facto de conter apenas juízos conclusivos;
B. Os factos provados sob os n.ºs 44, 45, 46, 136, 137 e 138 deverão ser eliminados ou, pelo menos, alterados, face ao disposto nas cláusulas 4.ª e 5.ª do RRRGS, anexo ao AE/2006, passando a ter a seguinte redação:
• “A prestação denominada por “ajuda de custo complementar PNC”, também denominada de per diem, destina-se a cobrir despesas em que o tripulante incorra por estar fora, inerentes à deslocação, o seu pagamento depende da efectiva realização do serviço de voo e corresponde a um valor fixo diário indexado à respectiva categoria.
• A fim de auferir a prestação referida no ponto anterior o tripulante não tem que apresentar à Ré qualquer documento comprovativo da despesa em que haja incorrido.
• A prestação denominada por “garantia mínima” ou “retribuição especial PNC” corresponde a um valor fixo percentual do vencimento de cada tripulante, correspondente a 3,5%, sendo paga sempre que a ré não garanta ao tripulante uma utilização mínima, em efectivo serviço de voo, de 15 dias por mês.
• A prestação referida no ponto anterior é internamente conhecida como “multa” porquanto funciona como uma espécie de penalização devida pela empresa a favor do tripulante que, estando disponível para o serviço de voo, não foi escalado em condições de igualdade com os seus colegas.
C. A Recorrida não devolveu à Recorrente a compensação que lhe foi paga (cfr. factos provados 63 e 64), pelo que, nos termos dos artigos 366.º e 344.º do CT, presume-se que aceitou a cessação do seu contrato, tendo ficado, consequentemente, impedida de impugnar, judicialmente essa mesma cessação.
D. Note-se que em todas as situações em que a cessação do contrato de trabalho confere ao trabalhador o direito a receber uma compensação, incluindo nos casos de contratos a termo, a não devolução desta implica o acionamento da presunção prevista no n.º 4 do artigo 366.º do CT.
E. Assim, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter decidido, imediatamente, pela absolvição da Recorrente de todos os pedidos contra si deduzidos pela Recorrida. Não tendo adotado tal procedimento, violou o disposto no n.º 5 do artigo 366.º do CT, aplicável por remissão do estatuído no n.º 2 do artigo 344.º do mesmo Código.
F. Acresce que, ao aceitar a compensação que lhe foi paga pela Recorrente, vindo depois a questionar a licitude do termo e a cessação do contrato de trabalho, a Recorrida agiu em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o que não foi considerado pelo Tribunal a quo que, ao adoptar tal entendimento, violou o disposto no artigo 344.º do CC.
G. Como resulta dos factos provados n.ºs 1, 2, 4, 5, 8, 9, 10, 13, 14 e 15, a contratação da Recorrida ficou a dever-se à circunstância de ser necessário fazer face a um acréscimo excepcional de actividade decorrente, entre outros factores, da abertura de novas rotas/linhas, motive que, em si mesmo, é suficientemente elucidativo das necessidades de trabalho a que era necessário fazer face e da sua natureza temporária, sendo que as concretas rotas/linhas a que aí se alude é matéria de prova, e não de alegação em sede de justificação do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado com a Recorrida.
H. Perante um contrato de trabalho em que se afirma que o lançamento de novas rotas/linhas implica a redefinição do quadro (ou seja, do número) de tripulantes necessários para assegurar o respectivo funcionamento, é evidente que a aparência da natureza temporária das necessidades de trabalho a que é preciso fazer face se encontra assegurada e, por conseguinte, que o requisito constante do n.º 3 do artigo 141.º do CT se encontra cumprido.
I. Questão diferente é apurar se esses novos lançamentos implicam, efectivamente, um acréscimo excepcional e temporário das necessidades de trabalho a que é preciso fazer face, que é matéria que se prende com a prova dos fundamentos apostos à justificação do termo, e não à validade desse termo em si mesmo na sua perspectiva formal, pois que, quanto a este, o que importa, repete-se, é que a leitura do conteúdo do contrato permita concluir pela natureza temporária das necessidades de trabalho a que se pretende fazer face.
J. A fundamentação do termo em causa não reproduz qualquer formula legal nem recorre a uma formulação genérica, porquanto para além do que dela consta, não pode deixar de ser entendida, também quanto suficiência, em função da regulamentação aplicável.
K. Ficou demonstrado que as novas rotas são, por natureza, uma actividade temporária (Cfr. pontos 86 a 100 do elenco dos factos provados), pelo menos no momento do seu lançamento e enquanto não consolidam.
L. No caso dos autos, o grau de incerteza na necessidade de tripulantes contratados foi também muito influenciado pela indefinição da entrada ao serviço dos A321 Long Range (afectação de aviões às rotas) que, sendo aviões narrow body, passaram a poder fazer voos de longo curso, até aí só realizados por A330 e A340 nos quais a Recorrida e os outros tripulantes do Quadro de Narrow Body, a termo ou a tempo indeterminado, não podiam voar (cfr. pontos 101 e 102 dos factos provados).
M. Não é, nem pode ser pré-determinado, no momento do lançamento de uma nova rota, qual exatamente o equipamento / avião a utilizar, e desse tipo depende o número de tripulantes necessários para operar, tal como depende de vários outros fatores, como o tipo de voos (noturnos ou não), o número de frequências, etc. (Vd. ponto 100 dos factos provados).
N. A dimensão e tipo de atividade a que a Recorrente se dedica não é constante, i.e., o número de voos a realizar e os passageiros transportados em cada momento está dependente de diversos fatores, variando, entre outros, consoante as rotas que se iniciam ou cessam e, em geral, os planos comerciais de exploração em regra anuais.
O. O quadro do pessoal tripulante de cabine permanente da Recorrente estava e está dimensionado em função das necessidades de exploração no quadro dos voos, normais e previsíveis, porque se mantém com estabilidade em cada época do ano e, em regra, ao longo dos anos.
P. Atentas as funções exercidas pelos Comissários e Assistentes de Bordo (CAB’s) (cfr. Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina, Anexo ao AE TAP/SNPVAC de 23.02.2016, Cl.ª 3.ª, 1.3) o número de tripulantes depende desde logo do tipo de equipamentos afetos à operação, às rotas operadas e aos voos previstos/realizados e, naturalmente, do número de aviões da frota da Recorrente, vigorando um regime de composição de tripulação (Anexo ao AE TAP/SNPVAC), variando o número de tripulantes de equipamento para equipamento (avião).
Q. As necessidades de tripulantes variam conforme a rota venha a ser operada por exemplo por A321 ou por A319 e, se a previsão commercial prevê a necessidade de operar com um A321 uma determinada rota, atento o número de passageiros expectável e as características daquela aeronave, a Recorrente necessita de mais tripulantes do que se essa mesma rota for operada por um A319.
R. O plano de exploração da Recorrente pode não se concretizar, e obrigar, a passar a operar com um equipamento com menos capacidade e, consequentemente, com menos tripulantes, sobretudo quando estão em causa novas rotas, com o grau de incerteza que tal acarreta necessariamente.
S. A Recorrente não pode socorrer-se de imediato de tripulantes se verificar que aumentaram as suas necessidades, uma vez que os tripulantes de cabina são sujeitos a um plano de formação de várias semanas (6 a 8 semanas sem contar com todo o processo de recrutamento que pode demorar vários meses, dependendo do número de candidatos).
T. A Recorrente procede a uma análise da média de tripulantes necessários face ao tipo de avião que previsivelmente irá ou poderá vir a operar as novas rotas, não podendo nunca contratar tendo em conta apenas o número mínimo de tripulantes, ficcionando, por exemplo, que determinada rota seria sempre realizada por um A319, uma vez que tal pode inviabilizar a operação caso os voos venham a ser operados com outros equipamentos.
U. No período da contratação da Recorrida, para além da abertura de novas rotas/linhas, verificaram-se vários outros factores que consubstanciaram a necessidade da contratação a termo, os quais assentaram essencialmente em três aspectos, tal como consta do contrato, (i) abertura das novas rotas/linhas ou aumento de frequências; (ii) reajustamento da frota TAP (afectação do tipo de avião a cada linha) em função da rentabilidade/estabilidade das linhas; (iii) definição do quadro de tripulantes à operação global TAP.
V. O lançamento de novas rotas pela Recorrente, como por qualquer companhia aérea comercial, tem por base estudos de mercado, e inicia-se sempre com períodos de experiência, uma vez que as expectativas podem não se concretizar, e muitas vezes não se concretizam, dependendo sempre do grau de adesão dos passageiros e de fatores externos que a Recorrente não domina, v.g., acontecimentos políticos, novas companhias a voar para aquele destino, ou até acontecimentos mais ou menosfortuitos que afetam a atividade de forma decisiva em períodos mais ou menos longos (v.g o 11 de Setembro de 2001 ou acontecimentos climatéricos inesperados).
W. Com base no aumento das rotas/linhas, a Recorrente orçamentou um acréscimo de movimentos a partir de 2017/2018, tendo como consequência novas contratações de tripulantes, mas sem qualquer garantia ou até expectativa de continuidade.
X. Durante o período da contratação da Recorrida estavam a decorrer os períodos, experimentais ou de consolidação, decorrentes da abertura de várias novas rotas lançadas sobretudo a partir de Junho /Julho de 2017.
Y. Para além daquelas rotas, operadas pela TAP, abriram outras a partir de Lisboa, que apesar de operadas pela Portugália e/ou pela Omni, podia em qualquer momento existir, pelo menos para algumas delas, a necessidade ou conveniência, sobretudo no caso da Portugália, de passarem a ser operadas pela Recorrente, por exemplo, por necessidade de afectação de aviões de maior capacidade.
Z. A abertura de uma rota constitui, no plano da operação da Recorrente, quer pelos meios envolvidos, quer pelos procedimentos administrativos e comerciais implementados, uma espécie de lançamento de uma nova atividade comercial que pode e deve ser reconduzida ao fundamento previsto no art.º 140º, nº 2, alínea f), do CT (acréscimo temporário da atividade da empresa).
AA. Se é certo que a abertura de novas rotas acarreta necessariamente acréscimo de necessidades, não é menos certo que esse aumento não deixa de ter carácter temporário e transitório, o que resulta desde logo da análise dos elementos históricos que a Recorrente tem sobre aquela abertura.
BB. As necessidades de aumento temporário decorrente das novas linhas de médio curso, quer do mesmo aumento nas novas linhas de longo curso são satisfeitas pela admissão de novos Comissários e Assistentes de Bordo, neste caso a termo certo, os quais preenchem as vagas temporárias resultantes do aumento de atividade no médio curso (operado com equipamentos A319, A320 e A321), bem como as vagas deixadas pelos Comissários e Assistentes de Bordo do quadro de NW que, durante esse mesmo período transitório, passam a desempenhar funções no longo curso para fazer face às necessidades temporárias decorrentes das novas rotas operadas, em regra, por estes equipamentos (hoje só A330).
CC. Os novos Comissários e Assistentes de Bordo contratados a termo, reforçam, a título temporário, diretamente as novas rotas de médio curso, e indiretamente as novas rotas de longo curso abertas pela Recorrente entre 2016 e 2018, e que estavam em período de consolidação ou não.
DD. A necessidade da contratação da Recorrida é temporária já que, para além das rotas de médio curso, se as novas rotas de longo curso (ou o aumento da frequência das existentes) forem encerradas ou diminuídas, os tripulantes afetos ao quadro de NW regressam totalmente ao Quadro de NB, tornando excedentários os tripulantes contratados a termo para aquele quadro nos termos expostos.
EE. Os motivos de contratação a termo mantiveram-se aquando da renovação do contrato de trabalho na medida em que as rotas em causa ainda estavam no período experimental ou de consolidação.
FF. Não podendo a Recorrente garantir que as novas rotas ou o número de frequências se iriam manter, bem como o alcance das alterações na operação introduzidas pela entrada do A321LR (ao permitir pela primeira vez que um avião NB pudesse realizar alguns voos transatlânticos), não podia também assegurar a tempo indeterminado os postos de trabalho de todos os trabalhadores contratados a termo, incluindo a Recorrida.
GG. A viabilidade da abertura de novas rotas não se apura num período de meses, sendo necessário um período alargado, passar pelos períodos de maior e menor atividade e, então sim, concluir pela reduzida ou elevada procura e, consequentemente, pela manutenção ou supressão dessa rota, decorrente da viabilidade económica da sua exploração, através do controlo das chamadas margens de rentabilidade definidas e utilizadas por todas as companhias aéreas.
HH. Os motivos apostos no contrato de trabalho e renovação celebrados entre a Recorrida e a Recorrente satisfazem plenamente a exigência legal no que tange à sua justificação e/ou fundamentação, porquanto, in casu, os motivos justificativos apostos até são bastante mais pormenorizados e concretizados do que o exigível, e correspondem a fundamentos legais para esse tipo de contratação, atenta também a especificidade da atividade desenvolvida.
II. O aumento da atividade decorre das novas rotas/linhas, mas o planeamento é efetuado de forma global, atendendo a cada um dos quadros de tripulantes de cabina da Recorrente, sem prejuízo da limitação existente, a saber, que os tripulantes contratados a termo só podem estar alocados ao quadro NB (Cl.ª 4.ª do RRRGS).
JJ. Não é possível, atenta a especificidade da atividade, concretizar mais detalhadamente a motivação da contratação a termo da Recorrida, uma vez que não é possível concretizar de forma antecipada, as exatas rotas/linhas abertas ou o concreto reajustamento da frota (os aviões que vão realizar os voos), ou o quadro de tripulantes, nem a lei exige que os tripulantes contratados a termo só realizassem aquelas rotas, não podendo se quer tal acontecer.
KK. Andou mal a sentença recorrida ao considerar que a declaração de nulidade do termo aposto no contrato de trabalho da Recorrida e a sua passagem a contrato de trabalho por tempo indeterminado tem como consequência automática a sua integração em CAB I, já que tal interpretação não resulta do regime convencional aplicável, designadamente do Regulamento de Carreira Profissional de Tripulantes de Cabina anexo ao AE aplicável - AE TAP/SNPVAC, 2006 - Cl.ª 5.ª do RCPTC. As posições de CAB Início e CAB 0 tanto podem ser integradas por contratados a termo como por contratados a tempo indeterminado.
LL. Sem prejuízo da repartição do ónus da prova, a evolução salarial nas várias posições de CAB não é automática, como resulta da Cl.ª 5.ª do RCPTC, designadamente nos n.ºs 3 e 4, sendo os requisitos previstos verdadeiras condições de procedência da ação, a convocar o regime do art.º 342.º do Código Civil.
MM. A evolução nos níveis salariais também não depende da natureza do vínculo contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no tempo de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta da Cl.ª 5.ª, n.º 2 do RCPTC, e sem prejuízo de essa experiência poder ser comprovada por processos específicos, como pode eventualmente acontecer nos processos de progressão técnica.
NN. A circunstância de haver um reconhecimento do vínculo contratual sem termo, no que não se concede, não faz aumentar a experiência profissional da Recorrida já que esta, necessária e subjacente à progressão salarial, não se adquire pelo tipo de vínculo laboral, mas sim pelo desempenho, o que só por si, impedirá a integração da Recorrida na posição de CAB I (cfr. Cl.ª 5.ª n.º 4 do RCPTC).
OO. Também esta é a conclusão que se retira do elemento histórico, designadamente da alteração entre o que estava previsto na introduzida na Cl.ª 3.ª (Evolução na Carreira Profissional), do AE de 1994 (BTE n.º 23/1994) com a alteração de 1997 (BTE n.º 40/1997) na Revisão ao Regulamento de Carreira Profissional (Anexo III) e o que passou a estar consagrado no AE de 2006 (Cl.ª 5.ª do RCPTC) ao introduzir um novo nível (CAB Início), ao mesmo tempo que eliminou qualquer menção da consequência à efetivação como gerando a integração em CAB I.
PP. A posição defendida pela Recorrente foi também acolhida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.11.2019, proferida nos autos que correram termos sob o n.º 2210/13.1TTLSB-A.L1, o qual foi confirmado pelo Acórdão do STJ de 08.07.2020, e, bem assim, pelo recente aresto proferido por aquela Veneranda Relação a 15/11/2022, processo n.º 8882/20.3T8LSB.l1.L1.
QQ. A sentença em crise não fez boa aplicação do direito na condenação no pagamento da “garantia mínima”. Ficcionar o conceito de disponibilidade da Recorrida face ao regime previsto no Anexo ao AE TAP/SNPVAC, não pode resultar num tratamento mais favorável para a mesma daquele que foi aplicado em concreto aos tripulantes em efetividade de funções desde a data da cessação do contrato da Recorrida, já que aos tripulantes que continuaram no exercício de funções aplicou-se o regime de lay-off nas suas várias modalidades, e em períodos diversos (a apurar, sem conceder, em liquidação e execução de sentença).
RR. Por isso, a sentença violou o princípio da igualdade (art.º 13.º CRP) e, por isso, violação essa que desde já se invoca, para além de se traduzir, na prática, num tratamento mais favorável da Recorrida e, assim, injustificado.
SS. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 01.10.2015 salvaguardou as características desta prestação face aos requisitos e elementos essenciais exigíveis pela lei para que determinada prestação seja considerada retribuição, a saber e entre outras, a regularidade e a periodicidade, exigindo pagamentos em pelo menos 11 meses no ano.
TT. A “garantia mínima” é uma verdadeira penalização para a empresa, por cada dia em que o tripulante, estando disponível, não foi ocupado, tendo, por isso, natureza sancionatória, e é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, não sendo contrapartida do trabalho prestado.
UU. Como penalização que é, só episodicamente pode ocorrer, o que faz com que o tripulante só excecionalmente a venha a receber. Com efeito, não tem a Recorrida direito a esta prestação após a cessação do seu contrato e a sua eventual reintegração, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, uma vez que não realizando voos não se verifica a ratio da “Garantia Mínima”.
VV. Os montantes da Ajuda de Custo Complementar são fixados em função da categoria/posição salarial (de CAB Início a S/C II), e não por se ser contratado a termo ou não (cfr. Acordo de Actualização Salarial 2005/2006 Anexo ao AE de 2006 supra referido), nada havendo de illegal na diferenciação de valores, sendo até característica das Ajudas de Custo serem de valor diferenciado em função da categoria / posição.
WW. A Ajuda de Custo Complementar está sempre e necessariamente relacionada com gastos induzidos pelo serviço de voo, pelo que não há pagamento das mesmas se não há serviço de voo, como foi repetidamente reconhecido por várias decisões dos nossos Tribunais Superiores que afastaram a natureza retributiva desta e de outras prestações eventuais de carácter pecuniário.
XX. Termos em que, a sentença ora posta em crise, nos segmentos objeto do presente recurso, violou as normas convencionais aplicáveis ao caso sub judice, designadamente, a Cl.ª 5.ª do RCPTC, as Cl.ªs 4.ª e 5.ª do RRRGS, anexos ao AE TAP/SNPVAC de 2006.
YY. Termos em que a Sentença em crise deverá ser alterada e substituída por outra que absolva integralmente a Recorrente dos pedidos formulados pela Recorrida.”

A Ré com as suas alegações juntou parecer da autoria dos Senhores Professores Drs. Pedro Romano Martinez e Luís Gonçalves da Silva e cópia do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2022, proferido no processo n.º 8882/20.3T8LSB.L1.L1.

Importa ter presente que no recurso apresentado pela Ré são colocados em crise todos os segmentos condenatórios do dispositivo da sentença, ou seja: a declaração de nulidade da cláusula do termo aposto no contrato da Autora e a consideração do mesmo como contrato sem termo; a declaração da ilicitude do despedimento promovido pela Ré e a condenação desta a reintegrar a Autora e a pagar-lhe as retribuições intercalares; a condenação da Ré «a pagar à autora os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que auferiu como CAB início e CAB 0 e os valores que deveria ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão»; a condenação da Ré «a pagar à autora os valores respeitantes à componente remuneratória “garantia minima” a liquidar em sede de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo» e a condenação da Ré «a pagar à autora os valores respeitantes à componente remuneratória “ajuda de custo complementar” a liquidar em sede de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo» – pontos I a V do segmento decisório condenatório da sentença.
Refira-se que, nas respetivas alegações, no final do item VI “Da condenação da R. no pagamento da “Garantia Mínima” (pontos 151. a 172. das alegações), a Ré requer expressamente a revogação do ponto IV do segmento dispositivo da sentença, no qual se condenou a Recorrente a pagar à Recorrida “os valores respeitantes à componente remuneratória “garantia minima” a liquidar em sede de execução de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo” – cfr. ponto 172.

A Autora contra-alegou e apresentou recurso subordinado em relação ao segmento decisório de absolvição da Ré da indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais (VI. Absolver a ré do restante), finalizando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A. Vêm as presentes Contra-Alegações em resposta às doutas Alegações da R. no processo 5661/21.4T8MAI, J2, Juízo do Trabalho da Maia, o que faz ao abrigo do artigo 81º/3 do CPT, com recurso subordinado, nos termos do artigo 81º/5 do CPT.
B. A AA. refuta as pretensões da R. quanto à impugnação da matéria de facto provada, com exceção feita ao ponto 136, no qual concorda apenas na parte em que deva ser corrigido por se crer que o Tribunal por lapso menciona “ajuda de custo complementar” quando certamente pretendia referir “garantia mínima”.
C. A decisão do Tribunal quanto à exceção de não devolução da compensação crê-se correta.
D. Nos paralelos do caso concreto, a nossa jurisprudência e doutrina é unânime: o artº 344º/2 do Código do Trabalho impõe, no caso de caducidade do contrato de trabalho a termo certo por verificação do seu termo, o pagamento de uma compensação a calcular nos termos do art.º 366º, Quer isto dizer que o art.º 344º, n.º 2 do CT remete apenas para a fórmula de cálculo da compensação prevista no art.º 366º1.
E. Apenas nos casos em que a relação laboral que tenha por base contrato a termo, e que este venha a cessar por força de despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou por inaptidão, serão a aplicar as demais disposições do artigo 366º, mormente quanto à aceitação do despedimento que nesses casos ocorra, por não devolução da compensação liquidada.
F. Acresce que o art.º 366.º, n.º 4, prevê, expressamente, que a aceitação da compensação equivale, até prova em contrário, à aceitação do despedimento, sendo que esta forma de cessação do contrato de trabalho é bem distinta da cessação decorrente da caducidade do contrato. Aliás, legislador distingue expressamente os casos de despedimento dos de caducidade, como decorre do art.º 340º do Código do Trabalho, valendo o exposto também para a excepção do abuso do direito.
G. Como bem refere o transcrito Ac. do Tribunal da Relação de Évora nº 692/14.3T8EVR.E1 de 30-03-2017 “Há que notar, antes de mais, que aquele art.º 366º, mesmo na parte em que se refere a contratos de trabalho a termo, ou a contratos de trabalho temporário, continua a estar referenciado a hipóteses de despedimento coletivo. Fora de tais hipóteses, em que não está em causa um despedimento coletivo, a compensação devida por caducidade continua a reger-se pelas disposições dos arts.º 344º, nº 2, e 345º, nº 4, do C.T., e só elas”.
H. Resulta claro que a remissão do art. 344º para o art. 366º do CT se restringe à forma de cálculo da compensação, não influindo nos respetivos efeitos.
I. Nestes termos, deverá a decisão ser mantida integralmente nesta parte.
J. A R. alega ainda que provou suficientemente o motivo justificativo aposto aos contratos a termo certo que celebrou com a AA., o qual radicava numa putativa abertura de novas rotas. Tal não colhe, pois, como devidamente formado na prova produzida e exposta nas alegações, a R. quase não abriu novas rotas no período de contratação da AA.. O que resultou da prova produzida, bem como de factos públicos e notórios, é que aquando da entrada do acionista privado na estrutura da R., KK, este implementou um ousado plano de expansão da companhia que previa aquisição de dezenas de novos aviões, aumentando o número efetivo de aeronaves presentes na frota TAP. E, esses aviões necessitavam de tripulantes para serem operados. Este foi o verdadeiro motivo da contratação dos AA. e não qualquer indefinição no futuro da R., motivo temporário ou extraordinário. Até, porque, como também provado, abrir e fechar rotas é algo que faz parte da atividade de uma companhia aérea que visa o transporte comercial de passageiros, nunca podendo esse motivo ser transitório e extraordinário em sede da sua atividade. Por sua vez, também resulta provado que é falso que tenha existido um qualquer aumento de rotas extraordinário no ano de 2017, verificando-se um saldo, após confronto com ano anterior de 2016, de apenas 2 novas rotas no abertas no ano de 2017. Ademais, o AA. foi contatado a 22 de Outubro de 2018, sendo as rotas do ano de 2017 preparadas e projetadas no ano de 2016, em nada se relacionando com a contratação do AA.
K. Relativamente às considerações de direito da R., cabe à AA. rebater as mesmas, dizendo, de forma consolidada que, os contratos a termo celebrados entre si e a R. são manifestamente inválidos. Desde logo o mesmo não estabelece a correlação entre a justificação aposta e o prazo elegido de 12 meses, conforme artigo 141º/3 do CT.
L. Tal vício formal insanável tem, desde logo, como consequência a conversão do contrato a termo, sendo irrelevantes todas as demais considerações materiais feitas pela R. acerca desses contratos. O Contrato a termo, na sua justificação, tem natureza ad substantium, valendo apenas a redação do mesmo. E, a verdade é, que, a redação do mesmo apenas nos remete para uma putativa abertura de novas rotas. No entanto, da prova produzida resultou que no ano de 2018 (ano de contratação dos AA.) a R. apenas abriu uma nova rota, não logrando explicar como para uma rota contrata mais de 1000 tripulantes num só ano. Voltamos aqui ao verdadeiro motivo da contratação do AA. e de tal volume de novos tripulantes – a aquisição de novas aeronaves que, inerentemente, não é um motivo transitório, pela natureza e custos associados a tal operação. Tudo sem prejuízo do melhor alegado supra, bem como atendendo às doutas palavras da Il. Dra. Maria do Rosário Palma quanto a estes contratos a termo em concreto.
M. Quanto à parte do recurso da R. Que confronta a decisão relativamente à categoria em que a A será reintegrada, crê-se que a mesma não deverá colher. Destarte, o entendimento da Sentença resulta da leitura das Clª 4ª/3 do Anexo ao Acordo de Empresa - Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC) – que regeu a relação laboral dos AA. com a R., publicado em BTE 8/2006 - Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC) - estipula: “3 — Os tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0), enquanto se mantiverem nesta situação, apenas serão afectos a equipamento NB.” Sublinhado e negritos nossos e Clª 5ª/1 desse anexo estipula que: “1 — A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);” Sublinhado e negritos nossos, bem como da tabela constante a Clª5º/2, a linha CAB 1, de onde esta é a única que usa o vocábulo “Até”. Ainda, de acordo com a Clª 5º/4: “4 — A evolução salarial terá lugar, salvo verificação das seguintes situações: a) Existência de sanções disciplinares que não sejam repreensões no período de permanência no escalão possuído; b) Pendência de processos disciplinares; c) Ocorrência de motivo justificativo em contrário relacionado com exercício ou conduta profissional, desde que expresso e fundamentado por escrito.”.
N. É por demais clara a letra desses dispositivos no sentido de que apenas os Tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, caso contrário, sentido algum faria ter tal sido estipulado. Note-se que o decurso do tempo entre CAB Início até CAB 1 são 3 anos, o mesmo tempo que, ao abrigo do Código do Trabalho Aplicável a essa data, duraria no máximo a contratação a termo. Em caso algum poderia um contratado a termo ter a categoria de CAB 1.Deste forma, o único motivo para a inclusão de tais menções nessas cláusulas apenas pode significar que apenas os contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB início e CAB 0.
O. Atendendo-se ainda, por último, ao elemento histórico, o AE anterior ao que regeu a relação laboral dos AA. com a R. (AE 1994 com as alterações introduzidas em 1997, publicado no BTE 40/1197), estipulava preto no branco que os tripulantes com a “Efetivação” passavam à categoria CAB 1, conforme melhor alegado e demonstrado nas alegações, bem como a CLª3ª/8ª do AE de 1994, publicado no BTE 23/1994, no Anexo Regulamento da Carreira profissional do PNC, a Clª 3ª/8 já nos dizia “Existirá um escalão de CAB 0 para efeitos exclusivamente remuneratórios, aplicável aos tripulantes contratados a termo e enquanto se mantiverem nesta situação, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente de evolução na carreira e de antiguidade.”, demonstrando que sempre foi esta a prática da R. .
P. Tendo o presente processo como consequência que os contratos dos AA. Sejam considerados como contratos sem termo desde o início da relação labora, se, só apenas os tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, então os AA. teriam que ter sido tripulantes da categoria CAB 1 desde o início da relação laboral. Destarte, a decisão vem acertada nesta parte da condenação, bem como na parte em que condena a R. ao pagamento das diferenças salariais devidas a título de vencimento base e ajuda de custo complementar, a qual deverá ser integralmente mantida.
Q. Nota final, neste tema, para o facto de, tal como em 2016 o STJ Proc. Nº 968/12.4TTLSB.L1.S1 já o fizera, no Ac. de 25/11/2021 Proc.nº10317/20.2T8LSB.L1 e Ac. 15121/20.5T8LSB de 22/06/2022, ambos da Relação de Lisboa, proferido no âmbito de contratos em tudo iguais ao dos aqui AA., foi dada razão aos Tripulantes, aí Autores/Recorrentes, nesta matéria, confirmando tal entendimento que aqui os AA. pugnam.
R. A AA apresenta ainda recurso subordinado quanto à absolvição da R. relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Peticionou a AA o ressarcimento de danos não patrimoniais a título de danos morais os quais não foram concedidos, tendo produzido extensa prova do abuso da R. no recurso à contratação a termo e expectativas que esta gerava em todos os seus novos tripulantes, sendo a quebra abrupta da relação laboral contraditória dessa mesma expectativa em moldes não normais para a contratação a termo.
S. Devendo a sentença a quo ser revogada neste ponto e ser substituída por decisão que condene a R. a pagar indemnização a este título em valor de €2.000,00”
Termos em que mui respeitosamente se requer a V. Exas que concedam provimento ao recurso, substituindo a douta decisão recorrida por outra nos termos pugnados nas presentes contra-alegações e conclusões.”

A Ré contra-alegou em relação ao recurso subordinado apresentado, terminando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A. A sentença recorrida decidiu correctamente ao absolver a R. do pedido contra si deduzido pela A., de condenação da Companhia a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniai alegadamente sofridos em razão da cessação, por caducidade, do contrato de trabalho a termo certo que vigorou entre as partes entre 26 de Março de 2018 e 25 de Março de 2021.
B. Analisando os respectivos requisitos, constata-se que, in casu, não ficaram demonstrados os pressupostos de facto e de direito de que dependeria a imputação à R. da obrigação de ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais sofridos pela A..
C. Para além de a R. não ter adoptado qualquer actuação ilícita, a A. não logrou provar a factualidade que alegou relativamente a esta matéria, como resulta dos pontos 47 a 58 do elenco dos factos não provados da decisão sobre a matéria de facto, a qual a A. não põe em causa no recurso a que ora se responde, sendo certo que da factualidade assente não se retira qualquer facto ou sequer indício que permita concluir que a A. sofreu quaisquer danos em razão de uma qualquer conduta ilícita levada a cabo pela R.
D. Sem prejuízo do acima exposto, não se poderá olvidar que o ressarcimento de danos não patrimoniais assume natureza excepcional, devendo o elemento “gravidade” imposto na lei respeitar a situações extremas, de profunda dor ou sofrimento ou de manifesta e comprovada afectação psicológica com carácter duradouro.
Ora, ainda que a factualidade subjacente aos pontos 47 a 58 do elenco dos factos não provados tivesse resultado demonstrada nos autos, o que não se concede e se equaciona como mera hipótese académica, tais factos não poderão consubstanciar danos de natureza não patrimonial atendíveis, nos termos do disposto no art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil, conforme, aliás, tem vindo a ser a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
E. Embora precludida pelas considerações anteriores, também não se verifica o requisito da causalidade, na medida em que as lesões alegadas pela A. não foram causadas por qualquer comportamento da R., nos moldes acima referenciados, não se encontrando, igualmente, preenchidos este requisito da obrigação de indemnizar por parte da R..
F. De todo modo, ainda que os elementos constantes dos autos permitissem concluir pela existência de uma relação de adequada causalidade entre a cessação unilateral da relação laboral operada pela R. (facto ilícito) e a produção dos danos alegados pela A., sempre seria necessário indagar, para que houvesse lugar ao pagamento de uma indemnização, se, atento o grau de culpa do empregador e a relevância dos danos, estes se revestem de dimensão ou dignidade bastante que demande/justifique a sua reparação, o que não se verifica no caso sub judice, como decorre da facticidade que resultou assente.
G. A sentença recorrida, ao absolver a Ré do pedido contra si deduzido pela Autora, de pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, julgou correctamente a questão, tendo aplicado correctamente à situação sub judice o disposto nos artºs. 389.º, n.º 1, al. a), do Cód. do Trabalho, bem como os art.ºs 483.º, 494.º, 496.º e 566.º, n.º 1, do Cód. Civil.
Nestes termos, nos demais de Direito aplicáveis e sempre com mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser negado provimento ao recurso subordinado interposto pela A. e ora Recorrente, confirmando-se, neste particular, a sentença recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça!”

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso interposto pela Ré e o recurso subordinado interposto pela Autora, e determinar a respetiva subida, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho) no sentido do não provimento dos recursos, pronunciando-se, no essencial, como se segue:
«5. Impugna a Recorrente a decisão da matéria de facto nomeadamente os factos constantes dos n.ºs 40, 44, 45, 46, 136, 137 e 138.
A douta sentença fundamenta suficientemente estes factos analisando pormenorizadamente os depoimentos das testemunhas LL, MM, NN, OO, PP, QQ, e RR. Bem como os o contrato celebrado, as missivas trocadas entre A. e Ré, os recibos de vencimento e noticias e entrevistas publicadas na Comunicação Social, tudo em obediência ao principio da livre apreciação da prova, aqui aplicável – art.º 607, 5, do CPC.
Tudo ponderado entende-se que nenhuma censura merece a douta sentença e recurso.
6. Na contestação invoca a Recorrente a exceção inominada de aceitação do despedimento por não devolução da compensação. Parece ser opinião pacifica a de que a presunção a que se refere o disposto no art.º 366, 5, do CT (antes n.º 4), apenas se refere ao despedimento colectivo e extinção do posto de trabalho e já não nas hipóteses dos art.º 344º e 345º. Assim, também neste particular não merece reparo a douta sentença recorrida.
7. Parece-nos, também, evidente que a validade do termo aposto no contrato de trabalho, não satisfaz as exigências legais, contendo a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo do qual constem os factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre o motivo invocado e o termo estipulado (v. art.º 141.º n.ºs 1, al. e) e 3), competindo ao empregador a prova da verdade das razões que justificam a aposição do termo, (v. art.º 140.º n.º 5 do CT).
Ora vê-se que o motivo indicado é vago e genérico, podendo adaptar-se a vários contratos e trabalhadores em períodos diferentes, não cumprindo assim com as exigências legais.
8. Quanto ao mais, também a douta sentença em recurso não merece reparo, nomeadamente quanto à condenação da Ré em indemnização por danos não patrimoniais, pelo para ela se remete entendendo-se que deveria, a mesma, ser confirmada.».

A Ré apresentou resposta ao referido parecer, dando como reproduzidos todos os argumentos invocados em sede de alegações de recurso, pugnando a final no sentido de que deverá ser julgado procedente o recurso que interpôs, devendo, contudo, manter-se qua tale o decidido pelo Tribunal a quo relativamente à improcedência do pedido de ressarcimento de danos não patrimoniais deduzido pela Autora.

Por despacho refª citius 17046334 foi admitida a junção do parecer e da cópia do aresto do Tribunal da Relação de Lisboa e, bem assim, proferido convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas pela Ré. Tal convite foi aceite, tendo sido apresentadas conclusões reformuladas, já acima transcritas.

Perante as conclusões reformuladas de recurso, o Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto manteve o parecer já emitido.

Tendo sido publicada a deliberação do CSM de 20-09-2023, desligando o Exmº Desembargador Relator (Jerónimo Joaquim Marques Freitas) do serviço por efeitos de aposentação/jubilação, com produção de efeitos a 1-10-2023, em conformidade com o ordenado no Provimento nº 10/2023 de 2-10-2023 do Exmº Srº Presidente do Tribunal da Relação do Porto, o processo foi remetido para redistribuição relativamente ao Relator, mantendo-se os Adjuntos. O processo foi distribuído à ora Relatora.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
*
II - Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
Consignam-se, desde já, os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância (que se transcrevem):
«Factos provados.
1. A autora foi trabalhadora da ré.
2. O vínculo laboral da AA. FF foi estabelecido através de contrato a termo certo, com data de início a 26 de Março de 2018 e fim a 25 de Março de 2019, com a duração de 12 meses.
3. Tal contrato foi renovado pelo prazo de 12 meses, entre 26 de Março de 2019 e 26 de Março de 2020, através da celebração de “Contrato de Trabalho a Termo – 1ª Renovação”.
4. O seu contrato veio a ser renovado por uma segunda vez pelo prazo de 12 meses, entre 26 de Março de 2020 e 25 de Março de 2021.
5. No entanto, a R. nunca reduziu essa segunda renovação do contrato de FF a escrito.
6. Do primeiro contrato a termo consta o seguinte: Cláusula 2ª (prazo e justificação) “O presente contrato a termo certo é celebrado pelo prazo de 12 meses, com início a 26 de Março de 2018 e termo em 25 de Março de 20119, podendo ser renovado por períodos iguais ou diferentes nos termos legais.
O trabalhador é admitido nos termos do n.º 2, da alínea f) do art 140º do Código do Trabalho, justificando-se a oposição de um termo ao presente contrato de trabalho pelo acréscimo temporário da actividade na Área operacional/operações de voo, decorrente da abertura de novas rotas/linhas, cuja rentabilidade/estabilidade vai determinar o reajustamento da frota TAP afectação do tipo de avião a cada linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes (PNC Pessoal Navegante Comercial) à operação global TAP”.
7. Da primeira renovação desse contrato consta o seguinte: Cláusula única “Nos termos do ponto 2 do acordo celebrado em 01 de Fevereiro e 2019, ambos os outorgantes acordam na sua renovação, pelo prazo de 12 meses, produzindo-se os respectivos efeitos de 01 de Fevereiro de 2020 a 31 de Janeiro de 2021. Em tudo o mais mantém-se o acordado na referida data de 01 de Fevereiro de 2019”.
8. A cessação do contrato da AA. FF foi comunicada por carta registada enviada pela Ré e com efeitos reportados ao dia 25 de Março de 2021.
9. A autora FF desempenha as suas funções a partir da base do Porto.
10. A vulgarmente apelidada Base do Porto corresponde ao Aeroporto ..., sito em ..., Concelho da Maia, Distrito do Porto.
11. No dia 1 de Abril, a Ré, após ter operado cessações por caducidade de centenas de outros colegas de trabalho com a mesma categoria profissional dos Autores, anunciou que iria providenciar um complemento ao salário máximo permitido no regime do lay-off (€1905,00 brutos) que os seus trabalhadores ficassem enquadrados nesse teto máximo, complemento esse no valor de €705,00.
12. As Rotas Lisboa/Boston; Lisboa/Montreal e Lisboa/Toronto já vêm a ser realizadas regularmente por Tripulantes do quadro Narrow Body.
13. A Ré fez um grande investimento, entre outros aviões Narrow Body em aviões A321 LR que são parte da frota Narrow Body às quais os Autores pertencem, sendo estes aviões de última geração e tecnologia de ponta, considerando a Ré ser este modelo o futuro da aviação, pois que apesar de serem aviões de menor porte, apresentam alcance de viagem semelhante aos aviões de maior dimensão (A330), ou pelo menos alcance suficiente para ligar Portugal à América do Norte e do Sul, com o benefício de um corte no consumo de combustível.
14. Este avião (A321LR) já fez rotas semelhantes, a ver, Porto-Newark, Lisboa-Newark, Lisboa-Washington (Dulles), Lisboa-Natal, Lisboa-Belém, Lisboa-Boston, Lisboa-Montreal.
15. Estas rotas podem também vir a ser operadas por A330.
16. A Ré vem adquirindo novas aeronaves, em particular desde a entrada do capital privado na companhia em 2015/ 2016.
17. Os investidores privados, desde o momento da sua entrada na companhia anunciaram publicamente os seus planos para crescimento da frota e do corpo de trabalhadores, para agressiva expansão da Ré TAP.
18. Aumentando a contratação a termo com especial incidência a partir da chegada das primeiras aeronaves encomendadas à fábrica da Airbus, a partir do ano de 2018, ano da contratação dos Autores.
19. Aeronaves essas maioritariamente da família A320 (A319, 320 e 321), as quais são operadas por tripulantes do quadro de tripulantes dos Autores (quadro Narrow Body, quadro de entrada).
20. O primeiro dos quais chegou à frota da Ré a 22 de Abril de 2019. 21. O último dos quais chegou em Março de 2021.
22. São conhecidos 8 A320 NEO (matrículas ... a ...), sendo que a Ré anuncia na sua página oficial ter 11 aviões deste modelo.
23. O primeiro dos quais chegou à sua frota a 17 de Abril de 2018.
24. O último dos quais chegou em 17 de Abril de 2021.
25. São conhecidos 10 A321 NEO (matrículas ...).
26. O primeiro dos quais chegou a 20 de Junho de 2018 à frota da Ré. 27. O último dos quais chegou em Outubro de 2020.
28. São conhecidos 18 A330 NEO (matrículas CS-TUA a CS-TUS), sendo que a Ré anuncia na sua página oficial ter 19 aviões deste modelo.
29. O primeiro que chegou à frota da Ré em 19 de Junho de 2019, mas apenas ingressou definitivamente na mesma a 12 de Abril de 2019, uma vez que havia sido cedida pela Ré à construtora Airbus para efeitos promocionais.
30. Adquiriu a Ré, desde a entrada do capital privado, e em particular desde o ano de 2018, ano da contratação dos Autores, 31 aviões operados pelos Autores (família A320 – A320 NEO, A321 NEO e A321LR).
31. Tudo sem prejuízo dos aviões anteriores que já possuía na sua frota.
32. A Ré precisava de novos tripulantes para operar todos esses novos aviões.
33. A ré previa um acréscimo efetivo da sua frota de pouco mais de 80 aviões até atingir o número de 150 aeronaves.
34. Os tripulantes contratados a termo recebem menos quanto a salário base nas Categorias de CAB início e CAB 0, bem como, o valor da ajuda de custo complementar (valor pago por cada dia de serviço) que auferem, é cerca de metade daquele que um tripulante a contrato sem termo aufere.
35. O CEO da Ré à data, SS enviou uma carta com data de 14 de Junho de 2018, ao Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, cujo conteúdo ora se dá por reproduzido – doc. 18 junto com a petição inicial.
36. O CEO à data, SS, deu a 08/09/2018, próximo da contratação dos Autores, entrevista ao Jornal Expresso, com o cabeçalho “Vamos duplicar o tamanho da TAP”, cujo conteúdo ora se dá reproduzido.
37. E volta a admitir em mais outra entrevista de Dezembro de 2018, a qual pode ser lida em ://www.dn.pt/edicao-do-dia/14-dez-2018/tap-contrata-mil-tripulantes-traz-37-avioes-novos-e-liga-o-whatsapp-de-graca-10319346.html.
38. Num artigo de 13 de Setembro de 2018 do site “Dinheiro Vivo”, consultável em https://www.dinheirovivo.pt/empresas/presidente-executivo-da-tap-sera-ouvido-esta-quinta-feira-no parlamento-12798486.html e, o qual se junta como Doc. 21, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, cita-se SS, o qual terá dito no mês de Julho de 2019: “Na lista de problemas que provocaram cancelamentos pontuais estão as "obras no Aeroporto Sá Carneiro, constrangimentos no Aeroporto de Lisboa e no controlo de tráfego aéreo, também em Lisboa, greve de tráfego aéreo em Marselha, bem como falta de tripulação", segundo a companhia. Aliás, esta questão tem sido a origem de muitos problemas na operação da TAP. O próprio Governo deu conta de "dores de crescimento" na companhia aérea. (…)
39. O governante referiu que a "TAP está a sofrer dores de crescimento", porque "cresceu brutalmente". Para acabar com "ineficiências operacionais", a companhia está e vai continuar a contratar e já "alterou o seu processo de instrução da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), para permitir que os pilotos cheguem à categoria de comandante de avião "mais cedo". (…)
40. A Ré provocou uma necessidade permanente de mais tripulantes (e outros trabalhadores, obviamente), ao agressivamente expandir a sua operação em termos de frota e mercado.
41. A contratação a termo em sede da Ré, vinha a ocorrer desde 2016/2017 e durou até 2020.
42. A autora ocupou, ao longo do seu serviço, a categoria de CAB início e CAB 0 por se encontrarem ao serviço com vínculo estabelecido por putativo contrato de trabalho a termo.
43. Para além do salário base, cada tripulante recebe, por cada dia em que se encontra ao serviço efetivo a Ré (vulgue-se, seja a trabalhar normalmente no avião, seja em estadia durante operação que obrigue a descanso fora da residência ou em serviço de assistência, que se encontra à disponibilidade da empresa que pode contactar o tripulante para operar um voo por exemplo, para colmatar uma falta de um colega), aufere uma ajuda de custo complementar, vulgarmente apelidada na empresa da Ré por “per diem”.
44. O tripulante recebe uma ajuda de custo complementar (per diem) por cada dia de trabalho que presta, independentemente do voo que opera e se “volta a casa” ou não.
45. Não tem como fim o ressarcimento de quaisquer despesas de deslocação ou semelhante dos Tripulantes.
46. A ajuda de custo complementar é paga independentemente do facto do tripulante se ausentar da sua base em estadia.
47. O Tripulante só recebe uma ajuda de custo (“tradicional”) se pernoitar num destino que não aquele que é o da sua base (ex: se um tripulante ficar de estadia em Londres, receberá ajuda de custo determinada para esse destino, que corresponde ao valor fixo e pré-determinado, e lhe concede um adiantamento por cada refeição que tenha que fazer nessa cidade).
48. Acumulando, nesses casos, enquanto elementos autónomos, a ajuda de custo complementar com as ajudas de custo que receba por se encontrar em estadia.
49. A Ré faz constar a ajuda de custo complementar (per diem) no recibo vencimento, inclusivamente aplicando descontos de IRS e Segurança Social sobre as mesmas.
50. As ajudas de custo (“tradicionais”) constam de documento separado, e as quais não estão sujeitas a quaisquer descontos.
51. A ajuda de custo complementar é paga todos os meses e a ajuda de custo não o é necessariamente, pois nem todos os meses o tripulante terá estadias.
52. O montante do per diem/ajuda de custo complementar varia consoante o tripulante seja contratado a termo ou contratado sem termo, e cujo valor é de € 32,72 (trinta e dois euros e setenta e dois cêntimos) ilíquidos para os primeiros e, € 73,83 (setenta e três euros e oitenta e três cêntimos) ilíquidos para os segundos.
53. A Autora FF prestou serviço à Ré entre 26 de Março de 2018 e 25 de Março de 2021.
54. Em Março de 2018 (constante a recibo de Abril de 2018) a Autora auferiu o proporcional de €115,9.
55. Entre Abril de 2018 e Dezembro de 2018, enquanto ainda ocupava a categoria de CAB Início, auferiu o vencimento base de € 608,00 (seiscentos e catorze euros) ilíquidos.
56. Entre Janeiro de 2019 e Agosto de 2019, enquanto ainda ocupava a categoria de CAB Início, auferiu o vencimento base de € 614,00 (seiscentos e catorze euros) ilíquidos.
57. A Autora passou à categoria CAB 0 em Setembro de 2020.
58. Mas apenas no final da relação laboral lhe foi pago, a título de retroativos, o valor de salário base a categoria de CAB 0.
59. Assim, entre Setembro de 2019 e Dezembro de 2019 (4 meses), pagos os retroativos, a Autora auferiu o vencimento base de €770,00 (setecentos e setenta euros) ilíquidos.
60. Nos meses de Janeiro 2020 a Fevereiro de 2021 a Autora auferiu o salário base CAB 0 no valor de €770,00.
61. Em Março de 2021 a Autora auferiu o proporcional de €528,23.
62. Durante os 36 meses da relação laboral que prestou o seu serviço à Ré, a Autora auferiu, a título de salário base, o total de €24.888,17 (vinte e quatro mil oitocentos e oitenta e oito euros e dezassete cêntimos) ilíquidos.
63. A Ré liquidou aos Autores as compensações devidas pela caducidade dos seus contratos a termo.
64. A autora recebeu a compensação e não a devolveu à ré.
65. Ainda que a actividade da Ré tenha sido manifestamente afectada pela pandemia provocada pela COVID-19, o início desses efeitos na aviação a partir do final de Março, princípio e Abril de 2020 nos termos em que o foi e com extensão temporal verificada, resulta de uma avaliação a posteriori, desconhecendo a Ré à data da 2.ª renovação contratual em causa, que a sua actividade viria a sofrer uma paralisação tão prolongada e com uma dimensão tão grande como aquela que se verificou.
66. A R. encetou um plano de contingência em função da paralisação total da sua actividade, do qual faziam parte várias medidas a que legalmente podia recorrer, desde o lay off à caducidade dos contratos a termo (aplicável ao PNC como ao pessoal de terra), passando por medidas que dependem do acordo dos trabalhadores, como sejam as licenças sem retribuição.
67. O que aliás ocorreu e se verificou em várias outras companhias aéreas por esse mundo fora.
68. Os pedidos de licença sem vencimento foram inicialmente tratados de forma quase automática, em função das comunicações genéricas que haviam sido realizadas, até face à paralisação total das actividades em que a Ré se veio a encontrar, sem atender ao tipo de contratação e às comunicações da caducidade dos contratos a termo.
69. A Ré atravessava então (2.ª quinzena de Março) o início do período mais conturbado do ponto de vista operacional e administrativo, quanto à indefinição da situação que se vivia, com todos os seus serviços praticamente paralisados.
70. A R. efectivamente e à data da suspensão das actividades e do posterior recomeço com níveis de actividade reduzidos a 10/15% da antes realizada, não encerrou então formalmente nenhuma das suas rotas, antes deixou de voar para qualquer destino, e não sabe ainda hoje (e à data nem se sabia se a actividade ia ser reiniciada), quais as rotas que vai conseguir ou em que se justifica voar, ou até quais as que continua autorizada a voar (recorde-se, por exemplo, que como é público e notório, as ajudas de Estado às companhias aéreas têm como uma das condições libertar slots em vários aeroportos de onde e para onde operam - cfr. o caso já conhecido da Lufthansa e outras – o que significa, pelo menos, redução de frequências, ou seja, de voos) e, bem assim, qual o impacto do seu plano de reestruturação entretanto aprovado com uma significativa perda de slots.
71. A possibilidade de utilizar os A321 LR naquelas rotas não foi imediata, desde logo porque aquela utilização, só aconteceu a partir de meados de 2019 e ainda assim, não para todas as rotas que depois se verificou ser possível voar com aquele equipamento, nem com todos os aviões inicialmente previstos (durante o ano de 2019, e apenas no segundo semestre, só deram entrada 2 aviões daquele modelo).
72. Uma vez que, dependendo das condições da operação e comerciais (quando se tem mais carga e mais passageiros), aquelas rotas podem continuar a ser voadas com os A330.
73. A previsão da entrada de aviões A321 LR ao serviço em 2019 introduziu uma alteração profunda no planeamento e na operação da Ré nos termos em que acontecia até então.
74. Coincidido a entrada dos primeiros A321 LR em 2019 (a partir de Maio e de forma faseada), com a necessidade da renovação contratual dos Autores, na medida em que tal se traduziu no reajustamento da frota em função das rotas e da sua rentabilidade.
75. A Ré foi a primeira companhia aérea a voar com o A321 LR, e só com o decurso da operação foi possível confirmar, ou nalguns casos, alargar o número de rotas onde podiam ser utilizados (p. ex. não começaram logo a operar para Toronto ou Maceió).
76. O número de tripulantes de cabina necessários depende de vários factores, como o tipo de voos (nocturnos ou não), o número de frequências (a exigir maior ou menor período de permanência nos destinos), o equipamento utilizado, etc..
77. A R. dedica-se ao transporte aéreo de passageiros, carga e correio.
78. A dimensão e tipo de actividade a que a R. se dedica não é constante, i.e., o número de voos a realizar e os passageiros transportados em cada momento está dependente de diversos factores, variando, entre outros, consoante a época do ano, os eventos existentes, o tipo de frota utilizada, as rotas que se iniciam ou cessam e, em geral, os planos comerciais de exploração.
79. Depois, atentas as funções exercidas pelos Comissários e Assistentes de Bordo (CABs) (cfr. Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina, Anexo ao AE TAP/SNPVAC de 23.02.2016, Cl.ª 3.ª, 1.3) o número de tripulantes depende desde logo do tipo de equipamentos afectos à operação, às rotas operadas e os voos previstos/realizados e, naturalmente, do número de aviões da frota da Ré.
80. Vigora na R. um regime de composição de tripulação (Anexo ao AE TAP/SNPVAC), variando o número de tripulantes de equipamento para equipamento (avião), sendo que o número de tripulantes também é definido, em termos mínimos, pelo próprio fabricante da aeronave.
81. Para além do que adiante se alegará quanto à abertura de novas rotas e/ou aumentos de frequências para as rotas já operadas, as necessidades de tripulantes variam conforme a rota venha a ser operada por exemplo por A321 ou por A319 (apenas para citar os aviões Narrow Body – um só corredor – em que os Autores realizavam voos).
82. Se a previsão comercial prevê a necessidade de operar com um A321 uma determinada rota, atento o número de passageiros expectável e as características daquela aeronave, a R. necessita de mais tripulantes do que se essa mesma rota for operada por um A319.
83. Atente-se que essas necessidades em função das expectativas têm que estar verificadas ab initio, ou seja, se inicialmente está previsto operar com um equipamento maior (logo com mais tripulantes), tem que se dotar o quadro de PNC (Pessoal Navegante Comercial) de tripulantes suficientes para tal.
84. Os tripulantes de cabina são sujeitos a um plano de formação de várias semanas (dependendo de estarem ou não já qualificados em determinado equipamento) – 6 a 8 semanas, sem contar com todo o processo de recrutamento, que é composto por fases de entrevistas, provas de línguas, de imagem, exames médicos, etc., por vezes, a depender do número de candidatos, a durar 4, 5 ou mesmo 6 meses.
85. Daí que a Ré proceda a uma análise da média de tripulantes necessários face ao tipo de avião que previsivelmente irá ou poderá vir a operar as novas rotas, e às características destas (v.g. se são realizadas com voos nocturnos ou diurnos ou o número de rotações, já que delas depende o número de tripulantes necessários).
86. No período da contratação dos Autores, verificaram-se vários factos que consubstanciaram a necessidade da contratação a termo de vários tripulantes de cabina, e que constam dos contratos, os quais assentaram essencialmente em três aspectos:
- Abertura das novas rotas/linhas ou aumento de frequências;
- Reajustamento da frota TAP (afectação do tipo de avião a cada linha) em função da rentabilidade/estabilidade das linhas;
- Definição do quadro de tripulantes à operação global TAP.
87. O lançamento de novas rotas pela R., como por qualquer companhia aérea comercial, tem por base estudos de mercado, e inicia-se sempre com períodos de experiência, uma vez que as expectativas podem não se concretizar, e muitas vezes não se concretizam, dependendo sempre do grau de adesão dos passageiros e de factores externos que a R. não domina, v.g., acontecimentos políticos, novas companhias a voar para aquele destino, ou até acontecimentos mais ou menos fortuitos que afectam a actividade de forma decisiva em períodos mais ou menos longos (v.g. o 11 de Setembro de 2001 ou acontecimentos climatéricos inesperados) ou de forma drástica e total como a que se verifica com a pandemia actual.
88. Com base no aumento das rotas/linhas, a R. orçamentou um acréscimo de movimentos a partir de 2017/2018, tendo como consequência novas contratações de tripulantes, mas sem qualquer garantia ou até expectativa de continuidade.
89. Durante o período da contratação dos Autores estavam a decorrer os períodos, digamos, experimentais ou de consolidação, decorrentes da abertura das seguintes novas linhas, operadas pela R. a partir de Lisboa e do Porto:
Lisboa/Boston/Lisboa, em Junho de 2016;
Lisboa/Nova Iorque (JFK)/Lisboa, em Julho de 2016;
Lisboa/Vigo/Lisboa, em Julho de 2016;
Lisboa/Guiné Bissau/Lisboa, em Dezembro de 2016;
Lisboa/Estugarda/Lisboa, em Junho de 2017;
Lisboa/Toronto/Lisboa, em Junho de 2017;
Lisboa/Gran Canaria/Lisboa, em Junho de 2017;
Lisboa/Budapeste/Lisboa, em Julho de 2017;
Lisboa/Bucareste/Lisboa, em Julho de 2017;
Lisboa/Colónia/Lisboa, em Julho de 2017;
Lisboa/Abidjan/Lisboa, em Julho de 2017;
Lisboa/Lomé/Acra, em Julho de 2017;
Porto/Ponta Delgada/Porto, em Março de 2018;
Porto/Barcelona/Porto, em Março de 2018;
Porto/Milão/Porto, em Março de 2018.
90. Para além das referidas rotas, operadas pela TAP, abriram outras a partir de Lisboa (por exemplo, Lisboa/Vigo/Lisboa, em Julho de 2016, Lisboa/Alicante/Lisboa, em Junho de 2017, Lisboa/London City, Outubro de 21 2017; Lisboa/Fez/Lisboa em Outubro de 2017, ou Lisboa/Florença/Lisboa, em Junho de 2018), que apesar de operadas pela Portugália, e então também nalguns casos pela Omni, podia em qualquer momento existir, pelo menos para algumas delas, a necessidade ou conveniência, sobretudo, no caso da Portugália, de passarem a ser operadas pela R., por exemplo, por necessidade de afectação de aviões de maior capacidade (também as rotas de Estugarda ou de Colónia).
91. A abertura das referidas rotas, bem como as contingências que daí advém, sobretudo em períodos de consolidação das mesmas, levou a que a R. se visse na necessidade de reforçar o seu PNC (Pessoal Navegante Comercial).
92. Registou-se o encerramento de algumas outras rotas abertas, designadamente, nos dois anos anteriores (Bogotá, Panamá, Campinas, Argel, etc.), bem como, já em 2019, foram encerradas, entre outras, as rotas de Colónia, Bucareste, Estugarda, London City e Basileia, ou seja, rotas que tiveram uma duração, nalguns casos, de menos de um ano.
93. Esta abertura de novas rotas tem repercussões significativas na actividade operacional da R., desde logo, no carácter da necessidade de reforço do quadro de pessoal tripulante.
94. Tudo sem prejuízo de avaliação posterior e adaptação do número de voos, tipo de avião utilizado (com mais ou menos capacidade e, consequentemente, com maior ou menor número de tripulantes) ou até por aviões da Portugália que não podem ser operados por tripulantes TAP, ou mesmo cancelamento das rotas, caso as expectativas comerciais se não concretizem.
95. A contratação de tripulantes em excesso, e a sua possível não afectação concreta e regular a voos, pode ter consequências pecuniárias acrescidas.
96. Para o período de Inverno 2018/2019, face ao período de Inverno 2017/2018, a R. planeou mais 37 frequências semanais, para o período de Verão 2019, face ao Verão de 2018, a R. planeou mais 48 frequências semanais, mas já para o período de Inverno 2019/2020, a empresa tinha planeado menos 32 frequências semanais.
97. Entre recrutar, formar e habilitar tripulantes à obtenção de uma autorização para voar concedida pela autoridade aeronáutica, medeiam no mínimo 6 a 8 semanas (ou vários meses se incluirmos todo o processo de recrutamento – testes psicotécnicos, de línguas, psicológicos, exames médicos, etc.), o que não permite reforçar a operação em tempo útil caso, caso se mostre necessário, nem pode recrutar de imediato, por exemplo, noutras companhias, uma vez que a qualificação só é válida para cada operador aéreo.
98. A abertura de novas rotas acarreta necessariamente acréscimo de necessidades.
99. Devido à diferença entre os equipamentos narrow body onde os Autores iam operar, a composição das tripulações decorrente do regime do AE TAP / SNPVAC (BTE 1.ª Série n.º 8, de 28.02.2016), pode variar entre uma tripulação tipo de 1 Chefe de Cabina e 3 Comissários /Assistentes de Bordo (CABs), no caso do avião A319, até 1 Chefe de Cabina e 5 Comissários / Assistentes de Bordo, no caso do avião A321.
100. A afectação do tipo de avião a cada rota / linha depende essencialmente da viabilidade e do comportamento da procura de passageiros pelas novas rotas, o que tem implicação directa, em virtude da composição das tripulações nos diversos tipos de equipamento, no quadro de tripulantes a contratar.
101. Sendo contingente o lançamento de novas rotas e o tipo de avião nelas a operar (por exemplo, nos destinos de Nova Iorque - JFK e Boston, e outras para o Nordeste Brasileiro, existiu uma forte indefinição sobre o equipamento a utilizar, designadamente entre A330 e o novo A321LR).
102. Podendo mesmo já no decurso da operação mudar o equipamento utilizado - cfr. o voo Lisboa/Nova Iorque e o voo Porto/Nova Iorque – com a entrada dos A321LR (o que só aconteceu a partir de Maio/Junho de 2019, embora apenas com dois aviões ao contrário do previsto), ou nas rotas para o Nordeste Brasileiro (Fortaleza, Natal) e outras, por exemplo, para os EUA, como se alegou – que corresponde em parte ao período de contratação dos Autores.
103. Acresce a circunstância de, em função da rota e do número de frequências de voo, haver necessidades diferentes da utilização do número de tripulantes envolvidos na operação.
104. Quer as necessidades de aumento decorrente das novas linhas de médio curso, quer do mesmo aumento nas novas linhas de longo curso, são satisfeitas pela admissão de novos Comissários e Assistentes de Bordo os quais preenchem as vagas resultantes do aumento de actividade no médio curso (operado com equipamentos A319, A320 e A321), bem como as vagas deixadas pelos Comissários e Assistentes de Bordo do quadro de NW que, durante esse mesmo período, passam a desempenhar funções no longo curso para fazer face às necessidades temporárias decorrentes das novas rotas operadas por estes equipamentos (hoje só A330), e em regra.
105. Assim, os novos Comissários e Assistentes de Bordo contratados a termo, reforçam directamente as novas rotas de médio curso, e indirectamente as novas rotas de longo curso abertas pela R. entre 2016 e 2018 supra referidas, e que estavam em período de consolidação ou não.
106. Neste particular, não pode deixar de se referir que os Autores viram os seus contratos cessar por denúncia em Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2021, atendendo às respectivas datas das renovações em curso, quando todo o plano de expansão e consolidação das novas rotas estava definitivamente comprometido por força da situação pandémica vivida desde Março de 2020.
107. À data da contratação dos Autores, a Ré não tinha ainda na sua frota todos os A321 LR que havia contratado, tal como também os Autores reconhecem, sendo que a chegada de um avião não significa que entre imediatamente ao serviço, uma vez que, para além do mais (adaptação aos requisitos próprios da Companhia), ainda tem que ser certificado pela ANAC.
108. Através de comunicado de apresentação dos resultados enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de 22 de Abril de 2021, pela Ré e actualizado àquela data, pode ler-se que e referente ao 4.º Trimestre e Ano de 2020 que: “A frota da TAP sofreu um ajustamento significativo ao longo de 2020, tendo em conta a nova realidade do setor e da Empresa. A TAP terminou o ano de 2020 com uma frota operacional de 96 aviões, um decréscimo líquido de 9 aviões quando comparado com o final do ano de 2019, no qual a Empresa apresentava uma frota operacional de 105 aviões. No decurso de 2020, entraram em operação 7 aviões de nova geração Airbus (2 A330neo, 2 A321neo LR, 2 A321neo e 1 A320neo) e saíram de operação 16 aviões (10 A319, 3 A320, 1 A321 e 2 A332). As adições à frota operacional encontram-se por isso alinhadas com a aposta da empresa em aviões de menor dimensão, com custos por viagem menores, e que permitem à TAP adaptar a sua operação de acordo com o ritmo da recuperação da procura. Acrescenta-se ainda que no semestre do ano, dois A332 foram convertidos em aviões de carga dado o aumento de procura neste segmento.”
109. Tudo com a ressalva que a frota em operação comercial a 31 de Dezembro de 2020 difere da frota total em menos 10 aviões, por não contemplar aeronaves em processo de phase-out a concluir em 2021 – 2 A330, 6 A319 e 2 A320, e que os números da frota acima referidos incorporam as frotas da White e Portugália, em regime de wet-lease.
110. Atente-se que os tripulantes de Cabine da Ré e, portanto, os Autores, não podem realizar voos em equipamento Portugália e White, por não estarem qualificados para tal, e não serem trabalhadores daquelas companhias.
111. Com o mesmo número de aviões se as novas rotas são operadas maioritariamente ou não, em voos nocturnos, a Ré precisa de mais tripulantes do que se esses mesmos voos e com esses mesmos aviões, forem diurnos.
112. De igual modo, nos voos de longo curso, quanto menor for o número de frequências semanais, maior o período de permanência (estadia nos destinos) e, por isso, menor possibilidade de utilização global dos tripulantes e, consequentemente, acrescida necessidade de tripulantes.
113. A R. tem em cada momento que se preparar para o número de voos previstos, e ajustar o que se vier a revelar necessário em função da concretização da operação.
114. O lançamento de novas rotas não pressupõe que as necessidades quantitativas da entidade empregadora sejam sempre as mesmas ou que tenham uma repercussão directa e permanente nessa quantidade.
115. Os tripulantes do Quadro de NW estão num quadro próprio (que não o NB ou o WB).
116. Os tripulantes admitidos necessariamente no quadro de Narrow Body, vão preencher as vagas deixadas por tripulantes deste Quadro que tenham progredido para o NW, uma vez que estes, se não forem necessários para realizar voos no longo curso, podem fazer apenas e só voos de médio curso.
117. A regressão de tripulantes, designadamente as previstas nas Clªs. 35ª e 36ª do RUPT, é excepcional e encontra-se bem definida como sendo do quadro de WB para NW, e deste para NB.
118. A Ré procurou expandir a sua operação e a actividade desenvolvida, com especial incidência no período de 2016 a 2018.
119. O aumento da actividade que decorre das novas rotas, traduz-se num planeamento efectuado de forma global, atendendo ao quadro de tripulantes de cabina da Ré.
120. Com o mesmo número de aviões a Ré pode necessitar de mais ou menos número de tripulantes (dependendo do tipo de operação), e a substituição de rotas encerradas por novas rotas não é automática nas necessidades de utilização do mesmo número de tripulantes.
121. Por outro lado, com o mesmo número de tripulantes, a Ré pode realizar mais ou menos voos, conforme a operação existente em cada momento.
122. Acresce que, por exemplo, se o tripulante está em situação de assistência ou outra similar que vise colmatar faltas imprevistas ou irregularidades operacionais, terá que realizar o voo onde a necessidade de tripulantes se verifica (dentro do seu Quadro), o que não poderia acontecer se só pudesse voar em determinadas rotas (tendo ainda como consequência que o voo onde era necessário substituir o tripulante ter que ser cancelado, não realizando os Autores qualquer serviço de voo).
123. Por outro lado, a limitação de voar apenas em determinadas rotas, poderia ter como consequência que um determinado voo fosse realizado só com tripulantes, no limite, a realizarem o seu primeiro voo, o que nem se quer é permitido pela regulamentação aplicável, desde logo por razões de segurança.
124. Outrossim tal violaria a regra da equidade do planeamento prevista na Cl.ª 11.ª do RUPT, que visa distribuir todos os voos pelos vários tripulantes (até porque os voos têm características, também de penosidade – vg. os voos nocturnos - muito diferentes uns dos outros.
125. De igual modo, não é possível especificar os equipamentos cujo reajustamento está em causa, com a consequente implicação no número de tripulantes necessário, ou seja, no momento da contratação sabe-se que a abertura de novas rotas vai obrigar a um reajustamento da frota, que tal terá consequências na quantidade de tripulantes necessários, mas não se sabe, por exemplo, se a rota vai ser operada com um A330 ou por um A321 (designadamente o A321LR), sendo esse ajustamento feito à medida da concretização da operação.
126. Sendo certo que tal assumiu ainda mais condicionantes a partir do momento em que foi possível realizar alguns voos de longo curso (Nordeste Brasileiro e Costa Atlântica dos EUA) com aviões A321 LR.
127. Aviões esses de Narrow Body e operados por Tripulantes do Quadro NB.
128. É de conhecimento público que a Ré investiu no crescimento da frota e em novas linhas/rotas a operar.
129. Aeronaves que vieram a ser entregues à Ré ao longo de vários anos.
130. A Ré como qualquer companhia aérea não pode deixar de saber quantos tripulantes necessita em funções da operação que vai realizar, do tipo de aviões que vai utilizar (de maior ou menor dimensão), da sua frota a operar pelos seus tripulantes ou em aviões da Portugália ou da White (Companhias ACMI), do tipo de voos (por exemplo, se nocturnos, a exigir mais tripulantes, ou diurnos), da natureza da rota (já consolidada ou nova).
131. A evolução salarial nas várias posições de CAB não é automática.
132. Sendo certo que tal também ocorre quando da passagem ao quadro NW (progressão técnica), uma vez que deste não podem fazer parte contratados a termo (cfr. RCPTC anexo ao AE), e a experiência e desempenho dos tripulantes é comprovada num curso de conversão, com um voo final de verificação.
133. A Ajuda de Custo Complementar PNC está em vigor desde 1997 e destina-se a cobrir a antecedente Ajuda de Custo PNC (que vigorou entre 1994 a 1997), bem como a antiga Ajuda de Custo PN/Aterragem (vigente entre 1991 e 1997), parte do subsídio “On Groud” (reembolso de despesas com refeições tomadas na Base/Aeroporto de Lisboa) e o antigo Subsídio de Transporte (que vigorou entre 1987 e 1997 – cfr. alteração ao AE TAP/SNPVAC de 1994, publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 40, de 29.10.1997.
134. O montante da Ajuda de Custo Complementar/PNC resultou da absorção das quatro descritas ajudas de custo parcelares, todas elas extintas na mesma altura (BTE nº 40, 29.10.1997) e que haviam sido anteriormente estabelecidas com as finalidades seguintes:
a) Subsídio de Transportes de Pessoal, vigorou entre 1987 e 1997, e destinava-se a cobrir as despesas do tripulante com a sua deslocação de casa para o Aeroporto e do Aeroporto para casa;
b) Ajuda de Custo PNC, vigorou entre 1994 e 1997, e tinha por fim reembolsar o tripulante dos gastos acrescidos inerentes à sua estada em local fora da base, situação que, como se disse, potenciava a realização de despesas extras, a que habitualmente o tripulante não está sujeito enquanto se encontra na base (Lisboa), como é o caso, v.g., de telefonemas para a família, deslocações locais e ocupação de tempos livres etc.
c) Ajuda de Custo PN (Aterragens), vigorou entre 1991 e 1997, e era um abono para reembolso de despesas adicionais durante o percurso com o consumo de alimentos em complemento das refeições embarcadas em espécie; o respectivo montante era computado pelo sistema de pontuações variáveis consoante o local onde, por razões operacionais, houvesse aterragens, servindo a pontuação acumulada em cada mês de critério para o cômputo do montante a reembolsar na Nota de Vencimento do mês seguinte.
d) Parte do subsídio “On Ground” reembolso de despesas com refeições tomadas na base (Lisboa).
135. As Ajudas de Custo são de valor diferenciado em função da categoria / posição.
136. A Ajuda de Custo Complementar, é uma penalização para a empresa, por cada dia em que o tripulante, estando disponível, não foi ocupado.
137. Assim sendo, ela tem natureza sancionatória, e é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, funcionando como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo – n.º 1 da Cl.ª 5.ª do RRRGS.
138. O motivo pelo qual esta prestação é internamente conhecida como “multa”, reside no facto de funcionar como uma espécie de penalização devida pela empresa a favor do tripulante que, estando disponível para o serviço de voo, não foi escalado em condições de igualdade com os seus colegas e, para além do mais, pode até ter a sua proficiência afectada se não voar um determinado número de voos (Cl.ª 17.ª do AE – proficiência).
***
Factos não provados:
1. Faça-se nota da manifesta má fé da Ré em todo o período que se iniciou com o surto de COVID-19, em que solicitou aos seus trabalhadores que aderissem a licenças sem vencimento por longos períodos (até 6 meses), como forma de assegurar a sua viabilidade financeira no futuro.
2. Alguns dos seus trabalhadores, pelo espírito de equipa da Ré e pelo que esta representa para o nosso país, sendo esta a companhia de bandeira de Portugal, estavam dispostos a enfrentar o tremendo sacrifício que seria para si estarem até 6 meses de licença sem vencimento, para assegurar a continuidade da Ré.
3. Ainda assim, após a Ré ter proposto as licenças sem vencimento e já tendo atribuído as mesmas a trabalhadores, a Ré procedeu de seguida à cessação dos contratos de quem havia acabado de se predispor a tamanho sacrifício por si.
4. Concorre com tudo isto o facto de o Governo Português ter implementado uma série de medidas excecionais a assegurar a viabilidade financeira das empresas portuguesas durante o momento que vivemos, através de mecanismos como o “lay-off simplificado”, medidas nas quais poderiam as Autoras ter sido englobadas, evitando-se o enorme prejuízo, tanto pessoal, como para os meios do Estado Português, que advém da sua situação de desemprego.
5. Foram os autores dispensados do serviço da Ré, para que esta pudesse premiar e manter o elevado nível salarial daqueles que já auferem normalmente os salários mais elevados.
6. Tanto quanto é do conhecimento público, a Ré não encerrou nenhuma dessas rotas.
7. Pelo contrário, a 7 de Abril de 2020, já bem após o início do surto de COVID-19 e todo o factualismo descrito, foi noticiado que a Ré vai expandir ainda mais a sua operação.
8. E, as aeronaves a sair, e que ainda hoje estão a sair da sua frota (o chamado “phase out”), são aeronaves em fim de vida, cuja saída já se encontrava programada há vários anos.
9. Como se dizia, a Ré veio contratando centenas de tripulantes de cabine sob contratos a termo.
10. E ainda, pilotos, técnicos de manutenção e outros trabalhadores necessários ao suporte e crescimento da operação desenvolvida pela Ré.
11. E, cujos representantes traçaram plano de crescimento, renovação e modernização de frota e operação.
12. Na realidade, em 2017 e 2018, a Ré viu-se deparada com um grande número de cancelamento de voos,
13. Devido ao elevado absentismo verificado entre os seus tripulantes,
14. E à insuficiência do seu quadro permanente de tripulantes,
15. O que gerou a necessidade de contratar mais tripulantes.
16. Bem como de um agressivo plano de expansão da companhia.
17. O qual foi uma decisão de gestão, e não um acréscimo temporário e extraordinário provocado pelo mercado.
18. Plano de expansão esse que faria parte de uma estratégia de inflacionamento artificial da Ré para sua posterior venda por parte dos acionistas privados que deram causa a tal aumento da companhia.
19. E que agravaram a insuficiência de tripulantes nos seus quadros.
20. Que já vinha de 2017, conforme comunicado do CEO à data, TT.
21. Ao mesmo tempo, as únicas três rotas abertas no Grupo TAP,
22. E não na TAP, S.A., aqui demandada
23. No ano de 2018 foram LIS-LCY (Lisboa- London City); LIS-FLR (Lisboa-Florença) e LIS-PDL (Lisboa- Ponta Delgada),
Dessas três, as duas primeiras apenas podiam ser operadas pelos aviões da Portugália, Embraer E90, por restrições das pistas de aterragem desses aeroportos, restrições essas que impedem que as aeronaves da Ré (do fabricante Airbus e de maior porte), aterrem nesses aeroportos.
Bem como os Tripulantes da TAP, S.A., nos quais se incluem os Autores, não estão legalmente habilitados a operar as aeronaves da Portugália.
24. Sendo a Portugália pessoa coletiva distinta da Ré TAP, S.A. .
Como se vê, a abertura de novas rotas em 2018 no âmbito de atividade da Ré, resume-se a uma rota.
25. Ressalvando-se, ainda, que, a rota Lisboa-Ponta Delgada já era operada pela Portugália e, anteriormente, era operada pela própria Ré, pelo que na verdade de novidade na operação da Ré nada teve.
26. Tendo sempre a Ré contratado a termo todos os tripulantes que integravam a sua atividade.
27. E, que, fazia tal por ser o que o SNPVAC considerava como mais adequado.
28. No fundo, a Ré montou um “esquema” para poupar na contratação de tripulantes.
29. E, como tal, para preencher esse quadro de entrada Narrow Body, não necessita a Ré de contratar novos tripulantes, apenas necessita reajustar os restantes quadros.
30. Isto sem prejuízo do facto de que o quadro Narrow Wide servir exatamente para preencher deficiências em qualquer dos quadros que se encontram nos extremos (o Narrow Body e o Wide Body), funcionando como um quadro Pivot, que permite aos tripulantes que o integram operar tanto aeronaves do tipo Narrow Body (um só corredor, as mais “pequenas”, família Airbus A320 na frota da Ré), como do tipo Wide Body (dois corredores, as “maiores”, Airbus A330 na frota da Ré.
31. A 3 de Maio de 2021 veio a fazer operar este regime previsto em Acordo de Empresa que se supra mencionou, fazendo regredir os tripulantes dos quadros Narrow Wide e Wide Body ao quadro Narrow Body.
32. A Ré ao longo dos anos sempre passou os tripulantes à categoria de CAB 1, quando efetivou tripulantes antes de decorrido o tempo máximo possível para recorrer à de contratação a termo,
33. Conforme o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) deu conta recentemente no seu comunicado 18/2020 de 16 de Janeiro de 2020, o qual aqui se junta como Documento 25, o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,
34. E nos bastamos aqui em transcrever o seguinte: “Lembramos à TAP que essa posição (efetividade sem categoria CAB 1) ofende ainda o espírito da negociação do AE 2006, que remonta aos anteriores protocolos que sobre esta matéria foram outorgados, desde 1991, entre as partes.
35. Com efeito:
a) O procedimento que agora a TAP pretende ultrapassar foi respeitado escrupulosamente desde um primeiro Protocolo celebrado em 1991, e vertido posteriormente em todos os AE´s, incluindo o de 2006.
b) Em 2007 e 2008, por necessidade de progressão de CAB contratados a termo para o quadro NW e WB, a TAP procedeu à efectivação de um grande número de Tripulantes de Cabine, sendo todos integrados no quadro permanente (incluindo recusas de progressão técnica) e posicionados no escalão de CAB 1;
c) Em 2011, com assinatura do Regime Transitório ficou consagrada, no seu número 9, a efectivação de todos os Tripulantes “eventuais” à data, tendo também aqui a TAP integrado os Tripulantes abrangidos no escalão de CAB1;
d) E também foi sempre essa a prática da empresa, nas situações de mudança interna (concurso interno) de trabalhadores do quadro permanente com outras funções na Empresa, para a função de Tripulante de Cabine e nos casos em que se verificou a reintegração de Tripulantes que, por força de decisão judicial, a TAP teve que inserir no quadro de trabalhadores permanentes.”
36. Sendo claro que é pratica corrente da Ré integrar na categoria de CAB 1 todos os tripulantes que transitassem para contrato sem termo, antes de atingido o limite máximo legalmente permitido para a contratação a termo.
37. E que teve esta sempre a mesma interpretação do clausulado mencionado, relativo a esta matéria, pelo qual os Autores pugnam.
38. A ajuda de custo complementar (per diem) tudo aponta, substitui, no normal funcionamento da Ré, o pagamento à hora a que se procede em várias outras companhias de aviação.
39. Não tem, o pagamento da Ajuda de Custo Complementar, qualquer relação com o facto de o tripulante se ausentar da base.
40. Não tem o falso fim, se não fantasioso mesmo, que a Ré vem a pugnar nos sucessivos julgamentos, de cobrir despesas de chamadas telefónicas em ausência da base.
41. E esclareça-se que os momentos em terra entre voos, durante a jornada de trabalho, são momentos com trabalho efetivo do tripulante (organização dos trolleys para o serviço comercial, verificação de segurança, desembarque, embarque, verificação da limpeza, etc…), não podendo o tripulante aí utilizar o seu telemóvel.
42. Para despesas nas ausências da base, os tripulantes auferem ajudas de custo /tradicionais, as quais recebem apenas em caso de estadia.
43. A escolha do nome “ajuda de custo complementar” a AE apenas existe para fomentar e propagar confusão a terceiros.
44. Aqui fica plasmando o facto que a Ré premeia os contratados sem termo face aos contratados a termo,
45. O que suporta a passagem a CAB 1 quando o tripulante passa a “efetivo” antes do decurso de 18 meses de CAB 0, se o seu vínculo laboral se altera antecipadamente.
46. Em Março de 2018 (constante a recibo de Abril de 2018) a Autora deveria ter recebido o proporcional de €193,20 por aí ocupar na realidade a categoria de CAB 1.
47. Como foi dito, os Autores têm um grande sentido de pertença à companhia aérea por tudo que para estes representa,
48. bem como o espírito de “vestir a camisola” e de que os tripulantes TAP são a cara do país, é fortemente incutido pela R. .
49. Sentimento de pertença esse que não muda pelas decisões ora tomadas por aqueles que comandam (comandavam?) a Ré no momento da tomada desta decisão.
50. Sendo que os Autores são capazes de distinguir a Ré enquanto Instituição, daqueles que a administram ou agem em sua representação.
51. Pois como o passado recente demonstrou, os últimos eventualmente perecem e são transitórios (vícios normais da gestão empresarial), enquanto a primeira permanece.
52. Esse sentimento viu-se quebrado por um comportamento que consideram desajustado por parte da Ré.
53. De igual forma, a Ré “vende” aos seus tripulantes recém-contratados a ideia de um emprego para a vida, ideia que dissemina entre estes de forma clara e certa, criando neles, e em particular nos aqui Autores, expectativa correspondente.
54. A não renovação dos seus contratos a termo, nos presentes termos, foi uma quebra abrupta, em especial tendo em conta as promessas da Ré de emprego para a vida supramencionadas.
55. Pelo que o fim dos seus contratos foi recebido com grande angústia da sua parte.
56. Tendo causado em todos grande stress emocional, o que se refletiu nas suas relações pessoais e de dia-a-dia.
57. Bem como os subsequentes factos que vieram a público pela mão da própria Ré, como a questão do pagamento acima referido, o englobamento em lay-off de todos os restantes trabalhadores, alguns com menos antiguidade do que os Autores, criaram um grande sentimento de frustração e injustiça.
58. Sendo as consequências para os Autores no futuro, a título destes danos, ainda indetermináveis.
59. Também parece evidente que a R. tinha que publicitar o seu plano comercial, já que se o não fizesse com a antecedência máxima possível seguramente não teria passageiros, sendo certo que, como os Autores bem sabem, o facto de determinada nova rota ser anunciada não significa se quer que a mesma venha a ser voada.
60. Sendo que a suspensão dos voos que teve início com o surto COVID-19, não justifica comercialmente que se retire do site oficial da Ré as novas rotas, procurando-se fidelizar e manter activos os passageiros da potencial oferta de voos, assim fomentando a retoma da actividade.
61. Nessa medida, o quadro de pessoal tripulante de cabine permanente da R. estava dimensionado em função das necessidades de exploração no quadro dos voos, normais e previsíveis, porque se mantém com estabilidade em cada época do ano e, em regra, ao longo dos anos.
62. Esse quadro da R. é suficiente para as necessidades decorrentes do seu plano de exploração regular ao longo dos anos, e não às variações em determinadas épocas do ano ou quando decorrem de alterações introduzidas a esse plano com o lançamento experimental de novas rotas e afectação do tipo de aeronaves a cada linha/rota, o que se tem acentuado nos últimos anos.
63. Porém, o plano de exploração (v.g. em termos de número de passageiros) pode não se concretizar, e obrigar, por exemplo, a passar a operar com um equipamento com menos capacidade e, consequentemente, com menos tripulantes, sobretudo quando estão em causa novas rotas, com o grau de incerteza que tal acarreta ou reforçar esse quadro se passar a operar com aviões de maior dimensão, ainda que sempre com carácter temporário relativamente a essas necessidades.
64. Não podendo nunca contratar tendo em conta apenas o número mínimo de tripulantes, ficcionando, por exemplo, que determinada rota seria sempre realizada por um A319.
65. Uma vez colocado no mercado um quadro significativo de oferta (o que só faz quando acredita que as expectativas comerciais se vão concretizar), a R. não pode depois, por escassez de meios ou recursos, comprometer essa expectativa, ainda que não saiba se se vai ou não concretizar o plano de exploração.
66. A abertura de novas rotas acarreta necessariamente acréscimo de necessidades, não é menos certo que esse aumento não deixa de ter carácter temporário e transitório, o que resulta, desde logo, da análise dos elementos históricos que a R. tem sobre aquela abertura.
67. Daí também decorrendo o carácter temporário e transitório das necessidades da R. traduzido nos factos invocados na fundamentação dos contratos celebrados com os Autores.
68. Note-se que a contratação de tripulantes (e toda a operação em si) tem que ser feita tendo em conta a previsão normal dos voos, e não previsões mínimas, uma vez que a R. não tem, em tempo útil, qualquer possibilidade de corrigir a operação em alta.
69. Na verdade, a R. sabe por experiências anteriores e por análises de mercado, que no universo de rotas em cada momento iniciadas, umas perduram, mas outras não, sendo estas em número bastante significativo, pelo que tem que contar com essa experiência de modo a concluir pela imprevisibilidade da operação e o seu carácter temporário e transitório que, manifestamente, aconselha a R. a tomar medidas de cautela adequadas e de racionalidade económica, desde logo ao nível da contratação dos seus tripulantes de cabina.
70. O referido quanto à definição do tipo de equipamento, com consequência directa na definição do quadro de tripulantes a afectar a cada equipamento e nova linha, traduz também a realidade referida nos contratos sobre a necessidade de definição do quadro de tripulantes face à operação global da R.
71. É nesta movimentação que se traduz a referida definição do quadro de tripulantes à operação global da TAP decorrente do aumento temporário da actividade da empresa provocado pela abertura das novas rotas.
72. A necessidade da contratação dos Autores é temporária já que, para além das rotas de médio curso, se as novas rotas de longo curso (ou o aumento da frequência das existentes) foram encerradas ou diminuídas, os tripulantes afectos ao quadro de NW regressam totalmente ao quadro de NB.
73. O que se verificou, para além do mais na situação actual com a cessação ou diminuição de frequências de longo curso, designadamente, para a América do Norte e Brasil, e com a celebração dos Acordos Temporários de Emergência.
74. Tudo a justificar a contratação dos Autores, nos períodos em causa, juntamente com outros tripulantes.
75. Em particular, no que respeita aos fundamentos para a contratação a termo invocados nos contratos, mantiveram-se aquando das renovações dos mesmos, conforme também decorre do supra descrito.
76. Na verdade, entre Fevereiro e Março de 2019, ainda não era possível à R. apurar da viabilidade da continuação da operação em todas ou algumas das novas rotas, e das demais consequências dos factos que estiveram na base da fundamentação da contratação dos Autores.
77. À data, embora a R. continuasse a sentir a necessidade de manter o reforço do número de CABs para fazer face ao maior número de rotas exploradas, desconhecia ainda a mesma o «sucesso» de tal investimento, i.e., se o número de voos e de passageiros se concretizava, se mantinha o tipo de equipamento previsto ou mesmo a exploração da própria rota, ou seja, se se justificava a manutenção de todos ou apenas de alguns dos tripulantes contratados a termo (cfr. por exemplo, que tinha diminuído o número total de frequências para o Inverno 2019).
78. De facto, não podendo a R. garantir que as novas rotas ou o número de frequências se iriam manter, bem como o alcance das alterações na operação introduzidas pela entrada do A321LR (ao permitir pela primeira vez que um avião NB pudesse realizar alguns voos transatlânticos), não podia a mesma assegurar a tempo indeterminado os postos de trabalho de todos os trabalhadores contratados a termo, incluindo os Autores.
79. A boa gestão dos recursos humanos da R., e a impossibilidade de manter ao seu serviço tripulantes que poderiam vir a revelar-se excedentários como aconteceu, impedia e justificava de facto e de direito, a contratação dos Autores por tempo indeterminado.
80. Por outro lado, é de extrema relevância sublinhar o facto de a viabilidade da abertura de novas rotas não se apurar num período de alguns meses, sendo necessário um período alargado, normalmente mais de 2 anos, passar pelos períodos de maior e menor actividade e, então sim, concluir pela reduzida ou elevada procura e, consequentemente, pela manutenção ou supressão dessa rota, decorrente da viabilidade económica da sua exploração, através do controlo das chamadas margens de rentabilidade definidas e utilizadas por todas as companhias aéreas.
81. Como se referiu, a abertura de novas rotas trouxe repercussões muito significativas na actividade da R., mas sem garantia de estabilidade ou continuidade, como se demonstrou.
82. A decisão de contratar os Autores está relacionada com o cenário temporário e impossível de conhecer na sua concretização temporal no momento da contratação
83. Faz-se notar que os planos de exploração mudam e os recursos são alocados onde fazem falta e essa mutabilidade não permite concluir que haja de forma constante uma necessidade de tripulantes, pois essa necessidade varia em função das rotas em vigor e da sua frequência, o que pode ser alterado a qualquer momento, não podendo esquecer que a Ré não é livre de definir a composição/definição dos quadros de tripulantes.
84. Atento o referido regime verifica-se que esta transição é necessariamente temporária e, ainda que admitida, tem carácter absolutamente excepcional, podendo a Ré dela fazer uso apenas nas situações previstas para o efeito.
85. O facto de ser intenção da gestão da Ré à data, encetar um plano de crescimento, não significa que as necessidades de tripulantes para satisfazer esse crescimento, sejam permanentes, antes pelo contrário.
86. Necessidades essas que, como se demonstrou eram efectivamente temporárias, o que foi aliás comprovado pelo número dessas rotas que acabaram por encerrar, já no decurso de 2019.
87. Acresce que os motivos invocados levaram à necessidade de contratação de mais tripulantes, não estando afastado o carácter temporário da contratação pelo número de tripulantes contratados, sendo certo que nem sequer está alegado o período considerado, as razões específicas da contratação ou até o tipo de contratação, sendo que o “número TAP” é atribuído sequencialmente a todo e qualquer trabalhador, não existindo um número só para tripulantes de cabina, e é sempre o mesmo ainda que o trabalhador, por exemplo, cesse o seu contrato e volte a celebrar outro anos mais tarde, sendo até atribuído a prestadores de serviço (por exemplo, para permitir o acesso ao chamando “Reduto TAP”, no Aeroporto de Lisboa).
88. Os Autores sempre souberam a razão da sua contratação e que não se reconduz em exclusivo à abertura de rotas à data da sua contratação (2018 e 2019), mas sim e também das rotas/linhas que, entretanto, a Ré começou a operar, designadamente em 2017, ainda em período de experimentação e/ou consolidação, como acima melhor já se concretizou.
89. Decorre também do exposto que não é possível, atenta a especificidade da actividade demonstrada, concretizar mais detalhadamente a motivação da contratação a termo dos Autores.
90. Uma vez que não é possível concretizar de forma antecipada, as exactas rotas/linhas abertas ou o concreto reajustamento da frota (os aviões que vão realizar os voos), ou o quadro de tripulantes, nem a lei exige que os tripulantes contratados a termo só realizassem aquelas rotas, nem podendo tal acontecer.
91. Não é possível concretizar nos contratos a rota A ou B, porque naquele momento podem estar previstas aquelas e, meses depois, serem abertas outras (porventura, se tal enunciação fosse feita, mais tarde os Autores viriam argumentar que foram contratados tendo como fundamento as rotas A e B e não a rota C, entretanto aberta e não prevista inicialmente). Por outro lado, também não é possível concretizar o tipo de reajustamento concreto a realizar, uma vez que tal só é possível de determinar no decurso da operação em si, e em função das necessidades operacionais e comerciais.
92. Existindo necessidades temporárias em circunstâncias várias (não só as que constam da justificação ora em causa), justifica-se a contratação a termo e, caso essas necessidades se tornem permanentes (p. ex., quando se definiu a composição tipo do A330), ou quando se consolidam rotas e elas passam a ser “históricas”, os tripulantes passam a satisfazer necessidades permanentes na quantidade de recursos/tripulantes bastante para essa operação estável (dentro do que é estável na aviação).
93. A Ajuda de Custo Complementar destina-se a compensar os tripulantes pelas despesas diversas decorrentes das deslocações em serviço de voo, para além das derivadas da alimentação, estando, por isso, completamente dependente da realização daqueles serviços.
94. É do conhecimento geral dos tripulantes a razão de ser do referido abono, e que o mesmo mais não é do que o pagamento das despesas inerentes e emergentes das deslocações dos tripulantes induzidas pelo serviço de voo.
95. As referidas Ajudas de Custo Complementar, como outras, são estimadas, e fixadas segundo critérios objectivos, em níveis que permitam assegurar a cobertura do valor das despesas a que cada deslocação do tripulante dá lugar.
96. Por isso essas Ajudas de Custo estão relacionadas sempre e necessariamente com gastos induzidos pelo serviço de voo, pelo que não há pagamento das mesmas se não há serviço de voo (estando ou não fora da base).
97. E não se diga que a tripulação tem as suas despesas cobertas pela ajuda de custo operacional, uma vez que esta só cobre alimentação não paga pela Ré.
98. E é evidente que os tripulantes têm despesas de transporte para e do aeroporto, podem ter que tomar refeições ainda no aeroporto (p. ex. se o voo se atrasar), e também podem telefonar (no aeroporto ou na manga do avião numa rotação que não implique estadia.
99. Esta prestação destina-se a estimular a empresa no sentido da organização de escalas de serviço equitativas, de modo a tratar todos os trabalhadores em condições de igualdade e, em consequência, aproximar o mais possível as condições de trabalho e até de progressão de todos os tripulantes.
100. O interesse protegido do tripulante é, pois, o não ser sujeito a discriminação/não tratamento em condições de igualdade, não correspondendo as quantias auferidas a esse título contraprestação do trabalho prestado, uma vez que se voar 15 dias no mínimo, não terá direito a esta prestação retributiva especial.
101. Sendo que por cada dia com serviço de voo o tripulante receberá uma Ajuda de Custo Complementar e não esta prestação.
102. Esta prestação é uma sanção pré-determinada que não tem que ver com todo o mês de trabalho e com os serviços de voo, mas com o facto de a R. não ter utilizado a disponibilidade do tripulante, face às consequências que essa não utilização pode ter na carreira dos tripulantes e nos requisitos mínimos para voar.
103. Depois como penalização que é, só episodicamente pode ocorrer, o que faz com que o tripulante só excepcionalmente a venha a receber, facto que não deixa de acentuar o seu carácter não regular, como aliás resulta das Notas de Vencimento juntas pelos Autores, quer nos meses em que não receberam esta prestação quer nos que receberam e, nestes, os valores diários a que se reportam (1 ou 2 dias).
104. Como, atenta a natureza da Ajuda de Custo Complementar e/ou a Prestação Retributiva Especial, não terão direito a estas prestações após a cessação do seu contrato e a sua eventual reintegração, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, uma vez que não realizando voos não têm despesas nem se verifica a ratio da Prestação Retributiva Especial.
105. Não há um valor mínimo garantido de Ajudas de Custo Complementar, nem o valor pago por cada dia de realização de um serviço de voo àquele título, é o mesmo da Prestação Retributiva Especial,
106. O recebimento daquela Ajuda pode acontecer sem pernoita.
107. se o tripulante não voar em nenhum dia do mês não recebe qualquer Ajuda de Custo Complementar».
*
III – Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho], que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
A - Recurso principal interposto pela Ré:
* Impugnação da decisão da matéria de facto;
* Da presunção de aceitação do “despedimento” e impossibilidade da sua impugnação por aplicação do artigo 366.º, n.ºs 4, 5 e 6 do Código do Trabalho de 2009;
* Do abuso de direito;
* Da validade da aposição do termo (certo) no contrato de trabalho celebrado entre as partes;
* Verificar se a Autora tem direito a ser integrada ab initio no nível/posição salarial do escalão CAB I, e, consequentemente, se lhe assiste o direito ao peticionado pagamento de diferenças a título de salário base e de ajuda de custo complementar, correspondentes a tal escalão (diferenças entre os montantes que auferiu enquanto enquadrada nos escalões CAB início e CAB 0 e o valor correspondente ao escalão CAB I).
* Verificar se assiste à Autora direito à componente da “garantia minima” nas retribuições intercalares e, no caso de resposta afirmativa, em que termos.
B - Recurso subordinado da Autora:
* Verificar se assiste à Autora direito a indemnização por danos não patrimoniais.
***
IV – Fundamentação
1. Da decisão da matéria de facto
1.1. Intervenção oficiosa
Em sede de matéria de facto, preliminarmente à apreciação da impugnação apresentada pela Ré, face ao contrato de trabalho escrito celebrado pelas partes junto como documento 1 com a petição inicial - documento esse cuja subscrição não foi colocada em crise por qualquer das partes e serviu de suporte aos pontos 2 e 6 dos factos provados -, importa que o ponto 6 dos factos provados não se fique pela transcrição da cláusula 2.ª do contrato em referência, mas contemple também a subscrição e a data do contrato e, bem assim, o teor de outras cláusulas constantes do mesmo.
Assim, e visto o disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, determina-se oficiosamente que o ponto 6 dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
“6 – Com data de 26 de março de 2008, a Ré e a Autora subscreveram o contrato escrito designado por “contrato de trabalho a termo certo” referido em 2, junto aos autos com a petição inicial como documento 1, constando do mesmo, para além do mais, o seguinte:
Cláusula 1ª
(Objeto e funções)
A TAP admite o(a) Trabalhador(a), ao seu serviço e este obriga-se a prestar-lhe a sua atividade com a categoria profissional de CAB-Comissário/Assistente de Bordo, cuja caraterização é a seguinte: “É o tripulante, devidamente qualificado pela entidade aeronáutica nacional ou pela empresa, que colabora diretamente com o chefe de equipa, por forma que seja prestada assistência aos passageiros e à tripulação, assegurando o cumprimento das normas de segurança, a fim de lhes garantir conforto e segurança durante o voo, segundo as normas e rotinas estabelecidas e tendo em conta os meios disponíveis a bordo. A responsabilidade inerente ao exercício das funções de CAB abrange ainda:
a) A verificação dos itens de segurança, de acordo com a respetiva check-list, bem como o cumprimento dos procedimentos de segurança respeitantes ao avião e aos seus ocupantes, com vista a assegurar o salvamento destes em caso de emergência;
b) É responsável, perante o chefe de cabina, pelo cumprimento da check-list pre-flight;
c) Nas escalas sem representação da empresa, quando necessário, colabora com o chefe de cabina nas diligências adequadas ao alojamento e à alimentação convenientes dos passageiros e tripulantes;
d) É diretamente responsável perante o chefe de cabina pelo serviço executado.
Cláusula 2ª
(Prazo e Justificação)
1. O presente contrato a termo certo é celebrado pelo prazo de 12 (doze) meses, com início a 26 de Março de 2018 e termo em 25 de Março de 2019, podendo ser renovado por períodos iguais ou diferentes nos termos legais.
2. O Trabalhador(a) é admitido nos termos do n.º 2, da alínea f) do art 140º do Código do Trabalho, justificando-se a oposição de um termo ao presente contrato de trabalho pelo acréscimo temporário da actividade na Área operacional/Operações de voo, decorrente da abertura de novas rotas/linhas, cuja rentabilidade/estabilidade vai determinar o reajustamento da frota TAP (afectação do tipo de avião a cada linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes (PNC Pessoal Navegante Comercial) à operação global TAP.
Cláusula 3ª
(Retribuição)
Como contrapartida do trabalho prestado, a TAP pagará ao Trabalhador(a), a remuneração base ilíquida mensal constante da tabela salarial em vigor à data da assinatura do presente contrato, acrescida dos valores convencionalmente regulamentados nos termos do A.E. TAP/SNPVAC-Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, para a categoria profissional de CAB-Comissário/Assistente de Bordo.
Cláusula 4ª
(Duração e horário de trabalho)
O trabalho será prestado em regime de tempo completo, segundo planeamento a definir pela TAP, adequado à categoria profissional para que o Trabalhador(a), é contratado, e em conformidade com o AE TTAP/SNPVAC, e legislação específica aplicável.
(…)
Cláusula 9ª
(Denúncia para não renovação)
O presente contrato caduca no termo do prazo inicial estipulado ou de cada uma das suas renovações, desde que qualquer um dos Outorgantes comunique ao outro a vontade de não renovar no prazo legal, por escrito, em documento entregue pessoalmente ou em carta expedida com aviso de receção.
(…)
Cláusula 12ª
(Legislação e foro aplicável)
1. No omisso, o presente contrato rege-se em tudo quanto for compatível pelo A.E. TAP/SNPVAC e subsidiariamente pelas disposições constantes do Código de Trabalho e demais legislação complementar.
(…)”.
*
1.2. Da impugnação da decisão da matéria de facto [recurso da Ré]
A Ré recorrente refere impugnar a decisão sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos 40., 44., 45., 46., 136., 137. e 138. dos factos provados, pugnando, em substância, pela respetiva eliminação do elenco dos factos provados, ou, pelo menos alteração (no caso dos pontos 45., 46., 136., 137. e 138.), face ao disposto nas cláusulas 4ª e 5ª do RRRGS anexo ao AE/2006, indicando nesse último caso a redação que deveria ser dada aos pontos 45., 46., 136., 137. e 138.
Por sua vez, a Autora refuta as pretensões da Ré quanto à impugnação da matéria de facto provada, com exceção feita ao ponto 136., no qual concorda apenas na parte em que deva ser corrigido por considerar que o Tribunal por lapso terá mencionado “ajuda de custo complementar” quando certamente pretendia referir “garantia minima”.
No que concerne ao ponto 40. dos factos provados, sustenta a Recorrente que o mesmo não contém factos, mas sim uma afirmação de natureza conclusiva e/ou um juízo valorativo relativamente à natureza, temporária ou definitiva, da necessidade registada pela Ré que levou à contratação de tripulantes, que é uma consequência jurídica que o Tribunal deve extrair da factualidade provada, pugnando pela respetiva eliminação.
Quanto aos pontos 44., 45., 46., 136., 137. e 138. dos factos provados, refere, em substância, o seguinte:
“(…) 15. Salvo o devido respeito, o Tribunal incorreu em manifesto erro/confusão relativamente à natureza e finalidade das prestações vulgarmente denominadas por “ajuda de custo complementar PNC”, que se encontra prevista na cláusula 4.ª do RRRGS, anexo ao AE/2006, e a “garantia minima”, prevista na cláusula 5ª do referido instrumento convencional.
16. Acresce que a fundamentação sobre a matéria de facto é omissa relativamente a esta factualidade, pelo que nem sequer se alcança qual será a base para o Tribunal a quo ter carreado esta factualidade para a decisão sobre a matéria de facto.
17. De todo o modo, cumpre clarificar que, a prestação denominada “ajuda de custo complementar PNC”, também denominada de per diem, destina-se a cobrir despesas em que o tripulante incorra por estar fora, inerentes à deslocação, o seu pagamento depende da efectiva realização do serviço de voo e corresponde a um valor fixo diário indexado à respectiva categoria.
18. Para auferir esta prestação o tripulante não tem que apresentar à Recorrente qualquer documento comprovativo da despesa em que haja incorrido.
19. Já a prestação denominada por “garantia mínima” ou “retribuição especial PNC” corresponde a um valor fixo percentual do vencimento de cada tripulante, correspondente a 3,5%, sendo paga sempre que a Ré não garanta ao tripulante uma utilização mínima, em efectivo serviço de voo, de 15 dias por mês.
20. Esta prestação é uma verdadeira penalização para a empresa por cada dia em que o tripulante, estando disponível, não foi ocupado, tendo, por isso, natureza sancionatória, e é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, funcionando como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo – n.º 1 da Cl.ª 5.ª do RRRGS.
21. É esta prestação, e não a ajuda de custo complementar, que é internamente conhecida como “multa”, epíteto cuja origem reside no facto de funcionar como uma espécie de penalização devida pela empresa a favor do tripulante que, estando disponível para o serviço de voo, não foi escalado em condições de igualdade com os seus colegas e, para além do mais, pode até ter a sua proficiência afectada se não voar um determinado número de voos (Cl.ª 17.ª do AE – proficiência).”
Conclui que os factos provados sob os n.ºs 44., 45., 46., 136., 137. e 138. deverão ser eliminados ou, pelo menos, alterados, face ao disposto nas cláusulas 4ª e 5ª do RRRGS, anexo ao AE/2006, passando a ter a redação que sugere e constante da alínea B) das respetivas conclusões, já acima transcrita.
A Autora, defende que o ponto 40. dos factos provados é não mais que um facto resultante da prova produzida, retirado das alegações dos AA. e que nada encerra como conclusivo, sendo este uma mera constatação de facto do pugnado pela Recorrida e que se provou desses mesmos documentos e a própria Recorrente não contesta, devendo ser integralmente mantido.
Quanto aos pontos 44., 45., 46., 136., 137. e 138. do elenco dos Factos Provados, defende a Autora que a alegação da Ré é que enferma de erro quanto à qualificação da ajuda de custo complementar/per diem. Refere que “[C]ontrariamente ao que a R. alega a ponto 17 das suas alegações, a Ajuda de custo complementar não se destina a cobrir qualquer despesa em que o tripulante incorra por estar fora. Tanto assim não o é que o tripulante recebe a ajuda de custo complementar independentemente de pernoitar fora da sua base de afetação ou não. Para verificar tal, basta atender na letra da Cl ª 4ª do RRRGS anexo ao AE de 2006 que diz: “Por cada dia de calendário (das 0 horas às 23 horas e 59minutos, horas locais da base),em que seja realizado um ou mais serviços de voo ou em que esteja em curso a realização de um serviço de voo, incluindo o período de estada, o tripulante tem direito, isoladamente ou em complemento da ajuda de custo que for devida nos termos da regulamentação internada empresa, a uma ajuda de custo complementar, de montante constante da tabela salarial em vigor em cada momento.
6. Como tal, se a recebe independentemente de tal facto, nunca terá como fim cobrir despesas fora da base. Para tal a R. pagas as ajudas de custo “normais” que apelida de “operacionais”.
7. Assim, os factos 44 a 46 correspondem inteiramente à verdade, devendo ser integralmente mantidos.
8. Quanto ao ponto 136, concorda-se com a R. na parte em que a Ajuda de Custo complementar não é uma multa. Quanto muito, na tese da R. com a qual não se concorda, seria uma “multa” a Garantia Mínima, devendo o facto ser corrigido nesse sentido, mas nada mais.”
Importa ter presente que a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela Ré não se reconduz uma situação de invocação de pontos de facto incorretamente julgados, em virtude de os meios probatórios constantes do processo ou da gravação imporem decisão diversa da recorrida (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
A Ré sustenta é que o ponto 40. dos factos provados contém uma afirmação de natureza conclusiva e/ou um juízo valorativo, que consubstancia uma consequência jurídica que o Tribunal deve extrair da factulialidade provada, pugnando pela sua eliminação dos factos provados.
Já quanto aos pontos 44., 45., 46., 136., 137. e 138. dos factos provados, a Ré defende que o Tribunal incorreu em manifesto erro/confusão relativamente à natureza e finalidade das prestações vulgarmente denominadas por “ajuda de custo complementar PNC” (que se encontra prevista na cláusula 4ª do RRRGS, anexo ao AE de 2006) e a “garantia minima” (que se encontra prevista na cláusula 5ª do referido instrumento convencional), tecendo depois considerações sobre a natureza e finalidade de cada uma dessas prestações. Conclui que tais pontos devem ser eliminados ou, pelo menos, alterados, face ao disposto nas citadas cláusulas do RRRGS, anexo ao AE de 2006, para a redação que indica.
Assim, e porque se considera que cabe à Relação, mesmo oficiosamente, retirar da matéria de facto, com base no disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, «os juízos de valor sobre factos» ou a «valoração jurídica de factos», nada obsta à apreciação da impugnação em referência.
Dispõe o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil/ 2013 (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho), referentes à sentença, que: “3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (…)” e “4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)”.
Conforme se evidencia no Acórdão desta Relação e Secção de 27-09-2023, constitui entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que «as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova» - [processo n.º 9028/21.6T8VNG.P1, relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas e no qual teve intervenção como Adjunto o aqui 1º Adjunto Desembargador Nelson Fernandes, acessível in www.dgsi.pt - site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar, desde que não seja feita menção em sentido diverso].
De facto, sobre esta matéria e neste sentido existem numerosos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, dos quais se irá apenas citar alguns.
Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 [processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Conselheiro Vasques Dinis], a propósito do artigo 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil, refere-se que: “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23-09-2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.» Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova. Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. (…)».
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017 [processo nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, Relatora Fernanda Isabel Pereira], consta do respetivo sumário, em consonância com a respetiva fundamentação de direito, que “[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, englobe, por anologia, os juízos de valor ou conclusivos.” No mesmo sentido, o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2023, processo nº 15229/18.7T8.PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Fernando Baptista de Oliveira.
Do mesmo passo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirma-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado].
Em consonância com este entendimento, e utilizando as palavras do citado Acórdão da Relação do Porto, «as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].». Sobre esta matéria veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-2021 [processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Conselheiro João Cura Mariano]
É claro que a aplicação deste entendimento carece de ser feita por forma criteriosa, conforme também se observa no citado Acórdão da Relação do Porto.
Atente-se que do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2021 [processo nº 19035/17.8T8PRT.P1, Relator Conselheiro Júlio Gomes], retira-se que, embora a resposta possa ter ainda uma componente conclusiva, se ainda assim tiver um substrato de facto relevante, não deve ser tido como não escrito.
Neste último Acórdão, citando Helena Cabrita [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107], afirma-se que «[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta». Na fundamentação do Acórdão em referência escreve-se ainda o seguinte: «(…)
Mas mesmo sem ir tão longe e admitindo que o Tribunal possa excluir factos genuinamente conclusivos, importa ter em conta que, como já referiu este Supremo Tribunal:
“Torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos como não escritos. Conforme já pusemos em relevo noutra ocasião (Ac. de 7.4.05, proferido na Revª 186/05, subscrito pelos mesmos juízes deste), não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2007, processo n.º 07A3060, NUNO CAMEIRA).
Importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa».
Isto posto, relembre-se o que consta dos pontos dos factos provados que foram objeto de impugnação por parte da Ré:
“40. A Ré provocou uma necessidade permanente de mais tripulantes (e outros trabalhadores, obviamente), ao agressivamente expandir a sua operação em termos de frota e mercado.
(…)
44. O tripulante recebe uma ajuda de custo complementar (per diem) por cada dia de trabalho que presta, independentemente do voo que opera e se “volta a casa” ou não.
45. Não tem como fim o ressarcimento de quaisquer despesas de deslocação ou semelhante dos Tripulantes.
46. A ajuda de custo complementar é paga independentemente do facto do tripulante se ausentar da sua base em estadia.
(…)
136. A Ajuda de Custo Complementar, é uma penalização para a empresa, por cada dia em que o tripulante, estando disponível, não foi ocupado.
137. Assim sendo, ela tem natureza sancionatória, e é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, funcionando como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo – n.º 1 da Cl.ª 5.ª do RRRGS.
138. O motivo pelo qual esta prestação é internamente conhecida como “multa”, reside no facto de funcionar como uma espécie de penalização devida pela empresa a favor do tripulante que, estando disponível para o serviço de voo, não foi escalado em condições de igualdade com os seus colegas e, para além do mais, pode até ter a sua proficiência afectada se não voar um determinado número de voos (Cl.ª 17.ª do AE – proficiência).
No que respeita ao ponto 40. dos factos provados, a respetiva redação, tal qual se encontra, afigura-se, de facto conclusiva (ao utilizar a expressão “permanente”) e integra um juízo de valor (ao utilizar a expressão “agressivamente”). No entanto, e à luz da perspetiva sufragada, considera-se que tal ponto contém ainda um substrato fáctico relevante que, por isso, terá que ser mantido.
Assim, considera-se que se justifica apenas dar uma diferente redação ao ponto em referência, por forma a que o mesmo espelhe o substrato fáctico, retirando do mesmo a matéria meramente conclusiva e o juízo de valor.
Termos em que, embora improcedendo a pretensão da Ré no sentido da eliminação total de tal ponto, determina-se que o ponto 40. dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
“40. A Ré expandiu a sua operação em termos de frota e mercado o que provocou uma necessidade de mais tripulantes”.
Quanto aos pontos 44., 45. e 46. dos factos provados, à luz do sobredito entendimento sufragado, considera-se que os mesmos não são conclusivos, contendo o necessário substrato fáctico relevante.
Como tal, e desde logo, não pode ser acolhida a pretensão da Ré no sentido da eliminação de tais pontos.
Por outro lado, e quanto a tais pontos, inexiste também fundamento para a respetiva alteração para a redacção propugnada pela Ré.
Não se olvide que para esse efeito a Apelante Ré não especificou (quer nas alegações, quer nas conclusões) qualquer meio de prova que apontasse no sentido pretendido, pelo que não sendo a matéria em causa conclusiva sempre se terá que rejeitar a impugnação quanto à alteração propugnada (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil). Se a Ré entendia que o Tribunal errou na formação da sua livre convicção, não lhe bastaria esgrimir a sua própria convicção, antes lhe competia evidenciar as razões que revelassem o erro, o que não fez. Atente-se, aliás, que a redação sugerida pela Ré na alínea B) das conclusões, mais precisamente no primeiro ponto, entraria até em choque com matéria que foi considerada como não provada e a qual a Ré não colocou em crise (vejam-se os pontos 93., 94., 95. dos factos não provados).
No que respeita aos pontos 136., 137. e 138. dos factos provados, importa referir que, fazendo apelo aos articulados das partes, verifica-se que tal matéria está relacionada com a alegação efetuada pela Ré nos artigos 292.º a 296.º da contestação.
Tais artigos da contestação têm a seguinte redacção:
“292.º
De natureza completamente diferente, e autónoma da Ajuda de Custo Complementar, é Prestação Retributiva Especial, tal como definida na Cl.ª 5.ª do RRRGS.
293.º

Com efeito, dispõe a Cl.ª 5.ª do RRRGS anexo ao AE aplicável, sob a epígrafe “Garantia Mínima”:
“1. Sempre que contra o disposto no n.º 4 da cláusula 9.ª (Escalas de serviço), do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho, um Tripulante com disponibilidade para o efeito não seja escalado em planeamento mensal para serviços de voo que o ocupem, no mínimo, em 15 dias em cada mês, terá direito a uma prestação retributiva especial de montante igual a 3,5 % do VF respectivo, por cada dia de não escalamento nem utilização, até ao referido limite de 15 dias.
2. A mesma prestação retributiva será devida se a não ocupação mínima, com serviços de voo, em 15 dias de cada mês, for causado pelo Serviço de Planeamento e Escalas, salvo se tal devido a iniciativa do Tripulante.”
294.º

Esta “prestação retributiva especial” é uma verdadeira penalização para a empresa, por cada dia em que o tripulante, estando disponível, não foi ocupado.
295.º

Assim sendo, ela tem natureza sancionatória, e é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias, funcionando como penalização da empresa pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo – n.º 1 da Cl.ª 5.ª do RRRGS.
296.º
O motivo pelo qual esta prestação é internamente conhecida como “multa”, reside no facto de funcionar como uma espécie de penalização devida pela empresa a favor do tripulante que, estando disponível para o serviço de voo, não foi escalado em condições de igualdade com os seus colegas e, para além do mais, pode até ter a sua proficiência afectada se não voar um determinado número de voos (Cl.ª 17.ª do AE – proficiência).”
Daqui decorre inequivocamente que a alegação em causa se reporta à “garantia mínima” e não à ajuda de custo complementar, sendo certo que a menção constante no ponto 136. a “ajuda de custo complementar” (atente-se, por sua vez, os pontos 137. e 138. estão a reportar-se à prestação mencionada no ponto 136.) se deveu a mero lapso material manifesto, pretendendo-se na verdade escrever “garantia mínima”. Isso mesmo reconhece a Ré nas suas alegações e, bem assim, a Autora nas conclusões da sua resposta (conclusão B), no sentido de refutar as pretensões da Ré quanto à impugnação da matéria de facto provada, “com exceção feita ao ponto 136, no qual concorda apenas na parte em que deva ser corrigido por se crer que o Tribunal por lapso menciona “ajuda de custo complementar” quando certamente pretendia referir “garantia mínima”.
Assim, dúvidas não subsistem que os pontos 136. a 138. se reportam à prestação denominada “garantia mínima” e não à ajuda de custo complementar, tratando-se de mero lapso material manifesto a menção a esta última contida nesses pontos.
Quanto ao ponto 136., mesmo pressupondo o sobredito lapso material, entende-se que o mesmo tem um contéudo meramente conclusivo, que não deveria ter sido incluído na matéria provada e que por isso deve ser eliminado, procedendo nesta parte a impugnação da Ré.
Já no que concerne aos pontos 137. e 138. dos factos provados, a respetiva redação, tal qual se encontra, afigura-se, de facto conclusiva e contendo juízos jurídicos interpretativos de uma cláusula prevista no Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais que faz parte integrante do Acordo de Empresa invocado pelas partes, ao ponto, aliás, de conter a menção à cláusula 5ª desse Regulamento e à cláusula 17ª do AE. No entanto, e à luz da perspetiva sufragada, considera-se que tais pontos contêm ainda um substrato fáctico relevante que, por isso, terá que ser mantido.
Nesta conformidade, entende-se que se justifica apenas dar uma diferente redação aos pontos em referência, por forma a que os mesmos espelhem o respetivo substrato fáctico, retirando dos mesmos a matéria conclusiva e os referidos juízos interpretativos.
Termos em que, embora improcedendo a pretensão da Ré no sentido da eliminação total dos pontos 137. e 138., determina-se que os mesmos passem a ter a seguinte redação:
“137. A prestação denominada “garantia mínima” é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias.
138. Tal prestação é devida por o tripulante, estando disponível para o serviço de voo, não ser escalado em condições de igualdade com os seus colegas e que poderá ter a sua proficiência afetada se não voar um determinado número de voos”.
Em conclusão, a impugnação da matéria de facto apresentada pela Ré procede apenas parcialmente, decidindo-se:
· pela manutenção dos pontos 44. a 46. dos factos provados nos seus exatos termos;
· pela eliminação do ponto 136. dos factos provados;
· pela alteração da redação dos pontos 40., 137. e 138. dos factos provados, nos seguintes termos:
“40. A Ré expandiu a sua operação em termos de frota e mercado o que provocou uma necessidade de mais tripulantes”.
“137. A prestação denominada “garantia mínima” é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias.
138. Tal prestação é devida por o tripulante, estando disponível para o serviço de voo, não ser escalado em condições de igualdade com os seus colegas e que poderá ter a sua proficiência afetada se não voar um determinado número de voos”.
*
2. Da presunção de aceitação do “despedimento” e impossibilidade da sua impugnação por aplicação do artigo 366.º, n.ºs 4, 5 e 6 do Código do Trabalho de 2009
A recorrente Ré discorda do decidido nesta materia pela sentença recorrida, que julgou improcedente a exceção inominada em referência.
Sustenta a Ré, em síntese, que a Autora, ao não proceder à devolução da compensação que lhe foi paga pela caducidade do contrato, aceitou a cessação do contrato de trabalho e, consequentemente, ficou impedida de impugnar judicialmente essa mesma cessação. Para tanto socorre-se do regime previsto no artigo 366º do Código de Trabalho de 2009 (na redação introduzida pela Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto), defendendo que a remissão determinada pelo n.º 2 do artigo 344.º, n.º 2, daquele Código deve ser considerada como sendo feita para o artigo 366.º no seu todo, não excluindo qualquer dos seus números.
Quanto a esta questão é aplicável o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e, entre outras, na redação dada pela Lei n.º 69/2013 de 30 de agosto e pela Lei n.º 93/2019 de 4 de setembro (que introduziram alterações à redação dos artigos 366.º e 344.º, sendo a redação decorrente das citadas Leis quanto aos referidos normativos a aplicável face à data da comunicação formal da caducidade) – Código de Trabalho de 2009 ao qual respeitam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso [refira-se que, em face da matéria a tratar, se for o caso, será feita preliminarmente menção à redação aplicável].
Dispõe o artigo 366.º, sob a epígrafe “Compensação por despedimento coletivo” que:
“1 - Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 - A compensação prevista no número anterior é determinada do seguinte modo:
a) O valor da retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a 20 vezes a retribuição minima mensal garantida;
b) O montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou, quando seja aplicável o limite previsto na alínea anterior, a 240 vezes a retribuição minima mensal garantida;
c) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades;
d) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.
3 – (…)
4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.
5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.
6 - Nos casos de contrato de trabalho a termo e de contrato de trabalho temporário, o trabalhador tem direito a compensação prevista no n.º 2 do artigo 344.º e do n.º 4 do artigo 345.º, consoante os casos, aplicando-se, ainda, o disposto nos n.os 2 a 5 do presente artigo.
7 – (…)” [sublinhado nosso].
O artigo 344.º, n.º 2, relativo à caducidade do contrato de trabalho a termo certo, estabelece que “[e]m caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração do empregador nos termos do número anterior, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º, salvo se a caducidade decorrer de declaração do trabalhador nos termos do número anterior”.
Ora, ressalvando sempre o devido respeito por posição divergente, considera-se que não se pode concluir que a remissão do n.º 2 do artigo 344.º abrange também a presunção prevista no artigo 366.º, n.º 4, de que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação pelo mesmo.
Na verdade, ao prever uma compensação “calculada nos termos do artigo 366.º”, no caso de caducidade do contrato de trabalho a termo certo por verificação do seu termo, a remissão do artigo 344.º, n.º 2, reporta-se, tão-só, aos parâmetros de determinação da compensação previstos no artigo 366.º (ou seja, os contidos no n.º 2 desse normativo, já que o número de dias de retribuição base e diuturnidades está expressamente previsto no artigo 344.º, n.º 2, e é distinto do previsto no n.º 1 do artigo 366.º), não abrangendo os demais aspetos da disciplina prevista no artigo 366.º. Esta é, a nosso ver, a única interpretação possível em face da letra da lei, não se vislumbrando outra forma de interpretar a utilização da expressão “calculada nos termos do artigo 366.º”.
Não pode olvidar-se que, embora o artigo 9.º do Código Civil afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, prevê depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3)”.
A interpretação é feita segundo as regras decorrentes do referido normativo, sendo que o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, não podendo ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal. O intérprete não pode, pois, retirar da lei um sentido que não tem, na sua letra, um mínimo de correspondência verbal, sendo certo que se deve presumir que o legislador se exprimiu em termos adequados.
No caso, analisado o texto do artigo 344.º, n.º 2, não pode afirmar-se que do mesmo resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido de que a remição aí contida é relativa a todos os aspetos da disciplina contida no artigo 366.º
Sublinhe-se que a caducidade do contrato de trabalho a termo e o despedimento coletivo, como também o despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, são causas distintas de cessação do contrato de trabalho (cfr. artigo 340.º).
Como se evidencia no recente Acórdão da Relação de Lisboa de 25-10-2023 [processo n.º 9738/22.0T8LSB.P1, Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto], que aqui seguimos de perto e que passamos a transcrever por merecer a nossa inteira concordância:
«Diferentemente sucede com os artigos 372.º e 379.º do Código do Trabalho, aplicáveis respetivamente ao despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, que remetem sem qualquer restrição para todo o regime do artigo 366.º, este aplicável ao despedimento colectivo como indicam a sua epígrafe e inserção sistemática.
O que bem se compreende na medida em que a disposição do artigo 366.º, contendo nos seus n.ºs 4 e 5 um regime muito gravoso que força o trabalhador a devolver ao empregador a compensação a que tem direito se quiser impugnar judicialmente a decisão de despedimento apenas pode lograr alguma justificação no âmbito de despedimentos por razões objetivas – despedimento colectivo, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação – sob pena de se colocar em causa a garantia constitucional da segurança no emprego, consagrada no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, da qual decorre que a contratação a termo não é livre, antes só é legítima se obedecer a um conjunto relativamente apertado de condições materiais e de requisitos formais, cuja inobservância tem como consequência que o contrato de trabalho em causa, ainda que celebrado a termo resolutivo, deva ser considerado de duração indeterminada».
Atente-se que a remissão operada pelo artigo 366.º, n.º 6, para os seus anteriores números, nomeadamente para os n.ºs 4 e 5, reporta-se às situações em que o contrato de trabalho a termo ou temporário cessa por despedimento coletivo, não pela sua invocada caducidade.
De facto, dada a inserção sistemática do n.º 6 estamos sempre no âmbito do despedimento coletivo, sendo nesse âmbito que se prevê qual o montante da compensação de contrato de trabalho a termo e contrato temporário e a presunção de aceitação do despedimento quando o trabalhador recebe a totalidade da compensação prevista no artigo.
Considera-se, pois, que o artigo 366.º regula a matéria da compensação por despedimento coletivo, como consta expressamente da respetiva epígrafe, sendo que o seu atual n.º 6 se limita a regular a matéria da compensação a ser paga no caso daquele despedimento englobar a cessação das especies contratuais aí previstas - contrato de trabalho a termo e de contrato de trabalho temporário -, incluindo a matéria da presunção de aceitação, por uma questão de coerência e unidade do sistema jurídico.
O próprio n.º 4 do artigo 366.º alude expressamente a “despedimento”.
A presunção prevista no n.º 4 do artigo 366.º aplica-se apenas às situações em que o trabalhador recebe compensação por despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação (nestes casos, como vimos, por força do disposto nos artigos 372.º e 379.º, respetivamente, que mandam aplicar expressamente o artigo 366.º em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho ou em caso de despedimento por inadaptação), não abrangendo o recebimento de compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo.
Podemos dizer hoje pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido de que o disposto no artigo 366.º, n.º 4, (presunção de aceitação do despedimento) não é aplicável aos casos de pagamento da compensação devida pela caducidade de contrato de trabalho que foi celebrado a termo, nem esse pagamento impede a posterior impugnação da validade do termo aposto ao contrato de trabalho. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Relação e Secção de 4-11-2013 e de 26-06-2023 (processos n.ºs 235/11.0TTBCL.P1 e 2175/22.9T8MTS.P1, respetivamente, relatados pela Desembargadora Paula Leal de Carvalho – 2ª Adjunta no presente processo), o Acórdão da Relação de Guimarães de 16-02-2023 (processo n.º 4063/21.7T8BRG.G1, Relator Desembargador Antero Veiga), os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09-11-2022 (processo n.ºs 59/21.7T8CSC.L1-4, Relatora Desembargadora Alda Martins) e o já citado de 25-10-2023, e os Acórdãos da Relação de Évora de 13-10-2016 (processo n.º 4137/14.0T8STB.E1, Relator Desembargador João Nunes), de 30-03-2017 (processo n.º 692/14.3T8EVR.E1, Relator Desembargador Baptista Coelho) e de 13-12-2019 (processo n.º 1418/16.2TSTB.E1, Relator Desembargador João Luís Nunes).
Em suma, cessando o contrato de trabalho a termo, como no caso cessou, por invocação da sua caducidade, e não por despedimento coletivo, caducidade que, segundo a Autora, consubstancia um despedimento ilícito atenta a invocada nulidade do termo aposto no contrato, a impugnação da validade quer do termo a ele aposto, quer da sua cessação, não estava sujeita ao disposto no artigo 366.º, n.º 4 a 5, não se verificando a presunção de aceitação de despedimento.
Improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
***
3. Do abuso de direito
A Ré sustenta, ainda, que a Autora agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, ao questionar a licitude do termo e a cessação do contrato de trabalho, tendo aceite a compensação por caducidade que lhe foi paga pela Ré.
Nos termos do artigo 334.º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O instituto em análise tem como objetivo primordial – funcionando como que uma “válvula de segurança” do sistema – obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstração da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da Justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante.
Esta figura representa, em substância, o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjetivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções.
Segundo Castanheira Neves a adequada compreensão do abuso do direito só se atinge com a mutação da forma como se compreende o próprio direito subjetivo. Para tanto, parte da ideia de que o direito subjetivo é uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui.
Como assim, haverá abuso de direito quando um comportamento tenha a aparência de licitude jurídica e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício. O abuso de direito configura-se como uma contradição entre dois polos que entretecem o direito subjetivo: a sua estrutura formal reconhecida pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que integra esse mesmo direito e lhe confere materialidade devem estar em conformidade, certo que quando esta não é detetada, ocorre abuso de direito – Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, págs. 523-524.
Em síntese, poderemos dizer que se configurará uma situação de abuso do direito quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.
Uma das manifestações mais características da figura em referência é o venire contra factum proprium, cuja estrutura pressupõe duas condutas, sucessivas, mas distintas, temporalmente distanciadas e de sinal contrário, protagonizadas pelo mesmo agente: o ‘factum proprium’, seguido, em contradição, do ‘venire’.
A proibição do venire trata-se de uma aplicação do princípio da responsabilidade pela confiança, de uma concretização do princípio ético-jurídico da boa fé.
A propósito desta matéria escreve-se no Acórdão do STJ de 12-06-2012 (processo nº 1267/03.8 TTBBGC.P1S1, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra), citando o Prof. Baptista Machado «o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito».
Existe abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado. Estamos aqui em presença do venire contra factum proprium que se carateriza pelo «exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida e proclamada pelo agente» (cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, página 275).
Nas palavras de BAPTISTA MACHADO («Tutela da Confiança» e «Venire contra factum proprium», in Obra Dispersa, vol. I, página 416, e in RLJ, n.º 3726 e seguintes), o ponto de partida do venire é «uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira», podendo «tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico».
A proibição do venire contra factum proprium, enquanto modalidade de abuso de direito, radica no princípio da boa fé e tutela da confiança e exprime de algum modo a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios.
Resta saber se será de considerar, perante os ditames da boa fé e o sentimento jurídico e ético socialmente relevante, abusiva, nos termos do preceituado no artigo 334º do Código Civil, a conduta da Autora ao impugnar o despedimento.
A resposta terá que ser negativa.
Com efeito, e sem prejuízo da sua razão substantiva, o certo é que da matéria de facto nada é possível retirar no sentido de poder conduzir à conclusão que, no caso concreto, a Autora adotou após a cessação do contrato de trabalho alguma atuação reveladora de aquiesciência com os termos da cessação ou de que não iria exercer o direito de impugnar o despedimento que entende ter sido efetuado, ou algum comportamento suscetível de criar na Ré a convicção de que não iria colocar em crise a licitude do termo do contrato nem formular os pedidos deduzidos na presente ação.
Realce-se que não tem essa virtualidade o facto de a Autora ter aceite a quantia que a Ré lhe entregou aquando da cessação do contrato a título de compensação pela caducidade, ainda que a não tenha devolvido à Ré, sendo certo que a lei não retira dessa não devolução a consequência defendida pela Ré em primeira linha (ou seja, o artigo 366.º, n.º 4, não abrange, como vimos, a situação em causa nos autos). A Autora, pese embora haja recebido a compensação em referência, limita-se na presente ação a exercer um direito que a lei lhe faculta, ao pedir que o contrato de trabalho celebrado com aposição de um termo certo seja considerado sem termo e as consequências daí advenientes em face da comunicação da caducidade do contrato levada a cabo pela Ré.
Não é, pois, possível caraterizar a alegada atitude contraditória da Autora que a Ré invoca – de maneira, aliás, absolutamente conclusiva – para sustentar a verificação do abuso de direito.
Em suma, nada permite concluir que a formulação na presente ação dos pedidos constantes da petição inicial consubstancie um exercício abusivo dos direitos respetivos nos termos previstos no artigo 334.º do Código Civil.
Improcedem também nesta matéria as conclusões da Recorrente Ré.
***
4. Da validade do termo (certo) aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes
Resulta dos factos provados que a Autora e a Ré celebraram um contrato escrito, sob a designação de “contrato de trabalho a termo certo”, com data de 26 de março de 2018, de acordo com o qual a Autora foi admitida ao serviço da Ré para o exercício das funções correspondentes à categoria profissional de “CAB-Comissário/Assistente de Bordo”, mediante retribuição mensal. O referido contrato foi celebrado por 12 meses, com início a 26 de março de 2018 e termo a 25 de março de 2019.
Resulta também dos factos provados que a justificação para a estipulação do termo do contrato de trabalho celebrado com a Autora consta na cláusula 2ª, n.º 2, do referido contrato nos seguintes termos:
“2. O Trabalhador(a) é admitido nos termos do n.º 2, da alínea f) do art 140º do Código do Trabalho, justificando-se a oposição de um termo ao presente contrato de trabalho pelo acréscimo temporário da actividade na Área operacional/Operações de voo, decorrente da abertura de novas rotas/linhas, cuja rentabilidade/estabilidade vai determinar o reajustamento da frota TAP (afectação do tipo de avião a cada linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes (PNC Pessoal Navegante Comercial) à operação global TAP.”
A sentença recorrida, transcrevendo e subscrevendo as considerações tecidas nesta matéria no Acórdão da Relação de Lisboa de 29-06-2022 [processo nº 15121/20.5T8LSB.L1, Relator Desembargador Leopoldo Soares, não publicado, junto aos autos com o requerimento datado de 29-06-2022 refª 32684176], considerou que “a previsão aposta no contrato da Autora não permite estabelecer um nexo causal entre o recurso da contratação a termo e o caráter temporário da necessidade”, tendo concluído pela nulidade do termo aposto no contrato de trabalho da Autora e, consequentemente, pela verificação do despedimento ilícito da mesma.
Discordando do assim decidido, defende a Ré que a motivação aposta no contrato a termo resolutivo celebrado com a Autora satisfaz as exigências legais, sendo que no período de contratação da Autora se verificaram vários factos que alicerçaram a necessidade da sua contratação a termo [matéria desenvolvida nas Conclusões G. a JJ.].
Vejamos.
Como refere Susana Sousa Machado [Contrato de Trabalho A Termo – A Transposição da Directiva 1999/70/CE para o Ordenamento Jurídico Português: (In)compatibilidades, página 107] «… o contrato de trabalho, por regra, é celebrado por tempo indeterminado, sobretudo, por exigência do “princípio constitucional estruturante da ordem social portuguesa” da estabilidade do emprego (artigo 53.º da CRP)».
Na verdade, sob a epígrafe segurança no emprego, prevê o citado artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos.”
Gomes Canotilho e Vital Moreira [Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, página 711] referem que este preceito pressupõe «(…) que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente, para ocorrer a necessidades temporárias das entidades empregadoras e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades».
O Tribunal Constitucional tem também sublinhado que a ideia de excecionalidade da contratação a termo «constitui um desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego» [cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 581/95 e 318/2021, disponíveis na base de dados do Tribunal Constitucional, acessível in www.tribunalconstitucional.pt].
Como se expõe neste último Acórdão, «[…] retamente interpretado, “[…] o artigo 53.º da CRP implica que o emprego deve ser, por via de princípio, estável, sem prefixação do horizonte vital do contrato que o suporta […]” (cfr. João Leal Amado, Contrato de Trabalho – Noções Básicas, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p.77) e a contratação a termo deve (deveria) ser a exceção».
Os contratos de trabalho a termo são manifestações de uma certa precariedade laboral fruto de outras finalidades empresariais, razão pela qual esta forma contratual terá de ter uma razão de ser objetiva.
Por isso, o legislador consagrou o regime do contrato a termo como medida excecional a que o empregador pode recorrer.
Terá, pois, de partir-se da referida ideia de excecionalidade desta forma de contratação para entender as regras que regulam o contrato a termo.
Atualmente, o Código de Trabalho de 2009, diferentemente do que acontecia na LCCT, mas dando continuidade à técnica adotada com o Código de Trabalho de 2003, admite a contratação a termo através de “um sistema misto” de cláusula geral das causas de justificação seguida de uma enumeração meramente exemplificativa.
Importa ter em conta que, atenta a data da celebração do contrato dos autos – 26-03-2018 -, a questão em análise terá que ser apreciada à luz do Código de Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, face ao disposto no artigo 11.º, n.º 4, da referida Lei, que prevê que o regime estabelecido no Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, com a redação dada pela citada Lei n.º 93/2019 não se aplica aos contratos de trabalho a termo resolutivo, no que respeita à sua admissibilidade, renovação e duração, celebrados antes da entrada em vigor da referida Lei – as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023 de 3 de abril, como é óbvio, não são também aplicáveis – cfr. artigo 35.º, n.º 5, da referida Lei.
Assim, nos termos do preceituado no artigo 140.º, o “contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade” (n.º 1), considerando-se, nomeadamente, necessidades temporárias da empresa as exemplificadas nas alíneas do seu n.º 2, entre as quais se conta o “acréscimo excecional da atividade da empresa” (alínea f).
O artigo 141.º, sob a epígrafe forma e conteúdo do contrato de trabalho a termo, incide sobre a problemática das formalidades do contrato a termo, estabelecendo o seu n.º 1 que o contrato a termo está sujeito a forma escrita e deve conter o seguinte:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Atividade do trabalhador e correspondente retribuição;
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho;
e) Indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo;
f) Datas da celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respetiva cessação.
O n.º 3 do artigo 141.º prescreve que para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Nos termos do n.º 1 do artigo 147.º considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;
d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º.
A prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo cabe ao empregador, nos termos do artigo 140.º, n.º 5, sob pena de ver o contrato a termo convertido em contrato por tempo indeterminado.
Assim, e como se sintetiza no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 25-10-2023, «[p]ara que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário:
i. que se explicitem suficientemente no texto do contrato (com “menção expressa”) factos recondutíveis a uma das hipóteses previstas no artigo 140.º do Código do Trabalho (em que o legislador considera lícita a celebração do contrato de trabalho a termo)
ii. que o texto permita estabelecer “a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” e ainda
iii. que os factos ali relatados tenham correspondência com a realidade».
De facto, conforme vem sendo entendido na doutrina e jurisprudência, para além do termo e dos respetivos fundamentos justificativos terem de ser reduzidos a escrito no texto do contrato, tratando-se de formalidades ad substantiam, no que concerne ao motivo justificativo para a contratação a termo tal motivo tem de ser indicado no texto do contrato de forma concretizada de molde a possibilitar a verificação externa da conformidade da situação concreta invocada para justificar o termo com as situações legalmente admitidas para tal contratação. Ou seja, só serão considerados os motivos invocados pelo empregador para justificar a contratação a termo que constem do texto contratual, pelo que a sua inclusão na redação do contrato se torna imprescindível para aferir da validade da aposição a termo.
“(…) É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do artigo 129º [do actual artigo 140.º do Código de Trabalho de 2009]; e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato” [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 319].
Como refere Mário Júlio Vieira Gomes [Direito do Trabalho, vol. I, página 599] «tal indicação, deve, pois, ser suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência de uma necessidade temporária da empresa ou de uma das situações previstas no nº 3, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado “pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”».
Também é esta a posição de Susana Sousa Machado [in obra citada, páginas 200 e 201], ao referir que “(…) a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, prevista no art. 141º, nº 3, do CT, deve ser feita pela menção expressa aos factos que o integram, sendo essencial estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Neste sentido, a fundamentação do contrato a termo deve constar do texto do contrato, com referência circunstanciada aos motivos que lhe servem de base. Assim, a exigência do nexo de causalidade entre a justificação invocada e o termo estipulado deve refletir-se no elevado grau de precisão exigido na redação da respetiva cláusula contratual. Tal indicação, que não é mais do que uma consequência do caráter excecional da contratação a termo, deverá permitir o controlo da existência de uma necessidade temporária, ou de outras situações previstas, designadamente, no art. 140º, nº 4, do CT, bem como a demonstração de que o mesmo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. (…)”.
Do mesmo passo, salienta Maria Irene Gomes [in Considerações sobre o regime do contrato de trabalho a termo certo no Código de Trabalho, Questões Laborais n.º 24, página 146], «só serão consideradas as necessidades invocadas pelo empregador para justificar a contratação a termo que constem do texto contratual, pelo que a sua aposição de forma clarificadora se torna imprescindível para aferir, judicial e extrajudicialmente, da validade da aposição do termo».
Na jurisprudência, sobre esta matéria e no referido sentido, vejam-se, para além do já citado Acórdão da Relação de Lisboa, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2016 (processo n.º 2695/13.6TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha) e de 6-03-2019 (processo n.º 10354/17.4T8SNT.L1.S1, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso); da Relação do Porto de 7-11-2022 (processo n.º 847/20.1T8MAI, relatado pelo Desembargador Nelson Nunes Fernandes, 1º Adjunto no âmbito da presente apelação) e de 27-02-2023 (processo n.º 13604/21.9T8PRT-A.P1, relatado pela Desembargadora Paula Leal de Carvalho, 2ª Adjunta no âmbito da presente apelação).
Como se expõe no citado Acórdão do STJ de 17-03-2016, «(…) a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.
Donde ser de concluir que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato.
Por outro lado, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º.”
Em conclusão, o recurso à contratação a termo terá desde logo que estar justificada no texto do contrato com as exigências acima assinaladas, cabendo tal ónus ao empregador, como decorre do disposto no n.º 5 do artigo 140.º, sob pena de ver o contrato convertido em contrato por tempo indeterminado.
Feita esta incursão no regime da contratação a termo, importa agora analisar se, no caso dos autos, se mostram cumpridas as sobreditas exigências legais concernentes à aposição do termo no contrato sub judice.
Relembre-se que a justificação constante do contrato de trabalho para a estipulação do termo foi a seguinte:
“2. O Trabalhador(a) é admitido nos termos do n.º 2, da alínea f) do art 140º do Código do Trabalho, justificando-se a oposição de um termo ao presente contrato de trabalho pelo acréscimo temporário da actividade na Área operacional/Operações de voo, decorrente da abertura de novas rotas/linhas, cuja rentabilidade/estabilidade vai determinar o reajustamento da frota TAP (afectação do tipo de avião a cada linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes (PNC Pessoal Navegante Comercial) à operação global TAP.”
No que se reporta à alínea f) do artigo 140.º, n.º 2 “Acréscimo excecional de atividade da empresa”, - enquadramento legal que foi o invocado no contrato em causa nos presentes autos - Susana Sousa Machado (in obra citada, página 171) refere que “(…) [o]s contratos previstos nestas situações correspondem, geralmente, a trabalhos inseridos no âmbito da atividade habitual da empresa mas que, por motivos excecionais ou condições cíclicas potencialmente relacionadas com certas épocas do ano, excedem o seu volume normal; ou assumem um caráter ocasional no seio da atividade da empresa. Estamos, por exemplo, a pensar numa determinada encomenda que ultrapassa os níveis normais e habituais de produção da empresa”.
Diogo Vaz Marecos em comentário ao artigo 140.º, n.º 2, alínea f) (in Código do Trabalho Anotado, Almedina 2010, página 180), refere que aí se contém “uma das motivações mais utilizadas pelas empresas quando admitem um trabalhador para a prestação de trabalho subordinado. Exige-se para que a admissibilidade do contrato possa radicar nesta norma, uma intensificação da actividade da empresa, em termos daquela ser extraordinária. Não basta, pois que a empresa se encontre em crescimento, impondo-se que haja um pico de actividade anómala o qual, atenta a sua natureza singular, não justifica a admissão de um trabalhador por tempo indeterminado, uma vez que este crescimento anormal da actividade é transitório, e perderá posteriormente a sua utilidade. No contrato de trabalho a termo resolutivo que tenha como fundamento esta norma deve concretizar-se o tipo de actividade, explicitando-se de que acréscimo se trata, a sua causa, bem como a previsão temporal dessa intensificação (…)”.
Diremos, desde já adiantando a conclusão, que à luz do regime do contrato de trabalho a termo e dos entendimentos doutrinais e jurisprudenciais que o mesmo comporta, acima elencados, afigura-se manifesto que o contrato em referência não observa desde logo no texto contratual os requisitos exigidos para a justificação do termo.
Tal entendimento assenta nas razões infra a referenciar.
Por um lado, e sendo irrelevante a inicial reprodução da fórmula legal (acréscimo de atividade em determinada área), o texto do contrato apenas dá a conhecer que irão ser abertas novas rotas/linhas e que esta abertura vai determinar o reajustamento da frota TAP (afetação do tipo de avião a cada linha) e a consequente definição do quadro de tripulantes à operação global da TAP.
Não resulta concretizado no texto do contrato o referido acréscimo excecional de atividade da empresa, não estando desde logo concretizadas que rotas/linhas são essas que implicam a contratação a prazo da trabalhadora em causa, aliás, nem sequer é indicado o número de rotas.
Por outro lado, nada no texto do contrato indicia que a anunciada abertura de novas rotas/linhas é temporária, ou seja, nada consta no contrato que permita concluir estar-se perante uma necessidade de caráter temporário da Ré.
Pelo contrário, o texto do contrato indicia até que a indicada abertura constitui uma decisão de gestão que implica uma nova “definição” do “quadro” de tripulantes no contexto da sua “operação global”, o que aponta mais para uma alteração da atividade da empresa com alguma estabilidade.
Com efeito, a Ré é uma companhia aérea de aviação comercial, inserida num mercado altamente concorrencial, perfilando-se, nesse contexto e à partida, como normal que a Ré abra novas rotas ou linhas aéreas com vista ao incremento da sua atividade e obtenção do correspondente retorno económico, o que poderá pressupor o reajustamento da sua frota e do pessoal tripulante.
Do mesmo passo, poderá a Ré, nesse mesmo quadro concorrencial, ter de alterar e/ou suprimir rotas/linhas aéreas e, eventualmente, ajustar a sua frota e respetivo quadro de pessoal.
Por outro lado, ainda, não consta igualmente do texto do contrato a razão de se ter estabelecido como seu prazo de duração 12 meses.
O texto do contrato não permite, pois, estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Como resulta do atrás exposto, e constitui entendimento pacífico, era no texto do contrato que as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo deveriam ter sido concretizadas em factos que permitissem estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme prescreve o artigo 141.º, n.º 3, consubstanciando esta concretização uma formalidade ad substantiam cuja insuficiência não pode ser suprida por outros meios de prova.
No caso, tal concretização não foi efetuada no texto do contrato, não sendo o mesmo elucidativo da natureza “temporária” e “excecional” das necessidades de trabalho a que era necessário fazer face, nem sendo possível retirar do mesmo a razão pela qual a abertura de novas rotas/linhas (que não foram sequer concretizadas quais eram, sequer o seu número global) implicava um aumento excecional e temporalmente delimitado da atividade pelo período de 12 meses.
Conclui-se, pois, que a Ré empregadora não deu o devido cumprimento no documento de contratação da Autora ao disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 141.º, não indicando, de modo suficiente, os factos e circunstâncias que justificavam a contratação a termo de tal trabalhadora, pelo que se terá que considerar a Autora como contratada sem termo desde o início da sua relação laboral com a Ré, de acordo com o preceituado no artigo 147.º, n.º 1, alínea c), sem que se chegue a colocar a questão de aferir da veracidade dos motivos que o empregador invocou.
Nesta decorrência, forçoso é também concluir que o contrato da Autora não era suscetível de cessar por caducidade determinada pelo decurso do tempo, pelo que a carta da Ré à Autora a comunicar-lhe a caducidade do respetivo contrato, traduz-se num despedimento ilícito, nos termos prescritos no artigo 381.º, alínea c).
Por último, importa consignar que, como será naturalmente do conhecimento da Ré, a posição aqui sufragada no sentido da insuficiência da indicação constante do contrato quanto à justificação do termo, desde logo sob o ponto de vista das formalidades ad substantiam, tem sido reiteradamente seguida em várias decisões do Tribunal da Relação de Lisboa, em processos em que também é Ré e a redação da cláusula justificativa do termo é coincidente com a dos presentes autos – por apelo apenas aos Acórdãos mais recentes e objeto de publicação, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-10-2023 (já acima citado) e de 1-03-2023 (processo n.º 21095/20.5T8LSB.L1-4, Relatora Desembargadora Albertina Pereira), sendo certo que foram juntos aos autos outros Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa no mesmo sentido - caso do Acórdão de 29-06-2022 junto pela Autora, citado na sentença, já acima identificado e, bem assim, do Acórdão de 15-11-2022 junto pela Ré com as suas alegações de recurso e que foi admitido no despacho com a refª citius 17046334 (processo n.º 8882/20.3T8LSB.L1.S1, Relator Desembargador António José Alves Duarte).
Improcede, sem necessidade de outras considerações, a presente questão suscitada pela Ré na sua apelação.
***
5. Verificar se a Autora tem direito a ser integrada ab initio no nível/posição salarial do escalão CAB I, e, consequentemente, se lhe assiste o direito ao peticionado pagamento de diferenças a título de salário base e de ajuda de custo complementar, correspondentes a tal escalão (diferenças entre os montantes que auferiu enquanto enquadrada nos escalões CAB início e CAB 0 e o valor correspondente ao escalão CAB I).
Nesta sede, a sentença recorrida considerou, em substância, que, tendo-se decidido que a Autora é trabalhadora sem termo da Ré, passa a mesma a ter direito desde o início da relação laboral ao nível salarial decorrente do escalão CAB I, decidindo:
«III – Condenar a ré a pagar à autora os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que auferiu como CAB início e CAB 0 e os valores que deveria ter auferido como CAB I com a posterior progressão, sendo certo que esses valores devem ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada um dos valores devidos até integral pagamento.
IV – Condenar a ré a pagar à autora os valores correspondentes à componente remuneratória “garantia minima” a liquidar em sede de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo.
V – Condenar a ré a pagar à autora os valores correspondentes à componente remuneraória “ajuda de custo complementar” a liquidar em sede de incidente, devendo-se atender aos montantes já recebidos pela autora ao abrigo do contrato a termo».
Relativamente ao enquadramento da Autora como CAB I desde o início da relação laboral, consignou a sentença recorrida que “[t]ambém quanto a esta matéria a interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos parece acertada. De facto, a Cl. 5ª, n.º 2 do RCPTC não faz condicionar a respectiva progressão de qualquer experiência.”, reportando-se ao já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 29-06-2022. Mais consignou a argumentação desse Acórdão sobre a matéria em causa nos seguintes termos:
- Nem se esgrima que a evolução nos níveis salariais não depende da natureza do vínculo contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no tempo de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta claro da Cl. 5ª, n.º 2 do RCPTC.
- Das duas uma, ou se entende que da menção contratados a termo constante da cl. decorre que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo (com ou sem motivo atendível para isso… em desrespeito pelo estatuído no CT/2009), o que não se afigura aceitável nem atendível, ou cumpre considerar que a menção a contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade.
- Estes últimos iniciam a sua evolução nesta sede não no nível CAN início ou CAB 0, mas em CAB I com os posteriores e eventuais desenvolvimentos.
- As situações contempladas no 4 da cláusula do referido regulamento consubstanciam factos que obstam à normal progressão salarial e consequentemente são factos impeditivos da verificação do invocado direito à progressão salarial logrando assim aplicação o disposto no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil.
- Cumpre, pois, condenar a a pagar os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB I com a posterior progressão.
A Ré discorda do decidido na matéria em referência, defendendo que, ainda que à Autora seja reconhecida a existência, desde o início, de um vínculo laboral por tempo indeterminado, tal circunstância não poderá acarretar, de forma automática, o reconhecimento da sua integração em CAB I, posto que a integração neste nível não está na dependência da natureza do vínculo que exista entre as partes, devendo esse segmento da sentença ser revogado pelo Tribunal ad quem, em virtude de não se coadunar com o disposto no AE celebrado entre a TAP e o SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil), publicado no BTE n.º 8 de 28-02-2006, maxime a respetiva cláusula 10ª e as cláusulas 4.ª e 5.ª, do Regulamento Anexo (Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina).
Argumenta a Ré, em substância, que: a cláusula 5.ª, n.ºs 1 e 2, estabelece vários requisitos para a evolução salarial nos escalões previstos, maxime o decurso do tempo em cada posição, sem qualquer dependência do tipo de vínculo contratual; a evolução nos níveis salariais não depende da natureza do vínculo contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no período de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta claro da cláusula 5.ª, n.º 2, do Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina (sem prejuízo de essa experiência poder ser comprovada por e em processos específicos, como pode eventualmente acontecer nos processos de progressão técnica); logo, no caso dos autos, a circunstância de haver um reconhecimento do vínculo contratual sem termo, não faz aumentar a experiência profissional da Autora, já que esta, necessária e subjacente à progressão salarial, não se adquire pelo tipo de vínculo laboral, mas sim pelo desempenho, sendo este o princípio em que assentam os sucessivos graus referidos, quer na tabela salarial, quer no Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina, para além da verificação da não existência de incidências disciplinares e outras; o elemento histórico milita em favor da sua tese, na medida em que o AE de 1994 (BTE n.º 23/1994), com a alteração de 1997 (BTE n.º 40/1997) na Revisão ao Regulamento de Carreira Profissional (Anexo III), referia expressamente na cláusula 3ª (evolução da carreira profissional) a “efetivação”, ligando-a à integração em CAB I, sendo que não só o AE de 2006 (cláusula 5ª do Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina) introduziu um novo nível (CAB Início), como eliminou qualquer menção da consequência à efetivação como gerando a integração em CAB I.
Por sua vez, a Autora, nas suas contra-alegações defende que deve ser mantido o decidido na 1ª instância nesta matéria e, portanto, a condenação da Ré ao pagamento das sobreditas diferenças, sustentando, em síntese, que: é por demais clara a letra das cláusulas 4.ª, n.º 3 e 5.ª do referido AE de 2006 no sentido de que apenas os Tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, caso contrário sentido algum faria tal ter sido estipulado; o decurso do tempo entre CAB início até CAB 1 são 3 anos, o mesmo tempo que ao abrigo do Código de Trabalho aplicável a essa data, duraria no máximo a contratação a termo; em caso algum poderia um contratado a termo ter a categoria de CAB I; desta forma, o único motivo para a inclusão de tais menções nas referidas cláusulas apenas pode significar que apenas os contratados a termo podem ocupar as categorias CAB Início e CAB 0; atendendo ao elemento histórico, o AE anterior ao que regeu a relação laboral da Autora e da Ré (AE de 1994 com as alterações introduzidas em 1997, publicado no BTE n.º 40/1997), estipulava preto no branco que os tripulantes com a “efetivação” passavam à categoria CAB I, bem como a cláusula 3.ª/8.ª do AE de 1994, publicado no BTE n.º 23/1994 já nos dizia “Existirá um escalão de CAB 0 para efeitos exclusivamente remuneratórios, aplicável aos tripulantes contratados a termo e enquanto se mantiverem nessa situação, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente de evolução de carreira e de antiguidade”, demonstrando que sempre foi esta a prática da Ré.
Atente-se que, quanto à situação de que efetivo equivale a ser CAB I, a Autora havia ainda invocado na petição inicial que se encontravam sedimentados os usos neste ponto por mais de 14 anos de AE, alegando que a Ré ao longo dos anos sempre passou os tripulantes à categoria CAB I quando efetivou os tripulantes antes de decorrido o tempo máximo possível para recorrer à contratação a termo, sendo prática corrente da Ré integrar na categoria CAB I todos os tripulantes que transitassem para contrato sem termo, antes de atingido o limite máximo legalmente permitido para a contratação a termo e, bem assim, que a Ré sempre teve a mesma interpretação do clausulado mencionado relativo a esta matéria pela qual a Autora pugna (cfr. artigos 164.º a 174.º da petição inicial).
Sucede que, tal matéria atinente aos usos, foi considerada não provada (cfr. pontos 32. a 37. dos factos não provados), o que não foi colocado em crise pela Autora (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que com esse fundamento não pode resultar ganho de causa para a mesma.
Importa ainda ter presente que, pese embora se desconheça se a Autora é sindicalizada no SNPVAC e da sua relevância para efeitos do artigo 496.º, o certo é que por força das cláusulas 3ª, 4ª e 12.ª, n.º 1, do contrato de trabalho subscrito pelas partes é aqui aplicável o Acordo de Empresa celebrado por aquele Sindicato com a Ré - AE celebrado entre a TAP e o SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil).
Ora, tendo em conta a data da celebração do contrato de trabalho em causa nos autos, não há dúvidas que o Acordo de Empresa a que se reportaram as partes é o AE celebrado entre a TAP e o SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil), publicado no BTE n.º 8 de 28-02-2006 (cfr. cláusulas 41.ª e 43.ª desse AE).
Inexiste, aliás, controvérsia entre as partes quanto à aplicação do identificado AE e Regulamentação anexa ao mesmo (máxime o Regulamento de Carreira Profissional de Tripulante de Cabina, o Regulamento de utilização e prestação de trabalho e o Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais).
Tal AE e respetiva regulamentação anexa é desde logo aplicável enquanto parte integrante do contrato individual celebrado, por nele se fazer remissão expressa.
A questão em análise prende-se, pois, com a apreciação do Acordo de Empresa (AE) celebrado entre a TAP e o SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil), publicado no BTE, 1ª Série, n.º 8 de 28-02-2006 (adiante designado por AE), e dos anexos desse mesmo AE, maxime o Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabina (adiante designado por RCPTC), que nos termos da respetiva cláusula 39.ª se consideram como dele fazendo parte integrante.
De facto, a cláusula 39.º do AE, sob a epígrafe “Anexos do AE”, prevê que:
“1 — Os regulamentos a seguir indicados são parte integrante do presente AE, sendo as correspondentes entradas em vigor e períodos de vigência e revisão regulamentados pela cláusula 2.ª, «Vigência, denúncia e revisão», deste AE:
Regulamento de carreira profissional do tripulante de cabina (RCPTC);
Regulamento de utilização e prestação de trabalho (RUPT);
Regulamento de composição de tripulações (RCT);
Regulamento de retribuições, reformas e garantias sociais (RRRGS);
Regulamento de protecção da maternidade e da paternidade (RPMP);
Regulamento de redução da actividade/trabalho a tempo parcial (RRA).
2 — A actualização salarial 2005-2006 acordada pela TAP e pelo SNPVAC em 24 de Novembro de 2005 produz efeitos nos termos nela previstos, constituindo um anexo ao presente AE e dele fazendo parte integrante.”
A cláusula 10.ª do AE, sob a epígrafe “Categorias e carreiras profissionais” prevê o seguinte:
“1 — As categorias profissionais dos tripulantes de cabina e o respectivo conteúdo funcional são os constantes do regulamento de carreira profissional do tripulante de cabina.
2 — As qualificações técnicas necessárias ao desempenho das funções previstas para cada uma das categorias profissionais são as estabelecidas nas disposições legais aplicáveis e no presente AE.
3 — A evolução na carreira profissional e a progressão técnica processa-se de acordo com o regulamento de carreira profissional do tripulante de cabine.
4 — As normas de utilização dos tripulantes são as constantes do regulamento de utilização e prestação de trabalho deste AE.”
A cláusula 15.ª do AE, sob a epigrafe “Antiguidades”, estabelece que:
“1 — As antiguidades dos tripulantes são as seguintes:
a) Antiguidade na empresa;
b) Antiguidade de serviço;
c) Antiguidade na categoria;
d) Antiguidade na função.
2 — A antiguidade na empresa é contada a partir da data de celebração do primeiro contrato de trabalho com a empresa.
3 — A antiguidade de serviço é contada a partir da data do primeiro voo de largada para a profissão.
4 — O critério de marcação dos voos de largada deve respeitar a ordem resultante da classificação obtida no mesmo processo de admissão.
5 — Quando, por motivos alheios ao tripulante, o critério referido no número anterior não for respeitado, o tripulante afectado adquire a antiguidade de serviço do primeiro tripulante largado à sua frente e que tenha obtido uma classificação inferior à sua no mesmo processo de admissão.
6 — A antiguidade na categoria é idêntica à antiguidade de serviço na categoria profissional em que o tripulante foi admitido, mas será contada a partir da data da largada conjunta no exercício da função correspondente a uma categoria profissional, sempre que decorrer de uma promoção.
7 — A largada conjunta é definida pela data da primeira largada (individual) dos elementos que frequentaram com aproveitamento o mesmo curso de acesso à categoria.
8 — Para efeitos de definição de antiguidade na categoria, para as categorias de C/C e S/C, consideram-se as datas em que estas foram criadas, respectivamente Setembro de 1975 e Junho de 1978.
9 — A antiguidade na função é o período de tempo de desempenho efectivo da função de voo correspondente a uma categoria profissional, contado nos termos da cláusula 17.ª, «Exercício efectivo de função».
10 — Para efeitos de contagem da antiguidade na função, o exercício efectivo das funções de C/C e S/C abrangerá os períodos anteriores à criação das respectivas categorias, desde que desempenhadas sem limitação de linhas.
11 — O tempo de prestação de serviço anterior à admissão por tempo indeterminado no quadro permanente será integralmente considerado para a contagem da antiguidade na empresa, de serviço, na categoria e na função, salvo quando ocorrer interrupção superior a 12 meses ou devida a recusa do tripulante de manter a prestação de trabalho.
12 — O disposto nos números anteriores não prejudica as antiguidades adquiridas até à data da entrada em vigor do presente AE, nem o escalonamento, nem as anuidades e respectiva integração nos níveis salariais decorrente dessas antiguidades.
13 — Para efeitos da presente cláusula, designadamente das regras relativas ao regime de antiguidades, estabelecidas no n.º 11, considera-se equivalente a «tempo de prestação de serviço anterior à admissão por tempo indeterminado no quadro permanente» o tempo decorrido entre o fim de um período de contratação a termo e o início do período de contratação subsequente sempre que o período intercalar da não prestação de serviço se tiver verificado por erro manifesto na aplicação do critérios de selecção vigentes à data da «não contratação» e por qualquer outro motivo da responsabilidade da TAP.
14 — Os tripulantes que forem preteridos por virtude de qualquer dos motivos descritos no número anterior terão, assim, para efeitos de admissão no quadro permanente, o mesmo tratamento dos tripulantes que tenham mais tempo de prestação efectiva de serviço ou maior número de contratos a termo por lhes terem sido aplicados correctamente os critérios de selecção em cada momento em vigor.”.
Sob a epígrafe “Escalonamento na categoria”, prevê a cláusula 16ª do AE o seguinte:
1 – A posição relativa entre os elementos de uma mesma categoria é determinada com base na data do respetivo acesso a essa categoria.
2 – Quando dentro de uma categoria se verifique distinção entre tripulantes afectos a equipamentos de WB, NW e NB, o escalonamento dentro dessa categoria será feito em função dos referidos equipamentos.
3 – Em caso de igualdade de antiguidade determinada nos termos do n.º 1, a posição relativa será definida pela classificação obtida no respetivo curso de acesso à categoria.
4 – Em caso de igualdade de classificação no curso de acesso à categoria, será considerado mais antigo o elemento que tiver maior antiguidade de serviço; em caso de igualdade, será mais antigo o elemento que tiver mais antiguidade de companhia; se a igualdade se mantiver ainda, será mais antigo o de maior idade.
5 – O escalonamento na categoria de comissário/assistente de bordo (CAB) obedecerá às seguintes regras, independentemente da base que constar dos respectivos contratos de trabalho:
a) Havendo tripulantes com o mesmo tempo de prestação de serviço, serão mais antigos aqueles cuja data inicial do primeiro contrato a termo seja inferior;
b) Mantendo-se a igualdade, serão mais antigos aqueles cuja numeração do curso de ingresso na TAP seja anterior, sendo irrelevante, todavia, a numeração diversa que resulte apenas do facto de se distinguirem os cursos de A/B dos de C/B;
c) Subsistindo a igualdade, a posição relativa será definida por ordem decrescente da classificação obtida nesse curso, seguindo-se depois as demais regras de desempate previstas no n.º 4.”
A cláusula 17.ª do AE, sob a epígrafe “Exercício efectivo de função”, prevê o seguinte:
1 — Para efeitos de promoção, o exercício efectivo de função é contado por anuidades, sendo necessária a realização de 75% da média ponderada anual de horas de voo realizadas pelos tripulantes da mesma função e equipamento(s) em que o tripulante preste serviço.
2 — Terão direito ao crédito da média de horas de voo realizadas pelos tripulantes com as mesmas funções, afectos ao mesmo tipo de equipamentos e em serviço exclusivo de voo, por cada dia de impedimento os tripulantes que se encontrem impedidos de voar por motivos de:
a) Exercício de funções permanentes em terra;
b) Exercício de funções eventuais em terra;
c) Frequência de cursos de formação profissional determinados pela empresa, com excepção do primeiro curso de qualificação para a profissão;
d) Gravidez clinicamente comprovada;
e) Gozo da licença de maternidade e de paternidade, nos termos do Código do Trabalho; f) Acidente de trabalho ou doença profissional;
g) Exercício de funções sindicais ou em comissão de trabalhadores (CT).”
O processo de admissão está previsto na cláusula 18.ª do AE, que estabelece o seguinte:
“1 — A admissão de candidatos a tripulantes deve ser precedida de aprovação nos exames exigidos pela empresa e pelo organismo oficial competente, obedecendo aos demais requisitos estabelecidos pela empresa, designadamente o conhecimento da língua portuguesa falada e escrita.
2 — Os candidatos admitidos deverão ser integrados na categoria e equipamento a que se destinam, nos termos do regulamento de carreira profissional do tripulante de cabina deste AE.”
A cláusula 20.ª do AE, tem a epígrafe “Selecção de tripulantes para admissão por tempo indeterminado ou a termo”, dispondo que:
1 — Em cada processo de renovação de contratos a termo, de admissão por contrato a termo ou de admissão no quadro permanente por contrato por tempo indeterminado, os CAB contratados a termo serão previamente sujeitos a uma avaliação global, para a qual relevam:
a) Passado disciplinar ou pendência de processos disciplinares;
b) Assiduidade, não relevando, porém, as faltas esporádicas de assiduidade não incompatibilizadoras do exercício da profissão, ainda que de longa duração, tais como as fundadas em motivo de nojo, casamento ou doença com internamento hospitalar e não afectadora da capacidade para o exercício de funções de voo;
c) O parecer escrito e fundamentado do director de pessoal de cabina, consubstanciado na análise dos processos individuais;
d) A média de avaliação contínua em relação à média aritmética simples obtida nas avaliações da categoria CAB de NB, desde que respeitante a um período não inferior a seis meses e resultante, no mínimo, de 20 avaliações.
2 — No caso de a informação ser negativa e ter como único fundamento a pendência de processo disciplinarcom propositura de arquivamento, anulação ou sanção inferior a repreensão registada, o tripulante tem o direito a ser ordenado, de imediato, de acordo com as regras previstas nos números seguintes.
3 — No caso de a informação da avaliação global ser negativa, a TAP fornecerá por escrito ao tripulante a fundamentação da mesma.
4 — O ordenamento dos CAB contratados a termo, para efeitos da sua selecção com vista à contratação a termo ou à admissão no quadro permanente, será feito pela classificação resultante da aplicação da seguinte fórmula:
NF=(5/18×M+NC+MA):3
em que:
NF=nota final;
M=número de meses (ou fracção) de trabalho prestado na função;
NC=nota de curso;
MA=média das avaliações.”
A cláusula 21.ª do AE, sob a epígrafe “Período experimental”, estabelece, para além do mais, o seguinte:
“1 — Para os tripulantes de cabina admitidos directamente para o quadro por tempo indeterminado, o período experimental corresponde ao período inicial de 180 dias de execução do contrato de trabalho, uma vez que se considera que estes trabalhadores exercem cargos de complexidade técnica, de elevado grau de responsabilidade, e o exercício das respectivas funções requerem uma especial qualificação.
2 — Aos tripulantes admitidos mediante contrato por tempo indeterminado e que, no ano anterior à sua admissão, tenham prestado serviço à empresa vinculados por contrato a termo o período experimental corresponderá ao tempo em falta para se perfazer o período a que se alude no número anterior.
3 — Para os trabalhadores contratados a termo o período experimental será de 30 ou de 15 dias, consoante o contrato de trabalho tenha duração igual ou superior a seis meses ou duração inferior a este período, respectivamente.
(…)”.
Na cláusula 42.ª do AE, sob a epígrafe “Maior favorabilidade global” consta que a “TAP e o SNPVAC reconhecem expressamente este AE como globalmente mais favorável aos tripulantes de cabina, que toda a regulamentação anteriormente aplicável que este AE veio revogar.
Dispõe a cláusula revogatória do AE (43.ª) que o “presente AE revoga o AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 1994, com as alterações publicadas nos Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série n.ºs 40, de 29 de Outubro de 1997, 21, de 8 de Junho de 2003, e 30, de 15 de Agosto de 2003.”
O RCPTC anexo ao referido AE e que, como vimos é parte integrante do mesmo, a respeito do respetivo objeto e âmbito pessoal, estipula que tal regulamento define a profissão de tripulante de cabina e as categorias profissionais inerentes e estabelece as regras a observar na evolução da carreira profissional (cláusula 1.ª).
A cláusula 2.ª do RCPTC, sob a epígrafe “Definições”, prevê que, para efeitos do disposto naquele regulamento, considera-se que:
“(…)
c) «Processo de avaliação» consiste na apreciação por uma comissão de avaliação dos requisitos essenciais ao desempenho das funções inerentes às categorias de S/C e C/C;
d) «Progressão técnica» consiste na passagem do tripulante dentro da mesma categoria do quadro de NB para o quadro de NW ou para o quadro de WB, ou do quadro de NW para o quadro de WB;
e) «Promoção» consiste no acesso do tripulante à categoria profissional imediatamente superior;
(…)
g) «Tripulante de cabina (cabin crew)» é o indivíduo que, não fazendo parte da tripulação técnica, desempenha, no interesse da segurança de voo, funções que lhe são atribuídas pelo operador de acordo com as suas licenças, qualificações e autorizações.”.
Já a cláusula 3.ª do RCPTC, sob a epígrafe “Categorias profissionais”, estabelece que a profissão de tripulante de cabina compreende as seguintes categorias profissionais:
1.1 - Supervisor de cabina (S/C) (…)
1.2 – Chefe de Cabina (C/C) (…)
1.3. – Comissário/assistente de bordo (CAB). – É o tripulante, devidamente qualificado pela entidade aeronáutica nacional ou pela empresa, que colabora directamente com o chefe de cabina, por forma que seja prestada assistência aos passageiros e à tripulação, assegurando o cumprimento das normas de segurança, a fim de lhes garantir conforto e segurança durante o voo, segundo as normas e rotinas estabelecidas e tendo em conta os meios disponíveis a bordo. A responsabilidade inerente ao exercício das funções de CAB abrange ainda:
a) A verificação dos itens de segurança, de acordo com a respectiva check-list, bem como o cumprimento dos procedimentos de segurança respeitantes ao avião e aos seus ocupantes, com vista a assegurar o salvamento destes em caso de emergência;
b) É responsável, perante o chefe de cabina, pelo cumprimento da check-list pre-flight;
c) Nas escalas sem representação da empresa, quando necessário, colabora com o chefe de cabina nas diligências adequadas ao alojamento e à alimentação convenientes dos passageiros e tripulantes;
d) É directamente responsável perante o chefe de cabina pelo serviço executado.”
A cláusula 4.ª do RCPTC, sob a epígrafe “Admissão e evolução na carreira profissional”, dispõe que:
1 — Os tripulantes de cabina são admitidos na categoria profissional de comissário/assistente de bordo (CAB), no quadro de narrow body.
2 — A evolução dos tripulantes de cabina na respectiva carreira profissional efectivar-se-á pelas seguintes categorias profissionais:
Comissário/assistente de bordo;
Chefe de cabina;
Supervisor de cabina;
respeitando o seguinte esquema de promoção e progressão:



3 — Os tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0), enquanto se mantiverem nesta situação, apenas serão afectos a equipamento NB.
4 — Os C/Cs aos quais seja facultado prestar serviços de voo exclusivamente em equipamentos NB e que pretendam evoluir na carreira profissional para S/C só poderão ter essa evolução, verificadas as condições e os requisitos gerais estabelecidos neste regulamento, após um período mínimo de 18 meses de prestação de serviços nos equipamentos NW.”
Por seu turno, a cláusula 5.ª do RCPTC, sob a epígrafe “Evolução salarial” estabelece o seguinte:
“1 — A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões:
CAB início a CAB 0 (contratados a termo);
CAB — de I a V;
C/C — de I a III;
S/C — de I a III.
2 — A evolução salarial, nos escalões indicados, terá lugar de acordo com os seguintes períodos de permanência, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
Categoria Anuidades
CAB 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 meses de CAB início.
CAB I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Até 18 meses de CAB 0.
CAB II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Três anuidades de CAB I.
CAB III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Três anuidades de CAB II.
CAB IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Três anuidades de CAB III.
CAB V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Três anuidades de CAB IV.
C/C II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Quatro anuidades de C/C I.
C/C III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Quatro anuidades de C/C II.
S/C II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Quatro anuidades de S/C I.
S/C III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Quatro anuidades de S/C II.
3 — Para os efeitos do número anterior, as anuidades são contadas nos termos da cláusula 17.a («Exercício efectivo de função») do acordo de empresa.
4 — A evolução salarial terá lugar, salvo verificação das seguintes situações:
a) Existência de sanções disciplinares que não sejam repreensões no período de permanência no escalão possuído;
b) Pendência de processos disciplinares;
c) Ocorrência de motivo justificativo em contrário relacionado com exercício ou conduta profissional, desde que expresso e fundamentado por escrito.
5 — No caso previsto na alínea b) do n.º 4, a evolução salarial só não se efectivará enquanto não estiver concluído o processo disciplinar e se dele resultar a aplicação de sanção disciplinar que não seja repreensão; se do processo disciplinar resultar sanção de repreensão ou ausência de sanção, a evolução será efectivada com efeitos a partir da data em que devia ter tido lugar.
6 — No caso previsto na alínea c) do n.o 4, o motivo invocado será comunicado, em documento escrito, ao tripulante, que o poderá contestar e dele recorrer; a impugnação será apreciada por uma comissão constituída nos termos da cláusula 10.a («Comissão de avaliação»), e, se for considerada procedente, a evolução será efectivada com efeitos a partir da data em que devia ter tido lugar.
7 — Ocorrendo qualquer motivo impeditivo da evolução salarial, ao abrigo do n.o 4, a mesma terá lugar no ano imediatamente seguinte, salvo se ocorrer, então, o mesmo ou outro motivo impeditivo; a inexistência de motivos impeditivos será referenciada a um número de anos, seguidos ou interpolados, correspondente à permanência mínima no escalão possuído.
8 — Os tripulantes contratados como CAB 0 até à data da assinatura deste acordo manter-se-ão como CAB 0, por um período máximo de três anos, para efeitos exclusivamente remuneratórios, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente de evolução na carreira e de antiguidade, contando todo o tempo de antiguidade e categoria na posição de CAB 0 para os efeitos de anuidades e integração nos níveis salariais.”
Nos termos da cláusula 8.ª do RCPTC (avaliação para acessos), as promoções na carreira dependem do processo específico de avaliação a que alude a alínea c) («Processo de avaliação») da cláusula 2.ª («Definições») do RCPTC.
A cláusula 14.ª do RCPTC versa sobre a progressão técnica, prevendo o seguinte:
“1 — Quando ocorrerem vagas para a progressão técnica, será elaborada uma comunicação de serviço donde constarão o número de vagas e a lista dos candidatos, ordenados por escalonamento na categoria.
2 — A progressão técnica dos tripulantes tem lugar nas seguintes condições:
a) Para os efeitos de progressão técnica, o exercício efectivo de função é contado por anuidades, sendo necessária a realização de 75% da média ponderada anual das horas de voo realizadas pelos tripulantes da mesma função e equipamentos em que o tripulante preste serviço;
b) As nomeações para qualquer progressão técnica fazem-se pelo escalonamento na categoria, desde que os tripulantes:
i) Não tenham qualquer restrição ou limitação temporária para o serviço de voo;
ii) Não tenham sanções nem processos disciplinares pendentes passíveis de sanção nos últimos 18 meses;
iii) No caso de pendência de processos disciplinares, se destes resultar ausência de sanção, a nomeação para a progressão técnica será efectivada no contexto das restantes nomeações.”
O Regulamento de utilização e prestação do trabalho consta também em anexo ao AE que no seu capítulo VI prevê o regime de utilização, estabelecendo a cláusula 34.ª desse capítulo que tal regulamento define a existência de três quadros cuja dotação terá em conta o plano de exploração e o plano estratégico da empresa e será objeto de acordo annual entre a TAP e o SNPVAC.
A cláusula 35.ª do Regulamento de utilização versa sobre o quadro wide body (WB), prevendo que este quadro é constituído pelos tripulantes de cabina que estão exclusivamente afetos aos equipamentos wide body, sendo que os tripulantes desse quadro serão obrigatoriamente sediados na base de Lisboa (n.ºs 1 e 2).
A cláusula 36.ª desse mesmo Regulamento versa sobre o quadro narrow/wide (NW), prevendo que este quadro será constituído pelos C/C e CAB sediados na base de Lisboa que estão qualificados para prestar serviço nos equipamentos de WB e NB, de acordo com as normas aí estabelecidas, totalizando o quantitativo fixo, definido e preenchido por ordem decrescente de antiguidade em cada categoria (Senum).
Por sua vez, a cláusula 37.ª do Regulamento de utilização versa sobre o quadro narrow body (NB), prevendo que o quadro NB será constituído por todos os tripulantes não incluídos nos quadros WB e NW, sendo que os tribulantes deste quadro serão utilizados exclusivamente em equipamentos NB.
A cláusula 38.ª desse mesmo Regulamento de utilização prevê que todos os tripulantes de cabina sediados nas bases de OPO e FNC ou quaisquer outras têm direito à promoção e progressão na carreira profissional, sendo que quando a promoção e ou progressão se efectivas, o tripulante será simultaneamente colocado na base de Lisboa.
Em anexo ao AE consta também, como vimos, actualização salarial 2005-2006 acordada pela TAP e pelo SNPVAC.
Do artigo 1.º dessa atualização consta o seguinte:




1 — O vencimento de senioridade é fixado em 1% do vencimento fixo.
2 — Nos casos em que 1% do vencimento fixo é inferior ao valor actual do vencimento de senioridade, mantém-se o valor actual, actualizado em 2,5% (€ 15,90), sendo exclusivamente aplicável aos tripulantes actualmente admitidos, efectivos ou a termo, e mantendo-se até que seja igual ou inferior a 1% do vencimento fixo respectivo.
3 — Mantém-se o acréscimo, ao subsídio de férias, de uma prestação de € 350.
4 — A prestação retributiva especial mantém-se fixada em 3,5% do vencimento fixo.
5 — O vencimento horário mantém-se fixado em 2,5% do vencimento fixo.”
No artigo 2.º dessa mesma atualização, sob a epígrafe Ajuda de custo complementar, consta que:
“1 — Por cada dia de calendário (das 0 horas às 23 horas e 59 minutos, horas locais da base) em que seja realizado um ou mais serviços de voo ou em que esteja em curso a realização de um serviço de voo, incluindo o período de estada, o tripulante tem direito, isoladamente ou em complemento da ajuda de custo que for devida nos termos da regulamentação interna da empresa, a uma ajuda de custo complementar de montante constante da tabela salarial em vigor em cada momento.
2 — A ajuda de custo complementar é actualizada em 2,5% para os seguintes montantes:



Daqui decorre inequivocamente que o vencimento fixo, a ajuda de custo complementar e a garantia mínima são distintos conforme o escalão em que o CAB esteja enquadrado, pelo que o posicionamento num dos escalões, máxime no CAB 0, no CAB início ou no CAB I tem implicações nos montantes a receber nas referidas componentes.
Assim, tendo em conta a atualização salarial para 2005-2006 publicada naquele AE [sendo certo, que, entretanto, vigoraram certamente outras atualizações salariais decorrentes nomeadamente de protocolos celebrados entre a TAP e o Sindicato em questão – cfr. a factualidade provada sob os pontos 55 a 60, da qual decorre que em 2018 a Autora auferiu o vencimento base de € 608,00 e em 2019 o vencimento base de €614,00, correspondentes ao escalão CAB início; a partir de setembro de 2020 a Autora passou ao escalão CAB 0, a que correspondia o vencimento base de €770,00], verifica-se o seguinte:
- no escalão CAB início o vencimento base era de €570,00, o que significa que a garantia mínima era de 3,5% do VF por dia de não escalamento nem utilização, sendo a ajuda de custo complementar prevista para esse escalão de € 31.70;
- no escalão CAB 0 o vencimento base era de €711,00, o que significa que a garantia mínima era de valor superior ao do escalão CAB início, sendo a ajuda de custo complementar prevista para o escalão CAB 0 coincidente para a prevista para o escalão CAB início, ou seja de €31.70;
- no escalão CAB I o vencimento base era de €905,00, o que significa que a garantia mínima era de valor superior ao dos escalões CAB início e CAB 0, sendo a ajuda de custo complementar prevista para o escalão CAB I de € 71,60 (ou seja, superior à prevista para os escalões CAB início e CAB 0).
Isto posto, temos que a questão a decidir é se, face às sobreditas normas convencionais, a Autora pelo facto de ter sido reconhecido que o seu contrato era por tempo indeterminado desde o início da contratação (26-03-2018), deveria ter sido logo colocada na posição de CAB I em termos de evolução salarial, com a inerente existência de diferenças retributivas.
Refira-se, desde já, que não se desconhece que esta questão está longe de ser pacífica, nomeadamente ao nível da jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo certo que não se conhecem decisões proferidas sobre esta questão pelos demais Tribunais da Relação. Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2016 (processo 968/12.4TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso), não se conhecendo outras decisões do STJ.
No sentido da posição sufragada pela sentença recorrida [ou seja, no sentido de que decorre dos nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do RCPTC, que “apenas os tripulantes de cabine contratados a termo são classificados nas categorias CAB início e CAB 0, sendo os tripulantes com contrato por tempo indeterminado integrados na categoria CAB I“ – cfr. citado Acórdão do STJ], para além do referido Acórdão do STJ, pronunciaram-se também os já supra citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 1-03-2023 e de 29-06-2022 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 24-11-2021 (processo n.º 10317/20.2T8LSB.L1, relator Desembargador Leopoldo Soares) – os dois últimos não publicados, mas juntos aos autos pela Autora.
Por seu turno, e no sentido de que a contratação por tempo indeterminado não implica a colocação no escalão CAB I já que independentemente do tipo de contratação a cláusula 5.ª, n.ºs 1 e 2 estabelece requisitos para a evolução salarial, máxime o decurso do tempo em cada posição, pronunciaram-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2022 (já acima citado) e de 20-11-2019 (processo n.º 2210/13.1-TTLSB-A, Relatora Desembargadora Manuela Bento Fialho) – não publicados, mas juntos aos autos pela Ré.
Refira-se ainda que no já citado recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-10-2023 (relatado pela Desembargadora Maria José Costa Pinto, que por sua vez interveio como adjunta no citado Acórdão de 15-11-2022), não foi suscitada na apelação a questão em referência (nessa parte o saneador sentença que julgou parcialmente inepta a petição inicial quanto ao pedido de reconhecimento da posição CAB I e diferenças daí decorrentes e absolveu a Ré da instância quanto a esses pedidos, não foi objeto de recurso).
Vejamos então.
O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho (incluindo o Acordo de Empresa) regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros, conforme entendimento plasmado no Acórdão do STJ nº 1/2019, publicado no DR 1ª série, nº 55, de 19/03/2019 [Este Acórdão, revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pode igualmente ser consultado in www.dgsi.pt, processo nº 1148/16.5TBBRG.G1.S2].
Dispõe o 9.º do Código Civil, sob a epígrafe “Interpretação da Lei” o seguinte:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
A interpretação tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei (no caso, das cláusulas do AE e dos regulamentos que do mesmo fazem parte integrante, máxime o RCPTC), o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo que na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica, e nessa medida não se pode perder de vista que o Acordo de Empresa nasce de declarações negociais emitidas no âmbito da autonomia negocial coletiva.
A interpretação é feita segundo as regras decorrentes do referido normativo, sendo certo que o enunciado linguístico da lei (no caso, das cláusulas da convenção) é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, o que, como é evidenciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-06-2021 (processo n.º 2276/20.8T8VLT.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes), «é de particular relevância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações».
No citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2019, escreveu-se que «[n]o domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação.».
Em suma, parte-se do enunciado linguístico da norma (no caso letra da convenção) por ser este o ponto de partida da atividade interpretativa, visto ser através dela que se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção coletiva em causa, funcionando o enunciado da cláusula igualmente como limite interpretativo, visto não poder ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.
Ora, analisando as cláusulas do AE e do RCPTC à luz das sobreditas regras interpretativas, sempre ressalvando o muito respeito que se tem pela posição divergente, não se nos afigura como possível afirmar que o critério diferenciador entre os escalões de evolução salarial da categoria CAB nos escalões Cab Início, Cab 0 e CAB I seja a natureza do contrato de trabalho firmado entre o tripulante de cabina e a TAP (contrato de trabalho a termo/contrato de trabalho por tempo indeterminado), em que os escalões de evolução salarial CAB Início e CAB 0 estariam reservados para os tripulantes de cabina contratados a termo e os tripulantes de cabina com contrato por tempo indeterminado seriam ab initio integrados no escalão CAB I.
Analisadas as disposições em presença não há dúvidas que a evolução na carreira profissional e a progressão técnica e, bem assim, a evolução salarial dentro de cada categoria se processa de acordo com o RCPTC (cfr. cláusula 10.ª, n.º 3, do AE).
Decorre com clareza deste RCPTC que a categoria base, de admissão, dos tripulantes de cabina é a de comissário/assistente de bordo (CAB), no quadro de narrow body - cfr. cláusula 4.ª, n.º 1 do RCPTC).
A evolução dos tripulantes de cabina na respetiva carreira profissional efetivar-se-á pelas categorias profissionais indicadas no n.º 2 dessa mesma cláusula 4.ª, respeitando o esquema de promoção e de progressão aí também previsto.
Retira-se também desse RCPTC que os tripulantes de cabina contratados a termo apenas serão afectos ao equipamento NB (narrow body) e enquanto contratados a termo a sua evolução salarial cinge-se aos escalões CAB início e CAB 0 (cfr. cláusulas 4.ª, n.º 3 e cláusula 5.ª, n.º 1, do RCPTC).
Da cláusula 5.ª do RCPTC resulta que existem escalões de evolução salarial na carreira profissional de tripulante de cabina, sendo que, especificamente, na categoria profissional de comissário/assistente de bordo (CAB), os escalões são os seguintes:
- de CAB início a CAB 0, sendo que o escalão CAB 0, pressupõe o período de permanência mencionado no n.º 2 da cláusula 5.ª (18 meses de CAB início);
- De CAB 0 evolui-se para CAB de I a V, pressupondo os períodos de permanência mencionados no n.º 2 dessa mesma cláusula (CAB I – até 18 meses de CAB 0; CAB II três anuidades de CAB I; CAB III três anuidades de CAB II; CAB IV três anuidades de CAB III e CAB V três anuidades de CAB IV).
Da sobredita regulamentação não resulta, porém, salvo melhor opinião, que a contratação por tempo indeterminado de um tripulante de cabina na categoria profissional de comissário/assistente de bordo (CAB) implique a sua integração ab initio no escalão de evolução salarial CAB I.
A carreira profissional correspondente à categoria profissional CAB, em termos de evolução salarial, desenvolve-se, como vimos, em sete escalões: CAB início, CAB 0, CAB I, CAB II, CAB III, CAB IV e CAB V (cláusula 5.ª, n.ºs 1 e 2, do RCPTC).
Sublinhe-se que o escalão CAB I, refere um período de permanência até 18 meses de CAB 0, mas por sua vez o CAB 0 já pressupõe um período de permanência de 18 meses no escalão anterior de CAB início.
Como tal, não se vê como se possa afirmar que da sobredita regulamentação resulta que um CAB com contrato por tempo indeterminado é ab initio integrado no terceiro escalão de evolução salarial sem qualquer período de permanência nos escalões anteriores, na medida em que tal interpretação, salvo melhor opinião, não colhe o mínimo de apoio na letra da cláusula 5.ª do RCPTC que refere sem margem para dúvidas que a evolução salarial nos escalões previstos no n.º 1 terá lugar de acordo com os períodos de permanência aí indicados, sendo que o segundo escalão CAB 0 pressupõe um período de permanência de 18 meses no primeiro escalão CAB início e, por sua vez, o terceiro escalão CAB I pressupõe um período de permanência até 18 meses no segundo escalão CAB 0.
A cláusula 5.ª, n.ºs 1 e 2, do RCPTC estabelece requisitos para a evolução salarial em escalões previstos, máxime o decurso do tempo em cada posição/escalão, sem que do aí estabelecido decorra que o faça depender do tipo de vínculo contratual (a termo ou por tempo indeterminado). Ou seja, não decorre desse clausulado que o previsto decurso do tempo em cada posição permita o estabelecimento de um regime distinto em função do tipo de contratação.
Tal cláusula regula a evolução salarial dos tripulantes de cabina na respetiva carreira profissional, concretamente, no que ora releva, na carreira profissional de comissário/assistente de bordo (CAB), podendo tal matéria efetivamente ser regulada e ter por fonte o AE e sua regulamentação, no âmbito da autonomia contratual entre entidades patronais e sindicais.
Sublinhe-se que, na lei laboral ordinária, inexiste qualquer norma que imponha aos empregadores o estabelecimento de regras de progressão na carreira e/ou evolução dentro da mesma carreira profissional (máxime evolução salarial nas carreiras dos seus trabalhadores).
No jogo de interesses típico da relação laboral – de um lado, o interesse do empregador na obtenção de um resultado ao mais baixo custo possível, do outro, o interesse do trabalhador não só na obtenção de uma retribuição ajustada, mas também na promoção da sua vertente profissional e pessoal, deixou-se à autonomia das partes, mormente por via da contratação coletiva, o estabelecimento das regras a que deveria estar subordinada a progressão na carreira e/ou evolução dentro de uma mesma carreira profissional.
No caso, estão em causa as regras da evolução salarial, afigurando-se como natural que nessas regras se tenha procurado dar expressão ao sobredito equilíbrio de interesses, sendo compreensível que não seria adequado impor ao empregador a evolução salarial com a consequente alteração, para mais, do estatuto remuneratório do trabalhador, sem obediência a determinados requisitos/pressupostos, designadamente, o critério da efetividade (no sentido de exercício efetivo de função), relevando a experiência do trabalhador na função.
Assim, nessa regulamentação, embora se reconheça ao trabalhador o direito à evolução salarial, com a inerente majoração do seu estatuto remuneratório, subordina-se essa evolução a determinados critérios, relevando, de sobremaneira, o critério da permanência de um certo período em cada escalão, reconhecendo-se assim como determinante a aquisição de experiência por parte trabalhador [cfr. n.º 3 da cláusula 5.ª do RCPTC que determina que para efeitos do n.º 2 dessa cláusula as anuidades – assim chamadas no quadro previsto nesse número – são contadas nos termos da cláusula 17.ª do AE (“Exercício efetivo de função”)]. Este critério introduz uma diferenciação positiva, assente num fator objetivo, decorrente da maior experiência no exercício da função, o que é compreensível e aceitável.
Com efeito, a permanência de um certo período em cada escalão tem a sua razão de ser na aquisição de experiência, razão pela qual não se afigura que a natureza do vínculo contratual implique posicionamento num ou noutro escalão.
Nessa decorrência, sufragamos a afirmação da Ré quando refere que a experiência profissional necessária e subjacente à progressão salarial não se adquire pelo tipo de vínculo contratual, mas sim pelo desempenho, sendo este o princípio em que assentam os sucessivos graus referidos, quer na tabela salarial, quer no RCPTC, para além da não verificação da não existência de incidências disciplinares e outras – cfr. ponto 135. das alegações da Ré.
A referência a «contratados a termo» constante das cláusulas 4.ª, n.º 3, e 5.ª, n.º 1 do RCPTC tem, pois, que ser interpretada como não impondo que os tripulantes de cabina integrados nos escalãos CAB Início e CAB 0 sejam contratados a termo e, bem assim, como não significando que os tripulantes de cabina contratados por tempo indeterminado sejam integrados aquando da sua admissão na categoria CAB I.
Nos citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 24-11-2021 e de 29-06-2022, que seguem posição divergente da aqui sufragada, argumenta-se «[d]as duas uma; ou se entende que da menção contratados a termo constante da cláusula 5ª decorre que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo (com ou sem motivo atendível para isso… em desrespeito do estatuído no CT/2009), o que não se nos afigura aceitável nem atendível, ou cumpre considerar – o que aqui se irá fazer – que a menção a contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade».
De facto, a menção em causa não poderá interpretar-se no sentido que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo, as partes outorgantes do AE não o disseram nem certamente o quiseram dizer, isso violaria frontalmente a lei, sendo certo que não é essa a posição que sufragamos.
Se atentarmos nalgumas cláusulas do AE, como seja, a cláusula 21.ª do período experimental, aí se contemplam as duas formas de contratação (por tempo indeterminado e a termo), referindo-se a “tripulantes de cabina admitidos diretamente para o quadro por tempo indeterminado” (n.º 1), “tripulantes de cabina admitidos mediante contrato por tempo indeterminado e que, no ano anterior à sua admissão, tenham prestado serviço à empresa vinculados por contrato a termo” (n.º 2) e a “trabalhadores contratados a termo” (n.º 3).
De todo modo, não pode deixar de se consignar que não passou despercebido que a cláusula 16.ª do AE, que regula o escalonamento na categoria, prevê no seu nº 5 regras específicas para o escalonamento na categoria de comissário/assistente de bordo (CAB), aí constando como primeira regra de escalonamento nessa categoria que “[h]avendo tripulantes com o mesmo tempo de prestação de serviço, serão mais antigos aqueles cuja data inicial do primeiro contrato a termo seja inferior(alínea a). Só se por aplicação dessa regra se mantiver a igualdade, é que se passa para a regra prevista na alínea b) e, subsistindo a igualdade por aplicação da regra da alínea b) é que se passa para a regra da alínea c) e, após, seguem-se as demais regras de desempate previstas no n.º 4 desse normativo.
Seja como for, como se referiu, as partes outorgantes do AE não dizem no AE e no seu RCPTC que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo, sendo certo que a cláusula 4.ª do RCPTC, que regula a admissão na carreira profissional, apenas estabelece que os tripulantes de cabina são admitidos na categoria profissional de comissário/assistente de bordo (CAB), no quadro de narrow body (n.º 1)
Assim, e concordando-se que da menção a «contratados a termo» constante da cláusula 5.ª não pode entender-se que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo, já se discorda quanto à conclusão «que a menção a contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade» [não se vê também, aliás, como é que essa conclusão alguma vez estaria em sintonia com os princípios gerais aplicáveis à relação laboral e previstos no Código do Trabalho – veja-se a situação de 2 trabalhadores admitidos ab initio e no mesmo dia na categoria CAB, sendo um contratado a termo e outro contratado por tempo indeterminado].
Da interpretação do clausulado no AE e seu RCPTC, ressalvando mais uma vez o devido respeito pela posição divergente, conclui-se que a admissão na categoria profissional de comissário assistente de bordo (CAB) nos termos referidos na cláusula 4.ª, n.º 1, faz-se pelo escalão CAB início (escalão correspondente ao início do exercício de funções na profissão), sendo que as regras de evolução salarial não são determinadas nem condicionadas pela natureza do vínculo em que assenta essa admissão (contrato a termo ou contrato por tempo indeterminado), antes resultando da conjugação dos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5.ª que tal evolução pressupõe períodos de permanência, ou seja, experiência na função.
A interpretação da menção «contratados a termo» constante na cláusula 5.ª, n.º 1, do RCPTC é apenas a de que a respetiva evolução salarial se cinge aos escalões CAB início e CAB 0, o que terá a ver com o limite de duração do contrato a termo e, bem assim, com os períodos de permanência exigidos naqueles escalões.
Se o trabalhador for contratado sem termo: ou já havia sido previamente contratado a termo, tendo passado pelo percurso exigido na evolução inicial – pelos períodos de permanência aí pressupostos (relativos à evolução cab início e cab 0) -, caso em que aquando dessa admissão para o quadro permanente poderá passar para o escalão de evolução CAB I – cfr. cláusulas 15.º, n.ºs 9 e 11, 20.º e 21.º do AE; ou não tinha, estando ab initio a ser contratado sem termo, e então terá que passar pela evolução salarial inicial prevista na cláusula 5ª com os períodos de permanência aí pressupostos e a que já se fez referência, ou seja, terá que começar pelo escalão CAB início (sublinhe-se mais uma vez que o escalão CAB I prevê um período de permanência no CAB 0 e o seu pressuposto (18 meses em CAB início).
Nem, se assim não fosse, se compreenderia a distinção apenas porque a contratação foi a termo ou sem termo – o distinto enquadramento em termos de evolução salarial em função da mera natureza da contratação -, o que violaria, sem razão objetiva materialmente válida ou justificada, o princípio da igualdade.
Refira-se ainda que o próprio elemento histórico trazido à colação pela Autora (conclusão O)) não milita em favor da posição por si defendida, apontando até, a nosso ver, em sentido contrário.
No Acordo de Empresa de 1994, publicado no BTE 1ª Série, n.º 23, de 22 de junho de 1994 [revogado pelo AE de 2006 - cfr. cláusula 41.ª, n.º 2, deste último AE], verifica-se o seguinte:
- em anexo é feita caraterização das categorias profissionais (supervisor de cabina - S/C; chefe de cabina – C/C; comissário e assistente de bordo – CAB) – parte A);
- na alínea d) da parte B), regula-se a evolução da carreira profissional, prevendo-se na categoria CAB duas “subcategorias” – conforme o tipo de equipamento em que exercem funções (N.B. ou W.B.) – comissário e assistente de bordo N.B. e comissário e assistente de bordo W.B.;
- na alínea e) da parte B) regula-se a evolução salarial na carreira (escalões) – aí constando o seguinte:
Dentro das categorias profissionais dos tripulantes de cabina definem-se os seguintes escalões salariais:
CAB – I a V
C/C – I e II
S/C – I e II.
Haverá um escalão de CAB 0 aplicável exclusivamente aos tripulantes contratados a termo e enquanto se mantiverem nesta situação.”
No regulamento da carreira profissional do PNC constante desse AE de 1994 constava também uma cláusula sobre a admissão e evolução na carreira profissional, prevendo a sua cláusula 3.ª que os tripulantes de cabina são admitidos na categoria profissional de CAB, ficando afetos ao equipamento NB.
No que respeita à evolução salarial esse regulamento previa na sua cláusula 4.ª o seguinte:
1 – A evolução salarial independentemente da evolução na carreira profissional a que alude o n.º 2 da cláusula anterior, processa-se de acordo com os seguintes escalões:
CAB – I a V;
C/C – I e II
S/C – I e II.
2 – A evolução salarial nos escalões indicados terá lugar de acordo com os seguintes períodos de permanência, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
CAB II – três anuidades de CAB I;
CAB III – três anuidades de CAB II;
CAB IV – três anuidades de CAB III;
CAB V – três anuidades de CAB IV;
C/C II – três anuidades de C/C I;
S/C II – quatro anuidades de S/C I.”
Os n.ºs 3 e a 7 tinham previsões reconduzíveis às atualmente previstas nos n.ºs 3 a 7 da cláusula 5º do RCPTC.
Já o n.º 8 da cláusula 4.ª do AE de 1994 dispunha expressamente o seguinte: “existirá um escalão de CAB 0 para efeitos exclusivamente remuneratórios, aplicável aos tripulantes contratados a termo e enquanto se mantiverem nesta situação, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente na evolução na carreira de antiguidade.”
Atente-se que na evolução salarial naquele AE de 1994 inexistia qualquer transição de CAB 0 para CAB I (cfr. claúsula 4.ª, n.ºs 1 e 2). Ao contrário do que acontece atualmente, sendo que na cláusula 5.ª do RCPTC do AE de 2006 prevê-se a transição de CAB 0 para CAB I pressupondo períodos de permanência quer no escalão inicial CAB início (18 meses de CAB início para evoluir para CAB 0) quer no escalão 0 (até 18 meses no escalão CAB 0).
Por outro lado, a alteração introduzida em 1997 no AE de 1994, publicada no BTE n.º 40, de 29-10-1997, no seu Anexo II procedeu à revisão do clausulado do regulamento da carreira profissional PNC, introduzindo uma alteração na cláusula 3.ª no sentido de que os tripulantes de cabina são admitidos na categoria profissional de CAB, podendo ser afetos a qualquer dos equipamentos para que estejam qualificados (o que é distinto do previsto no AE de 2006 na cláusula 4.ª do RCPTC).
Em 1997 a cláusula 4ª do referido regulamento apenas sofreu uma alteração quanto às anuidades atinentes ao CAB V, que passaram para três anuidades (ao invés de cinco), mantendo-se no mais a redação de tal cláusula.
Em 1997 introduziu-se um anexo denominado Regulamento de Utilização, que previa que tendo em vista uma utilização racional dos quadros de PNC, eram constituídos três grupos no quadro de pessoal navegante de cabina, tendo cada um deles as seguintes características:
“Quadro de W/B
Todo o PNC que à data data da entrada em vigor deste acordo faz parte do equipamento W/B. Neste quadro não entrará mais qualquer elemento a partir desta data, excepto na categoria de supervisor de cabina, que é específica deste equipamento. (…)
Quadro de N/W
Todo o PNC efectivo que à data de entrada em vigor deste acordo faz parte do equipamento N/B. De modo a ser possível a sua utilização nos equipamentos W/B, será dada qualificação destes equipamentos a todos os elementos que ainda não a possuam.
Quadro de N/B
Todo o PNC com contrato a termo certo. Este PNC transitará para o quadro N/W após a sua eventual efetivação, recebendo nessa altura a respective«a qualificação.”
Neste mesmo anexo do Regulamento de utilização constava ainda, sob a epígrafe evolução na carreira profissional, o seguinte:
“A evolução na carreira profissional processar-se-á do seguinte modo:
Admissão – CAB 0 – quadro N/B
Efetivação:
CAB I – quadro N/W;
CAB II – quadro N/W;
CAB III – quadro N/W;
CAB IV – quadro N/W;
CAB V – quadro N/W;
C/C – quadro N/W;
S/C – quadro W/B”.
Em 2003 ocorreu nova alteração ao AE de 1994, publicada no BTE 1ª Série, n.º 21, de 8-06-2003, que veio revogar a matéria do Regulamento de utilização do AE PNC introduzida na alteração de 1997 (cfr. ponto IX entrada em vigor dessa alteração), sendo certo que nesse novo regulamento de utilização deixou já de estar prevista na composição dos quadros qualquer referência a pessoal efetivo ou contratado a termo e, bem assim, deixou de constar no regulamento de utilização do PNC a referência à evolução na carreira profissional com menção da efetivação como CAB I.
Em síntese, no AE de 2006 introduziu-se na evolução salarial um escalão CAB início (que inexistia no AE anterior), o CAB 0 passou a estar previsto como escalão de normal de evolução salarial, que sucede ao CAB início e precede o CAB I, sendo certo que a evolução para o escalão CAB I pressupõe um período de permanência no escalão CAB 0 até 18 meses e este último por sua vez já pressupõe um período de permanência de 18 meses no primeiro escalão de evolução CAB início. Sublinhe-se que no AE anterior não sucedia assim, sendo que em termos de períodos de permanência o primeiro período de permanência exigido era apenas para a transição de CAB I para CAB II – três anuidades de CAB I, sendo que existia um escalão CAB 0 que não estava previsto nos escalões da evolução salarial e para efeitos de exigência de período de permanência constando expressamente na cláusula da evolução salarial prevista no anexo do AE anterior que tal escalão CAB 0 existia para efeitos exclusivamente remuneratórios e era aplicável exclusivamente aos tripulantes contratados a termo e enquanto se mantivessem nessa situação. Mais se atente que o n.º 8 da atual cláusula 5ª do do RCPTC do AE de 2006 prevê que os tripulantes contratados como CAB 0 até à data da assinatura desse Acordo manter-se-ão como CAB 0 por um período máximo de três anos, para efeitos exclusivamente remuneratórios, sendo eliminado para todos os demais efeitos, nomeadamente de evolução na carreira e de antiguidade, contando todo o tempo de antiguidade e categoria na posição de CAB 0 para os efeitos de anuidades e integração nos níveis salariais.
Houve uma alteração nítida e relevante em relação ao que estava clausulado no AE anterior em termos de escalões de evolução salarial que seguramente se deveu a uma diferente opção das partes que negociaram o AE de 2006.
Em conclusão, ponderando as sobreditas regras interpretativas, considera-se ser de sufragar a interpretação no sentido de que o facto de o contrato ser ab initio por tempo indeterminado não determina o posicionamento do tripulante de cabina em CAB I e, bem assim, que no caso do contrato de trabalho do CAB contratado a termo se converter ab initio em contrato por tempo indeterminado (por força da nulidade do termo) tal não implica um diferente enquadramento na categoria nem no escalão salarial.
Nesta consonância, ao contrário do decidido em 1ª instância, considera-se que o facto de o contrato de trabalho da Autora se ter convertido ab initio (desde 26-03-2018) em contrato por tempo indeterminado, não dá direito à Autora à sua integração no escalão de evolução salarial CAB I, processando-se a sua evolução salarial nos escalões previstos na cláusula 5ª do RCPTC, começando pelo escalão CAB início, como se verificou, pelo que não assiste à autora direito a diferenças retributivas entre os montantes que auferiu enquanto enquadrada nos escalões CAB Início e CAB 0 e o valor correspondente ao escalão CAB I [seja a título de vencimento base e da garantia mínima – esta última associada a uma percentagem do vencimento base -, seja a título de ajuda de custo complementar – que é também distinta conforme se esteja posicionado no CAB início e no CAB 0 ou no escalão CAB I - e nos subsequentes -, auferidas desde a sua admissão na Ré].
Termos em que terá que julgar-se nesta questão procedente a apelação da Ré, revogando-se consequentemente os segmentos condenatórios da sentença recorrida que respeitavam a tal matéria, mais precisamente os pontos III, IV e V da decisão condenatória da Ré (atinentes a montantes que foram considerados como devidos desde a admissão da Autora e relacionados com o posicionamento nos escalões de evolução salarial).
*
6. Verificar se assiste à Autora direito à componente da “garantia mínima” nas retribuições intercalares e, no caso de resposta afirmativa, em que termos.
A Autora formulou o pedido de condenação da Ré a pagar-lhe nas retribuições intercalares a “garantia mínima” prevista na cláusula 5.ª do Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais (adiante designado por RRRGS), calculada de acordo com tal cláusula – cfr. ponto III do pedido formulado pela Autora -, sustentando que a mesma deve considerar-se parte integrante da retribuição do trabalhador e, bem assim, que as retribuições intercalares a que a Ré deve ser condenada não se limitam ao vencimento base devendo ser acrescidos da devida garantia mínima.
A sentença pronunciou-se sobre a questão das retribuições intercalares relativas à componente “garantia mínima” prevista na cláusula 5.ª do RCPTC, apelando mais uma vez ao citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-06-2022, concluindo tratar-se de uma componente remuneratória destinada a compensar o trabalhador pela disponibilidade, com caráter de regularidade e periodicidade, que tem a natureza de retribuição.
Nessa decorrência, está tal componente integrada no segmento condenatório da sentença sob o ponto II b) atinente à condenação no valor das retribuições intercalares devidas pela Ré à Autora.
A Ré, aliás, assim o entendeu, sustentando no recurso apresentado neste particular que atenta a natureza da “garantia mínima”, a Autora não terá direito a esta prestação após a cessação do seu contrato e a sua eventual reintegração, uma vez que não realizando voos não se verifica a ratio da “garantia mínima”. Mais sustenta a Ré que a sentença recorrida não atendeu ao regime dos tripulantes em efetividade de funções na Ré desde a data da cessação do contrato da Autora, argumentando que ficcionar o conceito de disponibilidade da Autora face ao regime previsto no Anexo ao AE TAP/SPNVAC não pode resultar num tratamento mais favorável para a mesma daquele que foi aplicado em concreto aos tripulantes em efetividade de funções desde a data da cessação do contrato da Autora. Argumenta ainda que distinta solução violaria o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), para além de se traduzir na prática num injustificado tratamento mais favorável da Autora.
Quanto a esta concreta questão a Autora nada disse nas contra-alegações (nem nas respetivas conclusões) apresentadas.
Para a resolução da questão em apreciação, haverá que apelar mais uma vez ao identificado AE de 2006 e respetiva regulamentação anexa.
Prevê o n.º 4 da cláusula 9.ª do Regulamento de utilização e prestação de trabalho, que as escalas de serviço mensais deverão distribuir equitativamente, por todos os tripulantes, disponíveis os períodos de serviço de voo, de serviço on call, de serviço de assistência e de serviço de reserva de vinte e quatro horas exigidos pela operação.
Por seu turno, diz-nos a cláusula 5.ª, sob a epígrafe “Garantia mínima”, do Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais que:
“1 – Sempre que contra o disposto no n.º 4 da cláusula 9.ª, «Escalas de serviço», do regulamento de utilização e prestação de trabalho, um tripulante com disponibilidade para o efeito não seja escalado em planeamento mensal para serviços de voo que o ocupem, no mínimo, em 15 dias em cada mês terá direito a uma prestação retributiva especial de montante igual a 3,5% do VF respetivo, por cada dia de não escalamento nem utilização, até ao referido limite de 15 dias.
2 – A mesma prestação retributiva será devida se a não ocupação mínima, com serviços de voo, em 15 dias de cada mês, for causada pelo Serviço de Planeamento e Escalas, salvo se tal for devido a iniciativa do tripulante.
3 – Nas situações de indisponibilidade do tripulante, o mínimo de 15 dias previsto no n.º 1 é reduzido proporcionalmente, sendo para o efeito considerado o período de referência de 30 dias correspondente a qualquer mês de calendário”.
O Supremo Tribunal de Justiça foi já chamado, por várias vezes, a pronunciar-se acerca da natureza da prestação prevista nesta cláusula, embora em ações com conteúdo e objeto diversos, tendo firmado o juízo relativo à natureza retributiva de tal prestação. Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do STJ de 5-06-2006 (processo n.º 2131/08.0TTLSB.L1.S1., Relator Conselheiro Pinto Hespanhol), de 25-09-2012 (processo n.º 2132/08.8TTLSB, Relator Conselheiro Leonel Dantas), de 15-11-2012 (processo n.º 2132/08.9TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Fernandes da Silva) e de 1-10-2015 (processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1-S1, Relator Conselheiro Melo Lima).
Escreve-se no citado Acórdão do STJ de 1-10-2015 o seguinte:
No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido na Revista n.º 2131/08.0TTLSB.L1.S1, ([9]) em ordem a firmar-se o acima referido juízo – relativo à natureza retributiva da prestação prevista na cláusula 5.ª do regulamento – ponderou-se como segue:
«Trata-se de um abono (…) que [f]oi introduzido pelo AE de 1997, sob a designação “prestação retributiva complementar” – cls. 58.ª, n.º 5.
É uma prestação que corresponde a 3,5% do vencimento fixo (VF) por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante, até ao limite de 15 dias. Ou seja, quando, nos termos da cls. 29.ª do AE, o tripulante disponível que não for ocupado em escalamento mensal para o serviço de voo, no mínimo 15 dias, a empresa obriga-se a compensá-lo mediante o pagamento de 3,5% por cada dia de não escalamento nem utilização até ao limite de 15 dias.
É de facto uma penalidade que a empresa sofre pela não utilização do trabalhador disponível, mas do ponto de vista do trabalhador essa prestação corresponde a uma compensação pela sua disponibilidade para prestar a atividade à empresa, pelo que se trata de uma prestação de natureza retributiva, constituindo verdadeira contrapartida pela disponibilidade do trabalhador para prestar serviço à empresa».
Não vislumbramos razão para alterar o sobredito juízo decisório que, como se disse, tem vindo a ser, sucessivamente, afirmado por esta Secção.
Na verdade, para a qualificação de uma determinada prestação satisfeita pelo empregador ao trabalhador o que, efetivamente, avulta, como critério decisório, é que a mesma se destine a retribuir seja a efetiva prestação de trabalho pelo trabalhador – sendo aqui evidenciado o carácter sinalagmático direto a que se obriga o trabalhador – como a sua disponibilidade para o efeito, suportando o empregador o risco de, caso o não ocupe, então ter que cumprir, ainda assim, com o seu sinalagma. Se, no caso concreto, a recorrente antevê, na prestação prevista na cláusula 5.ª do regulamento, uma mera penalidade pela não utilização do trabalhador, nem por isso o Tribunal deve deixar de dar o correto enquadramento jurídico à prestação ali prevista e à objetiva natureza que a mesma assume: destina-se a retribuir o trabalhador pela sua eventual inatividade mas num concreto lapso temporal em que apenas está inativo por ação da sua empregadora, pois, do ponto de vista do trabalhador, está ele disponível para trabalhar. Ora, se a retribuição corresponde à contrapartida devida pelo empregador nas situações seja de efetiva prestação do trabalho seja de disponibilidade para o efeito – o que corresponde a situações em que o trabalhador subsiste sujeito ao poder conformativo da sua prestação por banda do empregador – e destinando-se a prestação prevista na cláusula 5.ª a retribuir esta disponibilidade, não antevemos, repete-se, razão válida para que se lhe não reconheça a natureza de retribuição.
(…)”.
Sublinhe-se que, no caso dos trabalhadores ilicitamente despedidos, em sede remuneratória tudo se deve passar como se a relação laboral sempre tivesse subsistido.
Nesse pressuposto, a Autora tem direito a receber a retribuição que receberia se estivesse ao serviço da Ré, sendo certo que num desenvolvimento normal do contrato, a Autora manteria a sua obrigação de prestar atividade ou de se manter disponível para esse efeito, e a Ré manteria a sua obrigação de pagar a retribuição da Autora.
Tendo em conta o despedimento da Autora, constitui facto incontornável que a mesma não foi escalada em planeamento mensal para serviços de voo que a ocupassem.
Ora, como vimos, por força das cláusulas 3.ª, 4.ª e 12.ª do contrato celebrado entre as partes, é aqui aplicável o AE celebrado entre o SNPVAC e a Ré.
Foi celebrado o Acordo de Empresa entre a Transportes Aéreos Portugueses, SA (Ré) e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil-SNPVAC – Acordo Temporário de emergência, publicado no BTE, n.º 9, de 8-03-2021, portanto, aqui aplicável.
Tal Acordo temporário, como resulta da respetiva cláusula 1.ª, tem por objeto a suspensão e alteração parcial e temporária do acordo de empresa (AE) celebrado entre a TAP e o SNPVAC, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 8, de 28-02-2006, bem como dos regulamentos, acordos, protocolos ou outros instrumentos contratuais e/ou normativos celebrados e/ou definidos entre a TAP e o SNPVAC, relacionados com ou complementares do AE, e a redução de condições de trabalho, nomeadamente remuneratórias.
Em termos de vigência e eficácia, prescreve a cláusula 3ª de tal Acordo temporário o seguinte:
1 – O presente acordo entrará em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Boletim do Trabalho e Emprego e terá uma vigência inicial de um ano, sendo automática e sucessivamente renovado, por iguais períodos, até 31 de dezembro de 2024, salvo se ocorrer a respectiva caducidade nos termos previstos no número 3.
2 – As medidas acordadas referentes a retribuições e outras prestações pecuniárias, retributivas ou não, produzem efeitos a 1 de janeiro de 2021, com exceção das previstas na cláusula 6.ª que produzirão efeito no mês da publicação do presente acordo temporário de emergência.
3 – O presente acordo caducará em 31 de dezembro de 2024 ou, se anterior, na data da entrada em vigor da revisão integral do atual acordo de empresa, prevista na cláusula 8.ª, na sequência da sua publicação no Boletim de Trabalho e Emprego.”
A cláusula 4.ª do Acordo Temporário estabelece, entre o mais, o seguinte:
1 – Durante a vigência do presente acordo, fica temporariamente suspensa a aplicação das seguintes cláusulas/normas (no todo ou na parte indicada) constantes do AE ou de regimes específicos, identificados, complementares do AE:
(…)
e) Regulamento de remunerações, reformas e garantias sociais:
Cláusula 5.ª – Garantia mínima: Apesar da manutenção desta cláusula, a mesma é alterada durante 2021 nos seguintes termos: onde se lê 15 dias deve ler-se 6 dias.
A garantia mínima («Prestação retributiva especial») fica suspensa a partir de 1 de janeiro de 2022, inclusive, até ao termo de vigência do presente acordo de emergência, sem prejuízo das partes negociarem outro regime alternativo em sede de revisão do acordo de empresa.
(…)”.
Perante tal, embora o contrato da Autora não estivesse suspenso, pois para a Ré estava extinto, a verdade é que se assim não fosse, a Autora também não teria direito a perceber a dita prestação retributiva especial pelo período correspondente de suspensão do AE, a não ser nos termos previstos no Acordo temporário e atrás referidos.
Assim, não pode ser reconhecido à Autora um direito que em qualquer caso não teria não fora o despedimento ilícito pois que com a declaração judicial dessa ilicitude retomava a posição contratual como se não tivesse ocorrido o despedimento (artigo 389.º, n.º 1, alínea b), do Código de Trabalho), sob pena de um tratamento de favor da Autora face a outros trabalhadores em similar situação profissional, mas que não foram ilicitamente despedidos pela Ré, o que colidiria com o estatuído pelo artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Em suma, no que concerne à “garantia mínima” (prestação retributiva especial), a Autora terá direito a receber da Ré, em sede de retribuições intercalares, o que os demais trabalhadores da Ré tiveram durante o ano de 2021, ou seja, se estivessem disponíveis seis dias por mês sem terem sido incluídos na escala, ficando depois suspenso o direito até ao dia 31-12-2024, ou, se anterior, na data da entrada em vigor da revisão integral do atual acordo de empresa prevista na cláusula 8.ª do referido Acordo temporário, na sequência da sua publicação no Boletim de Trabalho e Emprego.
*
7. Verificar se assiste à Autora direito a indemnização por danos não patrimoniais (recurso subordinado da Autora).
O recurso subordinado da Autora versa sobre a absolvição da Ré da pretensão deduzida a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Sobre esta pretensão da Autora escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
Quanto a esta matéria nenhum facto se provou. Cabia à autora a prova desses factos, artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que a sua pretensão improcede quanto a este pedido.”
A Autora pugna no respetivo recurso pela revogação da sentença neste ponto e consequente condenação da Ré a pagar à Autora indemnização a este título no valor de € 2.000,00, sustentando que produziu extensa prova do abuso da Ré no recurso à contratação a termo e expectativas que esta gerava em todos os seus novos tripulantes, sendo a quebra abrupta da relação laboral contraditória dessa mesma expectativa em moldes não normais para a contratação a termo (cfr. conclusões R. e S. relativas ao recurso subordinado apresentado pela Autora). Argumenta a Autora, nas alegações do recurso subordinado que resultou demonstrado que a Ré tentava tranquilizar os seus tripulantes contratados a termo dizendo que era certo que teriam lugar no quadro permanente desta, o que levava a Autora e os seus pares a fazer compromissos familiares e financeiros consonantes com os de quem tem a estabilidade de um vínculo laboral por tempo indeterminado, sendo que o fim inesperado e abrupto da relação laboral levou a uma espiral de consequências pessoais provadas que merecem ressarcimento.
Por seu turno, a Ré defende que deve ser negado provimento ao recurso subordinado interposto pela Autora, confirmando-se neste particular a sentença recorrida. Defende que da decisão sobre a matéria de facto não resulta que a Autora tenha sofrido quaisquer danos em razão da cessação da relação laboral e, muito menos, que tais danos, a existirem, tivessem assumido gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.
No caso dos autos, analisada a matéria fáctica provada e não provada, considera-se que, efetivamente, não resultou provada factualidade que permita justificar a pretendida condenação da Ré em indemnização por danos não patrimoniais.
É certo que, quando ilícito, o despedimento de trabalhadores pode gerar nestes danos de natureza não patrimonial, os quais, na medida da respetiva gravidade, merecem a tutela do direito e devem ser indemnizados (cfr. artigos 396.º, n.º 1, alínea a), e 496.º, n.º 1, este último do Código Civil).
Não obstante, não basta alegar que o despedimento causou danos não patrimoniais.
Cumpre alegar e provar danos relevantes a tal título, ou seja, danos graves que mereçam a tutela jurídica.
Na verdade, em matéria de danos não patrimoniais, haverá que apelar ao artigo 496º, nº 1, do Código Civil, que dispõe que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 499, “O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…). Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.”
Os danos não patrimoniais, como explica Mota Pinto, “resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem estar físico e psíquico” e que “não sendo estes prejuízos avaliáveis em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente legitima-se, não pela ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela de compensação” [Teoria Geral do Direito, pág. 115].
No mesmo sentido, Galvão Telles refere que os danos não patrimoniais são aqueles “prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afetado; não passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de caráter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa subjetiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral” [Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 378].
De facto, há muito que vem sendo reiterado o entendimento uniforme, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, de que os danos não patrimoniais são comummente definidos como prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, sendo que a indemnização prevista no artigo 496º do Código Civil assume a natureza de uma compensação com que se visa, através da atribuição de uma prestação pecuniária, atenuar de alguma forma o desgosto, a dor, o sofrimento suportado e/ou a suportar pelo lesado, proporcionando-lhe a possibilidade de angariar um acréscimo de bem-estar capaz de compensá-lo pelos desgostos, as dores ou o sofrimento suportados ou que haja de suportar.
A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas.
Também em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de alegar e provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável. É também entendimento praticamente sedimentado na jurisprudência que no que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caraterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador. Será sempre necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita [neste sentido vide, a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2012 (processo n.º 1210/13.0 TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha) e de 25-01-2012 (processo n.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Pereira Rodrigues) e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2018 (processo n.º 233/13.0TTSTS.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas e em que também interveio como 1.º Adjunto o Desembargador Nelson Fernandes) e de 7-11-2016 (processo n.º 659/12.6TTMTS.P2, Relator Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º Adjunto)].
Como se expõe no citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2018, “[p]ode afirmar-se com segurança que na generalidade dos casos, o despedimento ilícito é sempre gerador de incómodo, insegurança profissional e desconforto psicológico, designadamente, suscitando um sentimento de injustiça. É a reacção normal de qualquer trabalhador que vê ocorrer a ruptura da relação laboral e que, por múltiplos factores que variam de caso para caso, considera não haver razões que justifiquem esse desfecho e a conduta da entidade empregadora.
Contudo, como é também entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, isso só por si não basta para dar direito a reparação de danos não patrimoniais, sendo sempre necessário que esses danos assumam alguma gravidade, reflectindo-se de modo relevante na estabilidade psicológica do trabalhador, de modo a consubstanciarem um dano com gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito.”
Como assim, vem sendo sedimentada a posição no sentido de que não basta alegar que o despedimento causou ansiedade e nervosismo. É necessário que essa ansiedade, esse nervosismo sejam graves e, para aferir essa gravidade é necessário caraterizar, com elementos de facto concretos, cada uma dessas situações; é necessário alegar e demonstrar que cada uma dessas situações causou ao trabalhador danos relevantes, isto é danos graves.
Ora, no que respeita à pretendida indemnização por invocados danos não patrimoniais decorrentes do seu despedimento, considera-se que a Autora não logrou provar os necessários factos que permitam ao tribunal concluir que, em consequência do comportamento da Ré, sofreu danos de natureza patrimonial com dimensão suficientemente grave que justifique a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do seu despedimento.
Como bem observa a Ré na sua resposta ao recurso subordinado, de nenhum ponto dos factos provados se extrai que a Autora tenha sofrido qualquer dano de natureza não patrimonial, sendo certo que foi dada como provada a matéria alegada nesse particular pela Autora (cfr. pontos 47 a 58 dos factos não provados e artigos 478º a 489º da petição inicial) e esta não impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida na sentença da primeira instância. Sempre se dirá que, ainda que tal matéria tivesse resultado demonstrada, seria a mesma insuficiente para caracterizar a gravidade pressuposta no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.
Improcede, pois, o recurso subordinado da Autora.
*
Por último, consigna-se que, em conformidade com o disposto no artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, o valor da da ação da Autora - € 26.709,35 - (única ação que não terminou por transação e à qual respeita a apelação) se considera definitivamente fixado, tendo em conta que não foi impugnado por qualquer das partes no momento próprio, o que assume relevância desde logo para efeitos de custas [sobre a matéria do valor da causa a atender nas ações coligadas, como in casu, e versando, aliás, sobre uma situação muito próxima da presente, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2023, processo n.º 4267/21.2.T8MAI-P1-A.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes].
As custas da 1ª instância serão suportadas por Autora e Ré na proporção do decaímento, fixando-se este em 1/2 para a Ré e 1/2 para a Autora.
Custas na apelação da Ré, por ambas as partes, na proporção do decaímento, fixando-se este em 2/3 para a Ré e 1/3 para a Autora e custas na apelação da Autora (recurso subordinado) por conta da Autora – artigos 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa.
***

V – DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se:

a) Em julgar parcialmente procedente a apelação da Ré, mais precisamente:
a.1. Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto:
- em manter os pontos 44. a 46. dos factos provados nos seus exatos termos;
- em eliminar o ponto 136. dos factos provados;
- em alterar a redação dos pontos 40., 137. e 138. dos factos provados, nos seguintes termos:
“40. A Ré expandiu a sua operação em termos de frota e mercado o que provocou uma necessidade de mais tripulantes”.
“137. A prestação denominada “garantia mínima” é devida por cada dia de não escalonamento nem utilização do tripulante até ao limite de 15 dias.
138. Tal prestação é devida por o tripulante, estando disponível para o serviço de voo, não ser escalado em condições de igualdade com os seus colegas e que poderá ter a sua proficiência afetada se não voar um determinado número de voos”.
a.2. Relativamente às questões jurídicas:
- Revogar a sentença recorrida quanto aos respetivos segmentos condenatórios da Ré sob os pontos III, IV e V, absolvendo a Ré em conformidade;
- Manter a sentença recorrida quanto aos respectivos segmentos condenatórios sob os pontos I e II, alínea a);
- Alterar a sentença recorrida no que concerne à condenação da Ré a pagar à Autora o valor das retribuições intercalares (segmento condenatório sob o ponto II, alínea b)), mais concretamente quanto à prestação retributiva «garantia mínima», de modo a que essa prestação apenas abranja seis dias de disponibilidade da Autora sem que fosse incluída em escala em cada mês do ano de 2021 (no período abrangido pela condenação nas retribuições intercalares), ficando depois suspenso o direito a tal prestação nas retribuições intercalares até ao dia 31-12-2024 ou, se anterior, na data da entrada em vigor da revisão integral do atual Acordo de Empresa, prevista na cláusula 8.ª do referido Acordo Temporário de 2021, na sequência da sua publicação no Boletim de Trabalho e Emprego, mantendo-se o mais decidido nesse segmento condenatório quanto a retribuições intercalares, todas a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença nos termos previstos nesse segmento, bem como as deduções aí previstas e condenação em juros aí contida.

b) Em julgar totalmente improcedente a apelação/recurso subordinado da Autora, mantendo-se a sentença recorrida no que respeita à absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora a título de indemnização por danos não patrimoniais.

As custas da 1ª instância serão suportadas na proporção do decaímento, fixando-se este em 1/2 para a Ré e 1/2 para a Autora.
Custas na apelação da Ré, por ambas as partes, na proporção do decaímento, fixando-se este em 2/3 para a Ré e 1/3 para a Autora.
Custas na apelação da Autora (recurso subordinado) por conta da Autora.

Notifique e registe.
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)




Porto, 15 de janeiro de 2024
Germana Ferreira Lopes
Nelson Fernandes
Paula Leal de Carvalho